Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 114/2016-T
Data da decisão: 2016-09-19  Selo  
Valor do pedido: € 21.395,70
Tema: IS – verba 28; extemporaneidade do pedido; competência do Tribunal Arbitral
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Decisão Arbitral

 

 

I.       RELATÓRIO

 

1.1.       A…, com domicílio na Rua …, n.º … –…Esquerdo, …, …-… Oeiras, contribuinte fiscal n.º … (adiante abreviadamente designado por “Requerente”), apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Singular e de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação atual, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.       O Requerente pretende que o Tribunal Arbitral Singular anule a liquidação de imposto do selo emitida pelo Serviço de Finanças de Oeiras … com data de 20.03.2015, efetuada com base na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), referente ao ano de 2014 e ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … (Setúbal), sob o artigo …, no valor total de € 21.395,70, com as demais consequências legais, e a condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia paga.

 

1.3.       O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e de imediato notificado à Requerida, em 29 de fevereiro de 2016.

 

1.4.    Dado que o Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, foi o signatário designado como árbitro, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.    Em 27 de abril de 2016, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11.º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

1.6.    Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 19 de maio de 2016.

 

1.7. No Requerimento Arbitral, por si oferecido, o Requerente invocou, em síntese, o seguinte:

 

a)      O artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, introduziu uma nova redação à verba 28 da TGIS, que passou a incluir os terrenos para construção;

b)      A alteração introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, entrou em vigor no dia 01/01/2014, sendo aplicável ao período de tributação a que diz respeito a liquidação que é objeto do presente pedido de pronúncia arbitral (2014);

c)      De acordo com a verba 28.1 da TGIS, em 2013, estavam sujeitos a esse imposto, a propriedade, o usufruto e o direito de superfície sobre prédios urbanos com afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI, fosse igual ou superior a € 1.000.000;

d)     Com a alteração ocorrida em 2013 e que se repercutiu nos exercícios de 2014 e seguintes, os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI, passaram a estar também sujeitos a tributação à taxa de 1%;

e)      O Requerente considera que a norma constante da verba 28.1 da TGIS, após a alteração ocorrida em 2013 e que entrou em vigor em 2014, viola o princípio da igualdade, mormente igualdade tributária, decorrente dos artigos 13.º e 103.º, n.º 1 da Constituição, bem como, em matéria de tributação do património, do artigo 104.º, n.º 3, da Constituição e que se encontra previsto ainda no artigo 5.º da LGT;

f)       As necessidades financeiras do Estado, embora possam ser avançadas como justificação para o agravamento de determinados tipos de tributação, nomeadamente a que deu lugar à criação da verba n.º 28 da TGIS, terão sempre que passar no teste da proporcionalidade.

g)      Assim, não será admissível uma medida se:

a.       Ela não se mostrar, por si só, apta e idónea a realizar o fim invocado,

b.      Não se tratar da medida menos onerosa ou menos benigna para os contribuintes,

c.       O meio empregue para alcançar o fim pretendido se revelar inadequado e desproporcional;

h)      Por outro lado, a simples extensão de uma norma de incidência a situações para as quais ela não foi pensada inicialmente encerra o risco que se verifica no presente caso: o de se violar o princípio da igualdade por se estarem a tributar da mesma forma situações diferentes;

i)        Com efeito, se a tributação de imóveis de luxo com afetação habitacional poderá ser considerada constitucional, justamente porque, havendo uma efetiva utilização dos mesmos pelos respetivos proprietários, essa situação revela um comportamento materialmente relevante do ponto de vista da aferição da riqueza do proprietário, o mesmo não se poderá dizer do caso da tributação dos terrenos para construção;

j)        Coisa totalmente diferente da utilização efetiva de um imóvel para habitação é a expetativa, ou potencialidade, de um prédio urbano poder vir a ter uma “afetação habitacional” – sendo justamente essa expetativa que carateriza os terrenos para construção;

k)      Os terrenos para construção, porque não estão edificados, não satisfazem, por si só, qualquer condição para serem considerados como prédios “com afetação” (seja ela qual for);

l)        Nos terrenos para construção mais não existe do que a expetativa, ou potencialidade, de um prédio poder, após a respetiva edificação, vir a ter uma “afetação”. Por conseguinte, somente quando essa “afetação” se concretizar, o que nunca sucederá antes da sua edificação, é que poderemos considerar que o terreno para construção passa a apresentar alguma semelhança com o prédio urbano, nomeadamente por permitir ao respetivo titular dele retirar algum proveito;

m)    Um terreno para construção, não obstante a sua classificação como prédio urbano para efeitos de IMI, é caraterizado sobretudo pela sua viabilidade construtiva, a qual mais não dá ao seu proprietário do que a possibilidade de nele vir a construir um prédio com as caraterísticas permitidas pelos instrumentos de gestão urbanística aplicáveis;

n)      Aliás, pode até acontecer que o proprietário não tenha capacidade financeira para apresentar um projeto de loteamento à câmara municipal respetiva e pagar as taxas municipais necessárias à análise do projeto e emissão de alvarás – e, nesse caso, não poderá beneficiar do suposto potencial do terreno para construção;

o)      Ora, se é verdade que o titular de um terreno para construção de valor superior a 1 milhão de euros tem na sua esfera jurídica um bem de elevado valor, também é verdade que a sua situação é diferente da do proprietário de um prédio com afetação habitacional, que efetivamente tira partido do prédio de que é titular!

p)      Poderá dizer-se que o facto de o proprietário do prédio com afetação habitacional poder retirar um rendimento do prédio enquanto o proprietário do terreno para construção não pode não é relevante neste âmbito por se tratar de tributação do património e não do rendimento. Porém, não é verdade que isso seja irrelevante;

q)      Por um lado, no caso do proprietário do prédio habitacional que não arrenda o imóvel, mas dele usufrui diretamente, o valor dos patrimónios de ambos é o mesmo, mas temos, ainda assim, duas situações totalmente distintas: a de um proprietário que usufrui de uma habitação de luxo, por um lado, e a do proprietário do terreno para construção, que não usufrui de nada;

r)       Poderá dizer-se ainda que o proprietário do terreno para construção pode vender o prédio de que é proprietário e realizar rendimento dessa forma e que é essa possibilidade que justifica a tributação em sede de imposto do selo. É verdade que pode. Porém, esse rendimento já será tributado em sede de IRS ou de IRC, conforme os casos. Além disso, também o proprietário do prédio rústico de valor igual ou superior a 1 milhão de euros pode vender o prédio e não é por isso que é tributado pela verba 28.1 da TGIS;

s)       É inegável que o que o legislador pretendeu quando criou a verba 28.1 da TGIS foi tributar as propriedades habitacionais de luxo e que a tributação do luxo fazia sentido face à situação financeira do País;

t)       A introdução dos terrenos para construção no âmbito de aplicação da norma, mais tarde e na sequência da aplicação abusiva da lei anterior pela Autoridade Tributária e Aduaneira, veio desvirtuar o regime inicial, alargando-o a situações totalmente distintas das que o mesmo inicialmente visava e tornando-o violador do princípio da igualdade porquanto passou a abranger situações que não revelam luxo;

u)      Na verdade, a situação do proprietário do terreno para construção sem projeto de construção aprovado aproxima-se mais da do proprietário de um prédio rústico do que da do proprietário de um prédio urbano com afetação habitacional;

v)      A questão que aqui se discute prende-se, por conseguinte, com a desigualdade revelada pelo tratamento igualitário de situações totalmente distintas;

w)    Um prédio com afetação habitacional de valor superior a 1 milhão de euros permite ao respetivo titular dele retirar um proveito que pode ser considerado um comportamento de luxo – das duas, uma: ou o utiliza diretamente, tendo acesso a um bem que se situa muitíssimo acima da média do património habitacional português, ou o arrenda, o que lhe permitirá obter um rendimento predial também muitíssimo acima da média;

x)      Essa é, no fundo, a razão pela qual, em tempos de crise financeira, o legislador entendeu agravar a tributação sobre esse património: a capacidade contributiva revelada pela titularidade de um imóvel com afetação habitacional de valor igual ou superior a 1 milhão de euros é suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal pedido à comunidade;

y)      Situação bem diferente é a daqueles que são proprietários de um terreno para construção: não obstante os instrumentos urbanísticos aplicáveis à área onde o mesmo se situa poderem permitir a construção, isso não significa que os respetivos proprietários deles possam retirar algum proveito;

z)      No caso presente o proprietário do terreno para construção, ora Requerente, não só não retira qualquer proveito do terreno como ainda tem encargos substanciais com o mesmo;

aa)   Aliás, em virtude da ocupação ilegal do terreno por desconhecidos, o Requerente encontra-se impedido sequer de obter um alvará de loteamento, pelo que, manifestamente, não pode retirar qualquer tipo de proveito do bem de que é titular;

bb)  Deste modo, fazer-se equivaler a situação de titularidade de um prédio com afetação habitacional à de um terreno para construção pelo simples facto de ambos terem um valor igual ou superior a 1 milhão de euros é, manifestamente, uma violação do princípio da igualdade, mormente tributária, na medida em que as duas situações não revelam a mesma capacidade contributiva;

cc)   O princípio da igualdade tributária é fundamental para a justiça na incidência da carga fiscal, uma vez que, comportando em si o corolário da proibição de discriminação, decorrente do principio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição, ele pugna, nos termos 103.º, n.º 1 da Lei Fundamental, pela “(...) repartição justa dos rendimentos e da riqueza”;

dd) Por outro lado, o princípio da igualdade fiscal tem por base o princípio geral da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP, dele resultando o princípio da capacidade contributiva que, por imperativo constitucional, é o pressuposto e o critério da tributação;

ee)   Em segundo lugar, o regime de tributação previsto na verba 28.1 da TGIS viola o direito de propriedade, previsto no artigo 62.º da Constituição e que possui natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, beneficiando, por conseguinte, nos termos do artigo 17.º da Constituição, do respetivo regime específico, nomeadamente para efeitos de apreciação de restrições que lhe sejam impostas;

ff)    Da noção do imposto como dever fundamental dos cidadãos decorre o terceiro limite à introdução de um imposto como o que foi introduzido através da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro: porque a obrigação tributária consiste num sacrifício imposto à esfera patrimonial privada, esse dever deve gozar, por analogia, das garantias que protegem os direitos fundamentais, em caso de restrições autorizadas, designadamente quanto ao princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º da Constituição. Assim, qualquer imposição tributária a mais deve ser analisada do ponto de vista da sua proporcionalidade face ao objetivo financeiro de obtenção de receita que se pretende alcançar;

gg)  Ora, a imposição de uma norma de incidência que prevê a aplicação de uma taxa de 1% ao ano sobre os terrenos para construção – realidades que não permitem ao respetivo proprietário um aproveitamento efetivo do bem na medida em que correspondem a uma mera expetativa de construção – é, sem dúvida alguma, uma restrição desproporcional ao direito de propriedade privada e corresponde à imposição de forma abusiva de um dever fundamental;

hh)  A exigência deste imposto – nos termos e da forma em que está a ser feita – extravasa o sentido da função social da propriedade e os limites da capacidade contributiva dos cidadãos servindo, pura e simplesmente, de amparo financeiro a um défice público incontrolável que vai implicando, ao longo do ano, sucessivos e acrescidos sacrifícios patrimoniais da parte dos seus cidadãos;

ii)      Ora, o critério da capacidade contributiva é um critério de valoração dos limites dos impostos, sendo particularmente assinalável a sua função de controlo do excesso no âmbito dos impostos diretos, em que se integram os impostos sobre o património;

jj)      A taxa de imposto do selo sobre os terrenos para construção criada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, assume, em suma, natureza confiscatória, ferindo o direito constitucionalmente consagrado à propriedade privada, previsto no artigo 62.º da CRP;

kk)  Por todos estes motivos, conclui-se que a regra de incidência de imposto do selo sobre terrenos para construção, introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, viola vários princípios constitucionais, a saber:

(i) o princípio da igualdade, previsto nos artigos 13.º e 103.º, n.º 1 da Constituição, bem como, em matéria de tributação do património, no artigo 104.º, n.º 3, da Constituição, por fazer incidir a mesma tributação sobre realidades tão distintas do ponto de vista da proveito que permitem aos respetivos titulares como os terrenos para construção e os prédios urbanos com afetação habitacional;

(ii) o artigo 18.º, n.º 2 e o princípio da proporcionalidade em geral (que, nos termos do artigo 266.º, n.º 2, vincula a administração pública) na medida em que, quer pelo facto de se restringir um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias (o direito de propriedade, previsto no artigo 62.º da Constituição), quer pelo facto de se tratar da imposição de um dever fundamental, a sua concretização implica o respeito pelo princípio da proporcionalidade, que, como vimos, é desrespeitado no caso concreto atendendo à natureza simplesmente confiscatória do imposto em questão e o facto de a tributação não atender à circunstância concreta do terreno em questão que, em virtude de estar ocupado ilegalmente, não permite ao respetivo titular dele tirar proveito por qualquer modo, o que é revelado, desde logo, pelo facto de a Câmara Municipal de … se recusar a emitir um alvará de loteamento antes de serem removidas as construções ilegais, demolição essa que, por seu turno, depende de decisão judicial prévia;

ll)      Pelos motivos apontados, o ato de liquidação do imposto do selo que é objeto do presente pedido de pronúncia arbitral é um ato consequente de normas inconstitucionais, sendo, portanto, nulo – nulidade essa cuja declaração desde já se requer;

mm)  Mas mais: no caso do Requerente, em função das circunstâncias a que já nos referimos supra e que se prendem com a ocupação ilegal do terreno em questão, o juízo de proporcionalidade sobre a tributação deve, também, ser feito no caso concreto, a isso estando obrigada a Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição;

nn)  Com efeito, se em circunstâncias normais a imposição da tributação prevista na verba 28.1 da TGIS aos terrenos para construção já é manifestamente desproporcional, porquanto inadequada e desproporcional face ao fim pretendido, no caso concreto esse juízo é ainda mais exacerbado na medida em que o Requerente não só não tira proveito efetivo do prédio (por ser um terreno para construção), como ainda suporta encargos avultados com ações judiciais e processos camarários decorrentes da ocupação ilegal e está impedido de avançar com um loteamento em função dessa mesma ocupação ilegal;

oo)  Ora, a AT, tal como todos os órgãos e agentes administrativos, deve atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelo princípio da proporcionalidade. A isso está obrigada pelo n.º 2 do artigo 266.º da Constituição;

pp)  Como tal, a aplicação da taxa de tributação prevista na verba 28.1 da TGIS consubstancia um ato desproporcional e, como tal, inconstitucional e ilegal, logo, inválido e que deve ser declarado como tal.

qq)  No caso em apreço, é manifesto que, caso seja declarada a ilegalidade do ato de liquidação, deverá haver lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que foi considerada ilegal;

rr)     Por outro lado, caso seja declarada a ilegalidade do ato tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral, também é claro que a ilegalidade do ato será imputável à AT, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal. Estar-se-á perante um vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira;

ss)    Consequentemente, o Requerente terá direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou em excesso;

tt)     Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado procedente, por provado, e, consequentemente, ser anulada a liquidação de imposto do selo, com as demais consequências legais, sendo a AT condenada no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia paga.

 

1.8. A Requerida apresentou resposta, na qual suscitou as seguintes exceções:

 

 

i)                    Extemporaneidade do pedido

A liquidação do imposto, conforme data que consta de todas as 3 notas de cobrança juntas ao Processo pelo Requerente, é de 20/03/2015, e o primeiro prazo de pagamento voluntário ocorreu em abril de 2015, nos termos do disposto no art.º 120.º do CIMI, aplicável ex vi art.º 3.º da Lei n.º 55ª/2012, de 29 de outubro.

Nos termos do disposto no art.º 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e do art.º 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, o prazo para a apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral é de 90 dias a contar do termo do prazo para o pagamento voluntário do imposto, ou seja, o prazo para pedir a constituição do tribunal arbitral terminou no dia 29/07/2015.

 

ii)                  Incompetência do tribunal arbitral, em face da inexistência de ato tributário

O Requerente não impugna um ato tributário, mas sim o pagamento de uma prestação de um ato tributário, constante de uma nota de cobrança, pelo que à luz do artigo 2.º do RJAT, o tribunal arbitral é incompetente para a apreciação do pedido.

 

iii)   Incompetência material do tribunal arbitral para sindicar atos de avaliação e de inscrição na matriz

 

O Requerente pretende que seja sindicada a avaliação do prédio em causa, e que per si é o facto tributário que se subsume à liquidação de imposto do selo em causa.

Em momento algum o Requerente, enquanto sujeito passivo, colocou em causa as certidões e/ou avaliações referentes ao imóvel em causa, através dos meios procedimentais e/ou processuais próprios ao seu dispor, que estabeleceram que o prédio se tratava de terreno para construção com afetação habitacional, de VPT igual ou superior a € 1.000.000,00.

Ou seja, uma eventual decisão que expurgue estes elementos que nunca foram contestados terão o efeito de eliminaram da ordem jurídica as avaliações feitas pela AT e que nunca foram colocadas em causa pelo sujeito passivo, e ao fazê-lo, extravasam manifestamente a competência material do tribunal arbitral.

 

 

1.9- Na sua Resposta a Requerida apresentou ainda defesa por impugnação, alegando, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, em síntese, o seguinte:

 

a)      O prédio em causa tem natureza de terreno para construção, conforme consta das cadernetas predial, e da ficha de avaliação, onde não existem edificações ou construções;

b)      A afetação do terreno em causa foi estipulado aquando da reavaliação do prédio, e o Requerente nunca reclamou contra aquela, pelo que é essa a afetação que vale para efeitos de subsunção, correta, refira-se, à norma ínsita na Verba 28.1 do CIS;

c)      Inexiste, deste modo, qualquer sustentação para a propugnada ilegalidade que o Requerente pretende imputar à liquidação sub judice, tendo a Requerida atuado no estrito cumprimento da lei, à qual está rigorosamente vinculada, subsumindo o facto tributário à expressa previsão normativa;

d)     Por todo o exposto, a liquidação em crise consubstancia uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei;

e)      No que respeita ao n.º 3 do art.º 104.º da CRP previne a doutrina que o princípio da igualdade, no que concerne ao património tem que ser interpretado com alguma parcimónia, no sentido que o princípio da igualdade não envolve um particular e autónomo conteúdo jurídico no âmbito da tributação sobre o património;

f)       As decisões mais recentes do Tribunal Constitucional, na vertente que aqui nos interessa, assinalam corretamente que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, i.e., as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante;

g)      Na presente contenda não deverá o Tribunal Arbitral aferir ou discutir da bondade da medida legislativa e do seu alcance, devendo-se cingir à sua apreciação na vertente da sua conformação (manifesta, diga-se) com o texto constitucional;

h)      A verba 28 da TGIS é uma norma conforme a Constituição da República Portuguesa;

i)        A verba 28.1 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00 ou seja, incide sobre o valor do imóvel.

j)        O legislador definiu um pressuposto económico, constitucionalmente válido, como manifestação da capacidade contributiva (cujos destinatários têm efetivamente uma especial capacidade contributiva em face do critério adotado) exigida para o pagamento deste imposto;

k)      Daqui não resultam diferenças injustificadas de tratamento entre contribuintes, pois que são tratadas de forma diferente situações diferentes, ao arrepio daquele principio constitucional;

l)        É, inequivocamente, uma norma de caráter geral e abstrato, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se preencham os respetivos pressupostos de facto e de direito;

m)    O facto de o legislador estabelecer um valor (€1.000.000,00) como critério delimitativo da incidência do imposto, abaixo do qual não se preenche a previsão da norma tributária, constitui uma legítima escolha do legislador quanto à fixação do âmbito material dos “imóveis habitacionais de luxo” que se pretende tributar de modo mais gravoso;

n)      É essencial a verificação do contexto histórico e cronológico que presidiu à criação desta norma;

o)      O legislador teve a intenção, inequívoca, de integrar no esforço coletivo de combate ao défice orçamental e de cumprimento do programa de ajustamento os setores da sociedade portuguesa que revelassem riqueza através da titularidade de imóveis cujo valor patrimonial tributário fosse igual ou superior a €1.000.000, abrangendo assim equitativamente um conjunto alargado de setores da sociedade portuguesa, que revelassem riqueza através da titularidade de imóveis cujo valor patrimonial tributário fosse igual ou superior a €1.000.000,00 dado que «não podem ser sempre os mesmos - os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas, a suportar os encargos fiscais»;

p)      Com a verba 28.1 TGIS o legislador assumiu como uma medida de uma medida de igualdade, que se destinava a «reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento», sendo que a igualdade na repartição dos sacrifícios visada com a verba 28.1 da TGIS pelo «esforço fiscal exigido» aos proprietários de «prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor» comparava com «aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho».

q)      A tributação em sede de imposto de selo está sujeita ao critério de adequação, na exata medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade dos imóveis com afetação habitacional de elevado valor e surge num contexto de crise económica que não pode ser ignorado;

r)       A realidade fáctico-jurídica selecionada pelo legislador para constituir a base da incidência do imposto é o prédio em si considerado, em atenção à sua afetação e ao seu valor patrimonial tributário, não o património predial global dos sujeitos passivos;

s)       A opção legislativa de não incluir na incidência da verba 28.1 da TGIS os prédios urbanos destinados a outros fins que não os habitacionais traduz-se numa diferenciação com fundamento material amplamente reconhecido pelo legislador;

t)       Sendo consabido e público que a reanimação da atividade económica e o aumento das exportações são as portas de saída para a crise, compreende-se que não se tomassem legislativamente medidas que dificultassem a atividade económica, designadamente o agravamento da carga fiscal que a dificulta e afeta a competitividade em termos internacionais;

u)      Estamos, portanto, perante um legítimo critério de diferenciação racional e lógico, em nada violador dos ditames constitucionais, que impõe a limitação de incidência da tributação em causa aos prédios habitacionais de luxo ou com afetação habitacional, com exclusão e em detrimento dos prédios com afetações estritamente económicas;

v)      É inquestionável que não constitui solução absolutamente desrazoável, que, no contexto conjuntural particular de uma grave crise económica e financeira, de desequilíbrio orçamental e de degradação das finanças públicas, se faça incidir um esforço tributário adicional sobre os proprietários de prédios habitacionais de luxo, sem abranger igualmente os proprietários de prédios com afetações não habitacionais, que se encontram destinados ao desenvolvimento de atividades económicas;

w)    Acresce que o princípio da igualdade, na sua sub-dimensão do princípio da proporcionalidade, impõe a verificação pelo julgador de que as soluções legislativas não se mostrem indubitavelmente, gritantemente, absolutamente desrazoáveis, tendo como pressuposto uma diferenciação que se impõe, por tudo o quanto já vem ante referenciado;

x)      Impõe-se, portanto, um juízo de avaliação que atenda não apenas à existência de um fundamento racional objetivo na atribuição do tratamento diferenciado a categorias de cidadãos, mas que igualmente aprecie a medida da diferença estabelecida, de modo a verificar a sua adequação em face do fundamento invocado;

y)      O facto de o legislador estabelecer um valor (€1.000.000,00) como critério delimitativo da incidência do imposto, abaixo do qual não se preenche a previsão da norma tributária, constitui uma legítima escolha do legislador quanto à fixação do âmbito material dos “imóveis habitacionais de luxo” que se pretende tributar de modo mais gravoso, até porque qualquer outro valor de grandeza análoga assumiria, do mesmo modo, um carácter artificial que é conatural a qualquer fixação quantitativa de um nível ou limite;

z)      Desta forma, como o tratamento diferenciado encontra justificação material bastante, mostra-se respeitado o princípio da igualdade, quer per si, quer na sua dimensão da igualdade proporcional;

aa)   Assim, entende a AT que a previsão da verba 28.º da TGIS não consubstancia qualquer violação do princípio da igualdade do art.º 13.º da CRP.

bb)  A tributação em sede de imposto do selo obedece ao critério da adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis, fenecendo qualquer inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade ou da capacidade contributiva;

cc)   Na verdade, a medida implementada procura buscar um máximo de eficácia quanto ao objetivo a atingir, com o mínimo de lesão para outros interesses públicos que não se consubstanciam em qualquer arbitrariedade da distinção feita pela Verba 28.1 em função da afetação habitacional dos prédios.

dd)  Antes sim, trata-se de uma opção legítima, legal e constitucional do legislador.

ee)   Deste modo, em face de tudo o quanto vem antes dito, não se poderá nunca, salvo melhor opinião, considerar que tenha existido erro imputável aos serviços, na emissão das liquidações em causa, condição indispensável para a condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

ff)    Por todo o exposto, as liquidações em crise consubstanciam uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, seja da CRP ou do CIS, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Entidade Requerida do pedido.

 

1.10- Por despacho de 27 de junho de 2016, atendendo a apenas há controvérsia sobre matéria de direito e, embora tenham sido suscitadas exceções, o contraditório em relação a elas poder ser adequadamente exercido por escrito, no âmbito das alegações, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em aplicação dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais. Mais decidiu que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas e definiu o dia 23 de setembro de 2016 como prazo limite para prolação da decisão arbitral. 

 

1.11-Em sede de alegações, o Requerente pugnou, no essencial, pela posição que sustentou na petição inicial, e sustentou a total improcedência das exceções invocadas pela Requerida, nos seguintes termos:

a) Quanto à exceção de extemporaneidade do pedido: a data a partir da qual se conta o prazo de impugnação estabelecido no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, é a o termo do prazo de pagamento voluntário da última prestação, ou seja, 30.11.2015. Tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no dia 26.02.2016, foi apresentado no 88.º dia de prazo, ou seja, antes do final do prazo de impugnação;

b) Quanto à exceção de incompetência do Tribunal Arbitral em face da inexistência de ato tributário: o Requerente, conforme se lê no introito do pedido de pronúncia arbitral, submete “à apreciação por Tribunal Arbitral da legalidade da liquidação de imposto do selo emitida pelo Serviço de Finanças de Oeiras … com data de 20.03.2015, efetuada com base na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), referente ao ano de 2014 e ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … (Setúbal), sob o artigo …, no valor total de € 21.395,70, cujo pagamento o Requerente efetuou nos meses de abril, julho e novembro de 2015, na sequência da notificação dos documentos de cobrança identificados com os números 2015 … (1.ª prestação, para pagamento até ao termo do mês de abril), 2015 … (2.ª prestação, para pagamento até ao termo do mês de julho) e 2015 … (3.ª prestação, para pagamento até ao termo do mês de novembro), que se juntam como documento 1”. Além disso, o valor da utilidade económica do pedido, tal como atribuído pelo Requerente, é de € 21.395,70, correspondendo à totalidade do imposto liquidado através do ato de liquidação impugnado. Por fim, o pedido formulado afinal é de anulação “da liquidação de imposto do selo emitida pelo Serviço de Finanças de Oeiras … com data de 20.03.2015, efetuada com base na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), referente ao ano de 2014 e ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … (Setúbal), sob o artigo …, no valor total de € 21.395,70, com as demais consequências legais, sendo a AT condenada no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia paga.”

c) Da incompetência material do tribunal arbitral para sindicar atos de avaliação e de inscrição na matriz: o Requerente em momento algum pediu ao Tribunal que se pronunciasse sobre a avaliação efetuada pela AT. Toda a argumentação expendida pelo Requerente parte, aliás, do pressuposto de que o prédio em questão foi qualificado como terreno para construção e contesta a aplicação ao mesmo de uma tributação que é aplicável na mesma medida a património de luxo. Nem o pedido, nem o argumentário apresentado pelo Requerente pressupõem ou requerem qualquer alteração da avaliação efetuada pela AT sobre o terreno em questão.

 

1.12- O Requerente, ainda em sede de alegações, sustenta que a Requerida litigou de má-fé por, na resposta apresentada, ter produzido afirmações que não correspondem à verdade, tendo levada à necessidade de apresentação de alegações, que de outro modo poderiam ser dispensadas, pelo que pede a condenação da Requerida nas respetivas multa e indemnização.

 

1.13 A Requerida, nas alegações apresentadas, manteve, no essencial, a posição sustentada na resposta.

 

***

 

 II.     SANEADOR

 

2.1. A Requerida invocou as exceções dilatórias de (i) extemporaneidade do pedido, (ii) de incompetência do Tribunal Arbitral em face da inexistência de ato tributário, e de (iii) incompetência material do tribunal arbitral para sindicar atos de avaliação e de inscrição na matriz.

 

Sobre a exceção de extemporaneidade do pedido

2.2. A Requerida entende que o prazo de constituição do tribunal arbitral teria terminado 90 dias após o termo do prazo de pagamento voluntário da primeira prestação de imposto, invocando, para tanto, uma decisão arbitral em que o sujeito passivo não tinha pago a primeira prestação, com isso produzindo o vencimento antecipado das restantes e, consequentemente, a antecipação do prazo de impugnação judicial.

2.3. Contudo, nada disso se verificou no presente caso, em que todas as três prestações foram pagas dentro do prazo estipulado na respetiva nota de cobrança. Como tal, a data a partir da qual se conta o prazo de impugnação estabelecido no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, é a o termo do prazo de pagamento voluntário da última prestação, ou seja, 30.11.2015. Tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no dia 26.02.2016, foi apresentado no 88.º dia de prazo, ou seja, antes do final do prazo de impugnação.

2.4. O pedido de pronúncia arbitral foi, portanto, apresentado tempestivamente, pelo que improcede a exceção de extemporaneidade do pedido, invocada pela Requerida

 

Sobre a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral em face da inexistência de ato tributário

 

2.5.  Refere a Requerida que “o objeto do pedido de pronúncia arbitral extravasa a competência do tribunal arbitral” porque “a Requerente não impugna um ato tributário, mas impugna antes o pagamento de uma prestação de um ato tributário constante de uma nota de cobrança, isto é, o objeto do processo é a anulação não de um ato tributário, mas sim de uma nota de cobrança para o pagamento da 3.ª prestação de um imposto”;

2.6.  Todavia, tal não corresponde à verdade. Com efeito, o Requerente, conforme se lê no introito do pedido de pronúncia arbitral, submete “à apreciação por Tribunal Arbitral da legalidade da liquidação de imposto do selo emitida pelo Serviço de Finanças de Oeiras … com data de 20.03.2015, efetuada com base na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), referente ao ano de 2014 e ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … (Setúbal), sob o artigo …, no valor total de € 21.395,70, cujo pagamento o Requerente efetuou nos meses de abril, julho e novembro de 2015, na sequência da notificação dos documentos de cobrança identificados com os números 2015 … (1.ª prestação, para pagamento até ao termo do mês de abril), 2015 … (2.ª prestação, para pagamento até ao termo do mês de julho) e 2015 … (3.ª prestação, para pagamento até ao termo do mês de novembro), que se juntam como documento 1”. Além disso, o valor da utilidade económica do pedido, tal como atribuído pelo Requerente, é de € 21.395,70, correspondendo à totalidade do imposto liquidado através do ato de liquidação impugnado. Por fim, o pedido formulado afinal é de anulação “da liquidação de imposto do selo emitida pelo Serviço de Finanças de Oeiras … com data de 20.03.2015, efetuada com base na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), referente ao ano de 2014 e ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … (Setúbal), sob o artigo…, no valor total de € 21.395,70, com as demais consequências legais, sendo a AT condenada no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia paga.”

2.7. Portanto, resulta claro dos autos que o Requerente impugna um ato tributário de liquidação de Imposto do Selo, julgando-se este Tribunal competente para decidir do mérito da causa, com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, pelo que improcede a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral em face da inexistência de ato tributário, invocada pela Requerida.

 

Sobre a exceção de incompetência material do tribunal arbitral para sindicar atos de avaliação e de inscrição na matriz

 

2.8.  O Requerente em momento algum pediu ao Tribunal que se pronunciasse sobre a avaliação do imóvel efetuada pela Requerida;

2.9.  Nem o pedido, nem o argumentário apresentado pelo Requerente pressupõem ou requerem qualquer alteração da avaliação efetuada pela Requerida sobre o terreno em questão;

2.10  Como já se disse, o que está em causa no processo sub judice é a impugnação de um ato tributário de liquidação de Imposto do Selo, julgando-se este Tribunal competente para decidir do mérito da causa, com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, pelo que improcede a exceção de incompetência material do tribunal arbitral para sindicar atos de avaliação e de inscrição na matriz, invocada pela Requerida.

 

2.11.  Assim, improcedem totalmente as exceções dilatórias invocadas pela Requerida.

 

2.12.  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

2.13.  Não se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.

 

***

 

III. MÉRITO

 

III. 1. MATÉRIA DE FACTO

 

§1.     Factos provados

 

        Julgam-se provados os seguintes factos:

 

a)      O Requerente é proprietário do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … (Setúbal), sob o artigo…;

b)      A caderneta predial do prédio urbano em questão identifica-o como “terreno para construção”;

c)      O Requerente foi notificado da liquidação de imposto do selo referente ao ano de 2014 do prédio em questão, no valor total de € 21.395,70, cuja cobrança foi dividida em três prestações com prazo de pagamento nos meses de abril, julho e novembro de 2015;

d)     O Requerente efetuou o pagamento das ditas notas de cobrança dentro dos prazos aplicáveis;

e)      O prédio em causa no presente processo está parcialmente ocupado por várias pessoas, de forma ilegal;

f)       Em virtude das construções ilegais erguidas pelos referidos ocupantes no seu terreno, o Autor foi intimado pela Câmara Municipal de … para proceder à demolição e limpeza dessas mesmas construções;

g)      Ordem que não pode cumprir sem intervenção judicial porquanto o Réu alegadamente utiliza as referidas construções abarracadas como “segunda habitação”;

h)      Uma vez que os cinco ocupantes do terreno se recusaram a sair voluntariamente, o Requerente teve que os notificar através de notificações judiciais avulsas para saírem;

i)        Entretanto, em dois dos casos, o Requerente já teve também que apresentar ações de reivindicação, as quais correm os seus termos no tribunal da comarca de Setúbal;

j)        Em 2015, o Requerente apresentou à Câmara Municipal de … um pedido de licença de operação de loteamento para o referido terreno para construção;

k)      No âmbito desse processo, a Câmara Municipal de … o informou de que não emitirá o alvará de loteamento sem que se verifique a prévia demolição das construções nele existentes.

 

§2 . Factos não provados

Não ficou provado que a Requerida tenha agido com dolo ou negligência grave, tendo em vista a obtenção de uma decisão favorável, na produção de afirmações sem correspondência com os factos descritos e documentalmente suportados pelo Requerente.

Com relevo para a decisão, não existem outros factos essenciais não provados.

 

§3. Motivação quanto à matéria de facto

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes em sede de facto e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes.

 

 

III.2.  MATÉRIA DE DIREITO

 

§1. Questões decidendas

A questão principal a decidir no caso sub judice é a que se prende com saber se o ato de liquidação objeto do presente processo é legal ou ilegal.

A decisão da questão principal pressupõe a prévia decisão da questão incidental relativa à alegada inconstitucionalidade da norma contida na verba 28.1 da TGIS.

Em função do sentido da decisão da questão principal, importará saber se o Requerente tem direito à reposição do imposto pago e a juros indemnizatórios.

O Requerente pede ainda a condenação da Requerida ao pagamento de multa e de indemnização por litigância de má-fé.

 

§2. Regime legal

Nos termos do disposto no artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa, «[n]os feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados».

No presente processo, o pedido de anulação da liquidação do imposto do selo tem por base a alegada inconstitucionalidade da norma contida na verba 28.1 da TGIS.

Assim, importa proceder à confrontação da referida norma com a Constituição, designadamente com os princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade, invocados pelo Requerente.

O artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, que entrou em vigor no dia 30 de outubro seguinte, aditou uma verba à TGIS então em vigor, com a seguinte redação:

«28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

•    28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1 %;

•    28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.»

Posteriormente, o artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, introduziu uma nova redação à verba 28 da TGIS, que passou a incluir os terrenos para construção, nos seguintes termos:

«28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1 %».

A alteração introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, entrou em vigor no dia 01.01.2014, sendo aplicável ao período de tributação a que diz respeito a liquidação que é objeto do presente pedido de pronúncia arbitral (2014).

 

§3. Apreciação da alegada violação do princípio da igualdade pela norma contida na verba 28.1 da TGIS

 

O princípio da igualdade, enquanto princípio geral, encontra-se consagrado no artigo 13.º da CRP.

Em matéria de tributação do património, ele tem ainda expressão no artigo 104.º, n.º 3, da CRP, onde se prevê que «[a] tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos».

O princípio da igualdade tributária, entendido em sentido material, implica uma exigência de tratamento igual de situações iguais e de um tratamento diferenciado de situações distintas, sendo o princípio da capacidade contributiva o principal critério de diferenciação[1].

Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva «de um lado, constituindo a ratio ou causa da tributação, afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto»[2].

Tal como é afirmado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 84/2003, «o princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação», entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos – dos “impostos fiscais” mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou “capacidade de gastar” (…) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício). (…) Não obstante o silêncio da Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição fiscal” sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103º e 104º da CRP (…)».

Uma das dimensões fundamentais do princípio da igualdade, como princípio concretizador do princípio do Estrado de Direito, é a da proibição do arbítrio, a qual se relaciona com os princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade. Daqui resulta que o princípio da igualdade «pode ser mobilizado quando a tributação se baseia em normas conceitualmente indeterminadas ou extremamente complexas, de administração onerosa, difícil e imprevisível, geradoras de desigualdades significativas na sua aplicação pela administração ou pela jurisdição tributária»[3].

No caso sub judice, a norma contida na verba 28.1 da TGIS sujeita a tributação em imposto do selo, para além dos prédios habitacionais, também os terrenos para construção «cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação»[4], cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000.

A determinação do sentido da expressão transcrita supra não pode deixar de ser considerada problemática. Com efeito, o que significa edificação autorizada ou prevista? Qual o momento a partir do qual se considera estar perante uma edificação autorizada ou prevista? No momento da obtenção da licença de construção? Noutro momento? E se apesar de existir licença não houver possibilidade de construção no imediato, como sucede no caso em apreço? E se, apesar da possibilidade abstrata de vir a ser construída edificação, o proprietário não dispuser de capacidade económica para concretizar a edificação?

As questões formuladas, entre outras que poderiam ser feitas, apontam para uma norma que não assegura um mínio de certeza jurídica na sua interpretação e aplicação, abrindo as portas para o arbítrio, em violação do princípio da igualdade. Dito de outro modo, a norma, tal como está redigida, atingirá proprietários com níveis de capacidade contributiva muito diferenciados e imóveis cuja edificação está pronta a ser concretizada tal como imóveis que, por diversas razões, não terão qualquer edificação durante anos.

No caso sub judice, a norma contida na verba 28.1 da TGIS foi aplicada apesar de o Requerente não poder retirar qualquer tipo de proveito do bem de que é titular, em virtude da ocupação ilegal do terreno por desconhecidos e consequente impedimento de obtenção de alvará de loteamento.

Ora, o princípio da tipicidade e os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança são de enorme relevo no Direito Fiscal. De tal modo que, de acordo com o Tribunal Constitucional, a utilização, pelo legislador fiscal, de conceitos indeterminados, na definição dos elementos essenciais do imposto, só é admissível quando tal se revele indispensável para garantir a praticabilidade e a operacionalidade do sistema e para promover a efetivação do princípio da igualdade tributária[5].

No caso em apreço, o recurso pelo legislador a conceitos vagos e indeterminados (como o de «edificação prevista») não só não tem como fundamento a garantia ou promoção da igualdade tributária, como, pelo contrário, é apto a gerar uma aplicação arbitrária da lei fiscal, em violação do princípio constitucional da igualdade.

Conforme é afirmado no Acórdão Arbitral proferido no âmbito do processo n.º 507/2015-T, de 17/03/2016, a norma contida na verba 28.1 da TGIS traduz-se também numa «discriminação fiscal negativa dispensada aos terrenos com afectação habitacional cujo VPT seja igual ou superior a um milhão relativamente aos prédios habitacionais edificados e que se achem constituídos em propriedade horizontal ou em propriedade vertical cujas fracções autónomas ou unidades de afectação individual não excedam, no respectivo VPT, o valor de € 1.000.000,00, mas cujo VPT total seja igual ou superior a esse mesmo valor».

Subscrevemos a fundamentação adotada pelo Tribunal Arbitral no referido processo 507/2015-T, expressa no Acórdão Arbitral de 17/03/2016 nos seguintes termos:

 

«Pelo que já se referiu sobre a interpretação do regime legal, em sintonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo [Acórdão de 9-9-2015, processo n.º 047/15], é de entender que, quando os edifícios são constituídos por fracções susceptíveis de utilização independente, é o valor de cada uma delas que releva para aferir da aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS, independentemente de estar ou não constituída propriedade horizontal.

Por isso, quando nenhuma das fracções cuja construção esteja autorizada ou prevista tenha valor igual ou superior a € 1.000.000,00, estar-se-á fora do âmbito de incidência do Imposto do Selo.

A questão da discriminação injustificada que as Requerentes colocam é a de, antes de estar construído um edifício e estarem criadas as fracções susceptíveis de utilização independente, cada uma delas de valor inferior a € 1.000.000,00, o imposto do Selo incidir sobre o valor patrimonial tributário do terreno que tenha valor igual ou superior àquele.

Na verdade, incidindo o imposto do Selo previsto na verba 28.1 sobre o «sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI», como se refere no corpo da verba 28., antes de estarem construídas fracções, é aquele o valor a considerar para aferir da incidência do imposto, pois não existe outro que seja utilizado para efeito de IMI.

E «o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação», sendo que «o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas» (artigo 45.º, n.ºs 1 e 2, do CIMI).

Sendo assim, tem de se concluir que, em relação a terrenos para construção relativamente aos quais esteja prevista ou autorizada edificação apenas com unidades habitacionais de valor inferior a € 1.000.000,00, não vale aquela justificação para tributar os terrenos, pois ofacto de o terreno ter valor igual ou superior àquele não permite identificar um sujeito passivo com uma capacidade contributiva a nível dos «padrões mais elevados da sociedade portuguesa».

Por outro lado, a titularidade de direitos sobre um terreno para construção de fracções susceptíveis de utilização independente até revela menos capacidade contributiva do que a que revela a titularidade de direitos sobre o prédio já construído, pelo que não se pode encontrar uma justificação racional para ser tributada a titularidade de direitos sobre o terreno, quando tiver o valor igual ou superior a € 1.000.000,00, e não a titularidade dos direitos do mesmo sujeito passivo sobre o prédio já construído, quando todas as fracções tenham valores inferiores àquele.

Na verdade, carece de justificação racional tributar com base em hipotética capacidade contributiva elevada as situações em há titularidade de direitos sobre terrenos para construção em que estão autorizadas ou previstas edificações exclusivamente constituídas por fracções de valor individual inferior a € 1.000.000,00 e não aplicar mesma tributação às situações em que no terreno já foram construídas essas edificações, com enorme aumento do valor patrimonial tributário da edificação, já que «o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas».

Já relativamente aos terrenos para construção destinados a edificação de habitações autónomas de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, a titularidade de direitos sobre terrenos com esta finalidade revela, só por si, uma situação de riqueza, a nível dos «padrões mais elevados da sociedade portuguesa»: isto é, se o terreno, só por si, tem valor igual ou superior a € 1.000.000,00 e se destina construção de habitações individuais de valor também igual ou superior a este está-se perante situações em que a mera titularidade de direitos sobre o terreno revela riqueza correspondente «aos padrões mais elevados da sociedade portuguesa».

A verba 28.1 da TGIS, na parte relativa a terrenos para construção, não contém, porém, qualquer limitação à sua aplicação em função do valor das habitações autorizadas ou previstas, pelo que tem de se concluir que apenas faz depender a sua aplicação do valor patrimonial tributário do próprio terreno.

Sendo assim, é de concluir que a norma da verba 28.1 da TGIS, na redacção introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, é materialmente inconstitucional, por ofensa do princípio da igualdade, enunciado genericamente no artigo 13.º da CRP, por se aplicar a terrenos para construção de valor patrimonial tributário de valor igual ou superior a € 1.000.000,00 para os quais a construção autorizada ou prevista não inclui qualquer fracção susceptível de utilização independente com valor igual ou superior àquele.»

 

Pelo exposto, conclui-se que a norma contida na verba 28.1 da TGIS, na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP.

 

§4. Consequências da aplicação de norma inconstitucional pela Requerida

 

Em virtude da inconstitucionalidade material de que enferma a norma contida na verba 28.1 da TGIS, na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, por violação do princípio constitucional da igualdade, a liquidação que é objeto do presente processo enferma de vício de violação de lei, por consubstanciar erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a sua anulação (artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo).

 

§5. Pedido de restituição das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

O Requerente pede o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

De acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso:

[…]

b) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido

[…]».

No mesmo sentido, o artigo 100.º da LGT prevê que «[a] administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

Assim, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, há lugar a reembolso do imposto pago na sequência do ato de liquidação ilegal que é objeto do presente processo.

Quanto aos juros indemnizatórios, prevê o artigo 43.º, n.º 1, da LGT que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

No caso sub judice, a liquidação não enferma de erro imputável à Requerida, mas sim de vício derivado de inconstitucionalidade de norma legal, que a Requerida não podia desaplicar, salvo se estivesse em causa a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, o que não é o caso[6].

Nestes termos, o Tribunal julga improcedente o pedido de juros indemnizatórios, sem prejuízo do direito ao reembolso da quantia indevidamente paga, que deverá ser calculada pela Autoridade Tributária e Aduaneira em execução do presente acórdão.

 

§6. Pedido de condenação da Requerida como litigante de má-fé

 

O Requerente pede ainda a condenação da Requerida ao pagamento de multa e de indemnização por litigância de má-fé.

O Requerente não indica, porém, qual o preceito normativo que considera aplicável e que a leva a concluir estar em presença de uma situação de litigância de má-fé.

O Requerente limita-se a afirmar que «a AT não devia ignorar que a oposição apresentada no presente processo carece totalmente de fundamento, assim como devia ter-se coibido de produzir afirmações que não correspondem à verdade – como a de que o objeto do processo “é a anulação não de um ato tributário, mas sim de uma nota de cobrança para pagamento da 3.ª prestação do imposto” e a de que a Requerente não impugna um ato tributário, mas impugna, antes, o pagamento de uma prestação de um ato tributário constante de uma nota de cobrança”. (cf. artigos 12.º e 13.º da petição inicial)», e que «[a]o ter procedido desta forma, a AT litigou de má-fé, devendo ser condenada nas respetivas multa e indemnização».

O artigo 104.º, n.º 1, da LGT prevê que «[s]em prejuízo da isenção de custas, a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre a litigância de má fé em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas».

No caso sub judice não está, porém, em causa qualquer informação vinculativa.

O artigo 542.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) prevê que «[t]endo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir».

Para que se considere que a parte litigou de má-fé deve, conforme previsto no art. 542.º, n.º 2, do CPC ficar provado que a mesma agiu com dolo ou negligência grave e verificar-se alguma das seguintes circunstâncias: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

No caso sub judice, ainda que se possa admitir que a Requerida tenha, na sua resposta, produzido afirmações que não correspondem aos factos provados documentalmente, não ficou provado que a Requerida o tenha feito com dolo ou negligência grave.

Conforme a doutrina que emana do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/02/2012, «litiga de má-fé a parte que alega factos que sabe perfeitamente serem contrários à verdade com a intenção de obter uma decisão no litígio que lhe seja favorável».

No caso sub judice, as afirmações proferidas pela Requerida na sua resposta são facilmente e manifestamente infirmadas pelos documentos que foram apresentados pelo Requerente em anexo ao Requerimento inicial. As afirmações em causa não tinham, efetivamente correspondência aos factos, não porque a Requerida tivesse intenção de ludibriar o tribunal e assim obter uma decisão favorável mas, ao que tudo indica, por lapso resultante de respostas previamente elaboradas para outros processos.

A Requerida não obteve nem poderia obter, face aos factos documentalmente provados, qualquer vantagem nas afirmações em causa, antes desperdiçando a oportunidade de se defender adequadamente.

O próprio Requerente admite, aliás, «que a AT tenha que apresentar Respostas a inúmeros processos cujo fundamento é semelhante ao presente e que, nalguns deles, o Requerente tenha, efetivamente, impugnado as notas de cobrança em que se desdobra cada uma das prestações e não a liquidação», não sendo, porém, essa a situação no caso sub judice.

 

 

Não ficou, portanto, provado que a Requerida tenha agido com dolo ou negligência grave, nas afirmações que prestou, tendo em vista a obtenção de uma decisão favorável.

Nestes termos, o Tribunal julga improcedente o pedido, formulado pelo Requerente, no sentido da condenação da Requerida como litigante de má-fé, sendo esta absolvida de tal pedido.

 

IV. DECISÃO

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

 

a)      Julgar procedente o pedido arbitral de anulação da liquidação de imposto do selo emitida pelo Serviço de Finanças de Oeiras … com data de 20/03/2015, efetuada com base na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), referente ao ano de 2014 e ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … (Setúbal), sob o artigo…, no valor total de € 21.395,70, com as demais consequências legais;

b)      Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia paga pelo Requerente;

c)      Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios, absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira do respetivo pedido;

d)     Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida como litigante de má-fé, e absolvendo-a daquele pedido;

e)      Comunicar ao Ministério Público a presente sentença, para os fins previstos no artigo 280.º, n.º 3, da CRP.

 

V. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 21.395,70.

 

 

 

VI.  CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 19 de setembro de 2016

 

 

O Árbitro

 

 

 (Paulo Nogueira da Costa)

 



[1] Jónatas E. M. Machado e Paulo Nogueira da Costa, Manual de Direito Fiscal: perpetiva multinível, Coimbra, Almedina, 2016, pp. 61-62.

[2] Casalta Nabais, Direito Fiscal, 7.ª edição, Coimbra, Almedina, 2012, p.157.

[3] Jónatas E. M. Machado e Paulo Nogueira da Costa, op. cit., pp. 63-64.

[4] Destaque nosso.

[5] Cfr. por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 127/04.

[6] Cfr., neste sentido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26/02/2014, proc. n.º 0481/13.