Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 117/2013-T
Data da decisão: 2013-05-17  IVA  
Valor do pedido: € 293.990,19
Tema: Arbitrabilidade dos atos de autoliquidação; direito à dedução com fundamento em erro de direito - artigo 98.º, n.º 2, do CIVA
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Processo n.º 117/2013-T

 

Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Diogo Leite de Campos e Dr. Victor Simões, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 23-7-2013, acordam no seguinte:

 

1.       Relatório

 

                … — SOCIEDADE DE INVESTIMENTO E GESTÃO, SGPS, S.A., NIPC …, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista a:

(i)           Ser declarada a ilegalidade parcial do acto de autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado referente ao exercício de 2007 consubstanciado nas doze declarações periódicas melhor identificadas no pedido de pronúncia arbitral, com a sua consequente anulação parcial, com todas as consequências legais, designadamente a declaração de ilegalidade e anulação do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa melhor identificado no pedido de pronúncia arbitral, o reembolso de € 293.990,19 em imposto indevidamente pago e o pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre este montante e contados desde 11 de Fevereiro de 2008 até ao seu integral reembolso;

(ii)          Condenação da Requerida a ressarcir a Requerente das despesas, resultantes da lide, com honorários de mandatários judiciais, a liquidar em execução de julgados;

(iii)        A título subsidiário, atenta a natureza institucional e a base legal em que assenta a arbitragem tributária, se e na medida em que não seja claro para o tribunal arbitral, não obstante a jurisprudência comunitária já produzida sobre a matéria, o alcance dos artigos da Directiva 2006/112/CE do Conselho, 168.º e seguintes, ou de qualquer outra norma da Directiva 2006/112/CE do Conselho, que possa em seu juízo interferir com a boa solução deste caso concreto, deverá então este Tribunal Arbitral promover o reenvio prejudicial, das questões que entenda suscitar, para o Tribunal de Justiça, conforme previsto no artigo 19.º, n.º 3, alínea b), e no artigo 267.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

 

                O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 17-05-2013.

                Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, o Prof. Doutor Diogo Leite de Campos e o Dr. Victor Simões, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 08-07-2013 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 23-07-2013.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando a excepção da incompetência deste Tribunal Arbitral em razão da matéria e defendendo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

A Requerente apresentou resposta à excepção.

No dia 23-10-2013, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT em que se acordou não haver lugar a produção de prova testemunhal e haver lugar a alegações escritas sucessivas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

 

2.1. Factos que se consideram provados

 

 

a)                            A requerente é uma sociedade gestora de participações sociais (“SGPS”) cujo objecto consiste na gestão de participações sociais e na prestação de serviços técnicos de administração e gestão às sociedades participadas;

b)                            No ano de 2007, a Requerente realizava operações de financiamento e prestava às participadas serviços técnicos de consultoria;

c)                             O desenvolvimento de operações, nuns casos tributadas e com direito à dedução, noutros casos isentas e sem direito à dedução, implicou que a Requerente, como sujeito passivo misto, tivesse que adoptar um regime de dedução parcial de IVA;

d)                            A requerente calculou a percentagem de dedução do IVA para o ano 2007, em todas as 12 declarações que constam dos documentos n.ºs 1 a 12, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, incluindo todas as componentes de rendimentos na fracção de apuramento do pro rata, incluindo os dividendos e as mais-valias derivadas da venda de participações sociais;

e)                            A Requerente determinou um pro rata de 16% para o ano 2007 o que originou IVA a deduzir no montante de € 67.970,52, do total de imposto dedutível incorrido nesse ano, de € 421.398,46.

f)                              Posteriormente, a Requerente entendeu que terá havido um lapso seu e que «expurgando-se do denominador da fracção de apuramento do pro rata supra referido € 26.049.937,90 obtidos com a alienação de participações sociais que aí se encontravam, e adicionando-se € 869.375,10 obtidos com operações isentas sem direito à dedução, o pro rata de dedução apurado passa para 84%» e que «o valor de € 869.375,10 adicionado ao denominador compreende mais € 61.765,64 do que o valor de € 807.609,46 constante dos cálculos juntos com o pedido de revisão oficiosa — sendo que esta adição diminui o pro rata de dedução de 85% para 84%. O valor de € 807.609,46 inicialmente apurado havia sido calculado com base na diferença entre o valor global dos proveitos (relevantes para efeitos de IVA e o total das operações tributadas, incluindo as registadas em contas de Balanço, sendo que estas últimas não são relevantes para o efeito — apenas as reflectidas em contas de proveitos ou rendimentos (contas de resultados) o são, daí o aumento da diferença (i.e., do valor apurado de operações isentas sem direito à dedução) para € 869.375,10», de acordo com o quadro seguinte:

(petição do pedido de revisão do acto tributário que consta do processo administrativo e documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

g)                            No ano de 2007, foram feitas pela Requerente aquisições no montante de € 67.824,39 a que correspondeu um IVA suportado no montante de € 12.485,95, aquisições estas que, no montante de € 58.094,05, foram redebitadas a participadas da Requerente, com liquidação de IVA; do IVA suportado com as referidas aquisições apenas € 630,44 foram deduzidos (por aplicação do método do pro rata), sendo que o valor efectivamente passível de dedução, na medida dos redébitos, por aplicação do método da afectação real, é de € 9.055,75, resultando numa diferença de € 8.425,31 em IVA dedutível que não foi deduzido (documento n.º 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

h)                            Em 1 de Setembro de 2010 deu entrada, na Direcção de Finanças de …, pedido de revisão oficiosa da liquidação de IVA, no que ao pro rata de dedução definitivo concerne e aos redébitos, respeitante ao exercício de 2007 (processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

i)                              O Pedido de revisão de revisão oficiosa foi indeferido por despacho do Senhor Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de 1-2-2013, que manifestou concordância com a proposta apresentada na Informação n.º …, que consta do processo administrativo 3.ª parte, cujo teor se dá como reproduzido, de que consta, além do mais, o seguinte:

 

«III-ADMISSIBILIDADE DO PEDIDO

24. Consistindo o objecto da presente petição, no reconhecimento do direito que a Requerente alega assistir-lhe, de proceder à correcção, a seu favor, do IVA suportado relativamente ao exercício de 2007, do qual apenas deduziu 16% quando, por força da nova fórmula de cálculo da percentagem de dedução, poderia ter deduzido 85%, terá o mesmo de ser analisado de acordo com as normas legais reguladoras daquele direito, consignadas no Código do IVA, uma vez que a possibilidade da revisão oficiosa não pode sobrepor-se àquelas

25. Isto porque, a revisão oficiosa, prevista no art.º 78º da LGT, da autoliquidação de IVA, não pode prejudicar a imperatividade das normas que estabelecem prazos especiais para o exercício do direito à dedução, especificamente consignadas no código do IVA, conforme se referiu, ou tais normas ficariam desprovidas de qualquer efectividade.

26. De acordo com a petição apresentada, pretende agora a requerente (em 2010/09/01) regularizar a seu favor o valor de € 305.972,94, relativamente ao ano de 2007, do IVA que não foi deduzido por:

• Utilização de uma percentagem de dedução inferior à devida, com referência ao imposto incorrido nos recursos de utilização mista;

• Não ter sido aplicado o método da imputação directa, relativamente ao imposto incorrido em despesas que foram redebitadas pela requerente às suas participadas, com liquidação de IVA.

27. Ou seja, pretende, em suma, proceder à correcção de um erro material ou de cálculo nos registos a que se referem os artigos 44º a 51º e 65º e nas declarações mencionadas no artº 41º, logo sujeito à disciplina consignada no n.º 6 do art.º 78º do CIVA, pelo que, de acordo com a referida norma, a sua regularização, facultativa por dela resultar imposto a favor do sujeito passivo, apenas poderia ser efectuada no prazo de dois anos, o qual, por se tratar do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito, nos termos do n.º 1 do artº 22º

28. De facto, a situação em análise constitui um "erro material ou de cálculo efectuado nos registos e/ou declarações", o qual se encontra definido no ponto 9.3 do Ofício-Circulado n.º 30082/2005, de 17 de Novembro da DSIVA, conforme se transcreve:

(...)

"Consideram-se erros materiais ou de cálculo aqueles que resultam de erros internos da empresa e não têm qualquer interferência na esfera de terceiros.

(...) A regularização deste tipo de erros é facultativa se for a favor do sujeito passivo e só pode ser efectuada no prazo de dois anos.

Caso se trate de correcções de erros relacionados com imposto dedutível (p. e. erro na transcrição, para a declaração periódica, do imposto dedutível) o prazo é contado a partir do nascimento do direito à dedução (normalmente a data das facturas, mas no caso de não ter sido observado o prazo legal para a sua emissão, a data em que este termina).

Para os erros verificados no preenchimento das declarações periódicas, a contagem do novo prazo far-se-á a partir da data da sua apresentação ou da data em que o prazo legal de apresentação termine, nos casos em que este não tenha sido observado. "

29 O mecanismo das deduções do IVA está previsto nos artigos 19º a 26º do CIVA e faz parte da essência do próprio imposto, referindo o art. º 19º que, para apuramento do imposto devido (autoliquidação), os sujeitos passivos deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis num determinado período, o imposto que lhes foi facturado na aquisição de bens e serviços por outros sujeitos passivos, mencionado em facturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, no mesmo período, situação que deverá ser reflectida na declaração periódica a que se refere a alínea c) do nº 1 do art.º 29º do CIVA.

30. A requerente alega (cfr. §§ 3º,4º e 5º da p. i, a fls. 3 dos autos)

 No âmbito da sua actividade, a Requerente efectua operações isentas (nomeadamente a concessão de crédito) e não sujeitas a IVA, as quais não conferem o direito à dedução do imposto incorrido e, simultaneamente, operações passíveis de tributação em IVA (v.g., prestação de serviços de consultoria), que conferem o direito à dedução do imposto.

 Tendo presente que uma parte dos bens e serviços adquiridos pela requerente é utilizada, simultaneamente, em operações que conferem o direito à dedução e operações que não conferem este mesmo direito, esta dispõe de dois métodos de determinação da medida de IVA dedutível: a afectação real e a percentagem de dedução, nos termos consagrados no Código do IVA e na Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 ("Directiva IVA”).

No ano 2007 a Requerente apurou o montante de IVA dedutível exclusivamente com base no método do pró rata, de harmonia com o artigo 23º do Código do IVA. A percentagem de dedução alcançada foi de 16%, a qual foi aplicada ao IVA incorrido nos "inputs comuns, isto é, aqueles utilizados indistintamente nas diversas actividades desenvolvidas pela requerente.

(...)"

31. Assim, refere que, quanto à alteração do cálculo do pro rata de dedução de 2007, por virtude de a alienação de participações sociais não consubstanciar uma actividade económica para efeitos de IVA, e por isso não influenciar o apuramento do pro rata de dedução, recalculou o seu pro rata definitivo daquele ano, constatando que de acordo com o regime legal aplicável o mesmo deveria ser de 85%, razão pela qual pretende agora exercer o direito á dedução do IVA em causa, no valor de € 297.364,43, que não recuperou, por ter utilizado de uma percentagem de dedução inferior á devida.

32. Alega também que, quanto ao redébito de despesas, por aplicação do método de imputação directa, se constatou a aquisição de diversos serviços (formações, conferências, comunicações, entre outras), com IVA, que refacturou às suas participadas liquidando, igualmente, o IVA correspondente à taxa aplicável, cujo imposto deduziu apenas na percentagem do pro rata, quando, efectivamente, aquele imposto não respeitava a "custos comuns" ou "recursos de utilização mista", sendo por isso passível de dedução total, razão pela qual pretende agora exercer o direito à dedução do IVA que deixou de deduzir, no montante de € 8.608,51.

33. Ou seja, conforme anteriormente referido, pretende regularizar a seu favor o IVA ainda não deduzido referente às situações descritas, as quais resultaram de erros materiais, cuja possibilidade de regularização se encontra prevista no nº 6 do art. o 78º do Código do IVA.

34. De acordo com o disposto no n.º 2 do artº 22º do Código do IVA, que constitui a regra geral, e sem prejuízo do disposto no artº 78º do mesmo diploma. "... a dedução deve ser efectuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de alteração. ", determinando ainda o n.º 3 da citada norma que, "se a recepção dos documentos referidos no número anterior tiver lugar em período de declaração diferente do da respectiva emissão, pode a dedução efectuar-se, se ainda for possível, no período de declaração em que aquela emissão teve lugar. "

35. Isto significa que, em conformidade com a legislação ao caso aplicável, bem como do que tem sido o entendimento expresso dos Serviços, apesar de o n.º 2 do art.º 98º do Código do IVA estabelecer que o direito á dedução pode ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, não é dado ao sujeito passivo de IVA a liberdade de este poder determinar o momento de exercer esse direito, limitando-se a referida norma a fixar, apenas, um limite máximo de carácter geral, a partir do qual o direito á dedução não pode já ser exercido 36.

De acordo com o entendimento firmado, o limite máximo do direito à dedução só é, assim, aplicável, em virtude desse carácter geral, quando não exista norma especial fixando limite inferior ou superior para o exercício do direito à dedução.

37. Caso contrário, tais normas que prevêem prazos especiais do exercício do direito à dedução não teriam qualquer sentido útil, já que se lhe sobreporia sempre a norma que estabelece o prazo de quatro anos do direito á dedução que é o artº 98º, nº 2 do C.I.VA.

38. Está em causa, assim, o enquadramento da situação exposta em qualquer das normas que prevêem prazos especiais do exercício do direito à dedução."

39. Ora, estabelecendo o n.º 1 do artº 22º do CIVA que o direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o disposto nos artigos 7.º e 8º, efectuando-se o seu apuramento mediante subtracção ao montante do imposto liquidado durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível no mesmo período, esse direito deve ser exercido no período de tributação de recepção das facturas, ou no período de tributação da sua emissão, se anterior, conforme anteriormente referido.

40. Logo, a regra geral de dedução do IVA na declaração periódica do exercício do direito à dedução na declaração do período em que o imposto se tiver tornado exigível deve, assim, ser compatibilizada com o disposto no artº 78º n.º6 do CIVA, que dispõe que a correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44º a 51º, nas declarações mencionadas no artº 41 º e nas guias ou declarações a que se referem o art.º 67º nº 1, alíneas b) e c), é facultativa quando resulte imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito, nos termos do artº 220 n.º 1, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado."

41. Quanto ao prazo de quatro anos mencionado no n.º 2 do artº 98º, refere-se que o mesmo tem carácter geral, pelo que a sua aplicação se restringe às situações para as quais não existe um prazo especial fixado, o que não se verifica na presente situação.

42. Tal entendimento foi já acolhido em jurisprudência recente, como é o caso do Acórdão do STA, proferido no Proc. N.º 966/10, de 2011.05.18.

43. Assim, por tudo o anteriormente exposto e de acordo com as normas legais referidas, afigura-se que ao pedido de revisão oficiosa de erro praticado na autoliquidação de Janeiro a Dezembro de 2007, apresentado pela requerente em 2010/09/01, não é aplicável o prazo geral de quatro anos a que se refere o n.º2 do artº 98º, dado que, para a sua regularização, o n.º 6 do artº 78º do Código do IVA consagra um prazo especial de dois anos.

 

IV -CONCLUSÕES

44. Tendo em conta todas as considerações precedentes e verificadas as disposições legais citadas, há a referir o seguinte:

• Tal como se refere no n.º 1 do art.º 78º da LGT, a revisão dos actos tributários, pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo da reclamação administrativa, ou por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação, referindo o n.º 2 do mesmo artigo que, sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do n.º 1, o erro na autoliquidação.

• O mecanismo de apuramento do IVA, pelas suas características, tem perfeito enquadramento no conceito de autoliquidação, pelo que o ato tributário em causa poderia ser revisto pela administração tributária no prazo geral de quatro anos, nos termos do n.º 1 do art.º 78º da LGT e do nº 2 do art.º 98º do CIVA, se não estivesse prevista a sua regularização no n.º 6 do art.º 78º do CIVA ou em qualquer outra norma que estabeleça prazo especial.

• A situação em apreço, resultante de erros internos e sem qualquer interferência na esfera de terceiros, configura a prática de erros materiais ou de cálculo, cuja correcção se encontra, obrigatoriamente, sujeita à disciplina do n.º 6 do art.º 78º do CIVA.

• O prazo legalmente fixado no n.º 6 do art.º 78º do CIVA para a regularização dos erros materiais ou de cálculo é de dois anos, contados a partir do nascimento do direito à dedução, o qual ocorre na data de emissão das facturas ou no termo do prazo para a sua emissão, caso este não tenha sido observado.

• Para além desse prazo, não existe qualquer disposição legal que permita ao sujeito passivo o exercício do direito á dedução em momento posterior aos estabelecidos no artº 22º do Código do IVA, nos casos de ocorrência de erros materiais ou de cálculo registados na sua contabilidade, detectados em momento posterior àquele em que o deveria ter exercido.

45. Em face de todas as considerações precedentes, e de acordo com o disposto nas citadas normas, somos de parecer que deverá ser rejeitado o pedido de revisão de ato tributário com fundamento em erro na autoliquidação, em virtude de se encontrar decorrido o prazo especial de dois anos fixado no n.º 6 do artº 78º do CIVA para a regularização dos erros materiais ou de cálculo praticados no seu apuramento.

46. No âmbito do princípio da participação previsto no artº 60º da LGT, bem como das instruções sobre o direito de audição prévia veiculadas através do n.º 3 da Circular n.º 13, de 1999/08/07 da Direcção de Serviços de Justiça Tributária, propõe-se que seja dispensada a audição prévia, uma vez que a AT, na sua decisão, apenas se limitou a fazer a interpretação das normas legais aplicáveis aos factos invocados pela requerente».

 

j)                              O indeferimento notificado à Requerente em 20 de Fevereiro de 2013 (Doc. n.º 14, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

k)                            Em 17-5-2013, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (sistema informático do CAAD).

 

 

2.2. Factos não provados:

 

Não se provou:

– que a Administração Tributária tivesse emitido instruções genéricas no sentido de que fosse vedado às SGPS a utilização do método da afectação real ou que a Requerente tivesse seguido quaisquer orientações da Autoridade Tributária e Aduaneira (não foi apresentada qualquer prova e no pedido de revisão do acto tributário a Requerente diz que agiu da forma que referiu por lapso);

– que a Ciência e Técnica Fiscal n.º 418, relativa a Julho-Dezembro de 2006 tivesse sido publicada entre 2008 e 2009 (essa afirmação da Requerente é desmentida pelo documento n.º 1 junto com a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, de que se conclui que aquele número estava distribuído, pelo menos, desde 6-7-2007, data em que foi um dos artigos nele contidos foi registado na base de dados da Procuradoria-Geral da República).

 

2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

A fixação da matéria de facto baseou-se no processo administrativo e em afirmações da Requerente que não são impugnadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

               

3. Questão da incompetência material

 

3.1. Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a excepção da incompetência material deste Tribunal Arbitral pelas seguintes razões, em suma:

 

– O pedido arbitral sub judice tem por objecto imediato a decisão da revisão oficiosa e por objecto mediato os actos tributários consubstanciados nas autoliquidações de IVA de 2007;

– A Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Orçamento de Estado para 2010), contemplou no seu artigo 124.º uma autorização legislativa, relativa à arbitragem em matéria tributária, enquanto forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, prevendo-se que deverá constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo consagradas no CPPT;

– Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT determina-se que competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

– Por força da remissão do n.º 1 do artigo 4.º do RJAT, a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais constituídos nos termos desse diploma fica na dependência do disposto na Portaria n.º 112-A/2011, designadamente quanto ao tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos;

– Dispõe-se no artigo 2.º, alínea a) da Portaria 112-A/2011 que a vinculação da AT à jurisdição referida tem por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, «com excepção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário»;

– Na situação sub judice atenta, mormente, a circunstância de as autoliquidações não terem sido efectuadas de acordo com orientações genéricas emitidas pela AT, sempre se impunha a precedência obrigatória de reclamação graciosa nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT;

– Sem prejuízo de, como se concluiu na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa sub judice, ser ainda, abstractamente, possível suscitar a ilegalidade dos actos de autoliquidação nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 78.º da LGT;

– Atenta a natureza administrativa do procedimento revisão oficiosa, é passível a sua equiparação ao disposto no artigo 131.º, n.º 1 do CPPT para efeito de subsequente impugnação da respectiva decisão de indeferimento;

– Todavia, tal equiparação está legalmente vedada em sede arbitral, estando excluída da competência material dos tribunais arbitrais a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º do CPPT, mas tão só de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da LGT;

– Com efeito, o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011 exclui, literalmente, do âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral, «[…] as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação […] que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT», aí não se referindo a revisão oficiosa prevista no artigo 78.º da LGT;

– Da redacção conferida ao citado preceito legal constata-se que o legislador optou por restringir o conhecimento na jurisdição arbitral às pretensões que, sendo relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, tenham sido precedidas, obrigatoriamente, da reclamação graciosa prevista no artigo 131.º do CPPT;

– Se assim não fosse, bastaria que o legislador houvesse reduzido a exclusão prevista no artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011 à expressão «que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa», nada mais distinguindo;

– O que não sucedeu, existindo a referência expressa de prévio recurso à via administrativa nos termos, in casu, do artigo 131.º do CPPT, ou seja, mediante apresentação de reclamação graciosa necessária, independentemente dos seus fundamentos;

– O artigo 11.º da LGT consagra que a interpretação das normas fiscais se rege pelas mesmas regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis previstos no artigo 9.º do Código Civil;

– E, daqui resulta que a letra da lei não pode ser afastada, sendo a principal referência e ponto de partida do intérprete;

– Atenta a natureza voluntária e convencional da arbitragem (aqui entendida no seu sentido lato, uma vez que a competência material dos tribunais da arbitragem resulta de regulamentação de natureza pública efectuada no RJAT), nos termos supra explanados, o intérprete não pode ampliar o objecto fixado pelo legislador no que concerne à vinculação da AT à jurisdição arbitral;

– Pode o pedido de revisão ser alternativo à reclamação, pode ser complementar, pode até no procedimento de revisão ter-se apreciado a pretensão do contribuinte, mas considerando a natureza voluntária da arbitragem, a interpretação adoptada não poderá, em caso algum, traduzir-se numa restrição da esfera de liberdade da AT, enquanto parte, de estabelecer os limites da sua vinculação. Só não seria assim se a sua posição implicasse a frustração total do objectivo pretendido com a instituição da arbitragem tributária, o que não é o caso;

– Do princípio da consagração do procedimento arbitral enquanto meio de resolução de litígios fiscais alternativo ao processo de impugnação judicial, não decorre automaticamente a extensão da vinculação da AT a todas as situações em que, doutrinaria e/ou jurisprudencialmente for considerada admissível essa impugnação;

– O âmbito da vinculação da AT circunscreve-se aos termos em que se encontra expressa na Portaria n.º 112-A/2011, que, no caso sub juditio, é o regime previsto no artigo 132º CPPT, que exige reclamação graciosa prévia, ainda que, para efeitos da impugnabilidade do acto, a doutrina prevalente e determinada corrente dos tribunais judiciais tributários possa admitir em alternativa a revisão oficiosa prévia. Com efeito, a equiparação dos tribunais arbitrais tributários àqueles está limitada pela natureza voluntária da adesão da AT à jurisdição arbitral;

– Se é certo que o contribuinte que não tenha apresentado tempestiva reclamação graciosa não esteja, ipso facto, impedido de pedir a revisão do acto de retenção ao abrigo do artigo 78.º da LGT, dentro do condicionalismo aí previsto, e impugnar judicialmente a decisão que indefira o pedido de revisão (cf. artigo 95.º, n.º 2, alínea d), da LGT), também não parece questionável afirmar que a AT apenas se vinculou, nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, à jurisdição dos tribunais arbitrais se o pedido de declaração de ilegalidade de acto de autoliquidação tiver sido precedido de recurso à via administrativa de reclamação graciosa;

– Pelo que, tendo o contribuinte seguido o caminho da revisão oficiosa (sibi imputat), da respectiva decisão de indeferimento, apenas pode seguir judicialmente através de impugnação judicial;

– Se o sujeito passivo pretender apresentar um pedido de declaração de ilegalidade perante um tribunal arbitral, a reclamação graciosa será sempre necessária, independentemente dos seus fundamentos;

– O legislador completou a expressão «que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa», com a menção «nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», pelo que esta última parte do preceito não pode, sob pena de manifesta ilegalidade, ser afastada, interpretando-se a norma como se esta referência específica não existisse;

– Na situação sob análise, apenas ulteriormente ao pedido de revisão oficiosa, e em contradição com este, a Requerente invocou ter, alegadamente, seguido determinado entendimento da AT;

– O acesso à tutela jurisdicional arbitral encontra-se, por maioria de razão vedada (o que se defende sem conceder), pois que aqui a reclamação graciosa sempre seria obrigatória nos termos do artigo 131.º do CPPT, conforme exigido no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011;

– O entendimento supra pugnado, de que os litígios que tenham por objecto a declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, como sucede na situação sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais, se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT, impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a actividade da AT;

– Os termos em que está redigido o n.º 1 do artigo 4.º do RJAT impõem a conclusão de que a vinculação da AT está continuamente dependente e delimitada pela vontade expressa na Portaria n.º 112-A/2011.

– E, atenta a natureza voluntária e convencional da tutela arbitral, aqui entendida no seu sentido lato, uma vez que a competência material dos tribunais da arbitragem resulta de regulamentação de natureza pública efectuada no RJAT, o intérprete não pode amplificar o objecto fixado pelo legislador no que concerne à vinculação da AT àquela jurisdição;

– Isto porque, ao fixar-se nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 1 do RJAT e no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011 a vinculação da AT à tutela arbitral necessária, o legislador está a dispor sobre interesses gerais, delimitando previamente a defesa do interesse público na vertente da indisponibilidade dos créditos tributários;

– a vinculação da AT à tutela arbitral necessária, na qual vigora o princípio da irrevogabilidade das decisões, pressupõe um limitação das situações em que esta pode plenamente decidir se deve ou não interpor recurso de uma decisão judicial desfavorável, ou seja, do poder de optar entre abdicar definitivamente da cobrança do crédito tributário ou adoptar o comportamento potencialmente adequado a procurar efectivá-la;

– é constitucionalmente vedada, por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, a interpretação, ainda que extensiva, que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente, por tal pressupor, necessariamente, a consequente dilatação das situações em que esta obrigatoriamente se submete a tal regime, renunciando nessa mesma medida ao recurso jurisdicional pleno [cf. artigo 124.º, n.º 4, alínea h) da Lei n.º 3-B/2010 e artigo 25.º e 27.º do RJAT, que impõe uma restrição dos recursos da decisão arbitral];

– Se assim não se entender, tal interpretação ser não só ilegal, mas manifestamente inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a actividade da AT.

 

3.2. Posição da Requerente

 

                A Requerente respondeu dizendo, em suma, o seguinte:

 

– Não há uma convenção de arbitragem entre os contribuintes de um lado, e a Autoridade Tributária e Aduaneira do outro, pelo que não é correcto dizer-se que a arbitragem tributária tem “natureza voluntária e convencional”, mesmo “em sentido lato”;

– A arbitragem tribunal é um regime legal de resolução alternativa de conflitos no campo dos impostos, paralelo ao processo judicial tributário. E como regime legal que é está sujeito às mesmíssimas regras interpretativas a que estão sujeitas todas as leis e normas jurídicas;

– Não houve uma adesão da Administração Tributária à arbitragem tributária mas sim uma delegação em acto normativo sob a forma de Portaria conjunta, por parte do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, da tarefa de prescrever (e cuja concretização constitui condição suspensiva da aplicabilidade do regime) a definição do âmbito material (tipo de litígios) a que se aplica o regime da arbitragem tributária;

– A referida Portaria conjunta é da responsabilidade dos membros do Governos responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, órgãos que não se confundem com a Autoridade Tributária e Aduaneira (cfr. artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro);

– Em sede de interpretação de normas jurídicas o legislador impede o intérprete de pura e simplesmente cingir-se à letra da lei e antes impõe que tenha em conta na reconstituição do pensamento legislativo (artigo 9.º do Código Civil):

i) a unidade do sistema jurídico (factor importante nas circunstâncias do caso);

ii) as circunstâncias em que a lei foi elaborada (no caso, é necessário olhar quer ao Decreto-Lei que aprovou o regime da arbitragem tributária quer à lei de autorização legislativa que constitui a fonte de legitimidade, do ponto de vista constitucional, de todo este regime legal);

iii) e as condições específicas do tempo em que é aplicada a lei (um tempo em que a jurisprudência está já mais do que consolidada no sentido de equiparar o indeferimento de um pedido de revisão oficiosa a um indeferimento de uma reclamação graciosa: equiparação dos dois procedimentos administrativos para efeitos de reacção fora do âmbito da Administração tributária, junto de um tribunal);

– E mais impõe a lei que o intérprete faça uso da presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas;

– Não faz sentido que o processo matriz, o judicial tributário, possa ser usado para discutir a legalidade de actos de liquidação e autoliquidação na sequência de indeferimentos de pedidos de revisão oficiosa, e o processo arbitral tributário, que tem por objectivo constituir uma opção ou alternativa ao processo matriz, não possa ser usado quando em sede de autoliquidações o procedimento administrativo prévio tenha sido de um tipo (pedido de revisão oficiosa) e não de outro (reclamação graciosa);

– Do ponto de vista da unidade do sistema jurídico, da coerência e da presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (presunção de que o legislador tem recta intenção e é justo, por oposição a arbitrário), esta exclusão não faz qualquer sentido, não se apoia em qualquer fundamento racional, antes constituirá, a vingar, uma solução arbitrária ou, se se quiser, caprichosa. E é de presumir que o Estado, e sobretudo o Estado legislador, não age caprichosamente;

– É incompatível com os objectivos de reforçar a tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos, de imprimir uma maior celeridade na resolução de litígios que opõem a administração tributária ao sujeito passivo e de reduzir a pendência de processos nos tribunais administrativos e fiscais o entendimento de que em reacção a um pedido de indeferimento de pedido de revisão oficiosa se possa recorrer aos tribunais administrativos e fiscais para que apreciem o acto de (auto)liquidação controvertido mas já não à arbitragem tributária.

– Especialmente (coerência do sistema) num contexto em que perante um acto administrativo de indeferimento de uma reclamação graciosa que discuta essa mesmíssima (auto)liquidação as duas vias estão reconhecidamente abertas.

– Em sede de Lei de autorização legislativa em matéria de arbitragem tributária se prescreve que o processo arbitral tributário “deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial” (cfr. o artigo 124.º, n.º 2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), desiderato que ficará parcialmente amputado se se der à alínea a) do artigo 2.º da Portaria (delegada) n.º 112-A/2011, de 22 de Março, o sentido que a AT (que para ela olha como uma ilha isolada de tudo o resto) pretende;

– O indeferimento do pedido de revisão oficiosa não se baseou em qualquer intempestividade do mesmo por incumprimento do prazo de reacção previsto no artigo 78.º da LGT, sendo a razão para o indeferimento do pedido e consequente manutenção do acto de autoliquidação aqui em causa foi antes esta: no entender da AT  a pretendida rectificação para mais da dedução do IVA devia ter sido efectuada pelo próprio sujeito passivo, através de uma regularização, dentro da janela temporal prevista no artigo 78.º, n.º 6, não da LGT, mas sim do Código do IVA;

– O mesmo é dizer que a AT entendeu que a autoliquidação respeitante a 2007 não padece de qualquer ilegalidade porquanto a janela temporal para dedução do IVA reclamada estender-se-ia nas circunstâncias do caso, no entender da AT, pelo prazo previsto no artigo 78.º, n.º 6, do Código do IVA, sendo que o não uso desse janela temporal para regularização pelo próprio sujeito passivo de IVA faria cessar (ainda no entender da AT) o direito substantivo à dedução do IVA em causa (sendo que em termos de direito substantivo desligadamente considerado desta sua condicionante temporal tal como vista pela AT, é reconhecida razão à requerente quanto à quase totalidade do seu pedido);

– Está-se  perante um acto de indeferimento de pedido de revisão oficiosa que comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação, a que como tal corresponde, no processo judicial tributário, o meio de reacção “impugnação judicial”;

– o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que fez uso da referida autorização legislativa, não distinguiu, em consonância com o espírito e a letra da lei de autorização legislativa, entre reacção a actos administrativos de indeferimento em sede de procedimento de reclamação graciosa e em sede de procedimento de revisão oficiosa;

– Ambos podem desencadear o recurso à arbitragem, o que está alinhado com a prescrição de que a arbitragem seja um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial. E do ponto de vista da materialidade subjacente faz todo o sentido que assim seja: o que realmente se discute é a legalidade de um acto de (auto)liquidação que não deixa de ser o que é independentemente do procedimento administrativo (de apreciação do mesmo) prévio de que tenha sido objecto;

– Donde que, perante este inequívoco apontar de toda a legislação relevante e de grau hierárquico (ou valor jurídico constitucional) superior ao da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, seja de concluir, fazendo prevalecer sobre a forma e a aparência, a materialidade subjacente e a inequívoca intenção do legislador (Assembleia da República e Governo) em sede de arbitragem tributária, no sentido de que o que a alínea a) do artigo 2.º da Portaria em referência pretende salvaguardar é que no caso de autoliquidações (liquidações em que por definição a AT não interveio, ao menos formalmente) seja dada à AT a oportunidade de apreciar as invocadas ilegalidades antes do recurso ao tribunal;

– Solução que de resto não é novidade da arbitragem tributária que se limita a replicar a este propósito aquela que já era a solução do processo judicial tributário (impugnação judicial) – cfr. artigo 131.º do CPPT;

– E é isso, o facto de se ter replicado a solução do processo judicial tributário, regulado no CPPT, que explica a ausência de referência ao procedimento de revisão oficiosa;

– Com efeito, também o processo judicial tributário prescreve como condição da impugnabilidade subsequente a existência de precedente reclamação graciosa contra os actos de autoliquidação;

– Mesmo que o acto de autoliquidação tenha sido precedido de procedimento de revisão oficiosa, nem por isso fica prejudicada a sua impugnabilidade subsequente, sem que o teor da redacção do artigo 131.º do CPPT, com expressa referência também apenas à (necessidade de) reclamação graciosa prévia, a tanto se oponha;

– E, nota-se, está em causa uma redacção no artigo 131.º (n.º 1) do CPPT bem mais forte que a utilizada na alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 2 de Março: “[e]m caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa (…)”. Em contraste, da leitura da norma em análise da Portaria o elemento que resulta central é a necessidade de recurso prévio à via administrativa, e não a reclamação graciosa;

– O facto de o CPPT só prever a reclamação graciosa prévia explicar-se-á pelo facto de se ver a si mesmo em sede de procedimento tributário e de processo judicial tributário como auto-suficiente e completo, donde referir-se ao procedimento de reclamação graciosa e não mencionar o procedimento de revisão oficiosa, previsto que está este último num outro diploma (cfr. artigo 78.º da LGT);

– Mas o aplicador da lei tem de ver e olhar a toda a lei, e a LGT também é lei, donde a jurisprudência esmagadora que, e muito bem, se formou e que, não ignorando que o CPPT não é uma ilha isolada, tratou de retirar daí as devidas consequências: não obstante o teor literal do artigo 131.º do CPPT, o acto de autoliquidação também pode ser discutido em sede de processo judicial tributário quando tenha sido precedido de pedido de revisão oficiosa (por oposição a reclamação graciosa), que é um outro procedimento administrativo, previsto noutro diploma (a LGT), que permite igualmente satisfazer a condição da apreciação prévia da pretensão pela Administração tributária;

– A arbitragem tributária, designadamente a norma constante da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, seguiu, sem surpresa, o modelo de redacção do CPPT (que era o que havia), referindo-se apenas (remetendo até para o CPPT) à reclamação graciosa.

– Ora, também esta norma do regime da arbitragem tributária não vive isolada. E aqui, para além da LGT e do procedimento de revisão oficiosa aí previsto, há que atender ainda ao Decreto-Lei e à Lei de autorização legislativa que precederam e enquadram a Portaria em análise;

E também o resultado interpretativo não pode ser outro que não aquele a que chegou a jurisprudência a propósito da norma idêntica constante do artigo 131.º do CPPT (no que aqui releva, idêntica neste sentido: previsão como condição da impugnabilidade subsequente, apenas da reclamação graciosa e mais nada): não obstante o teor da redacção da norma da Portaria em análise, também o indeferimento de pedido de revisão oficiosa há-de permitir fazer uso do meio paralelo ao da impugnação judicial que é a arbitragem tributária;

– não é possível, atentos todos os dados legais relevantes para esta questão, a que acresce a presunção legal de que o legislador consagrou a solução mais acertada, ler a alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, como pretendendo (como tendo por finalidade) afastar as autoliquidações precedidas de pedido de revisão oficiosa, do processo (paralelo ao processo judicial tributário) da arbitragem tributária.

–  Nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, não sendo exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa.

 

3.3. Decisão da questão da incompetência

 

3.3.1. Alcance da exigência de recurso à via administrativa para formulação de pedidos de pronúncia arbitral relativos a actos de autoliquidação

 

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no art. 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária foi vinculada àquela jurisdição pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.

                Na alínea a) do art. 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles arts. 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (art. 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do art. 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.

No caso em apreço, é pedida a declaração de ilegalidade e anulação parcial de actos de autoliquidação de IVA respeitante ao exercício de 2007, bem como a declaração de ilegalidade e anulação do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

Como resulta da matéria de facto fixada, não se provou que a autoliquidação tivesse «sido efectuada de acordo com orientação genéricas da administração tributária» nem foi apresentada reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT.

No entanto, foi apresentado pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação referidos.

Assim, importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão do acto tributário, previstos no art. 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo art. 2.º do RJAT.

                Na verdade, neste art. 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de actos tributários» e «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação».

                No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos arts. 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art. 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.

Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.

Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa. ( [1] )

A referência expressa ao artigo 131.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação.

Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».

Quanto a correspondência entre a interpretação e a letra da lei, basta «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) o que só impedirá que se adoptem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa.

Por isso, a letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação declarativa, que explicite o alcance do teor literal, nem mesmo interpretação extensiva, quando se possa concluir que o legislador disse menos do que o que, em coerência, pretenderia dizer, isto é, quando disse imperfeitamente o que pretendia dizer. Na interpretação extensiva «é a própria valoração da norma (o seu “espírito”) que leva a descobrir a necessidade de estender o texto desta à hipótese que ela não abrange», «a força expansiva da própria valoração legal é capaz de levar o dispositivo da norma a cobrir hipóteses do mesmo tipo não cobertas pelo texto».( [2] )

A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.

É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos de autoliquidação, prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de actos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.

Na verdade, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para a essa exigência, o facto de estar prevista idêntica reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os actos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos actos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.

Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no n.º 3, do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º». Na verdade, em situações deste tipo, houve uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de autoliquidação e é esse facto que explica que deixe de exigir-se a reclamação graciosa necessária.

Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. ( [3] )

Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de actos de autoliquidação, pois estes são expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT.

Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.

Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência ao artigo 131.º do CPPT relativamente a pedidos de declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de actos de autoliquidação, acabaram por incluir referência ao artigo 131.º que não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses actos.

Aliás, é de notar que esta interpretação não se cingindo ao teor literal até se justifica especialmente no caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições: uma, é associar a fórmula abrangente «recurso à via administrativa» (que referencia, além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do acto tributário) à «expressão nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa; outra é utilizar a fórmula «precedidos» de recurso à via administrativa, reportando-se às «pretensões relativas às declaração de ilegalidade de actos», que, obviamente, se coadunariam muito melhor com a feminina palavra «precedidas».

Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A72011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto e a redacção daquela norma ser manifestamente defeituosa.

Para além disso, assegurando a revisão do acto tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.

E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adoptada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do acto tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adopção da interpretação que consagre a soluça mais acertada.

É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas a adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.

Desta perspectiva, não se colocam as questões de inconstitucionalidade que a Autoridade Tributária e Aduaneira suscita com base na errada interpretação literal que fez daquela norma, pelo que o seu conhecimento fica prejudicado.

 

3.3.2. Questão da incompetência à face do âmbito do processo de impugnação judicial

 

A questão da incompetência, porém, é de colocar também à face da limitação do âmbito da arbitrabilidade tributária que deriva da sua criação com meio alternativo à impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

                No art. 2.º do RJAT, em que se define a «Competência dos tribunais arbitrais», não se inclui expressamente a apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos tributários, pois, na redacção introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, apenas se indica a competência dos tribunais arbitrais para «a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta» e «a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais».

                Porém, o facto de a alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do art. 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de actos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, inclusivamente a reclamação graciosa, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de actos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objecto um acto de um dos tipos indicados naquele art. 2.º do RJAT.

Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de o processo arbitral tributário constitua «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).

Mas, este mesmo argumento que se extrai da autorização legislativa conduz à conclusão de que estará afastada a possibilidade de utilização do processo arbitral quando, no processo judicial tributário, não for utilizável a impugnação judicial ou a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

Na verdade, sendo este o sentido da referida lei de autorização legislativa e inserindo-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre o «sistema fiscal», inclusivamente as «garantias dos contribuintes» [arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] ( [4] ), e sobre a «organização e competência dos tribunais» [art. 165.º, n.º 1, alínea p), da CRP], não pode o referido art. 2.º do RJAT, sob pena de inconstitucionalidade, por falta de cobertura na lei de autorização legislativa que limita o poder do Governo (art. 112.º, n.º 2, da CRP), ser interpretado como atribuindo aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competência para a apreciação da legalidade de outros tipos de actos, para cuja impugnação não são adequados o processo de impugnação judicial e a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

Assim, para resolver a questão da competência deste Tribunal Arbitral torna-se necessário apurar se a legalidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa podia ou não ser apreciada, num tribunal tributário, através de processo de impugnação judicial ou acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

O acto de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa do acto tributário constitui um acto administrativo, à face da definição fornecida pelo art. 120.º do CPA [subsidiariamente aplicável em matéria tributária, por força do disposto no art. 2.º, alínea d), da LGT, 2.º, alínea d), do CPPT, e 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT], pois constitui uma decisão de um órgão da Administração que ao abrigo de normas de direito público visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.

Por outro lado, é também inquestionável que se trata de um acto em matéria tributária pois é feita nele a aplicação de normas de direito tributário.

Assim, aquele acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa constitui um «acto administrativo em matéria tributária».

Das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do art. 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação. ( [5] )

Eventualmente, como excepção a esta regra poderão considerar-se os casos de impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, pelo facto de haver uma norma especial, que é o n.º 2 do art. 102.º do CPPT, de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. ( [6] ) Outras excepções àquela regra poderão encontrar-se em normas especiais, posteriores ao CPPT, que expressamente prevejam o processo de impugnação judicial como meio para impugnar determinado tipo de actos. ( [7] )

Mas, nos casos em que não há normas especiais, é de aplicar aquele critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial.

À face deste critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial, os actos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade destes actos de autoliquidação. Se o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação não comporta a apreciação da legalidade deste será aplicável a acção administrativa especial. Trata-se de um critério de distinção dos campos de aplicação dos referidos meios processuais de duvidosa justificação, mas o certo é que é o que resulta do teor das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e tem vindo a ser uniformemente adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo. ( [8] )

Esta constatação de que há sempre um meio impugnatório processual adequado para impugnar contenciosamente o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação, conduz, desde logo, à conclusão de que não se está perante uma situação em que no processo judicial tributário pudesse ser utilizada a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois a sua aplicação no contencioso tributário tem natureza residual, uma vez que essas acções «apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido» (art. 145.º, n.º 3, do CPPT).

Uma outra conclusão que permite a referida delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial é a de que, restringindo-se a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD ao campo de aplicação do processo de impugnação judicial, apenas se inserem nesta competência os pedidos de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos autoliquidação que comportem a apreciação da legalidade destes actos.

A preocupação legislativa em afastar das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação da legalidade de actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, para além de resultar, desde logo, da directriz genérica de criação de um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, resulta com clareza da alínea a) do n.º 4 do art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se indicam entre os objectos possíveis do processo arbitral tributário «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação», pois esta especificação apenas se pode justificar por uma intenção legislativa no sentido de excluir dos objectos possíveis do processo arbitral a apreciação da legalidade dos actos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação.

                Por isso, a solução da questão da competência deste Tribunal Arbitral conexionada com o conteúdo do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, depende da análise deste acto.

                No caso em apreço, a Requerente, na resposta escrita que apresentou à excepção suscitada apela Autoridade Tributária e Aduaneira, defende que o indeferimento do pedido de revisão oficiosa não se baseou em qualquer intempestividade do mesmo por incumprimento do prazo de reacção previsto no artigo 78.º da LGT, mas no entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de que a pretendida rectificação para mais da dedução do IVA devia ter sido efectuada pelo próprio sujeito passivo, através de uma regularização, dentro da janela temporal prevista no artigo 78.º, n.º 6, não da LGT, mas sim do Código do IVA.

                No entender da Requerente, «a AT entendeu que a autoliquidação respeitante a 2007 não padece de qualquer ilegalidade porquanto a janela temporal para dedução do IVA reclamada estender-se-ia nas circunstâncias do caso, no entender da AT, pelo prazo previsto no artigo 78.º, n.º 6, do Código do IVA, sendo que o não uso desse janela temporal para regularização pelo próprio sujeito passivo de IVA faria cessar (ainda no entender da AT) o direito substantivo à dedução do IVA em causa (sendo que em termos de direito substantivo desligadamente considerado desta sua condicionante temporal tal como vista pela AT, é reconhecida razão à requerente quanto à quase totalidade do seu pedido)».

                A Requerente tem razão quanto a este último ponto.

Na verdade, embora a parte decisória do acto de indeferimento do pedido de revisão do acto de autoliquidação não se pronuncie sobre a legalidade deste, acaba por se admitir, na fundamentação, que a pretensão da ora Requerente poderia ter acolhimento se tivesse sido formulada dentro do prazo previsto no artigo 78.º, n.º 6, do CIVA, o que tem ínsito que o acto de autoliquidação é ilegal. 

Por isso, não exigindo a expressão «comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação», utilizada na alínea d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, que tal apreciação seja fundamento da decisão, deverá entender-se que se está perante um acto enquadrável naquela norma para cuja impugnação nos tribunais tributários seria adequado o processo de impugnação judicial.

Sendo assim, não se pode concluir pela incompetência deste Tribunal Arbitral, pelo que improcede a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

                4 . Apreciação do mérito da causa

 

O procedimento de revisão do acto tributário constitui um meio administrativo de correcção de erros de actos de liquidação ou autoliquidação de tributos.

Como se refere no acórdão do STA de 12-7-2006, processo n.º 402/06, o procedimento de revisão «(...) é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses actos, a deduzir nos prazos normais respectivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração».

                «No entanto, não é indiferente para o contribuinte impugnar ou não os actos de liquidação dentro dos respectivos prazos, pois em caso de anulação em processo impugnatório, judicial ou administrativo, pode ser invocada qualquer ilegalidade e há direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à emissão da nota de crédito (arts. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 3, do CPPT), enquanto nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) ( [9] ) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT e a anulação apenas pode ter por fundamento erro imputável aos serviços e duplicação de colecta (art. 78.º, n.ºs 1 e 6, da LGT).

                Essencialmente, o regime do art. 78.º, quando o pedido de revisão é formulado para além dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa, reconduz-se a um meio de restituição do indevidamente pago, com revogação e cessação para o futuro dos efeitos do acto de liquidação, e não a um meio anulatório, com destruição retroactiva dos efeitos do acto. 

                A esta luz, o meio procedimental de revisão do acto tributário não pode ser considerado como um meio excepcional para reagir contra as consequências de um acto de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação).

                Trata-se de um regime reforçadamente garantístico, quando comparado com o regime de impugnação de actos administrativos, mas esse reforço encontra explicação na natureza fortemente agressiva da esfera jurídica dos particulares que têm os actos de liquidação de tributos».

 

                Como se diz no mesmo acórdão,

 

                «Embora o art. 78.º da LGT, no que concerne a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte, se refira apenas à que tem lugar dentro do «prazo de reclamação administrativa», no n.º 6 do mesmo artigo (na redacção inicial, que é o n.º 7 na redacção vigente) faz-se referência a «pedido do contribuinte», para a realização da revisão oficiosa, o que revela que esta, apesar da impropriedade da designação como «oficiosa», pode ter subjacente também a iniciativa do contribuinte.

                Idêntica referência é feita no n.º 1 do art. 49.º da LGT, que fala em «pedido de revisão oficiosa», e na alínea a) do n.º 4 do art. 86.º do CPPT, que refere a apresentação de «pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, com fundamento em erro imputável aos serviço».

                É, assim, inequívoco que se admite, a par da denominada revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação administrativa), que se faça, também na sequência de iniciativa sua, a «revisão oficiosa» (que a Administração deve realizar também por sua iniciativa).

                Por outro lado, a alínea d) do n.º 2 do art. 95.º da LGT refere os actos de indeferimento de pedidos de revisão entre os actos potencialmente lesivos, que são susceptíveis de serem impugnados contenciosamente. Não se faz, aqui qualquer distinção entre actos de indeferimento praticados na sequência de pedido do contribuinte efectuado no prazo da reclamação administrativa ou para além dele, pelo que a impugnabilidade contenciosa a actos de indeferimento de pedidos de revisão praticados em qualquer das situações, o que, aliás, é corolário do princípio constitucional da impugnabilidade contenciosa de todos os actos que lesem direitos ou interesses legítimos dos administrados (art. 268.º, n.º 4, da CRP).

                Assim, é de concluir que, o facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial do acto de liquidação, não impedia a impugnante de pedir a revisão oficiosa e impugnar contenciosamente o acto de indeferimento desta. ( [10] )»

 

                Como também se refere no mesmo acórdão, a falta de prévia reclamação graciosa não obsta à possibilidade de impugnação contenciosa, sendo necessária apenas para a impugnação judicial do acto de autoliquidação, «com o regime geral da impugnação de actos anuláveis e com aos efeitos retroactivos próprios dos meios anulatórios. A sua falta não obsta (como também não obsta a impugnação judicial dos actos que podem ser impugnados contenciosamente por via directa), a que possa ser pedida a revisão oficiosa, com os efeitos próprios desta, limitados à cessação dos efeitos do acto, traduzida na restituição do que foi recebido pela administração tributária e que não deveria ter sido pago, à face do regime substantivo aplicável (eventualmente acrescida de juros indemnizatórios nos termos do n.º 3 do art. 43.º da LGT, sem natureza retroactiva)». ( [11] )

No caso em apreço, é manifesto que o pedido de revisão do acto tributário não foi apresentado dentro do prazo de dois anos previsto para a reclamação graciosa no artigo 131.º do CPPT, pelo que a revisão do acto tributário apenas poderia dar lugar aos efeitos restritos de «restituição do que foi recebido pela administração tributária e que não deveria ter sido pago, à face do regime substantivo aplicável (eventualmente acrescida de juros indemnizatórios nos termos do n.º 3 do art. 43.º da LGT, sem natureza retroactiva)».

No entanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que nem mesmo estes efeitos poderia ter o pedido de revisão por se tratar de erro ou lapso no exercício do direito à dedução de IVA e, para este efeito, vigorar o prazo especial de dois anos previsto no artigo 78.º, n.º 6, do CIVA. ( [12]

Está em causa nos autos o exercício do direito à dedução de IVA, motivado por lapsos da Requerente, como se deu como provado na alínea f) e g) da matéria de facto fixada, que se traduziram na «utilização de uma percentagem de dedução inferior à devida, com referência ao imposto incorrido nos recursos de utilização mista» e «não ter sido aplicado o método da imputação directa, relativamente ao imposto incorrido em despesas que foram redebitadas pela Requerente às suas participadas, com liquidação de IVA» (como a própria Requerente sintetizou no artigo 27.º do pedido de revisão oficiosa).

O artigo 98.º do CIVA prevê o regime regra de revisão oficiosa e exercício do direito à dedução do IVA, estabelecendo que «sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente». 

No entanto, o referido artigo 78.º, n.º 6, do CIVA estabelece que «a correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado».

Assim, este artigo 78.º, n.º 6, ao prever um prazo de dois anos contados a partir do nascimento do direito a dedução, para exercício do respectivo direito, nas situações aí previstas, será uma das «disposições especiais» a que alude a parte inicial do artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, em que não é aplicável o prazo máximo de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, mas sim de dois anos. ( [13] )

Por isso, a legalidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, depende da possibilidade de enquadramento da situação dos autos neste artigo 78.º, n.º 6.

Como resulta do teor literal daquele n.º 6 do artigo 78.º do CIVA, ele é aplicável apenas à «correcção de erros materiais ou de cálculo», inclusivamente nas declarações periódicas.

A Requerente diz que, no caso em apreço, os erros que cometeu não foram erros materiais ou de cálculo, mas sim erros de direito quanto à aplicação do regime de dedução de IVA, por «utilização de uma percentagem de dedução inferior à devida, com referência ao imposto incorrido nos recursos de utilização mista» e «não ter sido aplicado o método da imputação directa, relativamente ao imposto incorrido em despesas que foram redebitadas pela Requerente às suas participadas, com liquidação de IVA».

O artigo 95.º-A, n.º 2 ( [14] ) fornece um conceito de «erros materiais ou manifestos» indicando que nele se integram, «designadamente os que resultarem do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexactidão ou lapso».

A associação do erro de cálculo ao erro material que se faz neste n.º 6 do artigo 78.º do CIVA, à semelhança do que sucede noutras normas (como o artigo 249.º do Código Civil, o artigo 667.º do CPC de 1961 e o artigo 614.º do CPC de 2013) revela que os erros de cálculo a que se pretende aludir serão deste tipo, designadamente erros aritméticos nas operações de cálculo do montante a deduzir.

Assim, estar-se-á perante um erro material no preenchimento do montante de IVA dedutível numa declaração quando se pretendia escrever um determinado montante e, por descuido ou lapso, acabou por se escrever montante diferente ou quando o erro do preenchimento da declaração resulta de um erro anterior do mesmo tipo que exista na contabilidade ou em algum documento que sirva de base ao exercício do direito à dedução. Estar-se-á perante um erro de cálculo, quando as operações aritméticas para determinar o montante do IVA dedutível foram mal efectuadas, na própria declaração ou em algum dos documentos em que ela se baseou

O erro quanto à aplicação de determinados regimes jurídicos não constitui nem erro material nem erro de cálculo, pelo que é manifesto que não pode ser-lhe aplicado o regime do referido n.º 6 do artigo 78.º do CIVA. Designadamente, o erro de cálculo do pro rata não é um erro de cálculo enquadrável nesta norma porque consubstancia um erro de direito sobre o regime jurídico aplicável e não um erro de natureza aritmética. ( [15] )

Assim, não sendo aplicável o regime do referido artigo 78.º, n.º 6, nem existindo qualquer regime limite temporal especial para exercício do direito à dedução com fundamento em erro de direito, será aplicável o regime geral sobre esta matéria que consta do artigo 98.º, n.º 2, do CIVA que, como se diz no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18-5-2011, proferido no processo n.º 966/10, fixa um limite máximo de quatro anos que não pode ser excedido em nenhum caso. ( [16] )

Termos em que se conclui que o despacho de indeferimento do pedido de revisão do acto tributário enferma de erro sobre os pressupostos de direito, por erro de interpretação do artigo 78.º, n.º 6, do CIVA, que justifica a sua anulação (artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo).

 

 5. Juros indemnizatórios

 

5.1. Admissibilidade do reconhecimento do direito e condenação a pagar juros indemnizatórios nos processos arbitrais

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

5.2. Direito a juros indemnizatórios nos casos de pedido de revisão do acto tributário apresentado fora do prazo da reclamação administrativa

 

A Requerente pede juros indemnizatórios desde 11-2-2008, data em que fez o último pagamento de IVA relativo às declarações referidas nos autos.

Como já se referiu no início do ponto 4. deste acórdão, citando o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-20106, proferido n processo n.º 402/06, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) ( [17] ) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT».

No caso a norma que permite reconhecer o direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».

No caso em apreço, o atraso na revisão do acto tributário é imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira, não só por ter demorado mais de um ano a apreciar o pedido, como por a ter recusado com fundamento ilegal, pelo que são devidos juros indemnizatórios a taxa legal, desde que se completou um ano da data da apresentação do pedido de revisão do acto tributário.

Assim, a Requerente, que não foi diligente ao não apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo de dois anos previsto no artigo 131.º, n.º 1, do CPPT, não tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido, mas apenas a partir da data em que se completou um ano depois de ter apresentado o pedido de revisão do acto tributário, neste sentido termos da referida alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.

O pedido de revisão oficiosa da liquidação de IVA deu entrada na Direcção de Finanças de … em 1-9-2010 [como se refere na alínea h) da matéria de facto fixada], pelo que a partir de 2-9-2011 são devidos juros indemnizatórios, à taxa legal, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 3, alínea c), e 4, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal).

 

6. Pedido de reembolso de despesas

 

A Requerente pede que a Autoridade Tributária e Aduaneira seja condenada a ressarcir a Requerente das despesas resultantes do presente processo, com honorários de mandatários judiciais.

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada nos termos do artigo 2.º do RJAT, à declaração da ilegalidade de actos dos tipos aí indicados e actos que conheçam da legalidade de actos desses tipos.

Para além disso, pelo que se referiu no ponto 5.1., é possível reconhecer o direito e proferir condenações em matéria de juros indemnizatórios.

Tem-se entendido também, com suporte no artigo 171.º do CPPT que o processo arbitral é também meio adequado para proferir condenações em indemnização por garantia indevida.

 Mas, não há qualquer suporte legal para incluir nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD condenações por dívidas de honorários de mandatários.

Por isso, não se toma conhecimento deste pedido.

 

    6. Decisão

 

    De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)                     Julgar improcedente a excepção da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

b)                    Julgar procedentes os pedidos de declaração de ilegalidade e anulação do despacho de 1-2-2013 que indeferiu o pedido de revisão oficiosa; 

c)                     Julgar procedentes os pedidos de declaração de ilegalidade parcial e anulação parcial do acto de liquidação de IVA relativo ao ano de 2007, consubstanciado nas 12 declarações (que constam dos documentos 1 a 12, juntos com o pedido de pronúncia arbitral), na parte relativa ao montante de € 293.990,19;

d)                    Julgar parcialmente procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, que tem por base a quantia de € 293.990,19 e são contados desde, desde 2-9-2011 até integral pagamento, à taxa legal que vigorar desde aquela data até ao pagamento;

e)                     Não tomar conhecimento do pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a ressarcir a Requerente por despesas com honorários de mandatários.

 

7. Valor do processo

De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 293.990,19.

 

8. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.202,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 6 de Dezembro de 2013

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

(Diogo Leite de Campos)

 

 

 

 

(Victor Simões)

 

 

 



( [1] )      Como se entendeu no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-6-2006, proferido no processo n.º 402/06.

( [2] )      BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado, 4.ª edição, página 100.

( [3] )      Essencialmente neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14-11-2007, processo n.º 565/07.

( [4] )       Embora no art. 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, em que se define a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, se faça referência à criação de impostos e sistema fiscal, esta norma deve ser integrada com o conteúdo do n.º 2 do art. 103.º da mesma, em que se refere que a lei determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, que constitui uma explicitação do âmbito das matérias incluídas naquela reserva, como vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional.

A título de exemplo, indicam-se neste sentido, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:

– n.º 29/83, de 21-12-1983, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 338, página 201 (especialmente, páginas 204-205);

– n.º 290/86, de 29-10-1986, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 8.º volume, página 421 (especialmente, páginas 423-424);

– n.º 205/87, de 17-6-1987, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9.º volume, página 209 (especialmente páginas 221-222);

– n.º 461/87, de 16-12-1987, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 372, página 180 (especialmente página 197);                                                             

– n.º 321/89, de 29-3-1989, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 385, página 265 (especialmente página 281).

 

            O Tribunal Constitucional tem entendido também que a reserva de competência legislativa da Assembleia da República compreende tudo o que seja matéria legislativa e não apenas as restrições de direitos (neste sentido, pode ver-se o acórdão n.º 161/99, de 10-3-99. processo n.º 813/98, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 485, página 81).

( [5] )      No conceito de «liquidação», em sentido lato, englobam-se todos os actos que se reconduzem a aplicação de uma taxa a uma determinada matéria colectável e, por isso, também os actos de retenção na fonte (para além dos de autoliquidação e pagamento por conta, que não interessam para a decisão do presente processo).

( [6] )      Neste sentido, pode ver-se o acórdão do STA de 2-4-2009, processo n.º 0125/09.

( [7] )      Exemplo de uma situação deste tipo é a do art. 22.º, n.º 13. do CIVA, em que se prevê a utilização do processo de impugnação judicial para impugnar actos de indeferimento de pedidos de reembolso. 

( [8] )       No sentido de o meio processual adequado para conhecer da legalidade de acto de decisão de procedimento de revisão oficiosa de acto de liquidação ser a acção administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do art. 191.º do CPTA) se nessa decisão não foi apreciada a legalidade do acto de liquidação, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20-5-2003, processo n.º 638/03; de 8-10-2003, processo n.º 870/03; de 15-10-2003, processo n.º 1021/03; de 24-3-2004, processo n.º 1588/03, de 6-11-2008, processo n.º 357/08.

            Adoptando o entendimento de que o processo de impugnação judicial é o meio processual adequado para impugnar actos de indeferimento de reclamações graciosas que tenham apreciado a legalidade de actos de liquidação, podem ver-se os acórdãos do STA de 15-1-2003, processo n.º 1460/02; de 19-2-2003, processo n.º 1461/02; e de 29-2-2012, processo n.º 441/11.

( [9] )   Não interessa, para apreciação do caso dos autos, esclarecer o sentido da referência feita no n.º 1 do art. 78.º da LGT à «reclamação administrativa», designadamente se quer significar «reclamação graciosa» ou a reclamação administrativa prevista nos arts. 161.º e seguintes do CPA.

Na verdade, no caso em apreço, o pedido formulado pelo contribuinte foi apresentado para além do prazo máximo de qualquer desses tipos de reclamações.

De qualquer forma, sendo a reclamação administrativa, nos termos do CPA, um meio impugnatório tem de ser utilizado antes do esgotamento do prazo de impugnação com fundamento em vícios geradores de mera anulabilidade, a anulação que através dela venha a ser decidida terá o efeito retroactivo próprio dos processos impugnatórios, obrigando à «plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio», como determina o art. 100.º da LGT, o que inclui o direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 61.º do CPPT.

( [10] )   Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:

– de 12-12-2001, recurso 26233, de 12-12-2001, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2901;

– de 15-1-2003, proferido no recurso n.º 1460/02, publicado no Apêndice ao Diário da República de 25-3-2004, página 26

– de 19-2-2003, proferido no recurso n.º 1461/02, publicado no Apêndice ao Diário da República de 25-3-2004, página 328

– de 2-4-2003, proferido no recurso n.º 1771/02, publicado no Apêndice ao Diário da República de 2-7-2004, página 65

– de 9-4-2003, proferido no recurso n.º 422/03

– de 8-10-2003, proferido no recurso n.º 870/03,

– de 5-11-2003, proferido no recurso n.º 1462/03,

– de 12-11-2003, proferido no recurso n.º 1237/03,

– de 19-11-2003, proferido no recurso n.º 1258/03, publicado no Apêndice ao Diário da República de 2-7-2004, página 167;

– de 19-11-2003, proferido no recurso n.º 1181/03;

–  de 2-2-2005, proferido no recurso n.º 1171/04,

( [11] )     Na mesma linha, refere-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-4-2009, processo n.º 65/09:

                «Assim, nos casos em que o pedido de revisão do acto tributário é apresentado no prazo de 120 dias, a contar dos factos referidos no art. 102.º, n.º 1, do CPPT, é de entender que não há razão para que o Estado se dispense do dever de reparar integralmente os danos provocados pelos seus actos ilegais, com plena reconstituição da situação jurídica que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado.

                Por isso, se o contribuinte reage nesse prazo, através de um pedido de revisão do acto tributário, deverá ser dada a sua pretensão o tratamento de uma reclamação graciosa, designadamente a nível dos efeitos no caso de reconhecimento da ilegalidade imputada pelo contribuinte, que vão desde a restituição da quantia indevidamente cobrada à atribuição de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da nota de crédito, no caso de se reconhecer que o erro não é imputável ao contribuinte, nos termos dos arts. 100.º e 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 3, do CPPT.

            O que significa, assim, que o pedido de revisão do acto tributário feito no prazo da reclamação graciosa deverá ser considerado como uma verdadeira reclamação, uma pretensão anulatória tempestiva».

( [12] )     Na redacção vigente em 2012, a que corresponde, em 2007, o artigo 71.º, n.º 6.

( [13] )     Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18-5-2011, processo n.º 966/10.

( [14] )     Aditado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e aplicável a partir de 1-1-2009, nos termos do seu artigo 174.º, pelo que sempre prevalecerá sobre qualquer critério adoptado em orientações genéricas da Administração Tributária, designadamente o do Ofício-Circulado n.º 30082/2005, de 17 de Novembro da DSIVA.

( [15] )     A este propósito é de notar que há manifesto equívoco da Autoridade Tributária e Aduaneira ao defender, nos artigos 147.º e 148.º da resposta que a Requerente assume ter cometido um «erro de cálculo», pois o «erro de cálculo» que a Requerente reconhece ter ocorrido não é nas das declarações de IVA apresentadas em 2007, mas sim petição de revisão do acto tributário, apresentada em 2010, pelo que nada tem a ver com a questão em apreço, do enquadramento jurídico do erro das declarações no n.º 6 do artigo 78.º do CIVA.

( [16] )     No caso dos autos, está-se perante uma situação distinta da apreciada no referido acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, pois neste acórdão estava-se perante um lapso material da contabilidade do sujeito passivo que se repercutiu no exercício do direito a dedução e não perante erros de interpretação da lei, como sucede no caso dos autos.

( [17] )   Não interessa, para apreciação do caso dos autos, esclarecer o sentido da referência feita no n.º 1 do art. 78.º da LGT à «reclamação administrativa», designadamente se quer significar «reclamação graciosa» ou a reclamação administrativa prevista nos arts. 161.º e seguintes do CPA.

     Na verdade, no caso em apreço, o pedido formulado pelo contribuinte foi apresentado para além do prazo máximo de qualquer desses tipos de reclamações.

     De qualquer forma, sendo a reclamação administrativa, nos termos do CPA, um meio impugnatório tem de ser utilizado antes do esgotamento do prazo de impugnação com fundamento em vícios geradores de mera anulabilidade, a anulação que através dela venha a ser decidida terá o efeito retroactivo próprio dos processos impugnatórios, obrigando à «plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio», como determina o art. 100.º da LGT, o que inclui o direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 61.º do CPPT.