Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 82/2019-T
Data da decisão: 2019-07-01   Outros 
Valor do pedido: € 48.292,62
Tema: Inutilidade superveniente da lide - reembolso do imposto e juros indemnizatórios.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

A..., contribuinte..., residente na ... n.º..., ..., ...-... Lisboa, na qualidade de representante fiscal de B..., contribuinte n.º..., doravante designado por Requerente,  apresentou em 08/02/2019, pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral, no qual solicita a anulação do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada relativamente à liquidação de IRS n.º 2018... e o reembolso do montante de imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 02/04/2019 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.

 

No dia 23/04/2019 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

Em 24/04/2019 a Requerida veio aos autos informar que procedeu à revogação do ato impugnado.

 

Considerando que da informação constante do despacho de revogação e respetiva fundamentação não constava que a Requerida procedeu ao reembolso da quantia de imposto que o Requerente alega ter pago ou dos juros indemnizatórios, o tribunal  determinou, ao abrigo dos princípios da  autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas e da cooperação, art. 16.º, alíneas c) e f) do RJAT,  em 04/05/2019 que as partes se pronunciassem quanto a esta questão.

 

O Requerente, em 15/05/2019, veio aos autos informar que não foi reembolsado do montante de IRS pago.

 

O tribunal, em 29/05/2019, considerou que, apesar da revogação do ato, o Requerente formula um pedido de reembolso do montante de imposto pago e de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) no pagamento de juros indemnizatórios, assim, determinou, ao abrigo do princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas (art. 16.º, alínea c) do RJAT), a dispensa de realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, concedeu 8 dias para que as partes, querendo, apresentassem as alegações finais escritas  e designou data limite para proferir a decisão arbitral.

 

POSIÇÃO DAS PARTES

 

O Requerente, no pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 08/02/2019, solicita a anulação da liquidação de IRS n.º 2018... objeto da reclamação graciosa, com fundamento em erro sobre os pressupostos.

Sucede que a Requerida comunicou em 24/04/2019 ao tribunal a revogação da liquidação de IRS. Contudo, o despacho de revogação não continha qualquer referência ao reembolso do imposto ou do pagamento de juros indemnizatórios – pedidos acessórios, assim o tribunal determinou a notificação das partes para que se pronunciassem sobre a questão.

Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem, veio o Requerente dizer que não foi reembolsado do montante de imposto pago, como não lhe foram processados os juros indemnizatórios.

O tribunal encontra-se vinculado ao conhecimento oficioso das exceções dilatórias, art. 578.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do previsto no art. 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT. Por isso, há que determinar se, em concreto, se encontra preenchida a exceção de incompetência material do tribunal para apreciar o pedido de reembolso e de condenação no pagamento de juros indemnizatórios ou, se se verifica a inutilidade superveniente da lide.

 

                Deste modo, são estas as questões que o tribunal deve conhecer:

 

i)             Se há incompetência material do tribunal para apreciar o pedido de reembolso e de condenação no pagamento de juros indemnizatórios;

 

ii)            Se deve ser julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide;

 

iii)           Se há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

QUESTÕES PRÉVIAS E SANEAMENTO

 

Incompetência material do tribunal arbitral

 

A inutilidade superveniente da lide impede o prosseguimento do processo para julgamento e elaboração da sentença, sendo certo que, o fundamento da mesma se encontra na desnecessidade de utilizar o processo, visto que não há carência de tutela judiciária.

Sucede que, no caso concreto, o Requerente formulou o pedido de anulação da liquidação de IRS e de restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

Contudo, a Requerida, por despacho datado de 18/04/2019, comunicou em 24/04/2019 a revogação do ato de liquidação de IRS objeto da reclamação graciosa.

Por isso, poder-se-á colocar a questão: tem o tribunal competência para apreciar os pedidos de reembolso do imposto e de condenação no pagamento de juros indemnizatórios?

Sustenta a doutrina ,  a propósito da impugnação judicial, meio processual que inspirou o legislador na previsão do nosso sistema de arbitragem tributária , que: “Se na pendência da impugnação, depois do prazo referido nos arts 111.º, n.º 1, e 112.º, n.º 1, do CPPT, for praticado um ato revogatório sem nova regulação da situação jurídica, mas subsistirem efeitos produzidos pelo ato revogado, o processo de impugnação prossegue em relação a esses efeitos (art. 65.º, n.º 1, do CPTA)”.

Na presente hipótese, o dano provocado pela prática do ato revogado subsiste na ordem jurídica, visto que não há notícia do reembolso do montante de IRS e do pagamento dos juros indemnizatórios, razão pela qual impõe-se continuar a tramitação processual quanto a estes pedidos.

A este respeito defende a jurisprudência que: “Tendo a Administração Tributária vindo a anular oficiosamente as liquidações de CA, durante a pendência da impugnação judicial, instaurada contra tais liquidações e onde para além de se pedir a anulação destes atos tributários se pedia também a condenação da AT em juros indemnizatórios, tal facto é de per si demonstrativo de erro imputável aos serviços e determinante do pagamento dos juros ao abrigo do artigo 43.º da LGT”, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0574/14, de 07/01/2016 e em que foi relator o Conselheiro FONSECA CARVALHO.

Para além do  mais, o art. 13.º, n.º 1 do RJAT determina que: “Nos pedidos de constituição de tribunais arbitrais que tenham por objeto a  apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no art. 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do art. 11.º”.

Sucede que, na presente hipótese, a Requerida apenas deu conhecimento da revogação após a constituição do tribunal arbitral, mais concretamente, após ter sido notificada para apresentar resposta. Ou, dito de outro modo, o presidente do CAAD não foi notificado de qualquer decisão nesse prazo de 30 dias.

Assim, o tribunal é materialmente competente para apreciar o pedido de reembolso do imposto (IRS) e de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, não se verificando a exceção dilatória em apreciação.

 

Inutilidade superveniente da lide

 

O Requerente solicita, no seu pedido de pronúncia arbitral, a anulação do ato de liquidação de IRS, o reembolso do imposto indevidamente pago e a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

Sucede que, a Requerida veio comunicar a revogação da liquidação e, notificado para se pronunciar, o Requerente veio declarar que não foi reembolsado do montante do imposto pago, como também não recebeu os juros indemnizatórios.

Assim, impõe-se a este tribunal verificar a utilidade do conhecimento do pedido de anulação da liquidação de IRS, reembolso do imposto pago e condenação em juros indemnizatórios.

Verifica-se a inutilidade superveniente da lide quando, na pendência da causa, a solução do dissídio deixe de ter efeito útil.

No caso concreto, o Requerente formula um pedido de anulação da decisão da reclamação graciosa e, em termos finais, da liquidação de IRS; bem como, de reembolso do montante de imposto pago e de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

Acontece que, a finalidade anulatória pretendida pela Requerente relativamente à liquidação de IRS já foi alcançada, pelo que, fica prejudicado o conhecimento dos vícios imputados ao ato de liquidação. Assim, apenas há utilidade relativamente ao pedido de reembolso do imposto pago e de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

Consequentemente, verifica-se a inutilidade superveniente da lide relativamente ao pedido de anulação da liquidação de IRS, o que determina a extinção da instância – art. 277.º, alínea e) do CPC, aplicável por força do art. 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Saneamento

 

O processo não enferma de nulidades, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido de reembolso da quantia de IRS paga e da condenação no pagamento de juros indemnizatórios, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

MATÉRIA DE FACTO

1. Factos que se consideram provados

1.1. O Requerente foi notificado da liquidação adicional de IRS n.º 2018..., respeitante ao ano de 2014, no montante de 75 441,99 euros e da demonstração de acerto de contas n.º 2018..., no montante final a pagar de 48 292,62 euros (documento junto pelo Requerente sob o n.º 2).

1.2. O Requerente apresentou reclamação graciosa relativamente a tal ato no dia 11/06/2018 (documento junto pelo Requerente sob o n.º 2).

1.3. Até à apresentação do pedido de pronúncia arbitral não foi proferida qualquer decisão sobre a aludida reclamação graciosa.

1.4. Em 18/04/2019 o ato de liquidação de IRS foi revogado (documento junto com o requerimento da Requerida a informar da revogação do ato).

1.5. A Senhora Diretora-Geral da AT teve conhecimento do pedido de constituição de tribunal arbitral no dia 18/02/2019 (sistema informático do CAAD).

1.6. A Requerida comunicou aos autos em 24/04/2019 a revogação, por despacho datado de 18/04/2019, do ato de liquidação de IRS objeto da reclamação graciosa (documento junto com o requerimento da Requerida a informar da revogação do ato). 

1.7. A liquidação supra descrita foi paga no dia 04/03/2018 (documento junto pelo Requerente sob o n.º 2).

1.8.  O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 08/02/2019 (sistema informático do CAAD).

 

2. Factos que não se consideram provados

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

No que se refere aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se nas posições assumidas pelas partes, que foram consensuais e na análise crítica da prova documental junta aos autos.

 

 

MATÉRIA DE DIREITO

               

Impõe-se assim conhecer o pedido de reembolso e de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

A este propósito, o art. 100.º da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT, prevê que: “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”. Isto é, a anulação judicial do ato implica a destruição dos seus efeitos ex tunc, ou seja, tudo se deve passar como se este não tivesse sido praticado.

Ora, a reconstituição da situação hipotética atual alicerça a obrigação de reembolso do imposto que foi pago. Razão pela qual, no caso concreto, perante a ilegalidade da liquidação, há indiscutivelmente lugar a reembolso do montante de IRS pago pelo Requerente.

Em segundo lugar, o art. 43.º, n.º 1 da LGT dispõe que: “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Por outras palavras, são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) existência de um erro em ato de liquidação de imposto imputável aos serviços; ii) determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e iii) pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Deste modo, é possível formular uma questão: será admissível determinar o pagamento de juros indemnizatórios em processo arbitral tributário? A resposta à questão é afirmativa. Com efeito, o art. 24.º, n.º 5 do RJAT dispõe que: “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

E perante a revogação poder-se-á perguntar: há erro imputável aos serviços na presente hipótese?

A resposta à questão terá de ser afirmativa, a revogação do ato demonstra o erro imputável aos serviços, isto é, o reconhecimento da falta de amparo normativo aquando da sua prática.

Consequentemente, procede o pedido de juros indemnizatórios, contados à taxa legal, de acordo com o previsto no art. 43.º, n.º 4 da LGT, entre a data em que foi efetuado o pagamento indevido e até integral reembolso.

 

III – DECISÃO

 

Nestes termos e com a fundamentação acima descrita decide julgar-se:

 

i)             Extinta a instância no que respeita ao pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277.º, alínea e) do CPC, aplicável por força do disposto no art.º 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT;

 

ii)            Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia de imposto entregue e de condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios, desde a data do pagamento até ao integral reembolso.

 

 VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 48 292,62 euros, nos termos do art. 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

CUSTAS

 

Custas a suportar integralmente pela Requerida, no montante de  2 142 euros, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, visto que, de acordo com o art. 536.º, n.º 3 e 4 do CPC, aplicável por força do art. 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, a constituição do tribunal arbitral é imputável exclusivamente à Requerida que, notificada do pedido de constituição do tribunal com o objeto de apreciação da legalidade do ato tributário previsto no art. 2.º, n.º 1 do RJAT, não informou o presidente do CAAD da sua decisão revogatória no prazo previsto no art. 13.º, n.º 1 do RJAT.

 

Notifique.

 

Lisboa, 1 de julho de 2019

 

O árbitro,

 

(Francisco Nicolau Domingos)