Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 115/2013-T
Data da decisão: 2013-12-12  Selo  
Valor do pedido: € 13.560,68
Tema: IS – Terreno para construção, verba 28º da TGIS
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Decisão Arbitral

 

O árbitro Dr. André Festas da Silva, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 16/07/2013, decide o seguinte:  

 

I - RELATÓRIO

 

1.      No dia 14/05/2013 a sociedade A, (de ora em diante designada por “A” ou “Requerente) titular do NIPC ..., com sede social na .., no …, requereu, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, n.º 2 do artigo 5.º, n.º 1 do artigo 6.º, e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º e a alínea f) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 102.º, todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a constituição de Tribunal Arbitral com designação de árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.

2.      O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 15/05/2013 e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por “AT” ou “Requerida”) nessa mesma data.

3.       A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n.º1 do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 

4.      AT apresentou a sua resposta no dia 30/09/2013.

5.      Em 24 de Outubro de 2013, teve lugar a primeira reunião do Tribunal, nos termos e para os efeitos do artigo 18.º do RJAT, tendo sido lavrada acta da mesma, que igualmente se encontra junta aos autos.

6.      Nessa reunião:

 

a)     A requerente requereu que lhe fosse permitido responder à excepção invocada pela AT, tendo-lhe sido concedido um prazo de dez dias para o fazer.

b)     A requerente prescindiu da prova testemunhal por si indicada.

c)     A Ilustre Mandatária da Requerente e a Ilustre Representante da Requerida prescindiram das alegações orais.

7.      A requerente respondeu à excepção invocada em 04/11/2013.

8.      Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral: declare a ilegalidade dos actos de liquidações do Imposto do Selo n.ºs 2012 ... (€8.136,40) e 2013 ... (€5.424,28), num total de €13.560,68.

 

I.A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

 

1.      A A é a legítima proprietária do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número ... e inscrito na competente matriz predial urbana sob o artigo ....

2.      O identificado prédio urbano não tem qualquer edificação ou construção erigida sobre o seu solo.

3.      Essa realidade constata-se também pela classificação do prédio como sendo um prédio urbano, ínsito na espécie de “terreno para construção”, nos termos legais previstos no artigo 6.º, n.º 3 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.

4.      Após a avaliação do terreno para construção, efectuada pela AT, determinou-se o seguinte valor patrimonial tributário (VPT): € 1.627.280,00, avaliado em 20.11.2008.

5.      Na realização dessa avaliação patrimonial, entendeu a AT aplicar um coeficiente de afectação, o qual foi, neste caso, o da “habitação”, previsto no artigo 41.º do Código do IMI.

6.      A obrigação fiscal de pagamento do Imposto do Selo ocorre apenas - no caso dos sujeitos passivos residentes - nos prédios que tenham “afectação habitacional”.

7.      Com efeito, semelhante categoria ou espécie de prédio inexiste no ordenamento jurídico tributário onde se conhecem no IMI (artigo 6.º do respetivo Código) os prédios urbanos habitacionais, os prédios urbanos comerciais, industriais ou para serviços, os terrenos para construção e os outros, como categoria residual.

8.       O conceito de terreno para construção, para efeitos fiscais, não é um conceito formal, mas antes um conceito material, dirigido às realidades para que foi formulado, traduzindo, no caso, a destinação potencial à construção.

9.      Conclui-se, pois, pelo exposto, que no terreno para construção não existe ainda, pela sua própria natureza elementar, qualquer prédio susceptível de ser utilizado para fins habitacionais, comerciais, serviços, etc., havendo apenas uma mera expectativa potencial ou meramente virtual de tal vir a acontecer.

10. A construção autorizada também prevê para o mesmo edifício a construir a sua utilização para fins comerciais ou de serviços.

11.  O licenciamento não é por si só uma garantia da concretização da obra e, consequentemente, existe sempre uma incerteza na verificação da efectiva utilização habitacional.

12. A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, menciona que a base tributável a utilizar para as liquidações emitidas em 2012 será o VPT apurado em 31 de Dezembro de 2011.

13. Refere, no entanto, que o facto tributário para aquelas liquidações ocorreu em 31 de Outubro de 2012, sendo que a base tributável é calculada considerando o dia 31 de Dezembro de 2011, podendo, deste modo, esta base ser diferente da existente à data do alegado facto tributário.

14. Ora, no caso previsto na aludida Lei, o facto tributário forma-se com valores aferidos no passado, revelando um carácter retroactivo, ilegítimo à luz da regra constitucional tutelada, pelo artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.

15. O facto tributário para as liquidações do Imposto do Selo que foram emitidas no ano de 2012 (in casu, liquidação n.º 2012 ...) verificou-se em 31 de Outubro de 2012.

16. Por sua vez, resulta do artigo 5.º, alínea u) do Código do Imposto do Selo que, para as liquidações emitidas nos anos de 2013 e seguintes, “nas situações previstas na verba 28 da Tabela Geral, [o nascimento da obrigação tributária ocorre] no momento e de acordo com as regras previstas no CIMI, com as devidas adaptações”.

17. Nestes termos, de acordo com o previsto no artigo 113.º do Código do IMI, o facto tributário ocorre em 31 de Dezembro do ano a que respeita, sendo que a liquidação será efectuada no ano seguinte.

18. Temos assim que, para as liquidações do Imposto do Selo que foram recebidas em 2013 (in casu, liquidação n.º 2013 ...), o facto tributário ocorreu, também, no ano fiscal de 2012.

19. Nesta conformidade, para o mesmo período de tempo – ano fiscal de 2012 – foram exigidas duas liquidações da mesma natureza – ambas respeitantes à Verba 28 da TGIS, referentes ao mesmo imóvel -, sem prejuízo de ter existido uma redução da taxa a aplicar para as liquidações emitidas em 2012.

20. É, assim, claro que estamos perante uma duplicação da colecta.

21. Ou seja, é inerente, para a tributação em sede do Imposto do Selo, a existência de uma operação que revele rendimento ou riqueza.

22. Ora, no caso da Verba 28 da TGIS, não se está a tributar nenhuma operação em que a A tenha participado, nem tão-pouco se está a tributar um benefício económico que tenha ingressado na esfera jurídica e patrimonial da Requerente.

23. Resulta, pois, claro que a tributação prevista na referida Verba 28 não é coerente com a finalidade que tem vindo a ser dada ao Imposto do Selo, nomeadamente, a de tributar operações, constituindo assim uma “entorse” do sistema fiscal português.

24. Na presente situação, os bens em causa – terrenos para construção – são anualmente tributados pelo Imposto Municipal sobre os Imóveis, tendo em consideração o valor patrimonial tributário atribuído a cada um dos prédios, e portanto, contribuindo para a igualdade entre os cidadãos, nos termos previstos no artigo 104.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.

25. Neste sentido temos que, para a mesma realidade (a propriedade de um prédio com valor patrimonial tributário atribuído), incidem dois impostos diferentes – Imposto do Selo e IMI – ou seja, a mesma realidade é tributada duas vezes.

26. Sendo que, apenas alguns dos sujeitos passivos residentes, é que sofrerão essa dupla tributação, contrariando os princípios constitucionalmente protegidos, nomeadamente, o princípio da igualdade entre os cidadãos, previsto nos artigos 13.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa.

27. Por outro lado, entende a A que esta Lei viola o princípio da interpretação conforme à Constituição, nomeadamente, por carecer de obediência ao princípio da igualdade e legalidade.

 

 

I.B Na sua Resposta, a AT invocou o seguinte:

 

1.      É entendimento da AT que o prédio inscrito sob o artigo ... na matriz predial urbana da freguesia e concelho de …, tem natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, pelo que o acto de liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral deve ser mantido por consubstanciar correcta interpretação da verba 28 da Tabela Geral, aditada pela Lei 55-A/2012 de 29/12.

2.      A noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação.

3.      Conforme resulta da expressão “… valor das edificações autorizadas”, constante no art.º 45.º, n.º 2 do CIMI o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art.º 41.º do CIMI.

4.      A AT entende que o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma.

5.      Neste termos, muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção.

6.      A diferente aptidão dos imóveis (habitação/serviços/comércio) sustenta o diferente tratamento, tendo constituído opção do legislador, por razões políticas e económicas, afastar da incidência do IS os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais.

7.      Quanto à alegada inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade, é de referir que a tributação em sede de imposto de selo obedece ao critério da adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a 1.000.000,00€, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis.

 

I.C Resposta da Requerente à excepção

 

1.      A questão a decidir centra-se, tão somente, em saber se no âmbito da incidência do imposto do Selo a que se refere a aludida Verba 28 se contêm, ou não, os terrenos para construção.

2.      A Requerente em parte alguma alude à contestação das regras de avaliação do terreno para construção sub judice.

 

II. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Uma vez que foi invocada uma excepção pela AT cumpre previamente apreciá-la.

A AT, nos artigos 21º a 23º da resposta, alegou que, caso a requerente estivesse inconformada com as regras de avaliação do prédio, deveria ter requerido uma segunda avaliação e eventualmente, em acto subsequente, uma impugnação judicial. Não o tendo feito, o meio processual agora utilizado não era o próprio para apreciar as liquidações sindicadas.

No caso sub judice, a Requerente pede a apreciação das liquidações de IS. A requerente não pede a sindicância da avaliação efetuada em sede de IMI. A decisão a proferir irá cingir-se à legalidade, ou não, das liquidações e IS.

Destarte, o meio processual utilizado pela requerente é o correcto (art. 2º, n.º1 do RJAT), tendo sido utilizado tempestivamente (art. 10º, n.º1, al. a) do RJAT e art. 102º, n.º1, al. a) do CPPT), razão pela qual se julga improcedente a excepção invocada pela requerida.

Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.

 

III. THEMA DECIDENDUM

 

A questão de fundo em causa nos presentes autos consiste em saber se os terrenos para construção estão sujeitos a IS verba 28.

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO   

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

1.      A AT notificou a Requerente dos actos de liquidação do Imposto do Selo n.ºs 2012 … e 2013 …, no montante global de € 13.560,68, efectuadas ao abrigo da Verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

2.      Em relação à liquidação n.º 2012 …, foi dirigida uma Reclamação identificada sob o n.º .., tendo o pedido sido indeferido, em 30 de Abril de 2013, pela AT.

3.      A A é a legítima proprietária do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número ... e inscrito na competente matriz predial urbana sob o artigo ....

4.      O identificado prédio urbano não tem qualquer edificação ou construção erigida sobre o seu solo.

5.      O prédio está classificado como urbano, ínsito na espécie de terreno para construção.

6.      Ora, após a avaliação do terreno para construção, efectuada pela AT, determinou-se o seguinte valor patrimonial tributário VPT: € 1.627.280,00, avaliado em 20.11.2008.

7.      Na realização dessa avaliação patrimonial, entendeu a AT aplicar um coeficiente de afectação, o qual foi, neste caso, o da “habitação”, previsto no artigo 41.º do Código do IMI.

8.      Está aprovado um alvará de obras de construção a edificar sobre o terreno para construção em apreciação, onde está prevista a utilização para fins habitacionais, comerciais e serviços.

 

 

IV.2. Factos dados como não provados

 

Não existem factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados. 

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos dados como provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

Os factos que constam dos números 1 a 8 são dados por assentes por acordo das partes, por análise do processo administrativo e pelos documentos juntos pela requerente (docs. 1 a 5)

 

V. Aplicação do direito aos factos

 

O primeiro vício invocado pela requerente é o vício de lei por erro nos pressupostos do direito de liquidação.

Previamente, há que referir que esta questão jurídica já foi apreciada em outras decisões arbitrais (Proc. 48/2013 – T, Proc. 49/2013 – T, Proc. 53/2013 - T). Este Tribunal está em sintonia com a fundamentação e com as conclusões destas decisões, não vendo fundamentos para se afastar delas.

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, efectuou várias alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28, com a seguinte redacção:

 

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 %;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5 %.

 

Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras atinentes à liquidação do imposto previsto naquela verba:

 

1 – Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral:

a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de outubro de 2012;

b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;

d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efetuada até ao final do mês de novembro de 2012;

e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de dezembro de 2012;

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;

iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.

2 – Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efetuar nesse ano.

3 – A não entrega, total ou parcial, no prazo indicado, das quantias liquidadas a título de imposto do selo constitui infração tributária, punida nos termos da lei.

 

No caso em apreço está em causa a verba 28.1. São sujeitos a IS os prédios com afectação habitacional com um VPT igual ou superior a €1.000.000,00.

No IS não consta a noção de prédio com afectação habitacional. Porquanto, nos termos do art. 67º, n.º2 do IS, teremos de perscrutar no CIMI para aferir se tal noção existe, uma vez que este código é de aplicação subsidiária, nomeadamente no seu art. 6º, cuja redacção é a seguinte:

 

Artigo 6.º

Espécies de prédios urbanos

Nos termos do art. 6º, n.º1 do CUNU 1 Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

 

O legislador distingue os prédios habitacionais [al. a) do art. 6º] dos terrenos para construção [al. d) do art. 6º]. O n.º 3 do art. 6º do CIMI define o que se deve entender por terreno para construção:

 

3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos. (Redacção da Lei n.º 64-A/08, de 31-12)

 

Aqui chegados, o CIMI também não clarifica a noção de prédios com afectação habitacional.

Assim, nos termos do art. 11º, n.º1 da LGT teremos de recorrer às regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, nomeadamente ao art. 9º, n.º1 do Código Civil. Estatui o citado artigo do Código Civil o seguinte:

 

A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

 

Para apurarmos as circunstâncias em que a Lei foi elaborada podemos socorrer-nos da discussão da proposta de lei nº 96/XII (2ª) na Assembleia da República, discussão que pode ser consultada no Diário da Assembleia da República DAR I Série nº 9/XII/2 2012.10.11, de 11-10-2012.

O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, na sua intervenção na Assembleia da República, afirmou o seguinte:

 

Para que o sistema fiscal seja mais justo é decisivo promover o alargamento da base tributável, exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados e protegendo dessa forma as famílias portuguesas com menores rendimentos.

Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os contribuintes e incida sobre todos os tipos de rendimento, abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria, recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional.

Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua real capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e de evasão fiscais.

Neste sentido, o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efetivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de setores da sociedade portuguesa.

Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre os rendimentos do capital e sobre as mais-valias mobiliárias; e o reforço das regras de combate à fraude e à evasão fiscais.

Em primeiro lugar, o Governo propõe a criação de uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional, o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e em 2013.

 

Conforme se verifica da apresentação da proposta de lei, o que foi proposto aos deputados e que estes aprovaram foi a criação de uma tributação do património imobiliário de luxo, hedonista e pessoal no qual não se incluem os terrenos para construção.

Acresce que, no caso em apreço o terreno para construção já tem um destino determinado, designadamente, no alvará de loteamento, onde está prevista a utilização para fins habitacionais, comerciais e serviços.

Por isso, haverá que esclarecer quando é que se pode entender que um prédio está afectado a fim habitacional, designadamente se é quando lhe é fixado esse destino num acto de licenciamento ou semelhante, ou apenas quando a efectiva atribuição desse destino é concretizada.

Desde logo, o confronto da verba n.º 28.1 da TGIS com n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, que define o conceito de prédios habitacionais, aponta manifestamente, no sentido de ser necessária uma afectação efectiva. O legislador ao utilizar a expressão “com afectação habitacional” pretendeu transmitir a exigência de existência de uma funcionalidade real e presente e não de uma potencialidade futura que ainda não existe e que não vir a existir.

Quanto à relevância do art. 45º do CIMI para a questão em apreço, o aí definido não tem qualquer relação com a classificação de prédios, apenas indicando os factores a ponderar na avaliação de terrenos para construção e não na sua classificação.

Destarte, face ao atrás exposto é de concluir que o prédio para construção em causa, está excluído do âmbito de incidência da verba n.º 28.1 do I.S..

 

Acresce que, o princípio da segurança jurídica é um subprincípio do Estado de Direito (art. 2º da CRP). “O princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos cruza-se com as exigências de legalidade tributária no princípio da precisão, clareza e determinabilidade das normas tributárias e actos tributários, com especial relevo para aqueles que se referem aos elementos essenciais dos impostos, mas não só.” In Curso de Direito Tributário, Jónatas Machado e Paulo Nogueira da Costa, Coimbra Editora, 2ª Ed. págs. 67 e 68

A lei deve fixar de forma clara, precisa e determinada os elementos essenciais da obrigação do imposto, sendo esta a essência do princípio da tipicidade tributária. 

Face ao exposto, a interpretação ora exposta é a que mais se coaduna com a protecção da segurança jurídica, não permitindo arbítrios no que diz respeito ao âmbito de incidência deste imposto.

 

A apreciação dos demais vícios fica prejudicada pela solução atrás alcançada.

 

VI. DECISÃO

Em face de tudo quanto se deixa exposto, decide-se julgar procedente, por violação de lei, a presente impugnação, anulando-se as liquidações de IS n.ºs 2012 ... e 2013 ..., no valor total de €13.560,68.

 

Fixa-se o valor do processo em € 13.560,68 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerida, uma vez que o Requerente obteve deferimento integral do pedido, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

Lisboa, 12 de Dezembro de 2013  

 

 

André Festas da Silva

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime de Arbitragem Tributária.