Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 337/2015-T
Data da decisão: 2015-12-14  IVA  
Valor do pedido: € 1.121,32
Tema: IVA - Subvenções, artigo 6.º, n.º 5 alínea c) do Código do IVA
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Decisão Arbitral

 

I – RELATÓRIO

A -PARTES

A… - … - …, LDA., contribuinte fiscal nº …, com sede na Rua …, Edifício … n.º …, … Andar, Escritório …, em … doravante designada de Requerente ou sujeito passivo.

AUTORIDADE TRIBUTARIA E ADUANEIRA (que sucedeu à Direcção-Geral dos Impostos, por meio do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro) doravante designada por Requerida ou AT.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Pretende do CAAD, e o Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, no dia 07-09-2015, para apreciar e decidir o objeto do presente processo, e automaticamente notificado a Autoridade Tributaria e Aduaneira no dia 07-09-2015.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou o Exmo. Dr. Paulo Ferreira Alves, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

Em 27-07-2015 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos Artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular fica regularmente constituído em 07-09-2015.

A reunião da prevista no artigo 18.º do RJAT, foi regularmente realizada com a comparência de ambas as partes no dia 10-12-2015, nas instalações do CAAD.

O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos dos art.ºs 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (art.ºs 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

B – PEDIDO

1.                  A ora Requerente, pretende a declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado, n.º … e … que fixou um imposto e juros global a pagar de 1.121,32 € (mil cento e vinte e um eros e trinta e dois cêntimos).

 

C – CAUSA DE PEDIR

2.                  A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista a declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de sobre o Valor Acrescentado, n.º … e …, síntese, o seguinte:

3.                  A Requerente desenvolve a atividade de formação profissional, nos anos de 2010, 2011 e 2012, diversas atividades de formação profissional, inseridas no Programa Operacional Potencial Humano (POPH), que enquadra a aplicação da política comunitária de coesão económica e social em Portugal no período 2007-2013, a qual se encontra publicamente certificada, desde o ano de 2002.

4.                  Em 12-11-2014, a Requerente foi notificada de relatório de inspeção tributaria, referente ao exercício de 2010, nos termos do qual a Requerente deveria ter liquidado IVA pelo recebimento dos subsídios atribuídos pelo Fundo Social Europeu (FSE), na medida em que estes constituíram "subsídios ao preço".

5.                  Não pode, porém, concordar-se com tal enquadramento tributário das operações em causa, por ser manifestamente ilegal.

6.                  Com efeito, o POPH visa estimular o potencial de crescimento sustentado da economia portuguesa, conforme decorre da Resolução do Conselho de Ministros n.º 86/2007.

7.                  No desenvolvimento da sua atividade de formação profissional no âmbito do POPH, a Requerente executou diversos projetos de formação profissional financiados pelo Fundo Social Europeu (FSE).

8.                  A ora Requerente alega que o âmbito dos projetos em causa no presente processo, foram considerados elegíveis os seguintes encargos:

i)                    Encargos com formandos - despesas com remunerações dos ativos em formação, bolsas, alimentação, transportes e alojamento, bem como outras despesas com formandos, nomeadamente seguros e despesas com acolhimento de dependentes a cargo destes;

ii)                  Encargos com formadores - despesas com renumerações dos formadores internos permanentes ou eventuais e dos formadores externos, bem como os encargos com formadores debitados por entidades no âmbito de um contrato de prestação de serviços com o beneficiário, e ainda as despesas com alojamento, alimentação e transporte dos formadores, quando a elas houver lugar;

iii)                Encargos com outro pessoal afeto ao projeto - as despesas com renumerações dos técnicos, pessoal dirigente, pessoal administrativo, bem como consultores, mediadores socio-culturais e outro pessoal, vinculado ou em regime de prestação de serviços, envolvido nas fases de conceção, preparação, desenvolvimento, gestão, acompanhamento e avaliação do projeto, bem como as despesas com alojamento, alimentação e transporte com este pessoal, quando a elas houver lugar;

iv)                Rendas, alugueres e amortizações - as despesas com o aluguer ou amortização de equipamentos diretamente relacionados com o projeto, e as despesas com a renda ou a amortização das instalações onde o projeto decorre, assim como os alugueres ou amortizações das viaturas para o transporte dos formandos e outros participantes do projeto, conforme as regras de elegibilidade do Anexo 1 ao presente despacho, que dele faz parte integrante;

v)                  Encargos diretos com a preparação, desenvolvimento, acompanhamento e avaliação dos projetos - as despesas com a elaboração de diagnósticos de necessidades, divulgação do projeto, seleção dos formandos e outros participantes, aquisição, elaboração e reprodução de recursos didáticos, aquisição de livros e de documentação, despesas com materiais pedagógicos, com deslocações realizadas pelo grupo no âmbito do respetivo projeto e ainda as decorrentes da aquisição de serviços técnicos especializados relacionados com a avaliação dos projetos e dos seus resultados globais, com exceção das previstas na alínea anterior;

vi)                Encargos gerais do projeto - outras despesas necessárias a conceção, desenvolvimento e gestão dos projetos, nomeadamente as despesas correntes com energia, agua, comunicações, materiais consumíveis e bens não duradouros, as despesas gerais de manutenção de equipamentos e instalação, as despesas com consultas jurídicas e emolumentos notariais e com peritagens técnicas e financeiras;

vii)              Encargos com a promoção de encontros e seminários temáticos - as despesas com a promoção de encontros, seminários, workshops, ações de sensibilização e outras atividades similares, nomeadamente as despesas com a organização e com os oradores;

viii)            Encargos com a Promoção Coordenação da Candidatura Integrada de Formação - as despesas comprovadamente relacionadas com a promoção e coordenação da Candidatura Integrada de Formação, nomeadamente as despesas com as remunerações, alojamento, alimentação e transporte do pessoal dirigente, técnico, administrativo e outro vinculado ou em regime de prestação de serviços do Parceiro Social."

9.                  A Requerente pagou aos formandos diversas despesas com renumerações, bolsas, alimentação, transportes e alojamento, bem como outras despesas nomeadamente seguros e despesas com acolhimento de dependentes a cargo destes.

10.              Alega a Requerente que nesta ordem de circunstâncias, os formandos não tinham, nem tiveram, qualquer custo com a formação, independentemente da tipologia da mesma.

11.              Ou seja, nem os formandos, nem o FSE, nem qualquer outra entidade pagaram a Requerente qualquer quantia que possa ser considerada como preço, designadamente para efeitos de IVA.

12.              Pelo contrário, como se vê, foi a própria Requerente quem pagou aos formandos.

13.              Os subsídios atribuídos á Requerente consubstanciam, assim, subsídios a produção e a estrutura de custos, mas não ao preço.

14.              Como resulta evidente do facto de estas ações de formação não só não serem contrapartida do pagamento de nenhum preço, como preverem a existência de pagamentos aos próprios formandos.

15.              Tudo isto porque, tendo presentes os supra referidos objetivos do POPH, estas ações de formação realizadas, não tem em vista a prestação de nenhum serviços a terceiros por parte de entidades privadas, mas antes a prossecução das políticas sociais e de emprego pretendidas pelo Estado e pela união Europeia que, para o efeito, se socorre dos privados.

16.              Aliás, a legislação especifica do POPH, no Despacho normativo n.º 4-A/2008, de 24 de Janeiro, diferencia expressamente o "financiamento publico" das eventuais "receitas" dos projetos.

17.              Nos casos concretamente em apreço, porém, considerando as tipologias de formações em causa, a Requerente estava absolutamente proibida de cobrar aos formandos o que quer que fosse.

18.              Designadamente, a Requerente não podia cobrar, nem em concreto cobrou aos formandos qualquer quantia relacionada com a frequência dos cursos de formação ou com os materiais pedagógicos necessários para os mesmos.

19.              Evidentemente que os subsídios atribuídos tem em consideração número de participantes e as horas de formação efetivamente prestadas, na medida em que a execução dos projetos depende imediatamente da existência de formandos.

20.              Mas isso não significa, em absoluta, que os subsídios atribuídos fossem subsídios ao preço.

21.              Com efeito, considerando que a execução destes projetos de formação estabelece o pagamento de bolsas e despesas aos formandos, e evidente que o projeto tem que ter em consideração o concreto número de formandos em cada projeto, sob pena de não ser exequível o pagamento daquelas quantias.

22.              A questão e que, a atribuição dos subsídios não decorre da disponibilidade da Requerente para prestar as ações de formação, mas sim da execução concreta de ações de formação determinadas, com características determinadas e beneficiários determinados.

23.              Assim, os subsídios atribuídos não têm por objetivo participar no pagamento do "preço" devido pelos serviços prestados pela Requerente, de forma a que este se mantenha num valor considerado acessível para os beneficiários, mas visam subsidiar a concreta realização dos projetos, fazendo com que os particulares - como a aqui Requerente -substituam integralmente o Estado e a União Europeia na execução de políticas sociais e de emprego.

24.              Por isso mesmo, nenhum dos projetos em causa no relatório de inspeção tributária em análise, gerou «receites» para a Requerente.

25.              Sobre a questão da exigibilidade dos custos, e, ainda, salienta que era o POPH quem definia o valor máximo que poderia ser pago pela Requerente aos formadores,

26.              Sendo certo que, caso a Requerente pagasse aos formadores um valor inferior ao máximo estabelecido, então o subsídio seria apenas o correspondente ao valor efetivamente pago.

27.              Tudo isto quando é certo que todos os custos elegíveis para financiamentos tinham que se encontrar devidamente documentados, sob pena de não serem aceites.

28.              Aliás, para devido enquadramento da questão, deve, ainda, ser tido em consideração que a Requerente não obter qualquer lucro com as ações de formação aqui em apreço,

29.              O caso concretamente em apreço, como vimos, não só não é o preço que é subsidiado, mas sim os custos, como também os subsídios atribuídos são calculados exclusivamente com base nas despesas efetivamente incorridas no âmbito do projeto, seja com a sua execução, seja com pagamentos aos formandos.

30.              Sobre esta matéria e de salientar que, no ano de 2011, a Requerente foi objeto de inspeção do POPH sobre os projetos executados no exercício de 2010, designadamente sobre o projeto …-POPH …/…, o qual deu origem ao relatório.

31.              Relativamente ao cumprimento das obrigações fiscais, o POPH considerou que a Requerente - Assegurou o correto tratamento do IVA suportado nas aquisições de bens e serviços: e AT - Cumpriu com as suas obrigações fiscais, tendo a sua situação contributiva regularizada (IS, SS, IRS, IRC e IVA);- Respeitou a isenção de IVA aplicável as prestações de serviços que tiveram por objeto a formação profissional ou provou ter exercido o direito de opção pela tributação (renuncia a isenção),

32.              Mais, do relatório em análise e possível verificar sem qualquer margem para duvida, que o custo total do projeto e exatamente igual ao financiamento público obtido, verificando-se, uma vez mais, a inexistência de receitas emergentes daqueles projetos.

33.              Ou seja, o projeto foi 100% suportado com financiamentos públicos.

34.              Do exposto resulta, assim, que uma parte considerável dos subsídios recebidos pela Requerente foram diretamente entregues pela Requerente aos formandos, com a menção expressa de que tinham origem no FSE.

35.              Sendo evidente que o pagamento de tais quantias em nada esta relacionado «com o preço de cada operação», ate porque os respetivos montantes se encontram fixados por lei.

36.              Do exposto resulta, igualmente, o de se considerar, no relatório de inspeção, como "subsídio ao preço" os montantes atribuídos a Requerente e que esta entregou aos formandos por serem quantias a que os mesmos, nos termos da lei, tinham direito a titulo de subsídios, bolsas e/ou despesas.

37.              Ora, de facto, a Requerente não liquidou qualquer IVA sobre os subsídios recebidos.

38.              E, por isso mesmo, aliás, não é possível encontrar uma única referência ao efetivo recebimento do IVA em causa por parte da Requerente, sendo certo que e sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira que recai o ónus de algar e provar a liquidação desse imposto.

39.              Sustenta a Requerente que a liquidação objeto do presente pedido, afigura-se que a mesma sofre de absoluta falta de fundamentação,

40.              Na verdade, analisada tal liquidação é absolutamente impossível a qualquer destinatário conhecer quais os factos em que a mesma se fundamenta.

41.              Desde logo, verifica-se que a Liquidação não faz qualquer remissão suficiente para um relatório de inspeção tributária, concreto e individualizável.

42.              Além disso, verifica-se que a Liquidação em crise não identifica as disposições legais aplicável, com base nas quais terá sido emitida

43.              Conclui, assim, que a liquidação em causa padece de absoluta falta de fundamentação, em manifesta violação dos nºs 1 e 2 do art. 77.° da LGT.

44.              Sem prescindir do exposto, ainda que tal liquidação tenha emergido do relatório de inspeção supra referido, o mesmo apresenta manifestamente uma fundamentação insuficiente e que não permite a Requerente ficar a conhecer devidamente as razões que determinaram a emissão da liquidação.

45.              Na verdade, conclui que a fundamentação apresentada pela DGCI é claramente insuficiente e obscura, vício que nos termos do artigo 153.° n.º 2 do CPA é aplicável ao processo tributário, por remissão do artigo 2.0 al. d) do CPPT equivale a falta absoluta da mesma.

46.              Mais alega a Requerente que nos termos do disposto no art. 16,°, n.º 5, alínea c), do CIVA, o valor tributável das prestações de serviços sujeitas a imposto.

47.              Afigura-se, assim, que tal norma do CIVA se refere exclusivamente as operações praticadas por sujeitos passivos de IVA, que tenham como contrapartida o pagamento de um preço.

48.              Assim, para que o valor das subvenções possa ser incluído no preço, tem, necessariamente, que existir previamente um "preço" que seja contrapartida da prestação de serviços.

49.              Do exposto resulta, assim, retorcado que apenas pode existir um "subsídio ao preço", quando seja cobrado um preço por parte do beneficiário do subsídio aos terceiros compradores dos bens ou serviços.

50.              No case em apreço, porem, verifica-se que não só a Requerente não cobra qualquer preço, como esta impedida de a cobrar e, para além disso, ainda efetua pagamentos aos formandos, em nome da autoridade que lhe concede a subvenção.

51.              Porém, no caso concretamente em análise, verifica-se que a Requerente não cobrou, nem recebeu, qualquer preço pelas ações de formação realizadas no âmbito do POPH

52.              Mais, verifica-se que a Requerente esta legalmente impedida, nos termos do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 10 de Dezembro, de cobrar qualquer preço aos formandos, designadamente pela trsquencla das ações de formação e pelos materiais pedagógicos

53.              Razão pela qual, as ações desenvolvidas pela Requerente no âmbito do projetos em apreço, não são, sequer, enquadráveis no CIVA, que determina a base de incidência objetiva do imposto

54.              Como está bom de ver, as quantias recebidas pela Requerente referentes a custos com os formandos e a estes entregues, não são contrapartida de nenhuma prestação de serviços

55.              Pelo contrário, as quantias correspondentes a encargos com os formandos, respeitam exclusivamente a despesas com remunerações dos ativos em formação, bolsas, alimentação, transportes e alojamento, bem como outras despesas com formandos, nomeadamente seguros e despesas com acolhimento de dependentes a cargo destes,

56.              Ou seja, respeitam exclusivamente a quantias que os formandos têm, nos termos da lei, direito a receber, como contrapartida da frequência das ações de formação, servindo de incentivo a essa trsquencla para a prossecução das políticas sociais visadas pelo Estado.

57.              Verifica-se, assim, que as quantias recebidas pela Requerente no âmbito do POPH (i) não correspondem a qualquer preço pelas ações de formação realizadas, (ii) não são determinadas tendo exclusivamente em conta o número de participantes e horas de formação, bem como (iii) incluem valores, referentes a bolsas, retribuições e subsídios que devem ser entregues na sua integralidade aos formandos.

58.              Pelo contrário, tais subsídios constituem, nessa medida, verdadeiros subsídios ao investimento, os quais não são tributados em sede de IVA.

59.              Sustenta ainda a Requerente pela falta de fundamentação dos atos de liquidação aqui impugnados por violarem o artigo 77.º da LGT.

 

D- RESPOSTA DA Requerida

60.              A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:

61.              A delimitação do objeto do processo vertida no pedido de pronúncia arbitral, foram promovidas, em sede de IVA, correções por referência aos 12 períodos de tributação, no montante total € 144.242,55.

62.              Na sequência da notificação do relatório final de inspeção tributária, a Requerente foi notificada dos respetivos atos tributários de liquidação de imposto e juros compensatórios o qual tem apenas por objeto a liquidação adicional de IVA e a respetiva liquidação de juros compensatórios referente ao período de Abril de 2010.

63.              Sem prejuízo do vertido na secção seguinte do presente articulado, cumpre aqui desde logo impugnar o sistematicamente alegado pela Requerente de que nos presentes autos se está perante um subsídio à produção e à estrutura de custos.

64.              Com efeito, tal facto não só não se encontra (por si) demonstrado e provado, como o contrário resulta dos autos, pois, como se concluiu no procedimento de inspeção tributária, é inequívoco que os subsídios em causa são atribuídos com referência ao volume dos serviços prestados, nos termos do artigo 16.º, n.º 5, alínea c) do Código do IVA.

65.              Aponta a Requerente no pedido arbitral o vício de falta de fundamentação aos atos tributários de liquidação acima já identificados.

66.              Não restam, pois, dúvidas de que a Requerente, porque devidamente notificada da fundamentação do relatório final de inspeção tributária em causa, não pode deixar de ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato de liquidação e as razões por que foram alcançados os valores tributados, ou seja, a Requerente tem elementos para perceber o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido nos atos de liquidação adicional notificados.

67.              Alega a Requerida, e sem conceder, acresce que, a admitir-se que no caso dos autos as notificações em crise foram efetuadas sem terem sido acompanhadas da fundamentação do respetivo ato, tratar-se-ia de uma notificação irregular.

68.              Mas, a irregularidade cometida não se estende ao ato notificado, transformando-o num ato ilegal suscetível de ser anulado, mas apenas condiciona a eficácia do ato tributário transmitido, o qual, em virtude disso, só começará a produzir todos os seus efeitos a partir do momento em que a notificação se faça na forma determinada pela lei.

69.              E face à falta ou insuficiência da notificação, podia e devia a Requerente ter requerido nova notificação com a fundamentação ou outros requisitos que hajam sido omitidos e/ou pedir a passagem de certidão que os contivesse.

70.              A falta de comunicação dos fundamentos do ato de liquidação não se confunde com a falta de fundamentação do ato – como o faz a Requerente –, sendo que enquanto esta constitui vício que invalida o ato administrativo e é suscetível de determinar a sua anulação, desde que pedida dentro dos prazos legais para o efeito, aquela, porque se situa já no exterior do ato, apenas poderá diferir o início do prazo para o recurso, desde que observado o disposto no artigo 37.º do CPPT

71.              Assim, a notificação não é um elemento intrínseco do ato e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia;

72.              Sendo que, tendo a Requerente recebido a notificação, nada a impedia de ter lançado mão da faculdade do n.º 1 do artigo 37.º do CPPT, para se habilitar com todos os dados de que precisasse para se esclarecer sobre a legalidade do ato recorrido, pois não sofre dúvida de que só a falta de fundamentação do ato constitui preterição de formalidade legal.

73.              A falta de uso daquela faculdade terá como consequência, em primeiro lugar, a impossibilidade de se invocar o vício de forma por falta de fundamentação como causa de pedir, in casu, do pedido arbitral; com a consequente contestação judicial, contra o ato cuja fundamentação não tenha sido comunicada ao contribuinte.

74.              A falta de comunicação dos fundamentos de um ato apenas determina a anulabilidade desse ato de comunicação, visto que não contende com a validade, mas apenas com a sua eficácia.

75.              Conforme decorre da fundamentação que subjaz no relatório de inspeção tributária, a Requerente está inscrita para efeitos fiscais com a atividade secundária de “Formação profissional”, sendo uma entidade acreditada no domínio da formação, para o que ora releva, desde 06/08/2008, pela Direção-geral do Emprego e das Relações do Trabalho (DGERT).

76.              Acresce que, embora as prestações de serviços relacionadas com a atividade formativa da Requerente estivessem isentas de IVA de acordo com o n.º 10 do artigo 9.º do Código do IVA, a Requerente renunciou à isenção, nos termos do artigo 12.º n.º 1 alínea a) do Código do IVA, conforme a própria confirmou durante o procedimento inceptivo (cf. páginas 5 e 6 do relatório de inspeção tributária).

77.              Sendo que, a renúncia à isenção de IVA origina a obrigação de liquidação do imposto em todas as operações tributáveis e o direito à dedução geral do imposto suportado na aquisição de bens e serviços afetos às suas operações.

78.              Defende a Requerida que apuraram os serviços de inspeção tributária que a Requerente, no ano de 2010 e no âmbito da sua atividade formativa, recebeu do Fundo Social Europeu, no âmbito do Programa Operacional Potencial Humano (POPH).

79.              Com efeito, após a análise dos processos de candidatura dos subsídios acima identificados, verificou-se o seguinte:

i)                    Formações modulares certificadas: nas decisões de aprovação destes projetos constam todas as informações relativas à estrutura de custos da formação, igualmente detalhada por rubricas, bem como do montante solicitado pela entidade beneficiária e respectivo montante aprovado; a entidade financiadora procedeu ao controlo e verificação do fim a que se destina o subsídio atribuído, designadamente das ações de formação e do número de formandos envolvidos;

ii)                  Cursos de Educação Formação de Adultos: as decisões de aprovação apresentam um resumo dos projetos, com as respectivas datas de início e fim, destinadas a um determinado número de formandos desempregados; a concessão do financiamento implica o integral cumprimento do projeto aprovado, por parte da entidade beneficiária, além de outras obrigações acessórias destinadas, designadamente, ao controle contabilístico e técnico-pedagógico, da execução das ações de formação subsidiadas.

80.              Defende a Requerida que assim, «verifica-se que os financiamentos aprovados são determinados com referência às ações de formação que a entidade beneficiária vai efetuar, tendo em conta o número de participantes e horas de formação, ou seja, os subsídios são atribuídos, de forma inequívoca, com referência ao volume dos serviços prestados, nos termos do disposto no art. 16 n° 5 alínea c) do CIVA.».

81.              E, não tendo a Requerente procedido a essa liquidação, infringiu o disposto nos artigos 16.º, n.º 5, alínea c) e 41.º do Código do IVA, tendo sido promovida pelos serviços de inspeção tributária a respetiva correção do IVA em falta, tendo, no apuramento dos valores de IVA em falta, considerado que estes estão incluídos nos montantes recebidos.

82.              Sucede, porém, que no pedido de pronúncia arbitral (referente apenas a um dos doze períodos em causa), a Requerente defende que os subsídios atribuídos consubstanciam subsídios à produção e à estrutura de custos e não subsídios ao preço.

83.              Por outro lado, apesar do alegado no pedido arbitral, a Requerente não lograr provar que os subsídios recebidos se destinavam a si própria, isto é, tinham como objetivo direto/imediato subsidiar a sua estrutura.

84.              Sendo ao invés inequívoco – inclusive dos próprios factos alegados pela Requerente e da prova documental por si junta no pedido arbitral –que, nos termos do artigo 16.º, n.º 5, alínea c) do Código do IVA, se está perante subsídios que são atribuídos com referência ao volume dos serviços prestados, existindo ainda a relação tripartida exigida.

85.              Após análise dos subsídios recebidos, os serviços de inspeção tributária concluíram que os financiamentos aprovados são determinados com referência às ações de formação que a entidade beneficiária efetua, tendo em conta o número de participantes e horas de formação, ou seja, que os subsídios são atribuídos, de forma inequívoca, com referência ao volume dos serviços prestados, nos termos do disposto no artigo 16.º, n.º 5 alínea c) do Código do IVA.

86.              A aprovação do projeto por parte do POPH, este documento demonstra pois que foi realizada uma análise de controle e verificação por parte da entidade financiadora do fim a que se destina o subsídio atribuído, designadamente das ações de formação e número de formandos envolvidos.

87.              Face ao exposto, não pode senão concluir-se como em sede inspectiva, isto é, o financiamento aprovado é determinado com referência às ações de formação que a entidade beneficiária efetua, tendo em conta o número de participantes e horas de formação, ou seja, o subsídio é atribuído de forma inequívoca, com referência ao volume dos serviços prestados.

88.              O que determina, consequentemente, a tributação de tais subsídios em IVA, nos termos do artigo 16.º, n.º 5, alínea c) do Código do IVA.

89.              Posto isto, importa, pois concluir que não se afigura verdade o alegado mormente nos artigos 30.º e 40.º do pedido de pronúncia arbitral, porquanto não estamos perante subsídios à produção e à estrutura de custos, mas sim perante um "subsídio ao preço" e por isso tributável em sede de IVA.

90.              Não obstante a evidência de que não se está perante um subsídio à exploração, mas ao preço, e por isso tributado em sede de IVA, face ao exaustivamente alegado pela Requerente no pedido arbitral, cumpre prestar ainda os seguintes esclarecimentos adicionais, para que dúvidas não subsistam.

91.              Sustenta a Requerida a jurisprudência do acórdão arbitral proferido no processo n.º 111/2014-T, e a jurisprudência comunitária, mormente o acórdão proferido no processo C-180/00, caso “OPW”, entende que para estarmos perante um subsídio, devem encontrar-se reunidos alguns pressupostos.

92.              Pelo que, também por esta razão, importa concluir que dificilmente se pode estar perante uma subvenção à produção e à estrutura de custos, pois os subsídios atribuídos não tiveram por desígnio a Requerente enquanto destinatária final do subsídio (situação em que existiria apenas uma relação bilateral, como sucede nos subsídios à estrutura/produção);

93.              Pois a Requerente é, sim, como se viu, a entidade subvencionada, sujeito passivo de imposto in casu na área da formação, que presta concretos serviços a terceiros atentos os objetivo específicos pré-determinados pela entidade concedente da subvenção.

94.              Com efeito, estamos perante uma subvenção diretamente relacionada com o preço das operações a realizar pelo operador subvencionado, tendo sido especificamente paga ao operador para que este forneça um bem ou preste um serviço determinado.

95.              Em suma, os subsídios recebidos destinam-se à prestação concreta de determinadas prestações de serviços de formação específicas, consoante a respetiva tipologia em causa.

96.              Com efeito, e no que concerne à relevação apenas na atribuição dos subsídios dos “custos ilegíveis”, repare-se que a quantia paga pelo organismo público à Requerente constitui a contrapartida para que esta preste determinado serviço de formação a um terceiro – há um nexo direto entre o serviço prestado e o contravalor recebido.

97.              Termina a Requerida no sentido de não se poder senão concluir que improcedem todos os argumentos da Requerente, não podendo nessa medida concluir-se de modo diferente ao apurado no procedimento inspetivo, pois que nenhum vício pode ser assacado à correção sub judice.

 

E-        FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

98.              Antes de entrar na apreciação destas questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, efetuou-se com base na prova documental, e tendo em conta os factos alegados.

99.              Em matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:

100.          A Requerente foi notificada 12-11-2014 do procedimento inspetivo de natureza externa e âmbito geral, referente ao exercício de 2010, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2014….

101.          A Requerente foi notificada dos atos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado, n.º … referente ao período 1004 que fixou um imposto pagar de 953,50€ e do ato n.º … que fixou juros a pagar de 167.82€.

102.          A Requerente, encontrava-se inscrita para o período fiscal de 2010, no regime geral de tributação de IRC, e em sede de IVA no regime normal de periodicidade mensal.

103.          A requerente, encontra-se inscrita para efeitos fiscais com a atividade principal de "Outras atividade consultoria para negócios e a gestão" e com a atividade secundaria de "Formação Profissional", tendo renunciando a isenção de IVA para esta ultima atividade.

104.          A Requerente é entidade acreditada no domínio da formação desde 06/08/2008, pela Direção Geral do Emprego e das Relações do Trabalho (DGERT), nos termos do decreto de lei n.º 210/2007 de 29 de Maio.

105.          A Requerente recebeu Fundo Social Europeu (FSE), no âmbito do Decreto Regulamentar 84-A/2007, de 10 de Dezembro e dos Despachos n. os 18227/008 e 18223/2008, pela … -POPH …/2008, a subvenção no valor de 5.720,98€ no mês de Abril de 2010.

F-        FACTOS NÃO PROVADOS

106.          Dos factos com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação, todos os objetos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

G-       QUESTÕES DECIDENDAS

107.          Atenta às posições das partes assumidas nos argumentos apresentados, constitui questão central dirimenda a seguinte, a qual cumpre, pois, apreciar e decidir:

a)      A alegada pela Requerente, declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado, n.º ….

H-        MATÉRIA DE DIREITO

108.          Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir por este tribunal arbitral consiste em decidir se o ato de liquidação de imposto:

109.          Face ao peticionado pela requerente, a mesma pretende ser decretada a anulação do de Imposto sobre o Valor Acrescentado n.º … referente ao período 1004 que fixou um imposto pagar de 953,50€, imposto que foi fixado em resultado da ação inspetiva da AT com o número OI2014….

110.          Da ação inspetiva n.º OI2014…, resultaram correções em sede do IVA no período 2010.1 a 2012.12, contudo face ao peticionado pela Requerente e ao valor atribuído ao processo o presente tribunal arbitral é apenas competente para decretar a anulação quanto ao período de 2010.04, e quanto ao subsídio … -POPH …/2008, no montante de 5.720,98€, ao qual foi aplicada a taxa de IVA de 20%.

111.          Com base na logica argumentativa e nas correções efetuadas pela AT, a Requerente recebeu o subsídio no valor de 5.720,98€ e neste valor já se encontra incluído IVA a taxa de 20%, e assim a Requerente deveria ter entregue ao estado o IVA devido no valor 953,50€.

112.          No âmbito da ação inspetiva e do relatório emitido pela AT, a mesma considerou que operação da Requerente estão inseridas no âmbito do 9.º n.º 10 do CIVA, contudo, a Requerente uma vez que renunciou a isenção nos termos do artigo 12º n.º 1 alínea a) do CIVA, e tendo em conta o enquadramento fiscal em sede de IVA e o tipo de subsídios recebidos no âmbito do programa POPH, entende a Requerida que o sujeito passivo estava obrigado à proceder à liquidação do IVA quando da receção do subsídio.

113.          Mais refere que o subsídio atribuído no âmbito do Projeto Operacional Potencial Humano (POPH), consubstanciam-se em um "subsídio ao preço", previsto artigo 16.º n.º 5 al. c) do CIVA.

114.          E no apuramento dos valores de IVA em falta será considerado que estes estão incluídos nos montes recebidos.

115.          Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir por este tribunal arbitral consiste em decidir i) se operação da Requerente esta enquadrada na isenção prevista no artigo 9.º n.º 10 do CIVA, e se a mesma tem direito a referida isenção nos termos do artigo 12º n.º 1 alínea a) do CIVA, ii) e qual a modalidade do subsídio recebido.

116.          Resulta do artigo 9.º n.º 10 do CIVA, respetivamente quanto as isenções nas operações internas, "Estão isentas de imposto:

10 - As prestações de serviços que tenham por objeto o ensino, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, como sejam o fornecimento de alojamento e alimentação, efetuadas por estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes;".

117.          Em consonância com o artigo 12º n.º 1 alínea a) do CIVA:

"1 - Poderão renunciar à isenção, optando pela aplicação do imposto às suas operações:

a) Os sujeitos passivos que efetuem as prestações de serviços referidas nos n.os 10) e 36) do artigo 9.º;"

118.          Este direito de opção nos termos do artigo 12º n.º 2 e 3, é exercido mediante a entrega, em qualquer serviço de finanças ou noutro local legalmente autorizado, da declaração de início ou de alterações, consoante os casos, produzindo efeitos a partir da data da sua apresentação, pelo período mínimo de 5 anos.

119.          Face a posição assumida pelas partes, ambas concordam que as operações da Requerente se subsumem as previstas artigo 9.º n.º 10 do CIVA.

120.          Nestes termos, a isenção do artigo 9.º n.º 10 do CIVA, embora abranja as prestações de serviços relacionadas com a atividade formativa da Requerente, não se aplica a Requerente uma vez que a mesma renunciou a isenção nos termos do artigo 12º n.º 1 alínea a) do CIVA.

121.          Face ao exposto, tendo a Requerente optado pela renúncia a isenção do artigo 12º n.º 1 alínea a) do CIVA, a mesma determina a obrigação de liquidação do imposto em todas as operações tributáveis e o direito à dedução geral do imposto suportado na aquisição de bens e serviços afetos às suas operações.

122.          Quanto ao ponto ii) supra referido, cabe ao presente tribunal decidir quanto a modalidade da subvenção recebida pela Requerente pelo Fundo Social Europeu no âmbito do Projeto Operacional Potencial Humano (POPH).

123.          Face as posição das partes, a AT entende que se trata de um "subsídio ao preço" previsto artigo 16.º n.º 5 al. c) do CIVA, enquanto que a Requerente sustenta que não se trata de um "subsídio ao preço", mas sim um subsídio à produção e à estrutura de custos (subsídio a exploração, ao funcionamento), e como tal não sujeito ou isento a IVA.

124.          Nestes termos veja-mos o regime das subvenções previsto no Código do IVA e na Directiva IVA. Resulta do artigo 16.º n.º 5 al. c) do CIVA:

"5 - O valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto, inclui:

c) As subvenções diretamente conexas com o preço de cada operação, considerando como tais as que são estabelecidas em função do número de unidades transmitidas ou do volume dos serviços prestados e sejam fixadas anteriormente à realização das operações.".

125.          Por seu lado, a Directiva IVA, prevê no Capítulo 2 (entregas de bens e prestações de serviços), Título VII, “Valor Tributável”, artigo 73.º, o seguinte:

“Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.º a 77.º, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações."

126.          Perante o exposto, a legislação nacional e comunitária, estabelece que o valor tributável apenas incluirá as subvenções que sejam conexas com o preço das operações do sujeito passivo beneficiário da subvenção.

127.          O Código do IVA face a Diretiva, introduz duas condições: primeiro que as subvenções sejam estabelecidas em razão do número de unidades transmitidas ou do volume dos serviços prestados, e segundo que sejam fixadas em momento anterior ao da realização das operações.

128.          Sobre este assunto já se pronunciou o Acórdão Arbitral no processo n.º 111/2014-T[1]:

"A Comissão Europeia, no seu primeiro relatório sobre o funcionamento do sistema comum do IVA (constante do documento COM (83) 426 final, de 14 de Setembro de 1983), entende que há certos tipos de subvenções relativamente às quais se mostra fácil decidir pela sua inclusão no valor tributável, enumerando os casos em que os montantes das subvenções (i) sejam determinados com referência aos preços de venda dos bens ou serviços fornecidos; (ii) ou em função das quantidades fornecidas; (iii) ou se destinarem a cobrir os custos de bens ou serviços que sejam fornecidos gratuitamente ao público.

No entanto, a propósito de vários outros tipos de subvenções – nomeadamente as destinadas a cobrir deficits e as subvenções operacionais – a Comissão considera extremamente difícil pender no sentido da sua inclusão (ou não) no valor tributável das operações abrangidas pelo IVA (conforme salientado por RUI LAIRES e ISABEL VEGA MOCOROA acima citados).

Estas últimas são normalmente atribuídas para fortalecer a situação económica das entidades subvencionadas, e não especificamente reportadas aos preços praticados, embora, acrescenta a Comissão, não se encontre uma diferença substancial entre esses dois tipos de subvenções. Esta constatação, aliada à circunstância de se poder com relativa facilidade converter uma subvenção directamente reportada aos preços noutro tipo de subvenção ilustra, segundo a Comissão, a fragilidade de uma distinção assente num critério formal e a inadequação das normas da Directiva (à data Sexta Directiva, 77/388/CEE.

No segundo relatório da Comissão sobre o funcionamento do sistema comum do IVA (constante do documento COM (88) 799 final, de 20 de Dezembro de 1988), preconiza-se uma interpretação estrita e literal, segundo a qual a inclusão da subvenção no valor tributável depende do concurso de três condições cumulativas: (i) a subvenção constituir a contraprestação ou uma parte da contraprestação; (ii) a subvenção ser paga ao fornecedor dos bens ou prestador dos serviços; e, por fim, (iii) a subvenção ser paga por uma terceira entidade.

Para XAVIER DE BASTO “Pode questionar-se a lógica da inclusão dessas subvenções no valor tributável do IVA. Incluir ou não incluir as subvenções ligadas à exploração releva de duas formas de conceber ou racionalizar o imposto sobre o valor acrescentado – as duas faces do imposto: como imposto de transacções (imposto sobre as empresas) ou como imposto geral de consumo. (…) Na verdade, a inclusão das subvenções no valor tributável só tem sentido quando o IVA é visto como um imposto sobre as empresas, “um business tax – destinado, em última análise, a tributar o respectivo valor acrescentado. A não incluir-se as subvenções, o imposto não atingiria o valor acrescentado, o valor da produção a custo dos factores – a empresa subsidiada seria favorecida relativamente à empresa não subsidiada. Não é assim, porém, que o problema deve pôr-se quando se está perante um IVA tipo-consumo” (…) Nesta lógica, o que deve interessar é o preço efectivo, o dispêndio do consumidor” – cf. “A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional”, in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (164), 1991, p. 210.

Ainda segundo este ilustre Professor, a solução da Directiva está longe de ser de aplicação fácil. “Implica a distinção entre subvenções "directamente ligadas ao preço" das operações, a incluir na base tributável, e as de outras naturezas, que não contam para a determinação daquela base. Atendendo à diversidade de situações que se podem verificar, nem sempre é fácil a distinção. Quando o montante dos subsídios é determinado quer por referência aos preços de venda quer às quantidades vendidas ("indemnizações compensatórias"), é nítido tratar-se de subvenções directamente ligadas aos preços. Também não suscitará dúvidas a não inclusão das subvenções de capital. Já todavia se poderá revelar árduo decidir a questão quanto a outros tipos de subsídios de exploração, que são pagos para melhorar a posição económica das empresas, mas que não são calculados com referência a preços ou quantidades vendidas. Será o caso por exemplo das chamadas "subvenções de equilíbrio", calculadas a posteriori, para a cobertura de défices de exploração, e das "subvenções de funcionamento", que constituem complementos de receitas determinados a priori, independentemente dos resultados da exploração.” – cf. obra citada, p. 212.

CLOTILDE CELORICO PALMA assinala que as subvenções constituem “uma das zonas cinzentas deste imposto” e que a legislação comunitária não contém uma definição de subvenção, “limitando-se a prever a regra sobre a respectiva inclusão no valor tributável das operações e a possibilidade da respectiva inclusão no cálculo do prorata”. Acrescenta que o “tratamento das subvenções em IVA não é uma matéria totalmente harmonizada ao nível dos diversos Estados membros, pondo-se em causa uma aplicação uniforme do sistema comum e o respeito pela neutralidade do imposto” – in As Entidades Públicas e o Imposto sobre o Valor Acrescentado – Uma Ruptura no Princípio da Neutralidade, Almedina, 2011, pp. 561 e 565.

Neste quadro de alguma indeterminação, é a construção jurisprudencial do TJUE que nos fornece a interpretação (válida) da Directiva IVA e os critérios de decisão para a tributação das subvenções."

129.          No âmbito da jurisprudência comunitária, sobre subvenções, pronunciou-se nos Acórdãos Jurgen Mohr (C-215/94, de 29 de Fevereiro de 1996) e Landboden-Agrardienste (C-384/95, de 18 de Dezembro de 1997), e em especial no processo OPW[2].

130.          O Tribunal de Justiça, no âmbito do processo OPW, procedeu a delimitação dos pressupostos necessários à consideração de uma subvenção no valor tributável para efeitos de IVA. O TJ entende que a tributação da subvenção implica o preenchimento de determinados pressupostos.

131.          Pressupostos esses que passamos a enunciar, nos mesmos termos que o compôs o Acórdão Arbitral no processo n.º 111/2014-T, já o efetuou, o qual se transcreve:

"Primeiro pressuposto – que se trate de uma subvenção concedida por uma autoridade no contexto de uma relação triangular, i.e., que envolva três partes (ponto 10 do Acórdão OPW):

(a)     A autoridade que concede a subvenção;

(b)     O organismo/sujeito passivo que dela beneficia; e

(c)      O comprador do bem ou o destinatário do serviço respectivamente entregue ou prestado pelo operador subvencionado, clarificando-se que as operações visadas não são as realizadas em benefício da autoridade que concede a subvenção.

Segundo pressuposto – que a subvenção esteja directamente relacionada com o preço das operações a realizar pelo operador subvencionado (ponto 12 do Acórdão OPW). Para tanto é necessário que aquela subvenção seja especificamente paga ao operador para que este forneça um bem ou preste um serviço determinado.

Terceiro pressuposto – o preço do bem ou do serviço deve ser determinado, quanto ao seu princípio, o mais tardar, no momento em que ocorre o facto gerador (ponto 13 do Acórdão OPW).

Quarto pressuposto – o compromisso de pagar a subvenção assumido por aquele que a concede tem como corolário o direito de a receber reconhecido ao beneficiário quando a operação tributável foi realizada por este (ponto 13 do Acórdão OPW).

É importante salientar que o TJ devolve expressamente ao tribunal nacional a prova da existência de um nexo directo entre a subvenção e o bem ou serviço em causa (ponto 14 do Acórdão OPW).

Esta relação entre a subvenção e o preço deve resultar de forma inequívoca e após uma análise, caso a caso, das circunstâncias na origem do pagamento da contrapartida e exige que se verifique, numa primeira fase, que os compradores do bem ou os destinatários do serviço beneficiam da subvenção concedida ao beneficiário desta. Com efeito, é necessário que o preço a pagar pelo comprador ou pelo destinatário (neste caso os três municípios) seja fixado de modo que diminua na proporção da subvenção concedida ao vendedor do bem ou ao prestador do serviço. Ao invés, não é necessário que o preço do bem ou do serviço - ou uma parte do preço - esteja determinado. Basta que seja determinável.

É o órgão jurisdicional nacional que tem de apreciar se, objectivamente, o facto de uma subvenção ser paga ao prestador permite a este fornecer um serviço a um preço inferior ao que exigiria na falta dessa subvenção. Não é necessário que o montante da subvenção corresponda rigorosamente à diminuição do preço do bem entregue, bastando que a relação entre esta e a referida subvenção, que pode ser fixa, seja significativa. Contudo, há que sublinhar que o simples facto de uma subvenção poder ter influência sobre os preços dos bens entregues ou dos serviços prestados pelo organismo subvencionado não basta pra a tornar tributável (pontos 12, 14 e 17 do Acórdão OPW)."

132.          Perante os pressupostos supra enunciados e pela posição assumida pela jurisprudência no âmbito do acórdão arbitral descrito, resulta para o caso sub judice, a indispensabilidade da verificação dos referidos quatro pressupostos.

133.          Quanto ao primeiro pressuposto, a existência de um nexo direto entre a subvenção e os serviços, na qual resulta uma relação triangular, a mesma encontra-se preenchida.

134.          Se não vejamos, é concedida por uma autoridade no contexto de uma relação triangular entre Fundo Social Europeu (Projeto Operacional Potencial Humano (POPH)) a Requerente (sujeito passivo beneficiário) o utilizador/destinatário do serviço prestado pela requerente.

135.          Verifica-se adicionalmente o requisito negativo de as operações, os curso não serem realizados em benefício da autoridade que concede a subvenção.

136.          Quanto aos restantes pressupostos, encontram-se igualmente preenchidos, como podemos verificar.

137.          A subvenção é especificamente paga pelo Fundo Social Europeu à Requerente para que esta preste um serviço determinado, e a mesma está diretamente relacionada com o preço das operações a realizar.

138.          A Requerente submeteu a sua candidatura ao Fundo Social Europeu (Projeto Operacional Potencial Humano (POPH)), mediante a apresentação de um projeto detalhado do número ações de formação e formandos envolvidos, os respetivos custos calculados e discriminados.

139.          Nos termos do Decreto Regulamentar 84-A/2007, de 10 de Dezembro e dos Despachos n. os 18227/008 e 18223/2008, que regulam o regime geral de aplicação do Fundo Social Europeu (FSE), resulta «A aceitação da decisão de aprovação da candidatura pelo beneficiário confere-lhe o direito à perceção de financiamento para realização dos restivos projetos, nos termos do artigo 40.º do Decreto Regulamentar 84-A/2007, de 10 de Dezembro. [3]»

140.          Não existe qualquer dúvida que a subvenção é para a realização dos projetos abrangidos, encontrando-se assim preenchido o terceiro pressuposto.

141.          Mais se diz se a Requerente ao não realizar os referidos serviços, não lhe assistirá o direito a receber os montantes atribuídos, pois estes foram-no no pressuposto da realização de tais prestações de serviços.

142.          Quanto ao último pressuposto, o compromisso de pagar a subvenção assumido por aquele que a concede tem como corolário o direito de a receber reconhecido ao beneficiário quando a operação tributável foi realizada por este¸ a execução das prestações de serviço de formação tem por referência o número concreto de formandos beneficiários destes serviços.

143.          Tal como decorre do artigo 15.º, n.º 1 dos Despachos n. os 18227/008 e 18223/2008, onde se fixa que «A entidade beneficiária fica obrigada a apresentar, até 15 de Fevereiro de cada ano, informação anual de execução, reportada a 31 de Dezembro do ano anterior, sobre a execução física e financeira da candidatura, de acordo com o estipulado no n.º 6 do artigo 40.º do Decreto Regulamentar 84-A/2007, de 10 de Dezembro.».

144.          Mais prescreve o n.º 6 do artigo 40.º do Decreto Regulamentar 84-A/2007, de 10 de Dezembro «As entidades beneficiárias de candidaturas plurianuais ficam obrigadas a fornecer às autoridades de gestão, nos moldes e com a periodicidade que por estas forem definidos a informação necessária à elaboração do relatório anual do PO, designadamente, informação sobre a execução física e financeira do projeto, ficando o pagamento das despesas condicionado à prestação da mesma, salvo motivo devidamente justificado e aceite pela autoridade de gestão.».

145.          Perante o exposto resulta que a atribuição da subvenção é feita, com referência às ações de formação que a entidade beneficiária (requerente) vai efetuar, tendo em consideração o número de participantes e horas de formação.

146.          A subvenção é feita com referência ao volume dos serviços efetivamente prestados, encontrando-se assim preenchido o quarto pressuposto.

147.          Nestes termos, verifica-se o preenchimento dos quatro pressupostos, enunciados no âmbito da jurisprudência comunitária e nacional.

148.          Conclui-se no sentido de o subsídio atribuído pelo Fundo Social Europeu no âmbito do Projeto Operacional Potencial Humano, sendo esta a forma como é atribuído o subsídio, e por preencher as condições determinantes da tributação previstas na tipologia dos "subsídios ao preço " o mesmo subsume-se ao previsto nos termos do disposto no artigo 16.º, n.º 5 alínea c) do Código do IVA.

149.          Mais se diz, que um o subsídio no montante de 5.720,98€, aqui em apreço, é o valor final, incluindo-se no mesmo o IVA a taxa de 20% no valor de 953,50€, alvo da liquidação sub júdice.

H.I - QUANTO À FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO

150.          Peticiona a Requerente que a liquidação objeto da presente pedido arbitral sobre de absoluta falta de fundamentação, uma que o destinatário não consegue conhecer quais os fatos em que a mesma se fundamenta, em manifesta violação dos n.º 1 e 2 do artigo 77 º da LGT.

151.          Resulta do nº1 e 2 do artigo 77º da LGT determina que “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição da razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo as que integrem o relatório da fiscalização tributária.

152.          2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”.

153.          A liquidação adicional de IVA em crise resulta de correções devidamente especificadas no relatório de inspeção tributária, de que a Requerente foi devidamente notificada.

154.          Nestes termos o pedido da Requerente é improcedente.

 

I - DECISÃO

Destarte, atento a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide-se:

Julgar improcedentes o pedido de declaração de ilegalidade dos atos tributário de liquidação em sede de Imposto sobre o valor acrescentado, Imposto sobre o Valor Acrescentado, n.º … e … que fixou um imposto e juros a pagar de 1.121,32 € (mil cento e vinte e um eros e trinta e dois cêntimos).

Fixa-se o valor do processo em € 1.121,32 do valor da liquidação atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor das liquidações de imposto impugnadas, e em conformidade fixa-se as custas, no respetivo montante em 306,00€ (trezentos e seis euros), a cargo da Requerente de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.ºdo RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, art.ºs 5.º, n.º1, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC).

Notifique.

Lisboa, 14 de Dezembro de 2015.

O Árbitro

Paulo Renato Ferreira Alves

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

 

 



[1]              Disponivel em www.caad.org.pt

[2]              O processo C-180/00, trata-se de um caso em que a administração regional da Valónia atribuía uma importância anual a uma associação privada sem fins lucrativos, destinada a promover os produtos agrícolas, hortícolas e agro-alimentares daquela região. Em causa estava a questão de se as subvenções de funcionamento que cobrem uma parte diversificada das despesas de exploração, designadamente a remuneração do pessoal, o custo das instalações, o custo de aquisição de equipamentos e fornecimentos necessários e todas as demais despesas diretas e indiretas relacionadas com a atividade, devem ser compreendidas na matéria colectável do IVA.

 

[3]              Conforme o n.º 1 do artigo 14.º dos Despachos n. os 18227/008 e 18223/2008.