Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 120/2018-T
Data da decisão: 2018-09-24  IRC  
Valor do pedido: € 90.281,79
Tema: IRC – Dedutibilidade de custos – Encargos Financeiros.
Versão em PDF

 

Decisão Arbitral

 

Os árbitros Carlos Fernandes Cadilha (Presidente), Vera Figueiredo e Augusto Vieira (Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o tribunal arbitral, constituído em 30 de Maio de 2018, acordam no seguinte:

 

            I - Relatório

 

            1. A..., S. A., NIPC..., com sede na ..., n.º..., ...-... Lisboa, veio apresentar, ao abrigo dos artigos 10.º e 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, um pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo com vista à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, bem como dos atos de liquidação de juros compensatórios e dos atos de compensação, no valor global de € 45.739,18, com referência ao exercício de 2013, e no valor global de € 44.542,61, com referência ao exercício de 2014.

 

Fundamenta o pedido nos termos que a seguir se expressam.

 

Na sequência da incorporação pela sociedade B..., Lda. da sociedade C..., Lda., ocorreu a transferência global do património da sociedade incorporada para a sociedade incorporante, incluindo todos os ativos e passivos, assumindo a sociedade a responsabilidade pelos encargos inerentes ao contrato de mútuo n.º ... celebrado entre a C..., Lda. e o Banco D..., S.A..

 

A Requerente, anteriormente designada E..., Lda., foi transformada em sociedade anónima, passando a designar-se A..., S.A..

 

Na sequência de uma segunda operação de fusão pela qual a Requerente incorporou a sociedade B..., Lda., ocorreu a transferência global do património da sociedade incorporada para a esfera da Requerente, incluindo todos os ativos e passivos, tendo esta assumindo a responsabilidade pelos encargos inerentes ao contrato de mútuo n.º... celebrado entre a sociedade incorporada e o Banco D..., S.A..

 

Em consequência da fusão, o ativo da Requerente aumentou substancialmente, designadamente quanto aos investimentos financeiros, imobilizações corpóreas e incorpóreas, além de se ter registado um considerável aumento do volume de negócios e de lucros sujeitos a imposto.

 

No âmbito de uma ação de inspeção para controlo declarativo dos gastos contabilizados como encargos financeiros, a Autoridade Tributária concluiu que “os dois financiamentos tiveram como finalidade a aquisição de capital, não se verificando a conectividade com a atividade de exploração nem de obtenção de lucro ou manutenção da força produtora”, assim desconsiderando a dedutibilidade dos gastos financeiros associados aos contratos de mútuo para efeitos fiscais, com a consequente correção da liquidação de IRC.

 

A Requerente imputa aos atos de liquidação o vício de falta de fundamentação e o vício de violação de lei, por considerar que se não encontram enunciadas no relatório de inspeção as razões que determinaram a não dedutibilidade dos encargos financeiros e por se verificarem, no caso, os requisitos essenciais para que o custo contabilístico seja aceite como custo fiscal: a comprovação do custo e a indispensabilidade para a realização dos proveitos e ganhos sujeitos a imposto.

 

Na sua resposta, a Autoridade Tributária invoca a caducidade do direito de ação, por considerar que o pedido arbitral foi apresentado mais de 90 dias depois da notificação dos atos tributários de liquidação.

 

Quanto à matéria de fundo, a Autoridade Tributária sustenta que as correções vertidas no relatório de inspeção se encontram devidamente fundamentadas, indicando-se as razões de facto e as normas legais que motivaram a não aceitação dos encargos como custos fiscais. No tocante à dedutibilidade dos custos, defende que os encargos financeiros respeitam a financiamentos que não foram aplicados na exploração ou atividade desenvolvida pela Requerente e destinaram-se apenas a satisfazer o pagamento da aquisição das suas participações sociais aos anteriores detentores do capital da C..., Lda. e da B..., Lda., não se relacionando, por isso, com a aquisição de bens ou de direitos necessários à atividade empresarial da Requerente.

 

2. No seguimento do processo, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e, por razões de celeridade e economia processual, determinou-se o aproveitamento da prova testemunhal produzida no Processo n.º 606/2017-T, ao abrigo do disposto no artigo 421.º, n.º 1, do CPC, tendo em consideração que a prova aí produzida incide sobre as mesmas questões que constituem objeto do presente Processo ainda que referentes a um outro exercício económico.

 

Em alegações, a Requerente respondeu à matéria de exceção suscitada pela Autoridade Tributária, vindo dizer que o prazo para a apresentação do pedido arbitral, nos termos previstos no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, por efeito da remissão feita para os n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPA, conta-se a partir do termo do prazo para o pagamento voluntário das liquidações, pelo que, tendo este terminado em 10 de janeiro de 2018, a impugnação deduzida em 16 de março de 2018 é tempestiva.

 

Quanto à matéria de fundo, as partes reiteraram as suas anteriores posições.

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

O tribunal arbitral coletivo ficou, nesses termos, constituído pelos ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 30 de maio de 2018.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Cabe apreciar e decidir.

 

II -Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. A matéria de facto relevante para a decisão da causa é a seguinte.

 

A) A Requerente tem como objeto social a comercialização de produtos farmacêuticos, higiénicos e afins, compra e venda de artigos médicos e outros produtos de uso medicinal, compra e venda de medicamentos;

B) Em 17 de abril de 2007, ocorreu uma fusão inversa pela qual a sociedade B..., Lda. incorporou, por fusão, a sociedade C..., Lda., que detinha a sociedade incorporante;

C) A B..., Lda. detinha um alvará de exploração de farmácia;

D) Com a fusão verificou-se a transferência global do património da sociedade incorporada para a sociedade incorporante, tendo esta sociedade assumido a responsabilidade pelo pagamento dos encargos inerentes ao contrato de mútuo n.º... celebrado entre a sociedade incorporada e o Banco D..., S.A.;

E) O empréstimo concedido à sociedade C..., Lda., no valor contratado de €1.750.000, teve como finalidade a aquisição de quota de 98% da sociedade B..., Lda.;

F) Em 31 de dezembro de 2008, ocorreu uma outra fusão pela qual a Requerente incorporou a sociedade B..., Lda.

G) Com esta operação houve lugar à transferência global do património da sociedade B..., Lda. para a esfera da Requerente, tendo a sociedade assumido a responsabilidade pelo pagamento dos encargos inerentes ao contrato de mútuo n.º ... celebrado entre a sociedade incorporada e o Banco D..., S.A.;

H) O empréstimo concedido à sociedade B..., Lda., no valor contratado de € 4.499.000,00, teve como finalidade a aquisição de ações representativas de 49,8% do capital social da sociedade A..., S.A.;

I) Os fundamentos que presidiram à fusão, constantes do projeto de fusão, foram a correção de ineficiências detetadas, bem como a anulação de custos desnecessários, nomeadamente através:

a) Integração das instalações administrativas das duas sociedades com as inerentes reduções de custos;

b) Concentração do esforço de vendas, do investimento e da publicidade;

c) A redução global das estruturas administrativas e logísticas das duas sociedades através da integração de todas as atividades de tesouraria, contabilidade, gestão de recursos humanos e gestão em geral da sociedade incorporante;

d) O melhor aproveitamento e racionalização de pessoal efetivo;

J) Na sequência da fusão, a sociedade Requerente aumentou o seu ativo quanto aos investimentos financeiros, imobilizações corpóreas e imobilizações incorpóreas, passando o valor do ativo de € 1.517.196,38 para € 7.925.038,00;

L) De 2008 até 2015 registou um gradual aumento do volume de negócios;

M) A Requerente foi objeto de uma ação de inspeção tributária de caráter interno, para controlo declarativo dos gastos contabilizados com encargos financeiros determinada pelas Ordens de Serviço n.º OI2016... e n.º OI2016..., da Direção de Finanças de Lisboa, com referência aos exercícios de 2013 e 2014;

N) O relatório de inspeção refere que, “no caso em análise, verifica-se que os dois financiamentos tiveram como finalidade a aquisição do seu próprio capital, não se verificando a conectividade com a atividade de exploração, nem a obtenção de lucro ou a manutenção da fonte produtora”;

O) Em 13 de outubro de 2017, a Requerente foi notificada do projeto de Relatório de Inspeção Tributária e para, querendo, exercer o seu direito de audição prévia;

P) Em 3 de novembro de 2017, a Requerente exerceu o direito de audição;

Q) A Requerente foi notificada do ato de liquidação adicional de IRC n.º 2017..., do ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2017...e do ato de compensação n.º 2017..., com referência ao exercício de 2013, no qual se apurou um valor global a pagar de € 45.739,18, bem como do ato de liquidação adicional de IRC n.º 2017..., do ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2017..., e do ato de compensação n.º 2017..., com referência ao exercício de 2014, no qual se apurou um valor global a pagar de € 44.542,61.

R) Em 16 de Março de 2018 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e os constantes do processo administrativo apresentado pela Autoridade Tributária com a sua resposta, bem como na prova testemunhal produzida no Processo n.º 606/2016 nos termos previstos no artigo 421.º, n.º 1, do CPC. O referido em R) resulta do registo de entrada do pedido de pronúncia no SGP do CAAD.

 

II – Fundamentação

Matéria de exceção

 

5. A Autoridade Tributária suscita a questão da caducidade do direito de ação por considerar que o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado para além do prazo de 90 dias contado da data de notificação dos atos tributários impugnados, tendo em consideração que as notificações dos atos de liquidação ocorreram em 5 e 6 de dezembro de 2017 e o pedido de constituição do tribunal arbitral deu entrada em 16 de março de 2018.

A arguição é manifestamente improcedente.

O referido prazo de pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, conta-se a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma, e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão de recurso hierárquico.

Segundo o disposto no artigo 102.º, n.º 1, do CPPT para que remete esse dispositivo (o n.º 2 foi entretanto revogado), a impugnação será apresentada, designadamente, a partir do “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte” (alínea a)) ou da “notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não deem origem a qualquer liquidação” (alínea b).

É assim patente que a contagem do prazo de impugnação se conta, não necessariamente da data da notificação do ato tributário, mas, havendo liquidação e fixação de prazo para pagamento da prestação tributária, do termo do prazo para proceder voluntariamente a esse pagamento.

No caso vertente, o prazo para pagamento das liquidações ocorria em 18 de janeiro de 2018, pelo que a apresentação do pedido arbitral em 16 de março seguinte se mostra tempestivo, visto que a essa data ainda não tinha decorrido o referido prazo de 90 dias.

 

 

Questão de fundo

Ordem de conhecimento dos vícios

 

 

6. A Requerente fundamenta o pedido de anulação contenciosa num vício de falta de fundamentação e num vício de violação de lei relacionado com a dedutibilidade dos encargos financeiros como custo fiscal em aplicação do disposto no artigo 23.º do Código do IRC.

Conforme dispõe o artigo 124.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, na sentença a proferir no processo de impugnação, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação (n.º 1), havendo lugar, no primeiro grupo, à apreciação prioritária dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, e, no segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior (n.º 2).

 

No presente caso, não são arguidos vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado ou outros que resultem do exercício da ação pública, estando apenas em causa vícios que conduzem à anulação do ato administrativo. Por outro lado, a Requerente não indica uma relação de subsidiariedade entre os vícios, pelo que se afigura haver lugar ao conhecimento prioritário do vício de violação de lei por ser este que confere mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, visto que o vício de falta de fundamentação – a proceder – não impediria que a Administração produzisse, em execução de julgado, um ato de idêntico sentido ainda que devidamente fundamentado.

 

Dedutibilidade dos encargos financeiros como custos fiscais

7. A Autoridade Tributária procedeu à correção da liquidação de IRC relativamente aos exercícios de 2013 e 2014 por considerar não serem fiscalmente dedutíveis, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, os encargos financeiros suportados e contabilizados pela Requerente decorrentes de empréstimos bancários que foram subscritos e realizados pela C..., Lda. e pela B..., Lda.

 

A transmissão dos referidos encargos veio a ocorrer na sequência da sucessiva incorporação da C..., Lda. Pela B..., Lda. e desta última entidade pela Requerente, que determinou a transferência global do património das sociedades incorporadas na sociedade incorporante, com todos os ativos e passivos, e a assunção da responsabilidade pelo pagamento dos encargos inerentes aos contratos de mútuo.

Neste condicionalismo, a Administração Tributária sustenta que, com as fusões, os rendimentos gerados pela atividade da sociedade incorporante passaram a suportar os custos com a aquisição de capital e, nesse sentido, os fundos não estão a ser utilizados na respetiva exploração nem constituem fonte produtora dos proveitos ou ganhos que resultem da sua atividade empresarial, pelo que os mesmos não reúnem os requisitos de indispensabilidade e correlação que são exigidos pelo artigo 23.º do Código do IRC.

 

Em contraposição, a Requerente sustenta que os encargos que suporta não só estão relacionados com a sua atividade como foram relevantes para o aumento do rendimento sujeito a imposto e como tal devem ser considerados fiscalmente dedutíveis.

O ponto fulcral da questão a decidir prende-se com o critério da indispensabilidade dos gastos a que se refere o citado artigo 23.º do Código do IRC.

Na redação vigente em 2013, o preceito, na parte que agora mais interessa considerar, dispunha o seguinte:

“Artigo 23º

Custos ou perdas

Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:

(…)

c) de natureza financeira, tais como juros de capitais alheio aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbios, gastos com operações de créditos, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado.

(…)”.

 

Na redação resultante da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, com efeitos desde 1 de janeiro de 2014, o n.º 1 desse preceito passou a dispor que “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, especificando o n.º 2, a título exemplificativo, os gastos e perdas que se encontram abrangidos por essa cláusula geral, e entre os quais se contam os gastos de natureza financeira a que se referia a anterior alínea c) do n.º 1, que corresponde agora à alínea c) do n.º 2.

 

Resulta dessa disposição, na redação vigente em 2013, que a consideração de custos ou perdas para efeitos fiscais depende de um requisito de indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos que são sujeitos ao imposto.

No preenchimento do conceito indeterminado de indispensabilidade, há um entendimento jurisprudencial firme no sentido de considerar que da “noção legal de custo fornecida pelo artigo 23.º do Código de IRC não resulta que a Administração Tributária possa pôr em causa o princípio da liberdade de gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram diretamente proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa. A indispensabilidade a que se refere o artigo 23.º exige tão só uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, direta ou indiretamente, à obtenção de lucros. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro” (cfr. acórdão do TCA Sul de 6 de outubro de 2009, Processo 03022/09 e, em idêntico sentido, acórdão do TCA Norte, de 12 de janeiro de 2012, Processo 00624/05).

Nessa mesma linha de entendimento, o STA, chamando a atenção para o carácter casuístico do preenchimento do conceito de indispensabilidade, formula o seguinte critério:

“A regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objeto, foram abusivamente contabilizados como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito”.

Vindo o mesmo aresto a concluir que, “sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou, ao menos, com nítido excesso desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa” (acórdão de 29 de março de 2006, Processo nº 1236/05).

Nesse sentido se tem ainda posicionado a doutrina.

Rui Morais refere que “a invocação da regra da indispensabilidade dos custos nunca pode ser feita para fazer substituir o juízo de conveniência e oportunidade dos encargos assumidos, tal como resultaram da decisão dos órgãos sociais, por outro juízo, também de índole empresarial feito pela administração fiscal ou pelos tribunais”.  E prossegue dizendo que “não podemos ter como boa a orientação de certa jurisprudência que recusa a acreditação fiscal de determinados custos porque não é possível estabelecer uma correlação direta com obtenção de concretos proveitos. Levado ao extremo um tal entendimento, teríamos que os encargos com investigação só seriam fiscalmente dedutíveis quando tais pesquisas tivessem êxito, quando, em seu resultado, a empresa passasse a vender novos bens e serviços (…).”

Para concluir da seguinte forma:

Defendemos que a questão de saber se um custo deve ser ou não havido por indispensável se deve resolver a partir do intuito objetivo da transação, ou seja do business purpose test. Julgamos ser medianamente claro o escopo da norma: recusar a comparticipação fiscal em alguns dos encargos suportados pelo sujeito passivo (…). Se à assunção do encargo presidiu uma genuína motivação empresarial (…) o custo é indispensável. Quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.) então tal custo não deve ser havido por indispensável (Apontamentos ao IRC, Coimbra, 2007, págs. 86-87).

            Em idênticos termos, Saldanha Sanches faz notar que “saber se um certo custo corresponde, ou não, à mais eficaz defesa dos interesses da empresa é uma questão que não pode ser resolvida mediante a atribuição de um poder de intervenção do Estado (…) de modo a realizar um juízo de mérito sobre uma certa opção de gestão empresarial, tal como não pode validar a qualificação da despesa como um custo sujeitando-a à condição da verificação a posteriori da efetiva geração de proveitos” (Os limites do planeamento fiscal, Coimbra, 2006, pág. 215).

Em síntese conclusiva, à luz dos princípios acabados de expor, deve entender-se que a atividade empresarial que gere custos dedutíveis há de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito (e não um obrigatório nexo de causalidade imediata) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento. Nesse sentido, a atividade produtiva não deverá ser entendida em sentido restritivo, mas sim em sentido amplo, significando atividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Ao buscar-se o sentido do conceito de atividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços, mas pressupõe uma relação com as operações económicas globais de exploração ou com as operações ou atos de gestão que se insiram no interesse próprio da entidade que assume os custos (cfr. neste sentido, o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 480/2016).

É nesse âmbito compreensivo que deve entender-se a nova redação introduzida pela Lei n.º 2/2014, que, visando implementar um maior grau de certeza na aplicação concreta dos critérios de dedutibilidade, passou a consagrar como princípio geral que são dedutíveis os gastos relacionados com atividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados, reforçando a ideia de que basta a conexão com a atividade empresarial, independentemente da efetiva contribuição para os rendimentos sujeitos a imposto (cfr. Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, 30 de junho de 2013).

 

8. No caso vertente, como resulta da matéria de facto tida como assente, os financiamentos obtidos pela C..., Lda. e pela B..., Lda. tiveram como finalidade a aquisição de capital social, visando assegurar, no primeiro caso, a participação maioritária na sociedade B..., Lda. e, no segundo caso, uma participação de 49,8% na sociedade A..., S.A..

 

As operações de fusão inversa, permitindo a incorporação da sociedade adquirente pela sociedade adquirida, implicaram que os encargos financeiros com os contratos de mútuo suportados pelas entidades incorporadas – que entretanto se extinguiram – tenham passado a ser assumidos, por efeito da transferência global do património, pela sociedade incorporante.

 

Cabe fazer notar - como tem sido sublinhado pela jurisprudência – que a fusão de sociedades por incorporação, ainda que implique a perda de personalidade jurídica da sociedade incorporada, não determina o desaparecimento da realidade económica que ela constituía, que passa a encontrar-se integrada na sociedade incorporante por efeito da reorganização societária (cfr. acórdão do STA de 13 de abril de 2005, Processo n.º 01265/04).  

 

E é em relação à realidade económica no seu conjunto, resultante da incorporação, que cabe aferir se os encargos inerentes aos financiamentos incorridos num momento anterior à fusão, tendo em vista a aquisição de participações sociais, podem ter contribuído para originar rendimentos sujeitos a tributação que, como tal, possam ser deduzidos para efeitos fiscais nos termos do artigo 23.º do Código de IRC.

 

O que se afigura determinante, por conseguinte, não é que o passivo tenha sido constituído para adquirir participações sociais das sociedades beneficiárias, mas que essa aquisição se torne passível de contribuir para a obtenção de rendimentos tributáveis.

 

Como se viu, o primeiro financiamento destinou-se a permitir a aquisição de uma sociedade operacional, que detinha o alvará de exploração de farmácia, sendo que a subsequente fusão por incorporação entre as sociedades, mediante a junção dos ativos e passivos, permitiu associar os encargos financeiros conexos com a aquisição aos ganhos decorrentes da atividade empresarial exercida pela sociedade adquirida. O segundo financiamento teve em vista a aquisição de participações sociais da Requerente, a que se seguiu uma outra operação de fusão pela qual esta entidade incorporou a sociedade adquirente.

No caso, ficou provado que os objetivos que presidiram à segunda fusão foram a correção de ineficiências detetadas, bem como a eliminação de custos desnecessários, nomeadamente através da integração das instalações administrativas das duas sociedades com as inerentes reduções de custo, a concentração do esforço de vendas do investimento e da publicidade, da redução global das estruturas administrativas e logísticas das duas sociedades através da integração de todas as atividades de tesouraria, contabilidade, recursos humanos e gestão em geral da sociedade incorporante do melhor aproveitamento e racionalização do pessoal efetivo.

Provou-se também que, na sequência dessa fusão, a Requerente aumentou o seu ativo quanto a investimentos financeiros, imobilizações corpóreas e incorpóreas, passando o valor do ativo de € 1.517.196,38 para € 7.925.038 e registou de 2008 a 2015 um gradual aumento do volume de negócios.

Há assim uma ligação entre os mútuos efetuados para compra de participações e a estratégia de crescimento e restruturação desenvolvida posteriormente pela sociedade incorporante.

Como pode concluir-se, o aumento do ativo da Requerente, por efeito da fusão por incorporação da sociedade B..., Lda., está relacionado com razões empresariais e potenciou a geração de rendimentos e lucros. Por outro lado, a assunção dos encargos inerentes ao investimento anteriormente efetuado pela C..., Lda. na sociedade incorporada não pode deixar de ser entendida como uma necessária consequência da transferência global do património, que está subjacente às considerações de racionalidade económica que justificaram a fusão. Esses encargos financeiros não podem, por isso, deixar de ser considerados afetos à exploração.

Poderia discutir-se se um dado investimento constitui um ato normal de gestão quando, por virtude de uma ulterior operação de fusão, tem em vista permitir a dedução pela sociedade incorporante de um passivo que tem origem na sociedade incorporada e que resulta da sua própria aquisição.

Afigura-se, porém, que a desconsideração dos efeitos fiscais, neste contexto, apenas poderia ter lugar pelo recurso à cláusula geral anti-abuso a que se refere o artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, que, em síntese geral, pressupõe que tenha sido praticado um ato ou negócio artificioso ou fraudulento que represente o abuso das formas jurídicas e que tenha como objetivo único ou principal a obtenção de uma vantagem fiscal (sobre este aspeto, António Castro Caldas/J.M Cabral Sacadura, “A dedutibilidade de encargos financeiros no âmbito de fusões e aquisições”, in Actualidade Jurídica Úria Menéndez, n.º 36, 2014, págs. 125-126).

Cláusula, esta, cuja aplicação está sujeita a procedimento próprio, sendo exigida a autorização do dirigente máximo do serviço, a audição prévia do contribuinte e dever especial de fundamentação por parte da Autoridade Tributária (cfr. artigo 63.º do CPPT).Não é esse o fundamento dos atos tributários de liquidação adicional que estão em causa, que se reconduzem unicamente à desconsideração da dedutibilidade de custos fiscais nos termos do artigo 23.º do Código de IRC.

Por todo o exposto, não pode deixar de reconhecer-se que se encontram preenchidos os requisitos da dedutibilidade dos encargos financeiros como custos fiscais, havendo de julgar-se procedente o pedido arbitral.

Refira-se que neste mesmo sentido se pronunciou a decisão arbitral proferida no Processo n.º 606/2016-T, que incidiu sobre idênticos atos de correção adicional, com referência ao exercício de 2102, e a decisão arbitral proferida no Processo n.º 93/2015-T, cuja doutrina foi igualmente seguida no Processo n.º 120/2017-T.

 

Vícios de conhecimento prejudicado

9. Face à solução a que chega fica prejudicado o vício de falta de fundamentação que vinha também invocado.

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2017..., o ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2017... e o ato de compensação n.º 2017..., com referência ao exercício de 2013, com o valor global a pagar de € 45.739,18, assim como do ato de liquidação adicional de IRC n.º 2017..., o ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2017... e do ato de compensação n.º 2017..., com referência ao exercício de 2014, com o valor global a pagar de € 44.542,61.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 90.281,79, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 24 de setembro de 2018

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

 

 

Vera Figueiredo

 

 

O Árbitro vogal

 

Augusto Vieira