Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 112/2015-T
Data da decisão: 2015-09-04  Selo  
Valor do pedido: € 82.825,28
Tema: IS - Incompetência material do Tribunal Arbitral; pedido de revisão oficiosa
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I - Relatório

 

 

  1. Em 19 de fevereiro de 2015, a A… Lda, com o número de pessoa coletiva …, com sede na Av. …, n.º …, em Lisboa, (doravante a Requerente) requereu a pronúncia arbitral, nos termos e para os efeitos do estatuído nos art.ºs 2º, n.º 1, a) e 10º, n.º 1 a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante o RJAT) e nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, relativamente ao despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado, nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), em 29 de agosto de 2014, e em consequência o pedido de declaração de ilegalidade dos seguintes atos tributários:

a)      Liquidações de imposto do selo, referente ao ano de 2012, do prédio urbano sito na freguesia de …, concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º …, nos montantes de 14 429,75€ e de 29 941,73€, liquidadas, respetivamente, a 07 de novembro de 2012 e a 22 de março de 2013.

b)      Liquidações de imposto do selo, referente ao ano de 2012, do prédio urbano sito na freguesia de …, concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º …, nos montantes de 12 505,30€ e de 25 948,50€, liquidadas, respetivamente, a 07 de novembro de 2012 e a 22 de março de 2013;

2.      No pedido de pronúncia arbitral a Requerente optou por não designar árbitro;

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 23 de fevereiro de 2015 e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante a Requerida ou AT) na mesma data;

 

  1. Nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros: presidente, o Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros; como vogais o Dr. Jaime Carvalho Esteves e o Prof. Doutor Francisco José Nicolau Domingos;

 

5.      O Dr. Jaime Carvalho Esteves renunciou justificadamente às funções de árbitro, tendo sido substituído, nos termos do disposto no art.º 9º do Código Deontológico do CAAD, pelo Dr. Rui Ferreira Rodrigues, em 30 de abril de 2015;

 

  1. O Tribunal Arbitral ficou constituído a 22 de maio de 2015, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.ºda Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;

 

  1. A Requerida apresentou a sua resposta no dia 29 de junho de 2015, tendo juntado o processo administrativo (PA) em 18-08-2015;

 

  1. A reunião a que se refere o art.º 18º do RJAT foi marcada para o dia 14 de julho de 2015;

 

  1. Antes da realização da referida reunião, em 9 de julho de 2015, a Requerente apresentou as suas considerações quanto à resposta da Requerida (que se havia defendido por exceção);

 

  1. No dia 14 de julho de 2015 teve lugar a reunião a que se refere o art.º 18º do RJAT, à qual compareceram os árbitros e o mandatário da Requerente, mas em que esteve ausente a jurista representante da Requerida, que foi designada por despacho de 5 de março de 2015. O Tribunal procedeu à diligência nos termos do art.º 19º do RJAT;

 

  1. Na reunião identificada no número anterior, o mandatário da Requerente solicitou a junção aos autos de dois documentos que, tendo sido mencionados no art.º 38º da resposta às exceções, por lapso não a acompanharam. O Tribunal permitiu a junção dos documentos aos autos e concedeu à Requerida 10 dias para de pronunciar. O mandatário da Requerente prescindiu da apresentação de alegações. O tribunal decidiu ainda conhecer das exceções a final e designar o dia 1 de outubro de 1015 para prolação da decisão arbitral.

 

 

II – Posição das Partes

 

12.  A Requerente sustenta, em síntese, o seguinte:

 

12.1.        É proprietária de dois prédios urbanos, ambos situados na freguesia de …, no concelho e distrito do Porto, inscritos na respetiva matriz predial, um sob o artigo n.º … e outro sob o artigo …;

 

12.2.        Os dois estão considerados como terrenos para construção, têm valores patrimoniais tributários superiores a 1.000.000,00€ e foi-lhes atribuído o coeficiente de localização correspondente a habitação;

 

12.3.        As liquidações de imposto de selo sobre os terrenos relativos a 2012 foram efetuadas nos termos das disposições transitórias aplicáveis no ano de 2012 à tributação prevista na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, conforme ao disposto no art.º 6º da mesma Lei;

 

12.4.        Apesar de ter procedido ao pagamento de todas as liquidações relativas a 2012 que a Requerida lhe exigiu, a Requerente nunca concordou com a aplicação da tributação prevista na verba 28.1 da TGIS, por entender que tal tributação não se aplica aos prédios urbanos da espécie terrenos para construção;

 

12.5.        Por esta razão a Requerente apresentou, em 29 de agosto de 2014, pedido de revisão oficiosa das liquidações, solicitando a sua anulação e o consequente reembolso do montante pago;

 

12.6.        O referido pedido foi indeferido por a Requerida o considerar intempestivo;

 

12.7.        A Requerente considera, porém, que nos termos do disposto no art.º 78º da LGT, a revisão dos atos tributários feita pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa da AT, no prazo de quatro anos após a liquidação, com fundamento em erro imputável aos serviços;

 

12.8.        Acrescenta a Requerente que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem sido unânime em considerar que a revisão do ato tributário pode ainda ser impulsionada pelo contribuinte, tendo a AT o dever de a ela proceder, no caso de se verificarem os respetivos pressupostos legais;

 

12.9.        Cita a doutrina de vários autores naquele mesmo sentido, para concluir que o pedido de revisão oficiosa é referente à ilegalidade das liquidações de IS emitidas pela AT ao abrigo do art.º 78º da LGT;

 

12.10.    A Requerente defende que a Requerida aplicou aos seus terrenos as taxas (consagradas na disposição transitória introduzida pela Lei n.º 55-A/12, de 29 de Outubro e contida na verba 28.1 da TGIS) aplicáveis a “prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI”, o que não é o caso dos seus terrenos, que são prédios urbanos para construção, estando consequentemente excluídos da aplicação da verba 28 da TGIS;

 

12.11.    A Requerente alicerça a sua posição nas definições expressas no art.º 6º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) relativas a prédios urbanos habitacionais e a terrenos para construção, nos nºs 2 e 3, respetivamente, bem como na inexistência, nesse mesmo Código e para efeitos fiscais, do tipo de terreno para construção com afetação habitacional;

 

12.12.    Conclui que como a verba 28.1 da TGIS estabelece claramente a incidência do IS sobre prédios com afetação habitacional, os terrenos para construção não estão, obviamente abrangidos;

 

12.13.    Defende ainda que para existir afetação habitacional não chega haver licença para construção, uma vez que apenas com a licença não há e pode mesmo nunca haver qualquer edifício;

 

12.14.    Recorda que o legislador, com a norma transitória referente à verba 28.1 da TGIS visou tributar as manifestações de fortuna, com enfoque para as designadas “casas de luxo” e jamais o sector da construção civil, que é o maior detentor de terrenos para construção;

 

12.15.    Alega depois que no sentido de considerar ilegal a interpretação que a Requerida faz da aplicação da verba 28.1 da TGIS tem sido a jurisprudência do Tribunal Arbitral Tributário que funciona no âmbito do CAAD, indicando e citando vários dos seus acórdãos;

 

12.16.    Invoca depois a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, com indicação de vários dos seus arestos que concluíram no sentido da ilegalidade da aplicação da verba 28.1 da TGIS aos prédios para construção;

 

12.17.    Finalmente, invoca a alteração introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, à verba 28.1 da TGIS, (que veio incluir inequivocamente no âmbito de aplicação dessa verba os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação) com a conclusão de que o legislador procedeu em 2014 ao alargamento do âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS aos terrenos para construção, os quais antes de encontravam fora do respetivo alcance;

 

12.18.    Termina pedindo que o Tribunal julgue procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declare:

·         a ilegalidade e a consequente anulação das liquidações de IS efetuadas pela Requerida em 07 de novembro de 2012 e 22 de março de 2013 (factos tributários verificados a 31 de outubro e a 31 de dezembro de 2012) nos termos da verba 28.1 da TGIS, em relação aos prédios urbanos  do tipo “terrenos para construção”, inscritos na matriz sob os artigos urbanos n.º … e n.º …, as quais ascendem a um valor global de 82.825,28 Euros;

·         o seu direito a ser reembolsada da quantia de 82.825,28 Euros, referente ao pagamento indevido das referidas liquidações.

 

13.  A Requerida, na sua resposta, veio sustentar o seguinte:

 

      Quanto à incompetência material do Tribunal

 

13.1.        O pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente foi indeferido por intempestividade, razão pela qual só pode ser apreciado no âmbito de uma ação administrativa especial, conforme ao disposto no art.º 191º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos;

 

13.2.        Sustenta que o tribunal arbitral é materialmente incompetente para a apreciação da ação, em virtude de o art.º 2º do RJAT elencar expressamente, nas alíneas a) e b) do seu n.º 1 as competências que foram deferidas pelo legislador ao foro arbitral, não constando aí a apreciação de atos administrativos em matéria tributária que não comportem a apreciação da legalidade de ato de liquidação de tributo;

 

13.3.        Só quando o ato de segundo grau incorpora a ilegalidade do ato de primeiro grau, por confirmação do ato de liquidação, é que o tribunal arbitral será materialmente competente para conhecer do mesmo;

 

13.4.        Conclui afirmando que este mesmo entendimento foi já sufragado em vários arestos dimanados dos tribunais arbitrais constituídos para apreciação dos litígios instaurados no CAAD, nomeadamente dos registados sob os números 73/2012-T e 843/2014-T;

           

    Quanto à intempestividade do pedido da Requerente

13.5.        Refere que, no pedido da Requerente, é omitida qualquer referência ao pedido de anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, daí resultando que os atos sindicados são apenas os de liquidação de IS cujos termos do prazo para pagamento voluntário ocorreu em 20.12.2012 e em 30.11.2013;

 

13.6.        Sendo o prazo para apresentação de pedido de pronúncia arbitral definido nos termos do artigo 10.º do RJAT, a sua formulação em 19.02.2015 denota a sua manifesta extemporaneidade;

 

13.7.        Assim, a Requerida conclui que quer por via da mencionada incompetência material do tribunal arbitral para dirimir a questão que lhe é submetida, quer por via da manifesta intempestividade da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, cujo objeto mediato será a anulação de liquidações cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 2012 e 2013, resulta a manifesta improcedência da pretensão da Requerente;

 

14.  Em relação às exceções, a Requerente alegou o seguinte:

14.1.         Que em momento algum formula pedido de apreciação autónoma do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa das liquidações do IS;

 

14.2.        Defende que o art.º 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, através da qual a AT se vinculou à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, exclui do âmbito da competência dos tribunais arbitrais determinadas pretensões, de entre as quais as relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, mas que a sua pretensão não se insere em qualquer daquelas previsões, pelo que o tribunal arbitral é competente;

 

14.3.        Refuta a jurisprudência do CAAD invocada pela Requerida referindo que um dos acórdãos (843/2014-T) não se encontra disponível para consulta e que o outro (73/2012-T) é um processo que apresenta especificidades em relação àquele a que a Requerente deu início. Afirma que a Requerida incorre num erro de raciocínio, quando pretende extrapolar para o presente caso – caso materialmente diferente – o entendimento sufragado na referida decisão, sem atender às particularidades da factualidade de um e de outro processo;

 

14.4.        Neste aspeto o essencial é considerar que o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa comportou a apreciação da legalidade dos atos de liquidação;

 

14.5.        Sustenta, em abono da sua tese, que a AT no aludido despacho de indeferimento cita acriticamente a letra do artigo 78º n.º 1 da LGT para depois referir que pelo facto de terem decorrido mais de 120 dias desde o fim do prazo para pagamento voluntário das liquidações, o pedido de revisão oficiosa é intempestivo;

 

14.6.        Continua no sentido de esse mesmo artigo número do 78º da LGT possuir uma segunda parte, nos termos da qual o prazo para efetuar a revisão oficiosa do ato de liquidação é de 4 anos sempre que o erro seja imputável aos serviços;

 

14.7.        Afirma que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem sido unânime em considerar que a revisão do ato tributário pode ser impulsionada pelo contribuinte, tendo a AT o dever de a ela proceder, no caso de se verificarem os respetivos pressupostos legais;

 

14.8.        Considera que a Requerida no despacho de indeferimento da revisão oficiosa deveria ter-se pronunciado explicitamente sobre a razão pela qual considerou não ter havido erro dos serviços e que, do facto de não o ter feito decorre inequivocamente um juízo tácito sobre a legalidade dos atos de liquidação;

 

14.9.        Alega que o despacho da Requerida é na aparência de mera forma, mas que na realidade comporta implicitamente um juízo sobre a legalidade dos atos, considerando que os mesmos não resultam de erro imputável aos serviços;

 

14.10.    Acrescenta ainda que um entendimento diverso contém o perigo de a AT poder precludir o acesso à jurisdição tributária ou arbitral em casos semelhantes, bastando-lhe emitir despachos de mera forma (aparente), invocando o prazo de 120 dias e que simplesmente omitam o juízo que esteve na base da escolha desse prazo versus o prazo de 4 anos para o caso de erro imputável aos serviços;

 

14.11.    Entende que a intempestividade do pedido de pronúncia invocada pela querida não tem fundamento legal uma vez que as normas sobre a competência dos tribunais arbitrais não se confundem com as normas sobre prazos para a apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral;

 

14.12.    Com efeito, da análise conjugada dos artigos relevantes nesta matéria (art.º 10º do RJAT e art.º 102º, n.º1 b) do CPPT) a notificação de (…) actos tributários, ainda que não dêem origem a qualquer liquidação, como é o cado do indeferimento da revisão oficiosa, constitui, por si só, facto determinante para o início da contagem do prazo de 90 dias previsto no art.º 10. nº 1, a) do RJAT;

 

14.13.    Por isso, o prazo para apresentar pedido de pronúncia não se conta do fim do prazo para pagamento voluntário das liquidações, mas da data de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, facto previsto na b) do n.º 1 do art.º 102º do CPPT por remissão do art.º 10º, n.º 1, a) do RJAT. Tendo sido a Requerente notificada do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa em 15 de dezembro de 2014 e, iniciando-se a contagem do prazo impugnatório de 90 dias a partir desse momento, é manifesto que o presente pedido de pronúncia arbitral foi tempestivamente apresentado, em 19 de fevereiro de 2015;

 

14.14.    A Requerente acusa ainda a Requerida de ter, ao longo do processo, uma conduta pouco coerente, em virtude de na resposta ter apresentado fundamentos contraditórios visando induzir o tribunal arbitral em erro quanto ao ato que é objeto do processo arbitral. É que, se por um lado a Requerida alega que “o pedido omite assim qualquer referência ao pedido de anulação do ato de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa”, por outro, constrói a argumentação relativa à “impropriedade do meio” no pressuposto de que o pedido formulado pela Requerente respeita ao indeferimento liminar;

 

14.15.    Finalmente, refere que outros dois pedidos de revisão oficiosa em tudo idênticos ao pedido de que tratam os autos foram apreciados por outros Serviços de Finanças (de Lisboa) e foram considerados tempestivos.

 

 

III – Saneamento

 

15.  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e encontram-se legalmente representadas;

 

16.  A Requerida suscitou duas exceções, pelo que o Tribunal, antes de se pronunciar sobre a questão objeto do pedido da Requerente supra transcrito, deve conhecer das exceções suscitadas relativas à incompetência material do tribunal e à extemporaneidade do pedido.

 

17.  Quanto à incompetência absoluta do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido:

17.1.        Tendo em conta que o âmbito de competência material do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria [artigo 13.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) aplicável ex vi do art. 29.º, n.º 1, al. c) do RJAT], e que a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que é de conhecimento oficioso [artigo 16.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, als. a) e c) do RJAT], importa começar por apreciar a exceção dilatória suscitada pela Requerida sobre a incompetência do Tribunal Arbitral.

 

17.2.        Para tal mostra-se conveniente determinar a competência material dos tribunais arbitrais tributários, bem como o conteúdo do ato impugnado.

 

17.3.        A primeira encontra-se definida no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT nos seguintes termos:

“A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

 

17.4.        Em face deste dispositivo, deve entender-se, como Lopes de Sousa, que a competência dos tribunais arbitrais “restringe-se à atividade conexionada com atos de liquidação de tributos, ficando fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da Administração Tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação do ato de liquidação, a que se refere a alínea p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT” (Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 105).

 

A apreciação da competência do tribunal arbitral envolve um juízo sobre a adequação ao caso sub judice do meio processual da ação administrativa especial ou do processo de impugnação judicial, em atenção ao disposto no artigo 97.º do CPPT, que procede à definição dos respetivos campos de aplicação, distinguindo a “impugnação dos atos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação” (al. d) do n.º 1) e o “recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação” (al. p) do n.º 1), sendo que, nos termos do n.º 2 do art. 97.º, o “recurso contencioso dos atos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação, da autoria da administração tributária, compreendendo o governo central, os governos regionais e os seus membros, mesmo quando praticados por delegação, é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos”.

 

Para concretizar tal distinção entre o âmbito de aplicação destes meios processuais, que, por força da al. a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, possui relevo na definição da competência dos tribunais arbitrais tributários, constitui orientação jurisprudencial consolidada que “a utilização do processo de impugnação judicial ou do recurso contencioso (atualmente ação administrativa especial, por força do disposto no artigo 191.º do CPTA) depende do conteúdo do ato impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial e se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/ação administrativa especial” (cfr. o acórdão do STA de 25.6.2009, proc. n.º 0194/09).

 

17.5.        Desta forma, tendo presentes estes princípios básicos, para apurar a competência do tribunal arbitral cabe averiguar o conteúdo do ato impugnado, de modo a verificar se comporta a apreciação de um ato de liquidação.

Para o efeito, como resulta da expressão “apreciação” utilizada na alínea d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, basta que, no ato em apreço, se tenha avaliado ou examinado a “legalidade do ato de liquidação”, mesmo que essa apreciação não seja o fundamento da decisão administrativa (cfr., neste sentido, o acórdão arbitral de 06/12/2013, proferido no processo n.º 117/2013-T).

 

Tal o entendimento, consolidado, da jurisprudência dos Tribunais Arbitrais, que funcionam no âmbito do CAAD (cfr. acórdãos n.ºs 148/2014-T, 236/2013-T e 244/2013-T, entre outros).

 

Também a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo se vem pronunciando no mesmo sentido, cfr. acórdãos de 14-05-2015 (01958/13), 18-06-2014 (01752/13) e 28-05-2014 (Proc. 01263/13), entre muitos outros.

 

17.6.        Quanto ao conteúdo do ato impugnado e como claramente resulta do pedido de pronúncia arbitral, nomeadamente dos seus artigos 27.º, 28.º, 41.º, 42.º e respetivo petitório, e ainda do artigo 34.º da resposta às exceções, apresentada pela Requerente em 09 de julho de 2015, o ato sindicado nestes autos é o de indeferimento do pedido de revisão das liquidações de IS supra referidas, apresentado à AT em 29 de agosto de 2014, nos termos do artigo 78.º da LGT. 

 

Assim:

Artigo 27º: “A Requerente não concorda com o indeferimento do pedido de revisão oficiosa com base na intempestividade (…)”, -------------------------------

Artigo 28º: “A AT alega para justificar a decisão final de indeferimento que o pedido de revisão oficiosa das liquidações é intempestivo, na medida em que, o prazo para apresentação do pedido de revisão oficiosa é de 120 dias contados do fim do prazo de pagamento voluntário da prestação tributária, o qual já decorreu”, ----------------------------------------------------------------------------------

Artigo 41º: “Pelo que a Requerente não se pode conformar com o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, uma vez que este é tempestivo, nos termos do artigo 78 n.º 1 da LGT, padecendo a decisão da AT de vício de lei”, --------------------------------------------------------------------------

Artigo 42º: “Não obstante a AT ter indeferido o pedido de revisão oficiosa com fundamento em intempestividade, o qual não tem base legal, como acima demonstrado (…)”, -----------------------------------------------------------------------Petitório: “Termos em que deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado procedente, por provado, e em consequência: (i) Ser declarada a ilegalidade e a consequente anulação das liquidações de IS, efetuadas em 2012 e 2013 (…), --------------------------------------------------------------------------------

Artigo 34º da resposta às exceções: “Com efeito, tendo a Requerente solicitado revisão oficiosa do acto tributário de liquidação, o prazo para apresentar pedido de pronúncia arbitral sobre esse acto deixa de se contar a partir da data limite para pagamento voluntário do tributo, pois o que passa a relevar é a data do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, facto previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT por remissão do artigo 10 n.º 1, alínea a) do RJAT”.

 

17.7.        O pedido de revisão supra referido foi indeferido, por despacho da Chefe do Serviço de Finanças do Porto 4, de 12 de dezembro de 2014, proferido nos seguintes termos: “Concordo, pelo que rejeito liminarmente o pedido nos termos e com os fundamentos constantes do projeto de decisão oportunamente notificado. Notifique-se, informando o requerente que deste despacho poderá, querendo, recorrer hierarquicamente, no prazo de 30 dias a contar da notificação, nos termos do nº 1 do artigo 66.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) ”.

 

Por sua vez, o projeto de decisão, notificado à Requerente através do ofício n.º …/…-10, daquele Serviço de Finanças, de 11 de novembro de 2014, foi proferido nos seguintes termos: “Nos termos da informação e proposta infra, com as quais concordo, projeto a rejeição liminar do pedido por extemporâneo. Notifique o reclamante para, querendo, exercer o direito de audição prévia, por escrito, no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do artigo 60º da Lei Geral Tributária”.

 

17.8.        Do exposto resulta a conclusão óbvia de que a Autoridade Tributária não apreciou a legalidade da liquidação.

 

O ato que se encontra em causa, que constitui o objeto imediato do presente processo, é, consequente e indubitavelmente, a decisão de indeferimento, por extemporaneidade, do pedido de revisão oficiosa e não as liquidações de IS (verba 28.1 da TGIS) efetuadas pela AT em 07 de novembro de 2012 e 22 de março de 2013.

 

17.9.        Estamos, por conseguinte, perante um ato administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do ato de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e do artigo 2.º do RJAT (vide acórdão do STA de 28-04-2010 - Proc. 0120/09), o que vale a dizer, que não cabe no âmbito da competência material dos Tribunais Arbitrais.

 

17.10.    Assim, este Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objeto do litígio sub judice, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22-03-2011, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi do artigo 2º, alínea e) do CPPT e artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido e à absolvição da instância da AT, nos termos dos artigos 576º, n.º2 e 577º, alínea a) do CPC, ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

18.  Fica deste modo prejudicado o conhecimento da outra exceção invocada pela Requerida (intempestividade do pedido da Requerente) bem como da questão de mérito.

 

 

 

 

IV - DECISÃO

 

Ponderando a fundamentação exposta, este Tribunal decide:

 

a)        Julgar procedente a exceção dilatória de incompetência em razão da matéria deduzida pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

 

b)        Absolver a Requerida da instância (artigos 96.º e 278.º do Código de Processo Civil);

 

c)        Julgar, em consequência, prejudicado o conhecimento das demais exceções e da questão de mérito; e

 

d)       Condenar a Requerente no pagamento das custas (artigo 22º-4, do RJAT), fixando estas na importância de 2 754,00€, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea d), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 82 825,28€.

 

 

Lisboa, 04 de setembro de 2015.

 

 

 

 

 

 

Os Árbitros,

 

 

 

(Manuel Luís Macaísta Malheiros)

 

 

 

(Francisco José Nicolau Domingos)

 

 

 

(Rui Ferreira Rodrigues)