Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 336/2021-T
Data da decisão: 2022-06-09   
Valor do pedido: € 53.472,50
Tema: IRC - Correção á matéria coletável; Provisões; NCRF 21, § 13
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SUMÁRIO:

  1. O princípio da especialização dos exercícios deve conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (art. 266º, nº 2 da CRP e 55º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais.
  2. No caso dos presentes autos, estando pendente recurso jurisdicional interposto de sentença de 1ª. instância, proferida em 2015, não se pode concluir que o SJ estivesse desde logo obrigado à constituição da provisão, pois que não se encontravam verificados os pressupostos cumulativos resultantes da norma contabilística contida do parágrafo 13 da NCRF 21.
  3. Acresce ainda que, a interpretação da AT, no caso dos autos, sem respaldo legal, impediria a Requerente de ver devidamente refletido na sua contabilidade um custo significativo, devidamente sustentado numa decisão judicial transitada em julgado em 2017. Tal seria inaceitável, desde logo à luz dos princípios da verdade material, da justiça e proporcionalidade que devem ser observados na atuação da administração pública em geral e com particular imperatividade para a administração tributária (art. 266º e ss da CRP e 55º da LGT).

 

Decisão arbitral

 

1. RELATÓRIO

 

A... SGPS, S.A., (doravante identificada apenas por “Requerente”), com sede na Rua ..., nº..., ..., ...-... Vila Nova de Gaia, requereu em 02-06-2021, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 2º e no artigo 10º do Decreto-Lei 10/2011 de 20 de Janeiro (REGIME Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante identificado apenas pelas iniciais RJAT), a constituição de Tribunal Tributário Arbitral singular, contra a liquidação adicional de Imposto sobre as Pessoas Coletivas (IRC) do exercício de 2017, resultante da correção à matéria coletável de IRC com o nº 2021..., bem como da correspondente demonstração de acerto de contas nº 2021 ... e demonstração de liquidação de juros compensatórios nº 2021 ..., no montante total a pagar de 76.054,50.

A Requerente submeteu à apreciação do Tribunal Arbitral a análise da ilegalidade destas liquidações.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante AT).

 

A Requerente optou por não designar Árbitro pelo que este foi escolhido pelo Conselho Deontológico do CAAD.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado em 04.06.2021.

Em 21.07.2021, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação do Árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 7 do Artigo 11º do RJAT.

Desta forma, em face do disposto no nº 8 do artigo 11º do RJAT, tendo decorrido o prazo estabelecido no nº 11 do mesmo artigo sem que as Partes se pronunciassem, o Tribunal Tributário Colectivo ficou constituído em 10.08.2021.

O Tribunal notificou a AT, em 12/08/2022, para apresentar a sua resposta e juntar o processo administrativo (PA)

A AT apresentou a sua resposta em 28.09.2021, pugnando pela legalidade das liquidações e concluindo que se deve julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho arbitral de 29.10.2021 foram as partes notificadas para se pronunciarem sobre a possibilidade de dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, nos termos seguintes:

Analisado o pedido arbitral e a resposta apresentada nos autos, constata-se que a questão a decidir se afigura exclusivamente de direito. Não foi indicada prova testemunhal a produzir.

Nestes termos, está o Tribunal em condições de poder dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT e determinar a tramitação subsequente, prosseguindo para alegações escritas e decisão final.

Ficam as partes notificadas para se pronunciar, no prazo de cinco dias, sobre a possibilidade de dispensa da reunião. Caso não se pronunciem, entenderá o Tribunal que nada têm a opor, ordenando a tramitação.

 

Por requerimento de 04.11.2021 a Requerente pronunciou-se no sentido de nada opor à dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT.

 

Por despacho de 5.11.2021 foi decidido não realizar a reunião prevista no artigo 18º do RJAT. Foi fixado prazo para alegações escritas, facultativas, e determinada a tramitação subsequente.

Conforme Despachos arbitrais de 08.02.2022 e de 07.04.2022, devidamente fundamentados, foi prorrogado o prazo para proferir a decisão arbitral, o qual passou para 10.06.2022.

 

2. SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4º e 10º nº 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

Cumpre decidir.

 

3. DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

 

A) Factos provados

 

Com relevância para a decisão final consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais, sendo a sociedade dominante do Grupo B..., enquadrado no Regime Especial de Tributação de Grupos, o qual integra um grupo de sociedades dominadas, a saber:
  1. C..., S. A. – NIPC...;
  2. D..., S.A. – NIPC ...;
  3. E... S.A. – NIPC ...;
  4. F... S.A. – NIPC ...;
  5. G..., S.A. –...;
  6. H..., S.A. – NIPC ...;
  7. I..., S.A. – NIPC ...;
  8. J... S. A. – NIPC ...;
  9. K... S. A. – NIPC...;
  10. L..., S. A. – NIPC... .

 

  1.  A Requerente, enquanto sociedade dominante, é responsável pela apresentação da liquidação de IRC, sendo as demais sociedades dominadas solidariamente responsáveis pelo pagamento do imposto.
  2. Cada uma das sociedades dominadas apresentou a sua declaração de IRC (Modelo 22).
  3. Em cumprimento da ordem de serviços nº OI2019..., foi realizado à empresa em questão uma inspeção tributária, sendo que da mesma resulta um ajustamento positivo ao lucro tributário, resultante das correções que seguidamente se enunciam:
    1. E..., S. A. -4288,92
    2. G..., S. A. – 28.688,81;
    3. J... S.A. – 215.456,59;
    4. L..., S.A – 7.798,00.

 

  1. Apesar destas correções, a Requerente só contesta a referente ao J..., no valor de 209.696,07 €.

 

  1. A fundamentação das correções efetuadas resulta do Relatório da Inspeção Tributária (RIT) junto aos autos, que se dá por integralmente reproduzido;

 

  1. Da ação inspetiva realizada resultaram três correções, a saber:

 

  1. Correção decorrente da «menos valia apurada pelo J... resultante da alienação do equipamento “TAC 4 “, não se encontra comprovada dado que não se efetuou a respetiva prova de compra, critério que faz depender a dedutibilidade dos gastos, no valor total de 50.578,75 €.

 

  1. Na 2ª correção, verificou-se que os encargos reconhecidos como indemnizações pagas no exercício de 2017, não concorrem para a formação do Lucro tributável da Requerente porquanto o não reconhecimento da provisão em 2015, constitui uma violação do princípio da especialização dos exercícios, na medida em que teve como efeito descolar para 2017, um gasto pertencente a 2015. Com a sentença em 1.ª instância de 07.12.2015, que condenou a Requerente ao pagamento de 179.568,00€ acrescido de juros e custas - encontravam - se reunidas as condições, estabelecidas no Ponto 13 da NCRF 21, para o reconhecimento e mensuração na contabilidade de uma provisão destinada a acorrer a obrigações e encargos derivados do processo judicial. Face ao exposto, foi o montante de 209.696,07 €.

 

  1. Na 3ª correção, consideraram que se encontrava em falta o reconhecimento de réditos no montante de 401.170,67 €.

                       Cfr. PA junto aos autos.

 

  1. A Requerente exerceu o direito de audição – Cfr. Doc 3 e 4 do pedido arbitral e PA junto aos autos.;
  2. Em síntese, como consta do RIT junto aos autos no processo administrativo, as correções finais à matéria coletável são as seguintes:

 

 Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

       Cfr. PA junto aos autos.

 

  1. Em 02.06.2021 a Requerente apresentou, junto do CAAD, o presente pedido de pronúncia arbitral, no qual impugna a 2ª correção efetuada ao lucro tributável do J..., no montante de €209.696,07, c requer a anulação da liquidação adicional de IRC nº 20218..., e respetiva liquidação de juros compensatórios nº 2021..., no montante total a pagar de €76.054,50. – Cfr. PA junto aos autos

 

  1. A indemnização no valor de €209.696,07, a pagar a M... resultou da decisão proferida por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datada de 15.03.2017, em face de recurso interposto pelo sujeito passivo contra a decisão proferida em 07.12.2015, a qual lhe foi desfavorável em primeira instância, resultante da ação que correu termos no Tribunal da Comarca do Porto - Inst. Central - 1ª Seção Cível (Processo nº .../13...TBVLG.P2. - Cfr. PA junto aos autos.

 

B) Factos não provados

 

 Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

C) Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Todos os factos descritos nas alíneas a) a k) do probatório foram dados como provados com base na prova documental junta pela Requerente em anexo ao pedido arbitral e no processo administrativo junto aos autos pela AT, como referenciado ao longo do elenco da matéria assente. Acresce que, no caso, não existe qualquer divergência entre as partes quanto aos factos, mas apenas quanto à questão de direito. Pelo que, os factos provados resultam também do reconhecimento da sua veracidade, considerando a posição assumida pelas partes nos respetivos articulados.

 

De ressaltar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).  No caso dos presentes autos apenas foi impugnada uma das correções efetuadas em sede de inspeção tributária, pelo que o tribunal se focou apenas nos factos relevantes para a decisão da questão de mérito a decidir.

 

 

4. DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO

 

Dos fundamentos da correção à matéria coletável apresentados pela Autoridade Tributária

 

A AT determinou uma à matéria coletável do J..., sociedade que integra o Grupo B..., fundamentada na verificação de que os encargos reconhecidos como indemnizações pagas no exercício de 2017, não concorrerem para a formação do lucro tributável da Requerente, porquanto o não reconhecimento da provisão em 2015, constitui uma violação do princípio da especialização dos exercícios, na medida em que teve como efeito deslocar para 2017 um gasto pertencente a 2015. Assim, do ponto de vista da AT «a sentença em 1.ª instância proferida em 07.12.2015, que condenou a Requerente ao pagamento de 179.568,00€ acrescido de juros e custas - encontravam - se reunidas as condições, estabelecidas no Ponto 13 da NCRF 21, para o reconhecimento e mensuração na contabilidade de uma provisão destinada a acorrer a obrigações e encargos derivados do processo judicial. Face ao exposto, foi o montante de 209.696,07 €.»

 

 

Dos fundamentos do pedido de pronúncia da Requerente

 

No requerimento com o pedido de pronúncia arbitral apresentado junto deste Tribunal, a Requerente vem impugnar esta correção, efetuada pela AT considerando-a manifestamente ilegal e, devendo, como tal, ser anulada. A Requerente questiona o fundamento invocado pela AT, assente na violação do princípio da especialização dos exercícios, por entender, desde logo, que não é correto o entendimento segundo o qual o J... deslocou para o ano de 2017 um gasto que ocorreu em 2015.

Esta é, pois, a questão a decidir. Vejamos se assiste razão à Requerente, ou seja, se a interpretação subjacente à correção efetuada é ou não ilegal.

 

 

Análise do pedido formulado pela Requerente

 

Resulta do probatório que a sociedade “J..., S.A.“, é uma  empresa pertencente ao Grupo B..., que registou em 2017, na conta do SNC - 68885, um custo no montante de €209.696,07, referente a uma indemnização a pagar a M... . Este registo resultou da decisão proferida por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datada de 15.03.2017, em face de recurso interposto pelo sujeito passivo contra a decisão de 07.12.2015 que lhe foi desfavorável em primeira instância, ação no Tribunal da Comarca do Porto - Inst. Central - 1ª Seção Cível (Processo nº .../13...TBVLG.P2).

Constata-se, pois, que a decisão proferida em 1ª. Instância ocorreu em 2015, mas não transitou em julgado por força da interposição de recurso para Tribunal superior.

Face ao que vem exposto, a condenação operada em 1ª. Instância não implicou de imediato a obrigação de pagamento da indemnização, porquanto o exercício legitimo da garantia de interposição de recurso jurisdicional teve como consequência a necessária reapreciação pela 2ª. Instância. Em 2017 foi confirmada a decisão proferida em 1ª. Instância e, face ao trânsito em julgado que só então ocorreu, o direito a receber a indemnização ficou definitivamente decidido e reconhecido.

 

Posto isto, a questão é a de saber se a Requerente podia ou não processar este custo no exercício de 2017 ou se estava obrigada a processar o seu registo no exercício de 2015, apesar de então a decisão não ter transitado em julgado. Sendo que, do ponto de vista do direito instituído só em 2017 se consolidou a obrigação de pagamento da indemnização.

 

Ora, o Ponto 13 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF 21), estabelece três condições cumulativas para o reconhecimento de uma provisão:

«a) Uma entidade tenha obrigação presente (legal ou construtiva) como resultado de um acontecimento passado;

b) seja provável que um exfluxo de recursos que incorporem benefícios económicos será necessário para liquidar a obrigação; e

c) Possa ser feita uma estimativa fiável da quantia da obrigação (sublinhados nossos)

 

Na ótica da AT estes pressupostos de facto e de direito estavam reunidos desde 2015, logo a provisão devia ter sido processada no exercício de 2015 e não no de 2017, como efetivamente sucedeu.

 Ora, não podemos acompanhar a interpretação da norma contabilística com este alcance, pois que tal seria ignorar a natureza litigiosa da obrigação, bem assim como a possibilidade de pleitear legitimamente, em sede de recurso jurisdicional, contra o sentido de uma decisão judicial proferida em 1ª. Instância. Dito de outro modo, a interposição de recuso tornou aquela decisão proferida em 2015 potencialmente revogável e incerta, porquanto uma sentença não transitada em julgado não produz as suas consequências condenatórias, pelo que a obrigação em discussão não deve ser qualificada como uma obrigação presente, legal ou construtiva. Ela é uma probabilidade, ou seja, poderá ou não vir a ser confirmada em sede de recurso. Assim, não se verifica o 1º pressuposto definido na normativa contabilística.

 

Acresce que, tendo sido interposto recurso, o próprio montante da indemnização é incerto, na medida em que podia ser revogada na íntegra ou em parte o teor da sentença recorrida, pelo que também não se verificava em 2015 o pressuposto da estimativa fiável quanto ao montante da obrigação.

 

No caso em apreço, não estavam, pois, reunidas todas as condições previstas na norma contabilística, as quais são cumulativas, pelo que a constituição da provisão em 2015 seria uma decisão temerária e que em sede de eventual inspeção tributária, muito provavelmente, seria considerada como indevida, produzindo consequências prejudiciais para a empresa. De resto a interpretação da IT e a fundamentação da correção afigura-se, meramente conclusiva e arbitrária, sem demonstração da verificação em concreto dos pressupostos de facto e de direito subjacentes à normativa contabilística.

 

Não colhe, pois, a alegação da a AT segundo a qual «o sujeito passivo sabia desde 2015 que tinha uma obrigação para com a pessoa a quem era devida a indemnização, levando tal facto a uma saída de fluxos de caixa, valores estes que se encontravam determinados (o pagamento do dobro do sinal mais custas do processo judicial).»

 

Ora, tal não é verdade como evidencia todo o contencioso que antecedeu a decisão final proferida em 2017.

O direito de recurso jurisdicional é um direito fundamental, com consagração constitucional e infraconstitucional, cujo alcance é, precisamente, o de permitir a discussão sobre a existência ou não dos direitos e obrigações emergentes da atividade social e económica. Assim, enquanto a discussão judicial de uma obrigação não estiver definitivamente julgada e transitada em julgado não se pode afirmar que a «obrigação exista no «presente». Ela é, apenas e só, uma probabilidade futura e incerta.

 

No caso dos presentes autos, face à discussão judicial da obrigação, a qual decorreu até 2017, só então se consubstanciou tal obrigação como certa, exigível e legalmente reconhecida na ordem jurídica. Só o trânsito em julgado da decisão proferida em 2ª. instância, ocorrida em 2017, tem como consequência a estabilização da obrigação na esfera jurídica do sujeito passivo.

 

A argumentação da AT não colhe, pois limitou-se a afirmar que estavam preenchidos os pressupostos da normativa contabilística desde 2015, para promover uma correção aritmética à matéria coletável, sem demonstração dessa verificação e ignorando as garantias jurídico-processuais de defesa e acesso aos tribunais para discussão legitima dos direitos e obrigações das partes, pilar essencial de um Estado de Direito. Como bem decidiu o nosso Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão proferido em 14.03.2018, no processo nº 0716/13, o princípio da especialização dos exercícios « … deve, tendencialmente,  conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (art. 266º, nº 2 da CRP e 55º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados de exercícios».

 

Acresce ainda que, a interpretação da AT, no caso dos autos, sem respaldo legal, impediria a Requerente de ver devidamente refletido na sua contabilidade um custo significativo, devidamente sustentado numa decisão judicial transitada em julgado em 2017. Tal seria inaceitável, desde logo à luz dos princípios da verdade material, da justiça e proporcionalidade que devem ser observados na atuação da administração pública em geral e com particular imperatividade para a administração tributária (art. 266º e ss da CRP e 55º da LGT).

A este propósito, ressalta-se, ainda, o teor da decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no Acórdão proferido em 12.10.2006, no qual se refere que « em caso algum a lei ou os princípios contabilísticos da especialização dos exercícios e da prudência impõem, relativamente aos processos judiciais em curso, que a constituição de provisões seja feita dentro de determinado período…»

*

A aceitar a interpretação da AT no caso em apreciação nos presentes autos, estaríamos a incentivar ou a permitir provisões antecipadas e incertas, face à incerteza da obrigação subjacente (por se encontrar em apreciação jurisdicional), o que contrariaria, sem margem de dúvida, a prudência e a verdade material que inspiram a normativa contabilística invocada pela AT.

É entendimento deste Tribunal que a fundamentação da AT não encontra qualquer suporte na lei, nomeadamente, por não se encontrarem reunidos os pressupostos de facto e de direito subjacentes à normativa contabilística em causa.

 Em consequência a liquidação adicional de IRC, bem assim como as respetivas demonstrações de resultados e liquidação de juros, são ilegais por padecerem do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pelo que se impõe a sua anulação.

 

Quanto a juros indemnizatórios

 

O Requerente peticiona, ainda, o reembolso da importância indevidamente cobrada em excesso acrescida de juros indemnizatórios.

O artigo 43.º, nº1, da LGT, dispõe que são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido."

O direito a juros indemnizatórios pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT. No caso dos autos, é manifesto que as liquidações impugnadas decorrem de erro na aplicação da lei e que, como consequência disso, a Requerente efetuou o pagamento de importância manifestamente indevida.

Assim, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” Conforme decorre do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o direito aos mencionados juros pode também ser reconhecido no processo arbitral.

A condição necessária para a atribuição dos juros indemnizatórios consiste na demonstração da existência de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável aos serviços da Administração Fiscal.

Nestes termos, o Requerente tem direito a ser reembolsado da quantia que pagou em excesso, nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT e, ainda, a ser indemnizado pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso. (cfr. LGT, art.43.º, n.º 1 e CPPT, art. 61.º).

 

5. DECISÃO

 

Neste sentido, considera o Tribunal que a correcção efectuada pela AT à matéria colectável da Requerente é manifestamente ilegal por violação de lei, padecendo do mesmo vício, consequentemente a liquidação de IRC dela decorrente.

Em face de tudo o exposto, devem proceder, integralmente, os pedidos formulados pela Requerente, ou seja:

  1. Ser anuladas, por ilegais, a correcção à matéria colectável da Requerente no valor de €209.696,07, bem assim como a respetiva liquidação adicional de IRC nº 2021..., bem como a demonstração de acerto de contas nº 2021..., a liquidação de juros compensatórios 2021... e de juros moratórios nº 2021..., no montante total a pagar de €76.054,50.
  2. Em consequência desta anulação tem a Requerente direito ao reembolso do valor de imposto pago em excesso acrescido de juros indemnizatórios a contabilizar desde a data do pagamento até à data de devolução.
  3. Ser condenada a Requerida AT no pagamento das custas do processo

 

 

 

6. VALOR DA CAUSA

 

Fixa-se o valor do processo em €53.472,50, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

7. CUSTAS

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em €2.142,00, a cargo da parte vencida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 9 de junho de 2022

 

 

O Tribunal Arbitral singular,

 

 

Maria do Rosário Anjos