Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 116/2017-T
Data da decisão: 2017-12-07  IRC  
Valor do pedido: € 73.085,92
Tema: IRC – RETGS - Falta de notificação à sociedade dominante dos relatórios de inspeções realizadas na esfera das dominadas - Consequências.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros, Conselheira Fernanda Maçãs (Árbitro Presidente), Dr.ª Mariana Vargas e Dr. Henrique Fernando Rodrigues (Árbitros Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo constituído, em 20 de abril de 2017, acordam no seguinte:

I.          Relatório

 

1.Em 14 de fevereiro de 2017, A… SGPS, S. A., com o NIPC … e com sede no …, …, …-…, no Porto (doravante designada por Requerente), veio, ao abrigo das disposições conjugadas da alínea a) do n.º 3 o artigo 5.º, da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 2 do artigo 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 21 de março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de IRC n.º 2016…, bem como da demonstração de juros compensatórios nº 2016… e da demonstração de acerto de contas nº 2016…, todas referentes ao exercício do ano de 2012, no valor total de € 73 085,92 (setenta e três mil e oitenta e cinco euros e noventa e dois cêntimos).

Mais pede a Requerente a condenação da Requerida na restituição do valor do imposto indevidamente pago, acrescida de juros indemnizatórios.

1.1. Por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, foram designados como árbitros para o presente processo: como árbitro-presidente, a Exma. Senhora Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, e como co-árbitros a Exma. Senhora Drª. Mariana Vargas e o Exmo. Senhor Henrique Fernando Rodrigues.

1.2. Em 20/4/2017 ficou constituído o presente Tribunal arbitral.

1.3.A Requerente foi notificada para responder à matéria de exceção, por despacho de 31 de maio de 2017, e, por despacho de 1 de junho de 2017 foi proferido novo despacho determinando-se que o prazo de estabelecido no anterior despacho se contava da notificação do PA, que ocorreu a 1 de junho de 2017.

1.4. Como de acordo com os elementos disponíveis na plataforma do CAAD a Requerente apenas teria entregue o requerimento de resposta à matéria de exceção, no dia 21 de julho de 2017, e, por conseguinte, fora de prazo, veio a Requerida solicitar o seu desentranhamento aos autos, por manifestamente intempestivo.

1.5. Por Requerimento de 17 de agosto de 2017, veio a Requerente pronunciar-se contra o pedido da Requerida e demonstrar que o requerimento havia sido remetido ao CAAD a 9 de Junho de 2017.

1.6. Na sequência do pedido de desentranhamentos dos autos formulado pela Requerida,  por despacho de 20 de Agosto de 2017 o tribunal solicitou ao CAAD para confirmar "se foi rececionado ou não o doc do SP sobre resposta à matéria de exceção, no dia 9 de junho de 2017".

1.7. Por Despacho de 24 de Agosto de 2017 veio o Presidente do Centro de Arbitragem do CAAD confirmar “que no dia 9 de junho de 2017 pelas 16:16 horas foi rececionado na caixa postal eletrónica do CAAD um email do Requerente cujo assunto era A…-IRC Processo 116/2017-T, acompanhado de um anexo denominado A…-IRC-Exceção dilatória-9Junh2017”, e que por lapso o requerimento não foi objeto de pronta inserção no Sistema de Gestão Processual.  

1.8. Atento o despacho do Presidente do Centro de Arbitragem do CAAD, o Tribunal, a 3 de setembro, proferiu despacho, concluindo:

“a) Defere-se o pedido do SP de junção aos autos do requerimento de resposta à matéria de excepção considerando-se o mesmo entregue dentro do prazo;

b) Indefere-se o pedido da AT relativo ao seu desentranhamento dos autos.

(…)”.

1.9.Na mesma data foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião do artigo 18.º do RJAT notificar-se as partes para produção de alegações escritas sucessivas e designou-se o dia 20 de Dezembro como prazo limite de produção de decisão arbitral, prazo que foi reiterado por despacho de 15 de outubro de 2017.

1.10.As partes produziram alegações.

2. Síntese da posição das Partes

a.    Da Requerente:

A fundamentar o pedido de anulação dos atos de liquidação de IRC e juros compensatórios referentes ao ano de 2012, invoca a Requerente as seguintes razões de facto e de direito:

A Requerente é uma SGPS, que prossegue a sua atividade económica, de forma indireta, através da gestão de participações sociais noutras sociedades, sendo a sociedade dominante do designado Grupo B…, tributado pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), que, no exercício de 2012, agregava os seus resultados fiscais com dezoito outras sociedades, entre as quais:

a.    A C…  Sociedade Gestora Participações Sociais, SA (adiante C…;

b.    A D…, SA (adiante D…).

A Direção de Finanças do Porto promoveu ações inspetivas internas às duas sociedades identificadas, originadas pela alegada identificação de incorreções fiscais referentes ao exercício de 2012, cuja correção, de acordo com os respetivos Relatórios de Inspeção Tributária (adiante RIT), se traduziu num acréscimo ao resultado fiscal de IRC do Grupo B…, no valor global de € 8 386 169,05.

De acordo com os RIT notificados à Requerente, em 8 de agosto de 2014 e em 20 de setembro de 2016, as correções efetuadas à matéria coletável do Grupo B…, do qual esta é a sociedade dominante, assentam em correções à matéria coletável das duas sociedades já identificadas:

a) D…– € 4 357 529, 26; e

b)  C…– € 4 028 639, 79.

As correções à matéria coletável de sociedades abrangidas pelo Grupo B…, originaram a liquidação adicional de IRC impugnada, notificada à Requerente.

Os RIT de que a Requerente foi notificada indicam que a correção à D… foi efetuada na sequência da ação de inspeção realizada a coberto da Ordem de Serviço n.º OI2014… (Doc. 2) e a correção à C…, a coberto da Ordem de Serviço nº OI2014… (Doc. 3): a AT desconsiderou os gastos financeiros suportados pela D… por, no seu entendimento, não serem indispensáveis à manutenção da fonte produtora ou à obtenção de rendimentos, no montante global de € 4 357 529,26 e corrigiu os valores referentes a juros suportados pela C…, resultantes de empréstimos obtidos junto do seu titular único e a diferenças cambiais desfavoráveis, no valor global de € 4 028 639,79, por, no seu entendimento, “(…) respeitarem a operações que não tutelaram interesses intrínsecos da C…, SA, e como tal não são gastos para efeitos fiscais (…), não foram indispensáveis para a obtenção de rendimentos sujeitos a imposto.”

Alega a Requerente que os RIT de que foi notificada, na qualidade de sociedade dominante do grupo B…, não reproduzem nem integram cópia dos RIT da D… e da C…, nem apresentam qualquer fundamentação com vista a suportar as correções efetuadas à matéria coletável daquelas sociedades, embora lhes façam referência.

Pelo que a Requerente pediu que lhe fosse emitida certidão da fundamentação da liquidação adicional de IRC contestada nos presentes autos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 37.º, do Código de Processo e de Procedimento Tributário (CPPT).

Contudo, a certidão emitida pelo Serviço de Finanças do Porto … não se pronuncia sobre as correções efetuadas pelos serviços de inspeção à D… e C…, suscetíveis de permitir a fundamentação das correções à matéria tributável do Grupo B…, nunca lhe tendo sido disponibilizados os relatórios de inspeção que alegadamente suportam as correções à matéria coletável das referidas sociedades que, no exercício de 2014, viriam a ser incorporadas, por fusão, na sociedade E… .

Com referência ao mesmo exercício de 2012, foram efetuadas correções a outras empresas do Grupo, tendo a Requerente, na qualidade de sociedade dominante, sido notificada dos respetivos RIT finais, o que indica que a AT não desconhece a obrigatoriedade de dar conhecimento à sociedade dominante de um Grupo, tributado pelo RETGS, das correções na esfera das sociedades dominadas, sem o que a primeira não poderá contestar a legalidade dos atos tributários delas decorrentes, por falta de fundamentação.

A ausência de fundamentação constitui vício do ato tributário, nos termos da alínea c) do artigo 99.º, do CPPT, devendo o mesmo ser anulado, por ilegal.

 

b.   Da Requerida:

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta e fez juntar o processo administrativo, em que veio defender, por exceção e por impugnação, a legalidade e a manutenção do ato de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral.

Por exceção, invoca a AT a inimpugnabilidade da liquidação do Grupo, na parte relativa às correções efetuadas à sociedade D…, anteriormente refletida na liquidação n.º 2014…, de 27 de agosto de 2014, que não foi objeto de qualquer reclamação ou impugnação, tendo-se consolidado na ordem jurídica.

No mais, entende a Requerida que as razões de facto e de direito invocadas pela Requerente estão longe de fundamentar e de sustentar as pretensões formuladas, pois esta “confunde os conceitos, totalmente distintos, de notificação e de fundamentação dos atos tributários”:

A Requerente invoca que o relatório de inspeção tributária que lhe foi notificado não continha em anexo os relatórios notificados a terceiros, a D… e a C…, e que, por esse facto, desconhece as razões invocadas pela AT para corrigir o lucro tributável do grupo económico da qual é a sociedade dominante.

No entanto, a falta de notificação da fundamentação não afeta a legalidade do ato de liquidação, conforme unanimemente reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência.

No caso em apreço, a liquidação controvertida incorpora as alterações à matéria tributável do Grupo em resultado das correções fiscais efetuadas no âmbito de ações inspetivas externas junto das sociedades dominadas, tendo sido promovida a realização de ações de inspeção internas a fim de dar a conhecer à sociedade dominante, ora Requerente, as correções efetuadas na esfera individual de cada uma das sociedades dominadas, bem como a subsequente emissão das liquidações adicionais de IRC do período de tributação de 2012, em cumprimento das normas aplicáveis no âmbito do RETGS.

O RIT notificado à Requerente espelha o itinerário cognoscitivo que levou a Inspeção Tributária a alterar os valores declarados nas declarações Modelo 22 das várias sociedades que integram o Grupo, nele se referindo expressamente os procedimentos externos de inspeção anteriormente realizados na esfera individual das sociedades dominadas e nos quais se fundamenta, de acordo com o n.º 1 do artigo 77.º, da LGT.

Assim, conclui a AT que a Requerente, enquanto sociedade dominante, obteve o conhecimento da motivação das correções efetuadas às sociedades dominadas com reflexo na determinação da matéria tributável do Grupo, bem como do ato de liquidação e da sua fundamentação, bastando que analisasse, conjuntamente com as sociedades dominadas, o teor de todos os atos preliminares de que resultou a emissão da liquidação, designadamente as declarações Modelo 22 submetidas e o teor dos relatórios que determinaram as alterações à matéria tributável declarada.

E, notificadas as sociedades dominadas da fundamentação das correções em sede de procedimentos externos de inspeção, não necessitariam os relatórios das ações inspetivas internas, na esfera da sociedade dominante, nem os atos de liquidação que se lhes seguiram, de reproduzir novamente todos os fundamentos já invocados (e regularmente notificados em anteriores fases do processo), devendo a nota de cobrança remetida ao sujeito passivo conter apenas os elementos próprios do ato de liquidação, ou seja, a demonstração do apuramento do valor a pagar ou a reembolsar.

Quanto ao argumento de que a certidão emitida nos termos do artigo 37.º, do CPPT, não incluiu os relatórios das sociedades dominadas, a consequência jurídica não é a falta de fundamentação do ato de liquidação.

Citando o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e Processo Tributário – I Volume, Áreas Editora – 6.ª Edição, 2011, pág. 352, conclui a Requerida que o processo arbitral tributário não constitui o meio processual idóneo à tutela dos interesses da Requerente, pois segundo o ilustre Autor, “Pode suceder que, apesar de requerida pelo notificado a notificação dos elementos omitidos na notificação ou pedida a respectiva certidão, nos termos do art. 37.º do CPPT, a Administração tributária não satisfaça a sua pretensão, quer por inércia, não o notificando nem passando certidão dos elementos omitidos, quer por a nova notificação ou a certidão que vier a se emitida não conter também os elementos omitidos. Nestas situações, o interessado poderá, naturalmente, procurar suprir a deficiência por si próprio, dirigindo-se aos serviços e consultando o processo em que foi praticado o ato, a fim de tomar conhecimento dos elementos que lhe interessa conhecer. No entanto, não é obrigado a fazê-lo, tendo o direito de reagir contenciosamente contra a inércia ou persistência na omissão por parte da Administração tributária através de intimação para passagem de certidões, prevista no art. 146.°, n.°, do CPPT e nos arts. 104.° a 108.° do CPTA.”.

Defende ainda a Requerida que, caso o ato impugnado venha a ser anulado com fundamento em vício de forma, designadamente, por falta de fundamentação, não se encontrarão reunidos os pressupostos legais que conferem o direito da Requerente a juros indemnizatórios.

II.                Saneamento

 

1.    O Tribunal Arbitral Coletivo é competente e foi regularmente constituído em 20 de abril de 2017, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º e 11.º, alínea c), todos do RJAT.

2.    As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

3.    O processo não padece de vícios que o invalidem.

4.    A Requerente exerceu o contraditório sobre a matéria de exceção invocada pela Requerida.

 

III.             Do Mérito

 

III.1 Matéria de facto

 

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental e do processo administrativo (PA) juntos aos autos pela Requerente e pela Requerida, respetivamente, fixa-se como segue:

 

A – Factos Provados

1.    A Requerente é a sociedade dominante do designado Grupo B…, tributado pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), que, no exercício de 2012, agregava os seus resultados fiscais com dezoito outras sociedades, entre as quais a C…, SA (adiante C…) e a D…, SA (adiante D…).

2.    Relativamente ao exercício de 2012, foram efetuadas correções meramente aritméticas aos resultados fiscais declarados por ambas as sociedades dominadas, com reflexos no apuramento da matéria coletável do Grupo;

3.    A Ordem de Serviço OI2014…:

a.    Pelo ofício n.º …/… dos Serviços de Inspeção Tributária (SIT), da Direção de Finanças do Porto, de 8 de maio de 2014 (registo dos CTT n.º RM … PT), foi a sociedade D…, SA (adiante, D…) notificada nos termos dos artigos 60.º, da Lei Geral Tributária (LGT), e 60.º, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), para exercer o direito de audição sobre o Projeto de Relatório de Inspeção Tributária (RIT) referente às correções propostas ao lucro tributável do exercício de 2012, em cumprimento da OI2014…;

b.    O procedimento inspetivo, de âmbito geral, traduziu-se em correções “ao prejuízo fiscal declarado no exercício de 2012, conforme o quadro seguinte:

c.    Estas correções resultaram da desconsideração fiscal de gastos financeiros, nos termos do artigo 23.º, do Código do IRC, da quantia de € 4 357 529,26, com os fundamentos seguintes:

Apesar de constituída para o desenvolvimento de atividade de engenharia e técnicas afins e tal como resulta dos eu objeto social, a elaboração de estudos, investigação e inovação, a D… não exerceu a atividade.

Também não dispõe de estrutura material, humana ou financeira, que evidencie uma fonte produtora para o exercício dessa atividade e não realizou ou produziu quaisquer rendimentos/proveitos.

A D… desde a sua constituição tem vindo a contabilizar como gastos/custos financeiros os juros debitados pela sua titular do capital, E…, em razão dos empréstimos concedidos, em virtude da detenção da participação financeira de 40 % na F…, para cujo objetivo foi constituída, e cuja transação foi acordada e negociada pela própria E… . (…)

Efetivamente, caso a participação fosse adquirida por uma SGPS, como é a E…, com recurso a capitais alheios, a dedutibilidade dos encargos financeiros suportados (…) seria limitada nos termos do art. 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

Por outro lado, as operações societárias foram realizadas fora do escopo estatutário da D…, apenas no interesse direto da E…, através da D…, pelo que os juros suportados pela participada, com aplicações voluntárias e deliberadas efetuadas pela sua titular de capital, a E…, não são aceites como gastos/custos para efeitos fiscais, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 23.º do CIRC”.Não tendo sido exercido o direito de audição, as correções propostas tornaram-se definitivas, tendo o RIT final sido notificado à D… através do ofício n.º …/…, dos SIT da Direção de Finanças do Porto, de 2 de junho de 2014 (registo dos CTT n.º RM …PT).

4.    A Ordem de Serviço OI2014…:

a.    A Ordem de Serviço interna n.º OI2014… credenciou a ação de inspeção interna à Requerente, na qualidade de “empresa dominante de um grupo de sociedades que optou pela tributação em sede de IRC pelo regime especial de tributação de grupo de sociedades” e teve por objetivo “a análise das consequências fiscais das correções efetuadas na esfera da sociedades dominada « D…, SA»”;

b.    Nos termos do ponto III do projeto do RIT notificado à Requerente para exercício do direito de audição, através do ofício n.º …/…, dos SIT da Direção de Finanças do Porto, de 4 de julho de 2014, (registo dos CTT n.º RM … PT), foi a seguinte a fundamentação das correções efetuadas:

III. 1. Correções Fiscais promovidas na esfera da empresa pertencente ao grupo de sociedades

No âmbito da Ordem de Serviço n.º OI2014… foram propostas correções fiscais ao resultado tributável individual em sede de IRC, declarado pela entidade “D… SA”, em virtude de se terem desconsiderado gastos financeiros por não serem indispensáveis à manutenção da fonte produtora ou obtenção de rendimentos tributáveis, nos termos do artigo 23.º do CIRC, no período de tributação de 2012.

De acordo com o preceituado no art. 60º da Lei Geral Tributária (LGT) e no art. 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT) o sujeito passivo foi notificado através do ofício n.º …/… de 2014-05-08, para, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição sobre o Projeto de Relatório da Inspeção Tributária.

Decorrido o prazo, o sujeito passivo não exerceu o direito de audição, pelo que se mantiveram as correções propostas, dando origem à correção oficiosa da declaração individual relativa a 2012, nos termos que se enunciam no quadro seguinte:

III.2. Reflexo das correções na declaração de rendimentos individual no resultado do grupo

Estabelece o artigo 70.º do CIRC que o resultado tributável do grupo corresponde à soma algébrica dos resultados tributáveis de cada uma das sociedades que o constituem.

Deste modo em face da correção proposta na declaração individual da entidade “D…, SA”, NIPC…, exposta no ponto anterior, terá que ser efetuado o correspondente ajustamento ao somatório dos resultados tributáveis do grupo conforme se expõe:

c.    Não tendo a Requerente exercido o direito de audição para que havia sido notificada, foi-lhe a versão final do RIT expedida por carta registada (registo dos CTT n.º RF … PT), anexa ao ofício n.º…/…, dos SIT da Direção de Finanças do Porto, de 18 de agosto de 2014;

5.    A Ordem de Serviço OI2014…:

a.    Esta OI credenciou a ação inspetiva externa à C…, SA (adiante, C…), sociedade que integra o grupo de que a Requerente é a sociedade dominante e incidiu, parcialmente, sobre o IRC do exercício de 2012;

b.    O ponto III do RIT, relativo à “DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLETÁVEL” em sede de IRC do exercício de 2012, após análise da atividade exercida, do Balanço – Ativo – Outras Contas a Receber e Passivo – Fornecedores e Outras Contas a Pagar, Demonstração de Resultados (diferenças cambiais e juros suportados), conclui: “Constatou-se que o sujeito passivo, desde a sua constituição, não dispôs de qualquer estrutura material ou humana, ou qualquer ativo tangível ou intangível, e não exerceu a generalidade das atividades que constam do seu objeto social abrangente.

A única atividade efetivamente exercida foi a aquisição das participações da G…, H… e I…, e a concessão de alguns empréstimos de curto prazo. Para isso contraiu financiamentos recorrendo à empresa-mãe, na sequência dos quais suportou juros, contudo esses fundos não foram utilizados em qualquer atividade do sujeito passivo, mas antes para fazer face a necessidades de tesouraria de outras entidades, nomeadamente na G…, H… e I… .

Os fundos, obtidos e disponibilizados (…) originaram diferenças cambiais que no exercício económico de 2012 foram globalmente desfavoráveis ao sujeito passivo.

Embora esteja previsto no objeto social do sujeito passivo a realização de investimentos através de participações sociais, as aquisições realizadas foram-no por valores muito superiores às capacidades financeiras do sujeito passivo, na medida em que este não possuía uma estrutura própria que lhe permitisse gerar os necessários fluxos financeiros para liquidar os empréstimos obtidos para a realização daquelas aquisições, nem os respetivos juros. Verifica-se assim que a E… SA utilizou a C… SA para obter aquelas participações, concedendo para isso o financiamento necessário, ou seja, as operações praticadas pela C… SA não tutelam interesses intrínsecos desta, mas sim os do seu titular único a E…, que tem personalidade jurídica e tributária própria. (…)

Tendo em conta os factos expostos, considera-se que os juros suportados e contabilizados pelo sujeito passivo em resultado dos empréstimos obtidos junto do seu titular único E…, deduzidos dos juros obtidos da I…, na medida em que respeitam a operações que não tutelam interesses intrínsecos do sujeito passivo, não são gastos para efeitos fiscais, nos termos do disposto no artigo 23.º do CIRC, por se tratarem de encargos que, comprovadamente, não foram indispensáveis para a obtenção de rendimentos sujeitos a imposto.

De igual modo as diferenças cambiais (desfavoráveis neste exercício económico) também não são considerados gastos para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.

Assim, propõe-se a correção do prejuízo fiscal declarado no exercício económico de 2012, de acordo com os valores apresentados no quadro seguinte:

Rubrica

Exercício económico 2012

Juros suportados (1) - Ponto III.1.3.3

€ 4.830 022,24

Juros obtidos (2) - Ponto III.1.2

€ 896.470,57

Diferenças cambiais desfavoráveis (3) - Ponto III.1.3.1

€ 696.272,99

Diferenças cambiais favoráveis (4) - Ponto III.1.3.1

€ 601.184,87

Correção ao resultado tributável (5=1+3-2-4)

€ 4.028.639,79

Prejuízo fiscal declarado (6)

€ 4.032.621,36

Prejuízo fiscal corrigido (7=6-5)

€ 4.181,57

c.    O projeto de RIT, acompanhado de “Nota de fixação de IRC”, foi notificado à E…, SA, para exercício do direito de audição, na qualidade de entidade beneficiária da fusão com a sociedade inspecionada, pelo ofício n.º …/… dos SIT da Direção de Finanças do Porto, de 11 de junho de 2016 (registo dos CTT n.º RF …PT);

d.    O RIT, na sua versão final, de que consta não ter sido exercido o direito de audição, e respetiva “Nota de fixação de IRC”, foram notificados ao Representante legal da C…, SA, pelo ofício n.º…, dos SIT da Direção de Finanças do Porto, de 28 de julho de 2016 (registo dos CTT n.º RF … PT), com aviso de receção assinado pelo destinatário em 1 de agosto de 2016.

6.    A Ordem de Serviço OI2016…:

a.    Trata-se de uma ordem de serviço interna aberta em nome da Requerente, na qualidade de sociedade dominante do grupo tributado de acordo com o RETGS, motivada pela deteção de incorreções fiscais em sede de IRC, no exercício de 2012, na esfera da sociedade C…, SA;

b.    Nos termos dos pontos III.3 e III.4 do projeto de RIT, é a seguinte a fundamentação das correções meramente aritméticas à matéria coletável do Grupo, no exercício de 2012: “III.3) Valores vigentes para efeitos de IRC

III.3.1. C… SA

III.3.1.1. Valores corrigidos – exercício económico de 2012

No âmbito do procedimento externo de inspeção credenciado com a ordem de serviço n.º OI2010… procedeu-se à correção dos valores referentes a juros suportados resultantes de empréstimos obtidos junto do seu titular único E… e a diferenças cambiais desfavoráveis, ambos por respeitarem a operações que não tutelaram interesses intrínsecos da C… SA, e como tal não são gastos para efeitos fiscais nos termos do número 1 do artigo 23.º do CIRC, por se tratarem de encargos que, comprovadamente, não foram indispensáveis para a obtenção de rendimentos sujeitos a imposto.

A desconsideração destes gastos originou uma correção fiscal à matéria tributável de IRC no montante de € 4.028.639,79.

Foi elaborado um projeto relatório de inspeção tributária, que foi notificado ao sujeito passivo, para exercício do direito de audição.

Uma vez que este não foi exercido, mantiveram-se as correções propostas, tendo o sujeito passivo sido notificado do correspondente relatório de inspeção tributária.

III.3.2.1 A… SGPS SA

Em resultado de uma correção realizada na declaração modelo 22 de IRC da sociedade D… SA, foi efetuado o correspondente ajustamento ao resultado tributável do grupo conforme se expõe:

 O sujeito passivo foi notificado do relatório de inspeção tributária com a fundamentação deste ajustamento (ordem de serviço OI2014…).

III.4) Valores a apresentar na declaração de rendimentos modelo 22 de IRC do Grupo

De acordo com o enquadramento tributário apresentado, os valores da declaração modelo 22 de IRC do Grupo devem constituir a soma algébrica dos valores atualmente em vigor para cada uma das sociedades do Grupo, e assim refletir as correções efetuadas nas declarações de rendimentos modelo 22 de IRC das sociedades C… SA e D… SA (esta última já refletida no resultado tributável do Grupo como descrito acima).

Face ao exposto, o valor a considerar no campo 380 do quadro 9 da declaração modelo 22 de IRC, referente ao exercício económico de 2012, será a soma algébrica do valor vigente para efeitos de IRC no Grupo com as correções realizadas na C… SA. Em resumo:

c.    O projeto de RIT foi notificado à Requerente, para exercício do direito de audição, através do ofício n.º… dos SIT da Direção de Finanças do Porto, de 28 de julho de 2016, (registo dos CTT n.º RF … PT);

d.    A versão final do RIT foi notificada à Requerente pelo ofício n.º …, dos SIT da Direção de Finanças do Porto, de 20 de setembro de 2016 (registo dos CTT n.º RF… PT), com aviso de receção assinado pelo destinatário em 22 de setembro de 2016;

7.    Das liquidações emitidas:

Na sequência das correções descritas nos pontos precedentes, foram elaborados os respetivos documentos de correção (DC) e emitidas as seguintes liquidações, em nome da Requerente:

a.    Liquidação n.º 2014 …, de 27 de agosto de 2014, em que não foi apurado imposto a pagar;

b.     Liquidação n.º 2016 …, de 10 de outubro de 2016, impugnada nos presentes autos.

8.    Por requerimento dirigido ao Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Porto …, em 7 de dezembro de 2016, a Requerente solicitou, ao abrigo dos artigos 24.º e 37.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que lhe fosse emitida certidão dos fundamentos da Liquidação n.º 2016…;

9.    Da certidão emitida pelo Serviço de Finanças identificado consta que:

  1. A requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado, em 19 de dezembro de 2016.

B – Factos não Provados

Não existem factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

C- Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A factualidade provada teve por base a apreciação crítica da posição assumida por ambas as partes, bem como a análise crítica dos documentos juntos aos autos, incluindo o processo instrutor, cuja autenticidade e veracidade não foram impugnadas por nenhuma das partes.

 

III.2. Do Direito 

 

Alega a Requerente, no essencial, que os Relatórios da Inspeção Tributária (RIT) que lhe foram notificados através do ofício n.º …/…, de 8 de agosto de 2014 e do ofício n.º…, de 20 de setembro de 2016, relativos às correções à matéria coletável do Grupo B…, do qual é a sociedade dominante, na sequência das correções à matéria coletável das sociedades dominadas D…, SA e C…, SA, respetivamente, não foram acompanhados de cópias dos RIT das ações inspetivas àquelas sociedades, embora lhes façam referência, o que constitui falta da fundamentação legalmente exigida. Ilegalidade que nem mesmo foi suprida através da certidão que requereu ao abrigo do artigo 37.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), viciando a liquidação impugnada, que deverá ser anulada.

A questão central a decidir é a de saber: i) se com a notificação da liquidação ora impugnada a AT estava obrigada a notificar a Requerente, na qualidade de sociedade dominante de um grupo de sociedades, tributado pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), dos relatórios de inspeção que fundamentaram as correções à matéria coletável das sociedades dominadas (D… e da C…); ii) e qual a consequência jurídica.

Vejamos.

Cumpre salientar que, estando em causa um contencioso de mera legalidade, cabe ao tribunal apreciar a legalidade da liquidação impugnada, tal como esse ato foi praticado, sendo para o efeito irrelevante a junção pela Requerida, na resposta aos presentes autos, dos relatórios de inspeção relativos à D… e à C… .

No seguimento do defendido por Gonçalo Avelãs Nunes “O principal fundamento que justifica e recomenda a opção pela tributação conjunta do grupo de sociedades em sede de imposto sobre o rendimento resulta do princípio da neutralidade na tributação dos rendimentos da actividade empresarial” (Tributação dos Grupos de Sociedades pelo Lucro Consolidado em sede de IRC - contributo para um novo enquadramento Dogmático e Legal do seu Regime, 2011, pp 54 ss. ).

Com aquele princípio visa-se “evitar que as soluções consagradas em sede fiscal possam determinar a forma jurídica adoptada pelas empresas, procurando conseguir que a estrutura jurídica escolhida concretize a melhor solução para optimizar os lucros e as vantagens do investimento efectuado sem desvirtuamentos introduzidos por razões de natureza fiscal.”

Estamos, assim, a falar de um regime cujas potencialidades resultam da eliminação das desvantagens decorrentes da não neutralidade do regime comum de tributação separada dos grupos, o que faz dele, segundo aquele autor, um regime eficaz e fiscalmente correto.

Com efeito, o regime de tributação conjunta dos grupos de sociedades em sede de IRC oferece vantagens, em especial, no que se refere a possibilitar e potenciar “a adopção da forma societária que melhor corresponda às necessidades produtivas do mercado, ao eliminar as desvantagens da não neutralidade da tributação separada”, constituindo “um instrumento útil válido e adequado de apoio à reestruturação das empresas e de promoção de competitividade” (ob. cit., p. 59).

  Estamos, desta forma, perante um regime de tributação o qual permite às empresas serem tributadas conjuntamente através de um modelo simplificado de tributação, tendo em vista o acolhimento na realidade de tributação das pessoas coletivas de uma prossecução alargada de objetos sociais distintos no âmbito de uma filosofia de grupo comum. Permite-se, desta forma, ao grupo de sociedades um melhor controlo da atividade social subjacente, assegurando, um maior grau de eficácia na consecução de objetivos comuns.

Este regime de tributação é colocado pelo legislador ao alcance dos grupos de sociedades, de tal modo que, verificados os pressupostos legalmente exigidos, a sociedade dominante pode optar por este tipo de regime especial de determinação da matéria coletável em relação a todas as sociedades do grupo (artigo 69.º do CIRC).

Exercida a opção por este regime especial, refere o artigo 70.º do CIRC que “Relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, corrigido, sendo caso disso, do efeito da aplicação da opção prevista no n.º 5 do artigo 67.º”

Por outro lado, impende sobre a sociedade dominante enviar a declaração periódica de rendimentos relativa ao lucro tributável do grupo apurado, nos termos do artigo 70.º (artigo 120.º, n.º 6, do CIRC).

Assim sendo, havendo uma declaração única de imposto e existindo correções /alterações aos resultados fiscais declarados pelas sociedades pertencentes ao grupo, o lucro tributável deste terá de ser ajustado em conformidade com tais correções/alterações. Na verdade, resulta, quer da respetiva justificação teórica, quer do quadro legal do respetivo regime, uma autonomização do lucro tributável perante os lucros individuais de cada sociedade dominada.

Constitui, assim, pressuposto de direito e de facto do regime fiscal que a sociedade dominante tem controlo sobre a atividade e sobre os lucros das sociedades dominadas. Por outro lado, não obstante as sociedades dominadas manterem a sua individualidade e obrigações declarativas, elas são, verdadeiramente, uma longa manus da sociedade dominante, como ficou consignado no Acórdão proferido no Processo Arbitral n.º 10/2012-T.

 

Como ficou consignado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 23-02-2017, Proc. 05493/12, “(…) o regime jurídico-fiscal do grupo de sociedades funda-se na denominada teoria da unidade, na qual se pugna pela consideração, para efeitos fiscais, do grupo de sociedades como uma unidade jurídica fictícia, deixando as sociedades integradas de ser sujeitos jurídicos diferentes, fruto da unidade económica que as congrega. Nesse sentido, a matéria coletável deve ser calculada de forma conjunta, dando lugar a uma única liquidação e eliminando a dupla tributação, sendo a respectiva base tributável apurada com recurso a dois tipos de operações, a saber: a) a eliminação das operações internas realizadas no seio do grupo, só relevando as praticadas com terceiras entidades; b) a compensação de perdas das várias sociedades componentes do grupo”.

No contexto mencionado, subjacente ao regime de tributação conjunta não pode deixar de vigorar um princípio de colaboração acrescida entre a empresa dominante e as dominadas, em termos de estas fornecerem àquela as informações necessárias ao conhecimento da sua situação tributária.

  No caso dos autos, analisada a informação constante do RIT (Ordem de Serviço n.º OI2016…) e a factualidade dada como provada, afigura-se assistir razão à AT quando afirma que plasmou o itinerário cognoscitivo que levou a Inspeção Tributária a alterar os valores declarados nas declarações Modelo 22 das várias sociedades que integram o Grupo, nele se referindo expressamente os procedimentos externos de inspeção realizados na esfera individual das sociedades dominadas e nos quais se fundamenta. O mesmo RIT dispõe de forma sumária, as disposições legais aplicáveis e a qualificação dos factos tributários, que se reportam a valores referentes a juros suportados com empréstimos obtidos junto do seu titular único E… e as diferenças cambiais desfavoráveis, por respeitarem a operações que não tutelam interesses intrínsecos da C…, prestação de serviços SA. E o mesmo se diga em elação à situação da D… .

Não obstante a informação que acompanhou a notificação da liquidação objeto de impugnação, a Requerente defende, recorde-se, que, ainda assim, aquela incorre em ilegalidade por falta de fundamentação, por não lhe terem sido levados ao conhecimento pessoal os relatórios de inspeção que serviram de base às correções efetuadas ao nível das sociedades dominadas (D… e C…).

Na ótica da Requerente, estaria, assim, a AT obrigada a fazer comunicações pessoais individualizadas em duplicado dos relatórios de inspeções: primeiro teria de notificar pessoalmente às sociedades dominadas e, de seguida, teria de fazer o mesmo em relação à sociedade dominante.  Solução que, além de não dispor de base legal, se afigura desproporcionada e contrária aos mais elementares princípios da economicidade e da colaboração, o qual, como ficou dito, não pode deixar de assumir recorte especial, no contexto do regime jurídico em causa.

Tendo a Requerente perfeito conhecimento da existência dos relatórios notificados às sociedades dominadas, podemos dizer que os mesmos se encontram perfeitamente ao seu alcance, uma vez as sociedades dominadas integradas num grupo que optou pelo RETGS não são terceiros, antes pertencem ao seu círculo de interesses e se encontram sob o seu domínio de influência. Afigura-se, assim, inequívoco que, tendo os relatórios de inspeção às sociedades dominadas sido levados ao respetivo conhecimento pessoal essa notificação deve refletir-se igualmente ao nível do Grupo.

Acresce que, mesmo que assim não se entendesse, ainda assim não podia este tribunal dar razão à Requerente.

Cabe antes de mais distinguir “a ilegalidade da notificação da ilegalidade do acto notificado. Aquela gera “apenas” a ineficácia ou a inoponibilidade, só havendo invalidade do acto no caso de se tratar de ilegalidade que o afecte a ele mesmo – mesmo que a ilegalidade também venha revelada ou tenha repercussão na própria notificação” (Mário Esteves de Oliveira e outros, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2ª ed., Almedina, Coimbra 1997, p. 358).

Na verdade, a tese da Requerente assenta em erro quanto às consequências jurídicas de a notificação do ato tributário ora impugnado não ser eventualmente acompanhado da fundamentação integral do mesmo.

Com efeito, a Requerente pede a anulação da liquidação impugnada, com fundamento em ilegalidade por falta de fundamentação, mas a causa de pedir assenta no facto de não lhe terem sido notificados os relatórios das inspeções realizadas às dominadas. O que se encontra abundantemente demonstrado nos artigos do Pedido Arbitral: (75.º e 76.º- “a AT voltou a não notificar a Requerente dos relatórios de inspeção alegadamente notificados à D… e à C…”); 82.º (“esses mesmos relatórios não foram notificados à ora Requerente”); e artigo 104.º (“para que a AT cumprisse com a sua obrigação de fundamentação dos actos tributários aqui impugnados, bastava anexar aos relatórios de inspeção notificados à A… os relatórios alegadamente notificados à D…”).    

Constitui jurisprudência reiterada e uniforme do Supremo Tribunal Administrativo Administrativo que a forma de comunicação da fundamentação (ao contrário da falta de fundamentação) não afeta a validade do ato de liquidação. Neste sentido, conclui o seu Acórdão da 2ª Secção, de 16/11/16, Proc. n.º 0954/16, “uma coisa é a fundamentação do acto e outra é a comunicação desses fundamentos ao interessado: enquanto aquela constitui um vício susceptível de determinar a anulação do acto que dela padeça, o incumprimento ou cumprimento defeituoso do dever de comunicação dos fundamentos não se podem reflectir na validade do acto comunicado”.

Deste modo, quando a notificação não contenha a fundamentação do ato notificado permite-se ao seu destinatário a sanação dessa deficiência através do expediente previsto no n.º 1 do artigo 37.º, do CPPT, ou seja, mediante pedido de certidão que contenha a fundamentação omitida, com efeito suspensivo do prazo para a reclamação, recurso, impugnação ou outro meio judicial adequado à tutela do direito ofendido.

Nestes termos, no caso de a AT não satisfazer a pretensão ou a certidão requerida não contiver a fundamentação omitida, “o interessado poderá, naturalmente, procurar suprir a deficiência por si próprio, dirigindo-se aos serviços e consultando o processo em que foi praticado o ato, a fim de tomar conhecimento dos elementos que lhe interessa conhecer. No entanto, não é obrigado a fazê-lo, tendo o direito de reagir contenciosamente contra a inércia ou persistência na omissão por parte da Administração tributária através de intimação para passagem de certidões, prevista no art. 146.º, n.º 1, do CPPT e nos arts. 104.º a 108.º do CPTA.”[1].

No caso dos autos, não procedeu assim a Requerente quanto à liquidação n.º 2014…, de 27 de agosto de 2014, emitida na sequência da ação de inspeção à sociedade D…, SA, aberta pela OI2014… e notificada através de ofício de 2 de junho de 2014.

Assim sendo, não tendo a Requerente requerido a fundamentação das correções que estiveram na origem desta liquidação n.º 2014…, de 27 de agosto de 2014, constantes do respetivo Relatório da Inspeção Tributária, nem tendo contra ela apresentado reclamação graciosa ou impugnação judicial, a mesma se consolidou na ordem jurídica.

Assiste, assim, razão à AT quando alega que as correções efetuadas à sociedade D…, SA, anteriormente refletidas na liquidação n.º 2014…, de 27 de agosto de 2014, se firmaram na ordem jurídica, não sendo por isso suscetíveis de impugnação com a presente liquidação.

Como já referido supra, a omissão ou insuficiência da notificação, nomeadamente por esta não conter a fundamentação do ato notificado, confere ao interessado a faculdade de requerer certidão da respetiva fundamentação, nos termos do artigo 37.º, n.º 1, do CPPT.

No que respeita à liquidação de IRC n.º 2016…, de 10 de outubro de 2016, impugnada nos presentes autos, a Requerente socorreu-se efetivamente do mecanismo previsto naquele artigo 37.º, n.º 1, do CPPT; não contendo a certidão emitida a fundamentação requerida, mas existente como resulta da factualidade provada, restava à Requerente lançar mão do meio processual adequado a obter a fundamentação em falta, mediante de intimação para passagem de certidões, prevista no artigo 146.º, n.º 1, do CPPT.

Em vez de socorrer-se do meio processual adequado, veio a Requerente com o presente pedido arbitral. É verdade que a Requerente pede a anulação da liquidação impugnada, com base em ilegalidade por falta de fundamentação, mas a causa de pedir  assenta, como vimos, na omissão de notificação dos relatórios de inspeção relativos às dominadas, o que, além do mais, só por si não constitui causa de invalidade da liquidação impugnada.

Termos em que improcede totalmente o pedido da Requerente, com a consequente manutenção da liquidação impugnada.

 

IV.                 Decisão

 

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação de IRC n.º 2016…, bem como da demonstração de juros compensatórios n.º 2016… e da demonstração de acerto de contas n.º 2016…, todas referentes ao exercício do ano de 2012, absolvendo-se a AT da instância no que respeita às correções que deram origem à liquidação n.º 2014…, de 27 de agosto de 2014 e do pedido, quanto às restantes correções.

 

V.                Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 73 085,92 (setenta e três mil e oitenta e cinco euros e noventa e dois cêntimos).

 

VI.              Custas

Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 2 448,00 (dois mil, quatrocentos e quarenta e oito euros), a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 7 de dezembro de 2017.

 

Os Árbitros,

 

 

 

Fernanda Maçãs (Árbitro Presidente)

 

 

Mariana Vargas (Vogal)

 

 

 

Henrique Fernando Rodrigues (Vogal)

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990. 

 



[1] Jorge Lopes de Sousa, “Código de Procedimento e de Processo Tributário” Anotado e Comentado, Volume I, 6.ª Edição, Áreas Editora, 2011, pág. 352.