Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 337/2021-T
Data da decisão: 2022-04-09  ISV  
Valor do pedido: € 20.858,87
Tema: ISV – Admissão veículo usado da EU – Método alternativo – Componente Ambiental
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SUMÁRIO:

 

  1. Os tribunais arbitrais são incompetentes para apreciar a aplicação do método alternativo no ISV de veículos usados em substituição da efectuada nos termos gerais.
  2. O ISV, com a alteração introduzida pela Lei 75-B/2020, de 31 de Dezembro, rectificada pela Declaração n.º 6/2021, passou a contemplar a componente ambiental no cálculo do ISV relativo a tais veículos.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1. A..., contribuinte n.º ..., apresentou, em 02-06-2021, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

 

2. O Requerente pretende, com o seu pedido, a anulação do acto tributário de liquidação de Imposto sobre Veículos, referente ao ano de 2021, praticado pelo Director da Alfândega do Freixieiro relativamente ao veículo automóvel com a matrícula ..., pretendendo, com o seu pedido, a anulação parcial do mesmo, com a consequente restituição do imposto pago em excesso com juros indemnizatórios.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04-06-2021.

 

3.1. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.

 

3.2. Em 21-07-2021 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

 

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 10-08-2021.

 

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

3.5. Por despacho de 21-01-2022 foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT e, com a anuência das partes, da apresentação de alegações, tendo vindo a ser proferido despacho de prorrogação da decisão, ao abrigo do disposto no artigo 21º, n.º 2 do mesmo diploma.

 

4. O Requerente fundamenta, em síntese, o seu pedido, nos seguintes termos:

Introduziu em Portugal um veículo automóvel e, na data em que o decidiu fazer, estava em vigor o art. 11º do CISV, mais propriamente, o seu nº 3 que que define a fórmula a aplicar para a liquidação do ISV através do método alternativo, fórmula que tinha sido aprovada a par da aprovação e publicação da Lei do Orçamento para 2021 – Lei nº 75-B/2020 de 31 de dezembro.

A aplicação deste método alternativo na liquidação do ISV, tinha sido já introduzida com a aprovação do Código do Imposto Sobre Veículos e Código do Imposto Único de Circulação, através da Lei 22-A/2007 de 29 de junho, que, conforme a redação do nº 3 do art. 11º, permitia aos sujeitos passivos deste imposto requerer a liquidação deste imposto com o recurso a este método, quando determinadas características dos veículos introduzidos em Portugal o justificasse. Ou seja, quando essas características determinassem que da aplicação do método alternativo resultasse a aplicação de um ISV inferior ao que resultaria da aplicação do método normal, os sujeitos passivos tinham ao seu dispor este método para a liquidação do imposto.

Acontece, porém que, em 24.02.2021, o Requerente tomou conhecimento que tinha sido publicada no Diário da República, I Série, nº 38, de 24.02.2021, a Declaração de Retificação nº 6/2021, que procedeu à alegada retificação da fórmula de cálculo do método alternativo que tinha entrado em vigor com a Lei nº 75-B/2020 de 31 de dezembro. Retificação que produziu efeitos retroativos à data de 1 de janeiro de 2021.

A alteração desta fórmula alterou radicalmente o método de cálculo do ISV através da aplicação deste método, tendo o Requerente sido confrontado que da liquidação por este método resultaria o valor de ISV a pagar de € 32.317,81, enquanto pela fórmula que estava em vigor esse valor era de € 11.414,88.

Perante o valor elevado que resultaria da aplicação do método alternativo através da fórmula alegadamente retificada, o Requerente requereu que o ISV referente à sua viatura fosse liquidado pelo método previsto no nº 1 do art. 11º do CISV, ou seja, através da aplicação da tabela de desvalorização pelo número de anos de uso do veículo. Disso resultou que pago um ISV por um valor que excedeu em € 20.858,87, o valor que pagaria se o imposto fosse aplicado pela fórmula que, no seu entender, estava em vigor.

Na nova redação dada ao nº 1 deste artigo, o Estado Português veio finalmente reconhecer a obrigação de aplicar uma desvalorização pelo número de anos de uso dos veículos usados introduzidos em Portugal, oriundos de outro Estado Membro, no que diz respeito à componente ambiental do ISV.

Muito embora a tabela criada para esta componente do imposto preveja uma desvalorização inferior à aplicada à componente cilindrada, pelo que a descriminação negativa daquelas viaturas se mantém, embora por valores inferiores àqueles que vinham sendo praticados até esta alteração. Mantendo-se assim a violação do art. 110º do TFUE, que tem dado origem a inúmeras decisões emanadas por este Tribunal Arbitral que têm vindo a anular parcialmente a liquidação do ISV.

Mas, a par desta nova redação do nº 1 do art. 11º, foi também introduzida uma nova redação ao seu nº 3, com a alteração da fórmula a aplicar para a liquidação do imposto através do método alternativo.

Tomou também o Requerente conhecimento que imediatamente após a aprovação da Lei do Orçamento e quando foram apresentados os primeiros pedidos de liquidação do ISV através do método alternativo com a aplicação da nova fórmula, a AT informou os respetivos sujeitos passivos que a aplicação deste método estava suspensa, recusando-se a liquidar o ISV, mesmo através do método tradicional previsto no nº 1 do art. 11.

Entende o Requerente que a referida retificação, não pode ser enquadrada como tal, pois não preenche os requisitos do art. 5º da Lei nº 74/98 de 11 de novembro, com a redação introduzida pela Lei nº 43/2014 de 11 de julho, na medida em que não se trata de um “lapso gramatical, ortográfico, de cálculo ou de natureza análoga ou para correção de erros materiais provenientes de divergências entre o texto original e o texto do diploma publicado”

A alegada retificação da fórmula, mais não é do que uma alteração ao art. 11º do CISV, alteração essa efetuada ao abrigo de uma intitulada retificação, proposta pela Secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares e aprovada pelo Comissão de Orçamento e Finanças, órgãos que não têm competência para promover, nem para aprovar uma alteração legislativa.

A alteração desta fórmula padece pois de um vício de inconstitucionalidade orgânica, pois promoveu uma alteração legislativa em matéria de competência relativa da Assembleia da República – art. 165º, nº 1, alínea i) da CRP e igualmente de uma inconstitucionalidade material, face aos efeitos retroativos que lhe foram atribuídos – art. 103º nº 3 da CRP.

O princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, expressamente consagrados no art. 2º da CRP, enquanto princípios classificadores do Estado de Direito, foram grosseiramente violados com a atribuição dos efeitos pretendidos a esta alegada retificação. Mesmo que se aceitasse ter existido um erro substancial na formação inicial da norma, este erro tem que funcionar contra o legislador e nunca contra os contribuintes, devendo o Governo, através dos seus órgãos competentes, promover uma alteração à lei e à respetiva fórmula de cálculo.

Mesmo que se considerasse que a retificação da fórmula era admissível, o que por cautela de patrocínio se admite, o certo é que a aplicação desta fórmula esvazia por completo a aplicação do método alternativo, pois da mesma resultaria sempre a liquidação de um ISV, sejam quais forem as características dos veículos em questão, muito superior ao que resulta do obtido através da aplicação do método tradicional previsto no nº 1 do art. 11º do CISV. O que traduz mais um incumprimento por parte do Estado Português do citado acórdão Gomes Tadeu e, consequentemente, do art. 110º do TFUE.

Todavia, se subsistirem dúvidas sobre a interpretação e aplicação do disposto no art. 110º do TFUE, deve este Tribunal Arbitral proceder ao reenvio prejudicial desta questão ao Tribunal de Justiça para a interpretação da mesma à luz do Tratado.

Subsidiariamente alega que com a aprovação e publicação da Lei do Orçamento para 2021 – Lei nº 75-B/2020 de 31 de dezembro, o legislador português introduziu no art. 11º do CISV uma tabela de desvalorização pelo número de anos de uso, aplicável à componente ambiental do ISV. Todavia, se se atentar no teor das tabelas introduzidas com esta alteração legislativa, verifica-se que a tabela prevista para a componente ambiental, não é coincidente com a tabela aplicável à componente cilindrada, tratando aquela componente de uma forma mais prejudicial, relativamente a esta última.

Ou seja, apesar desta alteração legislativa, a violação do art. 110º do TFUE mantém-se, pois o tratamento fiscal dado aos veículos automóveis usados, introduzidos em Portugal provenientes de outros Estados-Membros da UE, continua a ser diferenciado. Onerando de forma mais gravosa os carros provenientes de outro EM, pois, no que diz respeito à componente ambiental, a carga fiscal que lhes é aplicada é superior à que é aplicada aos veículos comercializados em Portugal.

A norma do art. 11º do CISV, continua assim a violar diretamente o disposto no art. 110º do TFUE.

Invoca ainda que, verificados os cálculos do ISV constantes da DAV junta (doc. 3), temos que relativamente à componente cilindrada, o ISV foi liquidado pelo valor de € 13.966,60 – € 2.793,32, valor correspondente a uma desvalorização de 20%, pelo número de anos de uso do veículo. Enquanto, na componente ambiental, foi liquidado por € 24.328,00 – 2.432,80, valor correspondente a uma desvalorização de apenas 10%, pelo número de anos de uso do veículo.

Quando deveria ter sido também aplicada a esta componente a redução aplicada à componente ambiental, ou seja 20%, que totaliza o valor de € 4.865,60.

Deve, por isso, ser restituído ao Requerente o montante de € 2.432,80 pago a mais, crescido dos juros indemnizatórios devidos nos termos do art. 43º da LGT.

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, invocando em síntese:

A liquidação impugnada foi efetuada por aplicação das taxas previstas no artigo 7º e no artigo 11º, n.º 1 do CISV, aplicável à introdução no consumo de veículos usados, admitidos no território nacional, provenientes de outros Estados-Membros da UE, na redação atualmente em vigor.

Defendendo o Requerente que deveria ter sido aplicada a fórmula prevista no n.º 3 do artigo 11.º, na redação anterior à Declaração de Retificação n.º 6/2021, referente ao método de avaliação alternativo ao invés do vertido no n.º 1 do mesmo artigo ou, em alternativa, e por considerar que deve ser igualmente aplicada à componente ambiental do ISV a redução da percentagem de 20% aplicada à componente cilindrada, a restituição da quantia de 2.432,80 € paga a mais, acrescida de juros indemnizatórios.

No presente pedido de pronúncia arbitral o Requerente vem suscitar uma questão que se prende com a natureza e conformidade jurídico-constitucional da Declaração de Retificação n.º 6/2021 e, concomitantemente, do artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento para 2021), que alterou o artigo 11.º do CISV.

De facto, não obstante o Requerente ter requerido inicialmente a avaliação do veículo, para efeitos de cálculo e aplicação da fórmula prevista no n.º 3 do artigo 11.º, mas tendo acabado por proceder à regularização fiscal do veículo através do método previsto no nº 1 do artigo 11º do CISV, defende agora que deveria ter sido aplicada a fórmula na versão inicialmente publicada, antes de a norma ter sido objeto de retificação.

Pelo que, pretendendo o Requerente, em rigor, a não aplicação de uma norma aprovada por Lei da Assembleia da República, visa, com a presente ação, suspender a eficácia de ato legislativo.

Sendo que, no presente caso, não é impugnado qualquer ato de liquidação resultante da aplicação do preceito legal sobre o qual se pretende ver exercido um escrutínio de legalidade. De facto, a liquidação que resultou da DAV n.º 2021/... foi efetuada por aplicação do n.º 1 do artigo 11.º e não ao abrigo do n.º 3 do mesmo artigo do CISV, independentemente de a sua redação ser a inicial ou a versão resultante da Declaração de Retificação n.º 6/2021.

Considerando o teor do pedido e sua fundamentação, o mesmo extravasa o âmbito da Ação Arbitral prevista no RJAT, e em concreto do artigo 2.º, o qual não consente o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, que, conforme decorre da restrição do perímetro desta forma processual à mera ilegalidade face a “atos de liquidação de tributos”, determina a exclusão do âmbito da jurisdição arbitral a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de atos praticados no exercício da função política e legislativa.

Isto é, a fiscalização da legalidade de normas em abstrato, sem enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação, não é da competência do tribunal arbitral, tendo presente a competência do tribunal arbitral delimitada pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT. Na verdade, sendo a competência taxativa, não se admite a apreciação de atos de natureza legislativa, emanados da função legislativa como é o caso da Lei do Orçamento (reserva exclusiva da Assembleia da República, artigo 161.º, alínea g) da CRP), e da Lei n.º 22-A/2007, de 20.09 (artigo 161.º, alínea c) da CRP) não podendo ser sindicáveis através de impugnação arbitral, por força do artigo 2.º, n.º 1, do RJAT. Aliás, afigura-se inconstitucional uma interpretação que determine que o artigo 2.º do RJAT inclui a apreciação dos pedidos aqui formulados pela Requerente, quando a letra e o espírito da norma não o permitem.

A incompetência material do tribunal arbitral consubstancia uma exceção dilatória, nos termos da alínea a) do artigo 577.º do Código de Processo Civil (CPC), impeditiva do conhecimento do mérito da causa, implicando a absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 99.º e n.º 2 do artigo 576.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

No caso, a liquidação e cálculo do montante de imposto foram efetuados de acordo com os artigos 7.º e 11.º, n.º 1, do CISV, tendo sido aplicadas, conforme resulta do Quadro R da DAV, as reduções previstas nas tabelas A e D para os veículos ligeiros de passageiros, com referência à componente cilindrada e à componente ambiental, nos termos dos referidos artigos do CISV.

Dizendo o Requerente que terá tomado conhecimento em 24-01-2021 da publicação da Declaração de Retificação, constata-se que terá concluído nessa data que a redação do n.º 3 do artigo 11.º do CISV, inicialmente publicada em 31.12.2020, e que continha um erro na fórmula, lhe seria mais favorável, razão pela qual vem agora por em causa a própria declaração de retificação e, pasme-se, a liquidação que nem sequer foi efetuada com recurso ao método alternativo previsto no n.º 3 do artigo 11.º.

O Requerente peticiona a anulação parcial da liquidação efetuada nos termos do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, a qual foi por ele requerida conforme DAV que apresentou junto da alfândega, em 16.03.2021, não podendo, por conseguinte, sequer, ser imputado ao ato de liquidação em crise qualquer vício de violação do direito da União Europeia, mormente do artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, por não ter sido aplicada a redução de anos de uso à componente ambiental, porque a nova redação do n.º 1 do artigo 11.º, já prevê na Tabela D percentagens de redução para a componente ambiental.

O Requerente requereu inicialmente, em 27.01.2021, como se disse, junto da Alfândega competente, em alternativa à liquidação efetuada nos termos do n.º 1 do artigo 11.º, que o cálculo do imposto fosse efetuado com recurso à fórmula constante do n.º 3, conforme se extrai do teor do documento nº 4 anexo ao PA.

Mas, ainda que o Requerente tivesse requerido, conforme resulta do n.º 3 do artigo 11.º, ao diretor da alfândega que o imposto fosse calculado de acordo com a fórmula nele indicada, sempre seria de aplicar ao caso concreto a fórmula retificada constante da Declaração de Retificação porquanto, conforme se retira do n.º 4 do artigo 5.º da Lei n.º 74/98, os efeitos da retificação reportam à data da data da entrada em vigor do texto retificado.

Ora, estando em causa uma introdução no consumo e liquidação ocorrida em data posterior a 1 de janeiro de 2021, a redação aplicável seria a resultante da Declaração de Retificação, e não aquela que o Requerente entende invocar.

De facto, toda a lógica do sistema no que concerne à tributação dos veículos usados admitidos em Portugal, provenientes de outros Estados-membros da União Europeia assenta, e sempre assentou, numa redução de imposto maior em função de um maior número de anos de uso. e nunca o contrário, isto é, o ISV a pagar na admissão ser mais reduzido para os veículos automóveis mais recentes do que para os veículos automóveis mais antigos, ou seja, com menos anos de uso, como sucederia com a aplicação. A fórmula publicada com a Lei n.º 75-B/2020 continha, efetivamente, um erro manifesto, estando, inclusivamente, em contradição com a tabela de reduções constante do n.º 1 do art.º 11.º do CISV.  da fórmula publicada na Lei n.º 75-B/2020, antes de ser retificada.

A correção da fórmula, por virtude da Declaração de Retificação, veio restabelecer a coerência entre os métodos previstos no n.º 1 e no n.º 3 do art.º 11.º do CISV, respeitando-se a jurisprudência emanada do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre esta matéria.

A situação descrita não impediu que os interessados, querendo, introduzissem no consumo os seus veículos automóveis antes de ter sido publicada a declaração de retificação n.º 6/2021, podendo proceder ao pagamento do ISV nos termos da tabela D prevista no n.º 1 do artigo 11.º e, querendo, em momento posterior à publicação da declaração de retificação, requerer a aplicação da fórmula de cálculo do n.º 3. No caso presente, e após ter tomado conhecimento em 24.02.2021 da Declaração de Ratificação nº 6/2021, o Requerente procedeu, em 16.03.2021, à regularização fiscal do veículo ao abrigo do artigo 11, nº 1 do CISV, através da DAV citada.

Atento todo exposto, e também porque o tribunal está obrigado a julgar de acordo com o direito constituído, deve improceder o pedido formulado de anulação parcial da liquidação de ISV, com fundamento na aplicação do método alternativo, que, além de não ter sido requerido, nunca poderia sê-lo com recurso a uma fórmula que não se encontra em vigor, não podendo o Requerente, caso a liquidação tivesse sido efetuado nos termos do n.º 3 do artigo 11.º, optar pela versão da norma que, alegadamente, lhe fosse mais favorável, afastando a vontade do legislador.

Vem também, o Requerente, em alternativa, peticionar a anulação parcial da liquidação efetuada, por considerar que deve ser igualmente aplicada à componente ambiental do ISV a redução na mesma percentagem (de 20%) que foi aplicada à componente cilindrada, pelo que pede a restituição da quantia de 3.890,40 € pagos a mais.

Argumenta o Requerente que embora com a nova redação dada ao nº 1 do artigo 11º do CISV o Estado Português tenha finalmente reconhecido a obrigação de aplicar uma desvalorização pelo número de anos de uso dos veículos usados introduzidos em Portugal, oriundos de outro Estado Membro, no que diz respeito à componente ambiental do ISV, tal alteração da lei não foi suficiente para alcançar o desiderato pretendido. Mas não tem razão.

O modelo de tributação do ISV, resultante da aprovação do CISV pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho, foi norteado por preocupações ambientais com respeito pelas diretrizes emanadas pelas instâncias comunitárias e pelos compromissos assumidos no âmbito do Protocolo de Quioto e, mais tarde, pelo Acordo de Paris.

O estabelecido no artigo 191º do TFUE, tendo surgido depois do artigo 90º do TCE (anterior 110º do TFUE), afirma expressamente, no n.º 1, que a política da União, no domínio do ambiente, contribuirá para a prossecução, entre outros, da preservação, da proteção e a melhoria da qualidade do ambiente, não podendo o artigo 110º do TFUE ser interpretado nos termos defendidos pela Requerente, devendo, por isso, a interpretação do artigo 110º do TFUE ser efetuada à luz do disposto no artigo 191º do mesmo tratado, sob pena de conflitualidade e desarmonia entre as duas normas.

A alteração ao artigo 11.º do CISV, operada pela Lei do Orçamento para 2021, encontra-se, assim, encontra em consonância com o disposto no artigo 1.º do mesmo código, que consagra o “Princípio da Equivalência”.

A pretensão do Requerente, além de não se estribar na lei e violar os princípios constitucionais consagrados nos artigos 9º e 66º da CRP, também olvida que estamos perante um imposto sobre o consumo não harmonizado, e que a tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social.

Defendendo a Requerente a violação de um princípio do TFUE no caso concreto, e prevendo o RJAT que o recurso para o Tribunal Constitucional só pode ter como fundamento as alíneas a) e b) do artigo 70.º da Lei do TC, não há dúvida que, a vingar tal interpretação, estamos perante uma violação do princípio do livre acesso aos tribunais.

Conclui a requerida pela legalidade do acto de liquidação contestado pela Requerente que deverá, assim, ser mantido.

 

6. Por despacho de 15-07-2021, foi dispensada a reunião do artigo 18º do RJAT, bem como, com a anuência das partes, a apresentação de alegações.

 

 

II – Saneamento

 

7.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

7.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

7.3. O processo não enferma de nulidades.

7.4. Foi suscitada pelo Requerente a excepção de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria para apreciar a questão objecto do pedido arbitral que se apreciará à frente, relativamente à qual o Requerente se pronunciou.

7.5. Não foram suscitadas outras excepções.

 

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO

 

III.1. Matéria de facto

 

Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos, consideram-se, com relevo para apreciação e decisão da causa, como provados os seguintes factos:

  1. Em 27-01-2021 foi apresentada na Alfândega do Freixieiro a Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2021/..., para introdução no consumo do veículo ligeiro de passageiros, usado, da marca ..., modelo ..., a gasolina, com a cilindrada de ... cc, com o n.º de quadro..., tendo-lhe sido atribuída a matrícula ... .
  2. Da referida DAV fez-se constar estar em causa um veículo usado proveniente da Alemanha, tendo a primeira matrícula do veículo sido atribuída em 24-06-2019.
  3. Na apresentação da aludida DAV o Requerente solicitou que a respectiva liquidação fosse efectuada pelo método previsto no n.º 3 do artigo 11º do CISV.
  4. Tendo, entretanto, tomado conhecimento da publicação da Declaração de Rectificação n,º 6/2021, publicada em 24.02.2021, o Requerente solicitou que o ISV fosse liquidado pelo método previsto no n.º 1 do artigo 11º do CISV, pela aplicação da tabela de desvalorização pelo número de anos de uso do veículo.
  5. A liquidação resultante da referida DAV foi efectuada por aplicação do n.º 1 do artigo 11º do CISV, em conformidade com o requerido pelo Requerente.

 

 

Fundamentação da matéria de facto:

 

A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida, bem como do processo administrativo junto aos autos.

Não foram dados como não provados factos com relevo para a decisão da causa.

 

 

III.2. Matéria de Direito

 

Como resulta do requerimento inicial do Requerente, são dois os pedidos que este formula, de modo subsidiário:

1 - a anulação parcial da liquidação do ISV, de forma a aplicar-se a redução da liquidação do ISV para o valor resultante da aplicação do método alternativo através da fórmula em vigor com a consequente restituição da quantia de 20.858,87 €, acrescida de juros indemnizatórios;

2 - anular-se parcialmente a liquidação do ISV, de forma a aplicar-se a redução da percentagem de 20% aplicada à componente cilindrada, à competente ambiental, condenando-se a Requerida à restituição da quantia de 2.432,80 €.

 

Aplicação do método alternativo

 

Começando pelo primeiro dos pedidos, como acima se disse, entende a Requerida que “não é impugnado qualquer ato de liquidação resultante da aplicação do preceito legal sobre o qual se pretende ver exercido um escrutínio de legalidade. De facto, a liquidação que resultou da DAV n.º 2021/... foi efetuada por aplicação do n.º 1 do artigo 11.º e não ao abrigo do n.º 3 do mesmo artigo do CISV, independentemente de a sua redação ser a inicial ou a versão resultante da Declaração de Retificação n.º 6/2021”.

Acrescentando que, “considerando o teor do pedido e sua fundamentação, o mesmo extravasa o âmbito da Ação Arbitral prevista no RJAT, e em concreto do artigo 2.º, o qual não consente o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, que, conforme decorre da restrição do perímetro desta forma processual à mera ilegalidade face a «atos de liquidação de tributos»”, determina a exclusão do âmbito da jurisdição arbitral a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de atos praticados no exercício da função política e legislativa”.

Em suma, argumenta a Requerida que com o pedido formulado não é impugnado qualquer acto de liquidação resultante da aplicação do artigo 11º do CISV, sustentando que o que o Requerente pretende é a não aplicação de uma norma aprovada por Lei da AR, visando, sim, a suspensão da eficácia de acto legislativo.

É sabido que a competência dos tribunais é a medida da sua jurisdição, o modo como entre eles se fraciona e reparte o poder jurisdicional. Em sentido concreto ou qualitativo, será a suscetibilidade de exercício pelo tribunal da sua jurisdição para a apreciação de uma certa causa.

Os Tribunais Arbitrais estão previstos no artigo 209.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, sendo o âmbito da jurisdição arbitral tributária recortado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os correspondentes critérios de repartição material. Aí se determina competir a esta “espécie” de tribunais a apreciação, entre outras pretensões, “a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”.

Na tese da Requerida, o Requerente não impugna com o pedido arbitral qualquer acto de liquidação resultante da aplicação do preceito legal sobre o qual se pretende ver exercido um escrutínio de legalidade, visando, antes a suspensão da eficácia de acto legislativo. Daí conclui que, considerando o teor do pedido e a sua fundamentação, o mesmo extravasa o âmbito da acção arbitral prevista no RJAT.

Efectivamente, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT. Refere-se nesta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação de matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.

Ora, da análise do pedido arbitral, bem como da respectiva causa de pedir, somos levados a concluir que o que o Requerente pretende não é a declaração de ilegalidade da liquidação impugnada, mas, antes, que esta tivesse sido efectuada noutros moldes por aplicação do n.º 3 do artigo 11º do CISV.

Quer dizer, em rigor não está em causa a invocação de qualquer vício da liquidação impugnada que leve à declaração da sua ilegalidade, pois o que o que o Requerente é que se proceda a nova liquidação efectuada agora com base no método alternativo ali previsto.

Tal pedido não tem suporte legal no âmbito do tribunal arbitral. Diga-se, aliás, que não se percebe o propósito do Requerente.

Com efeito, dispõe o n.º 3 do artigo 11º do CISV que “sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado nos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto”.

Quer isso dizer que estava na disponibilidade do Requerente requerer, posteriormente à liquidação do imposto nos termos do n.º 1 do referido artigo 11º, nova liquidação por aplicação do método alternativo nos termos do disposto no n.º 3 do mesmo preceito. E como se diz no Acórdão do STA de 01-10-2018, no Proc. 01390/17: “... sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado, nos termos do n.º 1, excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto. Ainda segundo a mesma norma na falta de pedido de avaliação formulado nos termos do número anterior presume-se que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.º 1”.

Assim, é indiscutível que o Requerente não pode utilizar a acção arbitral para alcançar o objectivo que pretende, uma vez que os tribunais arbitrais são materialmente incompetentes para o efeito, pois, como se referiu estes não são competentes para o reconhecimento de direitos, mas, apenas, para a declaração de ilegalidade de actos de liquidação.

Do mesmo modo, não está na competência do tribunal arbitral determinar a inconstitucionalidade normas legais ou escrutinar ou avaliar a oportunidade das mesmas, criadas no exercício da função legislativa. É o que Requerente pretenderia ao alegar que a “alteração desta fórmula padece pois de vício de inconstitucionalidade orgânica ... e igualmente de inconstitucionalidade material, face aos efeitos retroativos”. Ou, ainda, que “mesmo que se considerasse que a retificação da fórmula era admissível, o que por cautela de patrocínio se admite, o certo é que a aplicação desta fórmula esvazia por completo a aplicação do método alternativo, pois da mesma resultaria sempre a liquidação de um ISV, sejam quais forem as características dos veículos em questão, muito superior ao que resulta do obtido através da aplicação do método tradicional previsto no nº 1 do art. 11º do CISV”.

 

Procede, assim, a invocada excepção de incompetência arbitral para apreciar o pedido formulado, o que implica a absolvição da instância da Requerida.

 

A componente ambiental no ISV

 

Conforme resulta do pedido arbitral, o Requerente, subsidiariamente manifesta a sua inconformidade com o acto de liquidação impugnado, por entender que o artigo 11º do CISV, pese embora a alteração introduzida pela Lei 75-B/2020, de 31 de Dezembro, com a rectificação resultante da Declaração de Rectificação n.º 6/2021, continua a violar directamente o disposto no artigo 110.º do TFUE, por não aplicar o que inquina a liquidação de ilegalidade.

De acordo com a nova redacção do n.º 1 do artigo 11º do Código do ISV, relativamente a veículos usados “O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados-Membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, incluindo-se o agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respetivamente”.

Ora, as questões suscitadas no âmbito da UE relativamente à carga fiscal incidente sobre os veículos usados provenientes de veículos matriculados em Estados Membros e, designadamente, em matéria de legalidade e conformidade com as normas comunitárias do ISV, há muito se vêm arrastando.

Por exaustivo se transcreve o historial que a esse propósito se fez constar da decisão arbitral n.º 572/2018-T, de 30-04-2019:

- (…) Essa legalidade foi muito cedo questionada pela Comissão Europeia, ainda no âmbito do Imposto Automóvel, porquanto esta entendia que as normas portuguesas então vigentes não observavam o disposto no artigo 95º do Tratado de Roma e, sendo necessário que Portugal perdesse o seu carácter protecionista, era imprescindível que o montante de imposto fosse idêntico ao remanescente do imposto incorporado no preço dos veículos usados similares, comercializados no mercado português, remanescente esse a calcular a partir da percentagem da depreciação do valor desses veículos. [1] [2]

            Não obstante, em 2001, o Acórdão do TJCE (de 22-02-01) denominado «Gomes Valente», proferido a título prejudicial, veio criar as condições para se romper, a nível nacional, com o quadro clássico de tributação dos veículos usados, assente exclusivamente em reduções fixas em função do nº de anos de uso.

            Neste âmbito, embora tenha sido referido que a aplicação de uma tabela de taxas para os veículos usados fundada num critério de depreciação único não seria contrário ao referido artigo 95º do Tratado de Roma, foi sublinhado que era importante que fossem tomados em conta outros factores de depreciação que não apenas a antiguidade, de forma a garantir que a referida tabela refletisse de modo mais preciso a depreciação real dos veículos e permitisse alcançar de uma forma mais fácil o objectivo da tributação dos veículos usados, de modo a que, em nenhum caso, esta pudesse ser superior ao montante da taxa residual incorporada no valor dos veículos usados já matriculados em território nacional.

            Esta jurisprudência veio a ser reforçada com o Acórdão do TJCE nº 101/00, proferido em 19 de Setembro de 2002 num processo que então envolveu o Governo Finlandês e Antti Sillin, no qual foi considerado que o artigo referido artigo 95º, primeiro parágrafo do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 90º, primeiro parágrafo) permitia a um EM aplicar aos veículos usados importados de outro EM um sistema de tributação em que o valor tributável é determinado por referência ao valor aduaneiro definido, mas obsta a que o valor tributável varie em função da fase de comercialização quando daí possa resultar, pelo menos, em determinados casos, que o montante do imposto que incide sobre um veículo usado importado exceda o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional.

            Refira-se ainda que, na sequência do designado Acórdão «Gomes Valente», a jurisprudência tem entendido que para que um sistema de tributação dos veículos usados seja compatível com o disposto no Tratado é necessário que se adopte ou um modelo de tributação baseado na avaliação de cada veículo ou um modelo de tributação baseado em tabelas fixas que exclua todo e qualquer efeito discriminatório. [3]

            Por outro lado, o actual artigo 110º do TFUE opõe-se a que um EM aplique aos veículos usados importados de outro EM um sistema de tributação em que o imposto que incide sobre esses veículos não atenda à depreciação real do veículo e não permita garantir sempre que o montante do imposto que fixa não excede o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional.

            Mais se considerou que, quando um EM aplica aos veículos usados importados de outros Estados membros um sistema de tributação em que a depreciação real dos veículos é definida de modo geral e abstrata com base em critérios determinados pelo direito nacional, o disposto no Tratado exige que esse sistema de tributação seja organizado de forma a excluir todo e qualquer efeito discriminatório.     

Pode assim afirmar-se que o Acórdão do TJCE proferido no caso «Gomes Valente» abriu a porta para uma nova forma de tributação dos veículos usados admitidos de outros Estados membros.[4]

            Mas, ao que ao presente caso interessa, refira-se que em 2006, no âmbito do sistema de tributação Húngaro, no Acórdão do TJUE de 5 de Outubro de 2006 (C-290/05), no caso Nádasdi, foi analisada pela primeira vez a questão ambiental face aos impostos automóveis aplicáveis dentro do espaço da União Europeia.

            Com efeito, o sistema fiscal Húngaro ignorava a desvalorização do veículo e tratava de forma igualitária todos os veículos que tivessem a mesma motorização e comportamento ambiental.

            Contudo, o referido Acórdão veio declarar que «o artigo 90.º, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto como o instituído pela lei relativa ao imposto automóvel, na medida em que seja cobrado sobre os veículos usados quando da sua primeira colocação em circulação no território de um Estado-Membro e em que o seu montante, exclusivamente determinado em função das características técnicas dos veículos (tipo de motor, cilindrada) e da sua classificação ambiental, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados-Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado-Membro de importação. Não é relevante proceder a uma comparação com os veículos usados postos em circulação no Estado-Membro em questão antes da introdução desse imposto».

            Adicionalmente, considerou-se que os Estados-Membros (EM) têm liberdade para selecionar os critérios a utilizar no cálculo do imposto e estabelecer um sistema de tributação diferenciado para certos produtos, em função de critérios objectivos aplicados, sendo que tais diferenciações só serão consideradas compatíveis com o direito da UE se, por um lado, prosseguirem objectivos compatíveis, também eles, com as exigências do Tratado e do direito derivado e, se por outro, as formas que vierem a revestir sejam de molde a evitar qualquer forma de discriminação, directa ou indirecta, das «importações» provenientes dos outros EM, ou de proteção em favor de produções nacionais concorrentes.

            Assim, ainda que, em termos gerais, no âmbito de um regime fiscal relativo à tributação automóvel, critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em factores ambientais constituem critérios objectivos e possam ser utilizados no sistema de tributação, da sua utilização não poderá resultar discriminação e o imposto que vier a ser apurado não poderá onerar mais os produtos provenientes de outros EM do que os produtos nacionais similares, implicando que a cobrança por um EM de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro EM é contrária ao artigo 110º do TFUE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional.

            Em 2009, interpretando o mesmo artigo 110º do TFUE, o TJUE, no Acórdão de 19 de Março de 2009 (que opôs a Comissão Europeia à Finlândia), considerou que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de um modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios.

            Ora, relevando que, nos termos do disposto no artigo 8º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o direito internacional prevalece sobre o direito interno português e é directamente aplicável em território nacional, sem desenvolver qualquer fundamentação, fez eco uma comunicação da Comissão Europeia em que se informava que esta tinha encetado, no TJUE, um processo contra Portugal, no sentido de defender que era censurável o artigo 11º do Código do ISV não contabilizasse no cálculo do ISV incidente sobre veículos usados nenhuma desvalorização até o veículo ter mais de um ano de tempo de uso, nem é considerada nenhuma diminuição do valor real para os veículos com mais de cinco anos de utilização, processo que culminou com a prolação do Acórdão to TJUE (C-200/15), de 16-06-2016, acima já referido.

Por se entender que as alterações legislativas ao art. 11º do CISV não traduzem consonância com a legislação comunitária, continua a mesma decisão arbitral:

            - Contudo, como não foi comtemplada, com a referida alteração legislativa, a questão da desvalorização dos veículos usados, oriundos de outro EM, com menos de um ano e mais de cinco, surge então o já citado Acórdão do TJUE nº C–200/15, de 16 de Junho de 2016 (referido e citado pelo Requerente), visando directamente a legislação nacional, consubstanciada no artigo 11º do Código do ISV (na redacção em vigor até 2016), nos termos do qual se veio considerar que “a República Portuguesa ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro EM, introduzidos no território nacional, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110º do TFUE.

            E assim, o legislador nacional foi forçado a alterar o referido artigo 11º do Código do ISV, no sentido de nele incluir a desvalorização referida no ponto anterior, através da Lei nº 42/2016, de 28 de Dezembro, mas excluindo de novo da redação do artigo a questão da desvalorização incidente sobre a componente ambiental do ISV.

            Assim, os actuais contornos da legislação nacional ignoram, no artigo 11º, nº 1 Tabela D, o previsto no artigo 110º do TFUE e a posição que o TJUE tem assumido (e que já assumia face ao disposto no artigo 90 do Tratado de Roma) de que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios.

            A situação descrita levou (de novo) a Comissão Europeia, na sua busca de justiça comunitária, a dar início a um procedimento contra Portugal por este não ter em conta a componente ambiental no cálculo do ISV aplicável aos veículos usados «importados» de outros EM, gerando efeitos discriminatórios nestas viaturas face às viaturas usadas adquiridas em território nacional”.

Pois bem, resulta do exposto evidente a orientação constante do TJUE sobre a incompatibilidade de normas nacionais que tributem mais gravosamente os veículos “importados” de outros Estados Membros, como se extrai tanto das decisões referidas como de tributações de similares contornos vigentes noutros países da União Europeia.

Aliás, como se refere no Ac. de 20-09-2007, proc. C-74/06, Comissão das Comunidades Europeias vs República Helénica: “O artigo 95.°, primeiro parágrafo, do Tratado, só permite a um Estado-Membro aplicar aos veículos usados importados de outros Estados-Membros um sistema de tributação em que a depreciação do valor efectivo dos referidos veículos é calculada de modo geral e abstracto, com base em critérios ou tabelas fixas determinados por uma disposição legislativa, regulamentar ou administrativa, se esses critérios ou tabelas forem susceptíveis de garantir que o montante do imposto devido não excede, ainda que apenas em certos casos, o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos similares já matriculados no território nacional”.

Ou, como estabelece o Ac. de 05-10-2006, processos C-290/05 e C-33/05 Ap., Akos Nadasdi): - “No âmbito de um regime relativo ao imposto automóvel, critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em considerações ambientais constituem critérios objectivos. Daí poderem ser utilizados num regime desses. Em compensação, não é exigível que o montante do imposto esteja relacionado com o preço do veículo.

Contudo, um imposto automóvel não deve onerar mais os produtos provenientes de outros Estados-Membros do que os produtos nacionais similares.

Ora, um veículo novo relativamente ao qual o imposto automóvel foi pago na Hungria perde, com o decorrer do tempo, uma parte do seu valor de mercado. Assim, diminui, na mesma medida, o montante do imposto automóvel compreendido no valor residual do veículo. Sendo um veículo usado, só pode ser vendido por uma percentagem do valor inicial, percentagem que engloba o montante residual do imposto automóvel.

Resulta dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça pelos órgãos jurisdicionais de reenvio que um veículo do mesmo modelo e de antiguidade, quilometragem e outras características idênticas, comprado em segunda mão noutro Estado-Membro e registado na Hungria será, contudo, sujeito a 100% do imposto automóvel aplicável a um veículo dessa categoria. Por conseguinte, o referido imposto onera mais os veículos usados importados do que os veículos usados similares já registados na Hungria e sujeitos ao mesmo imposto. 56. Assim, não obstante o carácter ambiental do objectivo e do fundamento do imposto automóvel e mesmo não tendo estes qualquer relação com o valor de mercado do veículo, o artigo 90.°, primeiro parágrafo, CE exige que seja tida em conta a depreciação dos veículos usados que são objecto de tributação, visto que esse imposto se caracteriza por ser apenas cobrado uma vez quando do primeiro registo do veículo para efeitos da sua utilização no Estado-Membro em causa e por ser desta forma incorporado no referido valor.” Com base nestes considerandos, o Tribunal viria a declarar que “2 - O artigo 90°, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto como o instituído pela lei relativa ao imposto automóvel, na medida:

– em que seja cobrado sobre os veículos usados quando da sua primeira colocação em circulação no território de um Estado-Membro e

– em que o seu montante, exclusivamente determinado em função das características técnicas dos veículos (tipo de motor, cilindrada) e da sua classificação ambiental, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados-Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado-Membro de importação”.

E, de forma indiscutível e de forma directa relativamente ao CISV, mais propriamente no que respeita a alteração ao art. 11º do CISV, veio o TJUE, por Ac. de 16-06-2016, proc. C-200/15, Comissão Europeia vs República Portuguesa, a considerar:

- “Para efeitos da aplicação do artigo 110.° TFUE e, em especial, para efeitos da comparação entre o regime de tributação dos veículos usados importados e o dos veículos usados comprados no mercado nacional, que constituem produtos similares ou concorrentes, deve tomar-se em consideração não apenas a taxa da imposição interna que incide direta ou indiretamente sobre os produtos nacionais e os produtos importados mas também a matéria coletável e as modalidades do imposto em causa. Mais precisamente, um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C-74/06, EU:C:2007:534, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida).

            No caso em apreço, o artigo 11.°, n.° 1, do Código do Imposto sobre Veículos prevê, para efeitos do cálculo do imposto aplicável aos veículos usados importados de outros Estados-Membros, a tomada em consideração de uma desvalorização em função de uma tabela de percentagens fixas que estabelece, designadamente, em 20% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado durante um período de um a dois anos e em 52% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado há mais de cinco anos.

            Daqui resulta que a República Portuguesa aplica aos veículos automóveis usados importados de outros Estados-Membros um sistema de tributação no qual, por um lado, o imposto devido por um veículo utilizado há menos de um ano é igual ao imposto que incide sobre um veículo novo similar posto em circulação em Portugal e, por outro, a desvalorização dos veículos automóveis utilizados há mais de cinco anos é limitada a 52%, para efeitos do cálculo do montante deste imposto, independentemente do estado geral real desses veículos.

            Ora, é facto assente que o valor de mercado de um veículo automóvel começa a diminuir a partir da data da sua compra ou da sua entrada em circulação e que esta diminuição continua para além do quinto ano da sua utilização (v., neste sentido, acórdão de 19 de setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin, C-101/00, EU:C:2002:505, n.° 78).

            Deste modo, a regulamentação nacional em causa tem por consequência que o montante do imposto de registo a pagar pelos veículos automóveis usados importados de outros Estados-Membros para Portugal e utilizados há menos de um ano ou há mais de cinco anos é calculado sem tomar em consideração a desvalorização real desses veículos.

            Por conseguinte, a regulamentação nacional em causa não garante que, nos casos referidos no número anterior do presente acórdão, os veículos usados importados de outro Estado-Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares disponíveis no mercado nacional, o que é contrário ao artigo 110.° TFUE”. Em conclusão, viria o Tribunal a declarar que “1) A República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado-Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.° TFUE.”.

Para, pretensamente, ir ao encontro desta última decisão judicial foi dada nova redacção ao art. 11º do CISV incluindo-se a desvalorização dos veículos quanto à componente cilindrada mas excluindo-se, de modo declarado, a desvalorização relativa à componente ambiental.

Do que resulta que a legislação nacional – no aludido art. 11º do CISV – continuava a não ser compatível com o disposto no art. 110º do TFUE, permanecendo uma tributação mais onerosa para os veículos provenientes de outros Estados Membros, quando comparados com os adquiridos no território nacional.

Foi, aliás, com base neste entendimento que a Comissão Europeia deu início no TJUE a um procedimento de infracção contra o Estado Português, que resultou no processo n.º C-169/20, onde foi proferida decisão em 02-09-2021, considerando que  “… ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado‑Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previsto no Código do Imposto sobre Veículos, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 71/2018, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE”.

Sucede que com a alteração do artigo 11º do CISV, pela Lei 75-B/2020, o ISV aplicável a veículos usados portadores de matrículas atribuídas por outros Estados-Membros passou a incluir também a aludida componente ambiental, não se vislumbrando em que medida se possa afirmar que se mantém um tratamento fiscal mais gravoso relativamente ao que sucede com os comercializados em Portugal.

Aliás, não resulta da causa de pedir qualquer factualidade que possa levar a tal conclusão e, desse modo, sempre estaria vedado ao tribunal conhecer, por utilizar um fundamento que excede a causa de pedir – não estando em causa questão de conhecimento oficioso – tal questão.

Do mesmo modo, por não se suscitarem dúvidas sobre a aplicação do artigo 11º, por eventual incumprimento do artigo 110º do TFUE, não vê o tribunal necessidade de recorrer a reenvio prejudicial.

Em conclusão, improcede o pedido formulado pelo Requerente por não padecer a liquidação de qualquer ilegalidade, ficando prejudicadas as demais questões suscitadas.

 

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

  1. Julgar procedente a excepção de competência absoluta do tribunal relativamente ao pedido de aplicação do método alternativo, em substituição da liquidação efectuada, dele se absolvendo da instância a Requerida.
  2. Julgar improcedente o demais peticionado a título subsidiário.
  3. Condenar o Requerente nas custas do processo.

 

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 20.858,87 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1.224,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Lisboa, 09 de Abril de 2022

 

 

O Árbitro

 

 

 

 

(António Alberto Franco)

 

 



[1]     De acordo com o texto do artigo, “nenhum Estado-Membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares. Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indirectamente outras produções”. O texto desde artigo 90º do Tratado de Roma é muito semelhante ao texto do artigo 110º do TFUE que dispõe que “nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares”.

[2]     Esta questão veio a ser apreciada algum tempo mais tarde no acórdão do TJCE, de 09.03.95, proferido no âmbito do processo C-345/93, em que foi impugnante Nunes Tadeu.

[3]     Note-se que, na sequência da referida jurisprudência, foi efectivamente adoptada uma redação no âmbito do antigo Imposto Automóvel (IA) que veio a ser transposta em termos sensivelmente iguais para o Código do ISV (para o mencionado artigo 11º), mas não pode ser ignorado que já na vigência deste Código, o legislador através da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (de resto mitigando uma anterior alteração feita pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro), introduziu importantes alterações na construção do imposto, designadamente pelos efeitos projetados pelo factor ambiental no seu cálculo e na sua correlação com o valor real dos veículos.

[4]     Neste âmbito, concluiu a jurisprudência nacional (STA) que a lei portuguesa não estava em conformidade com o disposto no artigo 95º do Tratado de Roma, pelo que nenhuma autoridade nacional, administrativa ou jurisdicional poderia aplicar a lei nacional, a qual deveria ser desaplicada, e em sua substituição, deveria ser aplicado diretamente o referido artigo 95º.

Para o efeito, considerou que ao ser aplicada uma lei que violava o direito comunitário, a respectiva alfândega incorreu em vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, pois partiu do pressuposto que a lei nacional era válida, quando ela era inválida por violar normas de hierarquia superior, tendo em conta o princípio do primado do direito comunitário sobre o direito nacional e a aplicabilidade direta, no caso, do direito comunitário. Não importaria verificar se o imposto apurado, em concreto, pelo acto de liquidação impugnado, tinha sido ou não superior ao imposto residual incorporado em veículos usados semelhantes já matriculados em Portugal, pois independentemente do resultado concreto, no caso, as normas nacionais não poderiam ser aplicadas, por desconformes com o direito comunitário, se não garantissem que nunca, em nenhum caso, independentemente do que acontecesse, o imposto resultante da sua aplicação fosse superior ao imposto residual incorporado em veículos usados semelhantes matriculados em Portugal  Para o efeito, considerou que ao ser aplicada uma lei que violava o direito comunitário, a respectiva alfândega incorreu em vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, pois partiu do pressuposto que a lei nacional era válida, quando ela era inválida por violar normas de hierarquia superior, tendo em conta o princípio do primado do direito comunitário sobre o direito nacional e a aplicabilidade direta, no caso, do direito comunitário. Não importaria verificar se o imposto apurado, em concreto, pelo acto de liquidação impugnado, tinha sido ou não superior ao imposto residual incorporado em veículos usados semelhantes já matriculados em Portugal, pois independentemente do resultado concreto, no caso, as normas nacionais não poderiam ser aplicadas, por desconformes com o direito comunitário, se não garantissem que nunca, em nenhum caso, independentemente do que acontecesse, o imposto resultante da sua aplicação fosse superior ao imposto residual incorporado em veículos usados semelhantes matriculados em Portugal.