Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 111/2014-T
Data da decisão: 2014-12-22  IVA  
Valor do pedido: € 84.955,37
Tema: IVA – Caducidade do direito à liquidação; sujeição a IVA; subvenções.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 111/2014 – T

Tema: IVA – Caducidade do direito à liquidação; sujeição a IVA; subvenções.

 

Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma e Dr. Emanuel Augusto Vidal Lima, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em 14 de Abril de 2014, acordam no seguinte:

      

I.         RELATÓRIO

 

“A” – PROMOÇÃO E DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO, LDA., com o número único de matrícula e de pessoa colectiva … e sede na Rua …, n.º… , …-…, Vila Nova da …, no âmbito territorial do Serviço de Finanças de Vila Nova da …, doravante “Requerente”, requereu a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado na sequência do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa deduzida contra as liquidações adicionais de IVA e inerentes juros compensatórios, no valor global apurado pela Requerente de € 84.955,37, e tem por objecto a ilegalidade, e consequente anulação, destes actos tributários no referido valor e do indeferimento da referida Reclamação.

 

       Como fundamento da sua pretensão a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

 

(a)    Ter caducado o direito da Autoridade Tributária e Aduaneira liquidar o imposto referente ao ano 2008, quer por não ter sido validamente notificado à Requerente o correspondente acto de liquidação no prazo de 4 anos consagrado no artigo 45.º, n.ºs 1 e 4 da Lei Geral Tributária (“LGT”), quer por ser inaplicável o disposto no n.º 3 deste preceito e, ainda, por não ter ocorrido a suspensão do prazo de caducidade prevista no artigo 46.º, n.º 1 do mesmo diploma;

 

(b)   Que as subvenções lhe foram atribuídas no contexto da Execução do Plano de Promoção do PARQUE … 2007/2008, com o propósito de projectar e dinamizar a região e de assegurar a promoção dos eventos aí realizados. Tais subvenções não são directamente relacionadas com o preço das operações, mas consubstanciam um subsídio à exploração, ao funcionamento;

 

(c)    O facto de o montante subvencionado ter por referência um custo previsto não significa que deva ser enquadrado a título de subvenção directamente ligada ao preço, até porque não foi estabelecida qualquer condição de o beneficiário fornecer bens ou serviços, mas apenas de promover a sua própria actividade; 

 

(d)   Que não são devidos juros compensatórios, mesmo no pressuposto de o subsídio em causa ser tributável, pois estamos perante uma matéria complexa, cuja qualificação jurídico-fiscal é controvertida, sendo razoável que o contribuinte tenha uma interpretação (plausível) diferente da defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira. Assim, mesmo que não seja de anular o acto de liquidação de IVA, é ilegal a liquidação de juros compensatórios por não estar demonstrada a culpa da Requerente, exigida pelo artigo 35.º LGT.

 

Conclui pela declaração de ilegalidade das liquidações de IVA e de juros compensatórios, bem como pela condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao reembolso dos montantes indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios. 

 

Com a petição juntou 20 documentos e arrolou 4 testemunhas.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta sustentando que:

 

(i)     Não ocorreu a caducidade do direito à liquidação do IVA, pois foi dado início em 25 de Outubro de 2012 ao procedimento inspectivo externo, cuja ordem de serviço foi assinada nessa data pela representante da sócia maioritária da Requerente (“B”– Associação Empresarial da Região de …), tendo-se suspendido a contagem do prazo de caducidade até à notificação do relatório final de inspecção, o que se verificou em 13 de Março de 2013, dentro do prazo máximo de seis meses previsto no artigo 46.º, n.º 1 da LGT. Assim, descontando-se os cento e quarenta dias durante os quais ocorreu a suspensão, a notificação da liquidação em 27 de Março de 2013 foi efectuada dentro do prazo de caducidade;

 

(ii)    Além do mais, também não se verificou a invocada caducidade, porquanto, no caso de exercício do direito à dedução do IVA concretizado através de reporte de crédito de imposto e subsequente pedido de reembolso de IVA, é de convocar a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), no processo n.º 303/07, cujo Acórdão data de 12 de Julho 2007, segundo a qual para apreciar se se verificam os pressupostos do direito ao reembolso, a Autoridade Tributária e Aduaneira não está limitada pelo prazo de caducidade do direito à liquidação, podendo efectuar correcções às declarações dos contribuintes relativas ao período em relação ao qual é pedido o reembolso, mesmo que anteriores àquele prazo de caducidade;

 

(iii)   Neste sentido, acresce referir que o prazo de caducidade deve ser contado nos termos do artigo 45.º, n.º 3 da LGT, que nos diz que “em caso de ter sido efectuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito”, pelo que também por esta razão, as liquidações foram efectuadas no decurso desse prazo (de caducidade);

 

(iv)  Os subsídios a fundo perdido concedidos à Requerente pelo Programa Operacional Regional de Lisboa e Vale do Tejo cifraram-se em 75% do “preço de custo dos espectáculos” sendo o valor remanescente (acrescido de custos de estrutura) debitado aos três municípios de “E”, “C” e “D”, a título de prestação de serviços realizada pela Requerente;

 

(v)   Assim, a comparticipação recebida da União Europeia consubstancia um subsídio ao custo das operações em causa pelo que faz parte do valor tributável das operações e está sujeito a tributação em IVA, por estar ligado ao preço das operações a praticar, ao abrigo do artigo 16.º, n.ºs 1 e 5 alínea c) do Código do IVA e do artigo 73.º da Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro de 2006, JO L 347, de 11 de Dezembro 2006 (“Directiva IVA”).

 

A Requerida conclui dever a acção ser julgada improcedente por infundada. 

 

Juntou a estes autos o processo administrativo, de que se deu conhecimento à Requerente. “A

 

Em 1 de Outubro de 2014 foi determinada por despacho a prorrogação, por um período adicional de dois meses, do prazo para a decisão arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, em virtude das vicissitudes da tramitação processual e da interposição das férias judiciais.

 

Em 20 de Outubro de 2014, teve lugar, na sede do CAAD, a reunião do Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos e para os efeitos do artigo 18.º do RJAT. Não foram suscitadas excepções dilatórias tendo o Tribunal concluído pela desnecessidade de inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente.

 

Em 14 de Dezembro, foi renovada a prorrogação, por um período adicional de dois meses, com fundamento no artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.

 

Requerente e Requerida apresentaram as suas alegações por escrito mantendo, na essência, os argumentos vertidos nos articulados iniciais.

 

II.      SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

A cumulação de pedidos é admissível pois estamos perante as mesmas circunstâncias de facto e a interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (cf. artigo 3.º, n.º 1 do RJAT).

 

 

III.   QUESTÕES A DECIDIR

 

São três as questões submetidas à apreciação deste Tribunal Arbitral.

       A primeira prende-se com a apreciação da caducidade do direito à liquidação relativa ao ano 2008, na qual importa concluir sobre a aplicabilidade ao caso concreto:

(i)                        Da suspensão do prazo de caducidade consagrada no artigo 46.º, n.º 1 da LGT;

(ii)               Do disposto no artigo 45.º, n.º 3 da LGT; e 

(iii)             Da fundamentação do Acórdão do STA, Processo n.º 0303/07, de 12 de Julho de 2007, segundo o qual para apreciar se se verificam os pressupostos do direito ao reembolso, a Autoridade Tributária e Aduaneira não está limitada pelo prazo de caducidade do direito à liquidação. 

 

A segunda questão, na hipótese de não verificação da caducidade do direito à liquidação do IVA, respeita à qualificação jurídico-tributária, para efeitos deste imposto, da subvenção atribuída à Requerente no âmbito do FEDER - Programa Operacional da Região de Lisboa e Vale do Tejo. Em concreto, está em causa aferir se a mesma é sujeita a IVA, o que sucederá se se concluir pela sua conexão directa ao preço das operações (activas) da Requerente, integrando o respectivo valor tributável.

 

Por último, cabe concluir sobre a invalidade autónoma da liquidação dos juros compensatórios, com base na invocação de ausência de culpa por parte da Requerente.

 

IV.   FUNDAMENTAÇÃO

 

1.        DOS FACTOS

 

a)        Factos provados

Com relevo para a decisão importa atender aos seguintes factos:

 

A.         “A” – PROMOÇÃO E DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO, LDA., aqui Requerente, é uma sociedade comercial por quotas constituída em 7 de Novembro de 2000, cujo capital social é detido pelos municípios de “C” (16%), “D” (16%), “E” (16%) e pela “B”– Associação Empresarial da Região de … (52%) – cf. Cópia da Certidão Permanente junta ao pedido arbitral como Documento 14 e Relatório de Inspecção Tributária (“RIT”), constante do processo administrativo (“PA”), ficheiro PA2.

 

B.          A Requerente é um sujeito passivo de IVA enquadrado no regime normal, com periodicidade trimestral, e tem por objecto social “Actividades de Parques de Diversão e Temáticos” que desenvolve nos concelhos de “C”, “D” e “E”, a que corresponde o CAE … – cf. (“RIT”), ficheiro PA2.

 

C.         A actividade principal da Requerente tem-se centrado no fomento, promoção e dinamização do desenvolvimento turístico, económico e social da zona ribeirinha conhecida por PARQUE …, sita nos referidos municípios de “C”, “D” e “E”, incluindo a construção de infra-estruturas de apoio a actividades náuticas, turismo activo, recreio e lazer, a aquisição de equipamentos, a sua gestão e exploração, directa ou através de terceiros, a gestão de concessões e a realização de eventos turísticos, culturais e sociais – conforme Estatutos juntos ao pedido arbitral como Documento 15.

 

D.         No âmbito das suas atribuições estatutárias e depois de, numa primeira fase, ter procedido à criação de infra-estruturas de apoio ao desenvolvimento do PARQUE … (como os centros náuticos de “C”e de “E” e os bares de apoio nas zonas ribeirinhas, designadamente o Bar/Posto de Recepção de Visitantes do Castelo …), a partir de 2008, a Requerente procurou promover o Projecto PARQUE …, através de eventos promocionais – cf. Relatório e Contas de 2007, 2008 e 2009, constantes do PA2 e RIT.

 

E.         Para este efeito, a Requerente procedeu à instauração dos seguintes concursos:

(a)    Concurso Público Internacional “Concepção e Realização de Eventos de Animação e Promoção do Rio e Margens do Tejo integrado no Plano Promocional do Parque … 2007/2008”, que incluiu a realização dos seguintes eventos:

- Vila POEMA – evento multidisciplinar (realizado a 12 e 13 de Julho de 2008);

- … NonStop - evento multidisciplinar (realizado a 14 e 15 de Junho de 2008);

- Bailes do Mundo – eventos de dança e música (realizado a 2, 15 e 23 de Agosto de 2008);

- Torneio de Armas a Cavalo e Falcoaria – evento de época (realizado a 5 de Julho de 2008);

- Assalto ao Castelo – evento de época (realizado a 26 de Julho de 2008);

- Templo … – evento multidisciplinar (realizado a 6 de Setembro de 2008);

(b)     Ajuste directo para a “Concepção e realização de dois eventos no rio Tejo integrados no Plano Promocional do Parque ,,,”, que inclui a realização dos seguintes eventos:

- River Show – evento multidisciplinar (realizado a 24 de Maio e 15 de Junho de 2008);

- Marítimos – constituída por diversos espectáculos e animação (realizados a 3, 9, 10, 24 e 31 de Agosto de 2008);

(c)      Concurso limitado para a aquisição dos serviços de Media Relations para a promoção do Parque … 2007/2008

 – conforme Relatório e Contas de 2007, 2008 e 2009, constantes do PA2 e RIT.

 

F.         Para o financiamento dos eventos supra descritos, a Requerente apresentou, em 30 de Julho de 2007, uma candidatura à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (“CCDRLVT”), no âmbito do Programa Operacional da Região de Lisboa e Vale do Tejo (“PORLVT”) – Eixo Prioritário 2 – Acções Integradas de Base Territorial – Medida 2.3 – VALTEJO – Valorização do Tejo – nos termos do Formulário de Candidatura junto ao pedido arbitral como Documento 19 e constante do ficheiro PA3.

 

G.        O Projecto teve por escopo a promoção das infra-estruturas previamente criadas na zona ribeirinha do PARQUE … e, ainda, o desenvolvimento turístico, económico e social da região – cf. anexo ao Formulário de Candidatura constante do ficheiro PA3.

 

H.        A candidatura foi aprovada em 5 de Dezembro de 2007, com uma taxa de comparticipação FEDER de 75% do montante elegível, correspondente a € 454.500,00, face ao valor total estimado para a realização dos eventos e espectáculos promocionais acima identificados (ponto E. supra) e para a aquisição dos serviços de Media Relations destinados à sua promoção e divulgação, que ascendeu a € 606.000,00 (valores sem IVA) – cf. notificação da homologação da candidatura junta ao pedido arbitral como Documento 20 e RIT.

 

I.           Os custos remanescentes não comparticipados dos referidos eventos e serviços de Media Relations, correspondentes a 25% do respectivo valor-base, acrescidos dos custos de estrutura da Requerente, foram imputados e facturados aos municípios onde tais eventos foram desenvolvidos – cf. RIT.

 

J.          Considerando que a Requerente incorreu em IVA na aquisição dos bens e serviços necessários à realização dos mencionados eventos e à sua promoção e divulgação, imposto relativamente ao qual exerceu o direito à dedução integral (a 100%), e que apenas facturou com IVA aos municípios onde foram desenvolvidos os eventos, a título de serviços prestados, a parte do valor destes custos que não foi comparticipado (de aproximadamente 25% do respectivo valor-base, adicionado de alguns custos de estrutura), a Requerente apurou um crédito de imposto a seu favor, pois o IVA deduzido superou largamente o IVA liquidado aos municípios – cf. RIT.

 

K.        Por forma a recuperar o referido crédito de imposto (resultante do facto de liquidar IVA sobre um valor de facturação substancialmente inferior ao dos custos suportados e de deduzir o IVA relativo a estes custos na sua totalidade), a Requerente apresentou um pedido de reembolso de IVA com referência ao período de … (i.e, segundo trimestre de 2009) – cf. RIT.

 

L.         Por ofício datado de 11 de Janeiro de 2011, com o n.º …, a Direcção de Finanças de Santarém enviou à Requerente um “Pedido de informações no âmbito da colaboração com a Administração Tributária (Art. 59º e 63º da Lei Geral Tributária e 29º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária). Este pedido solicitava o envio dos seguintes elementos: Estatutos da Requerente; Protocolos celebrados entre a Requerente e as Câmaras Municipais, para a realização de eventos nos exercícios de 2007 a 2010; Descrição da actividade desenvolvida pela Requerente nesses exercícios – cf. Documento 10 junto com o pedido arbitral e PA2.

 

M.       Pedido ao qual a Requerente respondeu por carta datada de 28 de Janeiro de 2011 com o envio dos Estatutos e dos Relatórios e Contas dos anos 2007, 2008 e 2009 – cf. Documento 15 junto com o pedido arbitral.

 

N.         A Direcção de Finanças de Santarém efectuou um pedido de informação à Direcção de Serviços do IVA – Divisão de Concepção, sobre o enquadramento das operações acima descritas em sede de IVA – cf. RIT.

 

O.        Em resposta a este pedido, a Direcção de Serviços do IVA prestou a Informação n.º 2736, de 9 de Novembro de 2011 da qual se retira o seguinte excerto constante do RIT: 

a.        

II- ENQUADRAMENTO EM IVA

 

8. Consultado o sistema informático verifica-se que o sujeito passivo, encontra-se registado para efeitos fiscais com a actividade de “Actividades de Parques de Diversão e Temáticos” (…).

12. Relativamente a uma eventual exclusão de incidência de imposto, por via da regra estabelecida no art.º 2º, n.º 2 do CIVA, importa salientar que esta disposição se aplica quando, cumulativamente, estão preenchidas as seguintes condições; i) a realização de operações por parte do Estado e demais pessoas colectivas de direito público ii) no exercício de actividades na qualidade de autoridade pública iii) desde que a não sujeição não origine distorções de concorrência.

13. Ora, as referidas condições não se verificam, pelo que se conclui, que a sociedade em causa é um sujeito passivo dos referidos no art.º 2º, n.º 1, alínea a) do CIVA, que se encontra adstrito ao cumprimento da obrigação principal de liquidação de imposto relativamente à actividade que exerce, e ao cumprimento das demais obrigações declarativas e acessórias impostas pelo Código do IVA.

14. Relativamente às operações praticadas pelo sujeito passivo, conforme referido pela Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Santarém, a actividade deste sujeito passivo nos exercícios de 2007 e 2008, resume-se principalmente à contratação da concepção e produção de espectáculos subsidiados a fundo perdido (75%) pelo Programa Operacional Regional de Lisboa e Vale do Tejo, sendo os restantes custos não comparticipados (25%) facturado aos restantes municípios.

15. A candidatura apresentada incorporou as seguintes intervenções previstas para o Projecto Parque …:

a) Realização de dois eventos no Rio Tejo integrados no Plano promocional do Parque …;

b) Concepção e realização de eventos de animação e promoção do Rio e Margens do Tejo Integrado no plano promocional do Parque … para 2007/2008;

c) Aquisição dos serviços de “Media Relations” para a promoção do Parque …;

16. O financiamento por parte da União Europeia, foi atribuído tendo em conta o custo total elegível do projecto.

17. O não cumprimento da programação física e financeira aprovada e/ou alteração estrutural do projecto de execução aprovado, implica a reformulação da candidatura aprovada ou a anulação do compromisso financeiro acordado para o projecto, envolvendo nesse caso a devolução dos montantes financeiros já recebidos (cfr. termo de aceitação da decisão de aprovação da candidatura FEDER).

18. A propósito da aplicação de IVA a ajudas comunitárias, a Comissão já se pronunciou no seguinte sentido: “Porém, importa salientar que o ponto A), n.º 1, alínea a) do artigo da Sexta Directiva (alterada) estabelece que, no interior do país, a matéria colectável é constituída, no caso de entregas de bens e de prestações de serviços, por tudo o que constitui a contrapartida que o fornecedor ou o prestador recebeu ou deve receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções directamente relacionadas com o preço de tais operações. Por conseguinte, a tributação das ajudas (nomeadamente comunitárias) não é excluída a prior mas poderá sê-lo, especialmente se as subvenções não constituírem uma contrapartida da entrega de bens ou da prestação de serviços se, por exemplo, não existe consumo”. [Nota – Resposta dada pelo Comissário Bolkenstein em nome da Comissão (30 de Abril de 2004) à pergunta escrita P-1 199/04.]

19. Em consonância com o artigo 73º da Directiva IVA (Directiva 20.06/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro que republicou a Sexta Directiva), estabelece o artigo 16º, nº 1 e n.º 5 al. c) do CIVA, que o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções directamente conexas com o preço de cada operação, considerando como tais, as que são estabelecidas em função do número de unidades transmitidas ou do volume dos serviços prestado e sejam fixadas anteriormente à realização das operações.

20. Sobre esta matéria, refere Clotilde Celorico Palma, que são “directamente ligadas ao preço das operações, as subvenções cujo montante é determinado em relação ao preço de venda dos bens e serviços fornecidos, em função das quantidades vendidas, ou do custo dos bens e serviços, as maiores dúvidas subsistem relativamente a outros tipos de subvenções, tais como as subvenções denominadas de equilíbrio ou as subvenções de funcionamento, que visam o restabelecimento da situação económica de uma empresa e que são atribuídas sem referência expressa a um preço.”.

21. E ainda a mesma autora, citando o Advogado Geral F.G. Jacobs, nas suas conclusões apresentadas no caso Landboden-Agrardienste, Proc. C-384/95, “a Sexta Directiva prevê a tributação dos subsídios só em termos limitados. De acordo com as regras da Directiva, o subsídio será incluído na matéria colectável se o seu pagamento estiver sujeito à condição de o beneficiário fornecer bens ou serviços. Assim, por exemplo, uma medida de ajuda através da qual um agricultor recebe um certo montante por cada produto vendido faz parte da contrapartida pelo fornecimento. Pelo contrário, os subsídios menos relacionados com os fornecimentos concretos e mais vocacionados para o melhoramento da situação económica das empresas não fazem parte da matéria colectável. Exemplos desse tipo de subsídios são os que se destinam à aquisição de bens, à cobertura dos prejuízos e à reestruturação de uma empresa.”

22. Ainda segundo José Guilherme Xavier de Basto, “A solução da directiva está, por outro lado, longe de ser de aplicação fácil pelos Estados membros, implica a distinção entre subvenções “directamente ligadas ao preço” das operações, a incluir na base tributável, e as de outras naturezas, que não contam para a determinação daquela base. Atendendo à diversidade de situações que se podem verificar, nem sempre é fácil a distinção. Quando o montante dos subsídios é determinado quer por referência aos preços de venda quer às quantidades vendidas “indemnizações compensatórias”, é nítido tratar-se de subvenções directamente ligadas aos preços. Também não suscitará dúvidas a não inclusão das subvenções de capital. Já todavia se poderá revelar árduo decidir a questão quanto a outros tipos de subsídios de exploração, que não são calculados com referência a preços ou quantidades vendidas. Será o caso por exemplo das chamadas “subvenções de equilíbrio” calculadas, a posterior para a cobertura de défices de exploração, e das “subvenções de funcionamento” que constituem complementos de receitas determinados a prior independentemente dos resultados da exploração.”

23. Por fim, cabe citar a jurisprudência do Tribunal de Justiça nesta matéria, que no acórdão de 22 de Novembro de 2001 [Nota: Processo C-184/00 (Office des produits wallons ASBL contra Estado Belga)] referiu o seguinte: “Com efeito o artigo 11, A, n.º 1, alínea a) da Sexta Directiva tem em vista, situações em que estão em causa três partes, a saber, a autoridade que concede a subvenção, o organismo que dela beneficia e o comprador do bem ou o destinatário do serviço respectivamente entregue ou prestado pelo operador subvencionado. Assim, as operações previstas no artigo 11º-A, da Sexta Directiva não são as realizadas em benefício da autoridade que concede a subvenção”

Face ao exposto conclui-se o seguinte:

24. A “A” é um sujeito passivo dos referidos no art.º 20, n.º 1, alínea a) do CIVA, pelo que as contrapartidas recebidas no âmbito da sua actividade, constituem a contrapartida que o fornecedor dos bens ou o prestador dos serviços recebeu ou deve receber em relação às operações tributáveis, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, e estão sujeitas a IVA nos termos gerais do Código.

25. A comparticipação financeira atribuída à “A”, Lda., pela União Europeia, e pelos municípios, constitui a contrapartida da concepção e realização dos eventos e espectáculos. Estes eventos são facturados aos Municípios, entidades que demonstraram interesse na sua aquisição, por 25% do seu custo total. Em coerência com este enquadramento, o sujeito passivo liquidou IVA no montante repartido, imputado e facturado aos três municípios onde foram desenvolvidos os eventos. Foi possível facturar apenas 25% do total do custo aos Municípios dada a circunstância da “A”, Lda. ter recebido os restantes 75% da União Europeia.

26. O financiamento por parte da União Europeia, foi atribuído, não só tendo em vista a concretização de um determinado projecto, mas também o respectivo custo total elegível. Nessa medida, trata-se de um financiamento que não consubstancia um subsídio à exploração (de equilíbrio ou de financiamento) que vise o restabelecimento da situação económica da empresa, atribuído sem referência expressa a um preço.

27. Por conseguinte, os restantes 75% financiados pela União Europeia, constituem, nos termos da alínea c) do Nº5 do artigo 16º do CIVA, um subsídio ao preço das operações realizadas, incluído no valor tributável, relativamente ao qual deve ser calculado e liquidado imposto.

28. Deste modo, o sujeito passivo não procedeu correctamente, pelo que deve, na medida em que o valor recebido se decompõe em financiamento e correspondente liquidação de IVA, proceder à sua entrega, retirando-o do financiamento recebido.

29. Actuando de acordo com o procedimento atrás referido, em consonância com as regras do direito à dedução e princípio da neutralidade do imposto, a Parque …, pode deduzir o IVA suportado com a aquisição de bens e serviços que contribuíram para o desenvolvimento da sua actividade. (…)

Não tendo assim procedido à entrega nos cofres do Estado, do IVA exigível nos termos do nº 1 do artigo 27º do CIVA. O valor do respectivo IVA não entregue, ascende aos montantes de 72.652,74€ e 3.787,60€ em 2009.

Este valor repartido por cada um dos trimestres é de:

 

Exercícios

2008

2009

1º Trimestre

0,00

0,00

2º Trimestre

20.732,99

3.787,50

3º Trimestre

14.743,75

0,00

4º Trimestre

37.176,00

0,00

Total

72.652,74

3.787,50

 

P.         Na sequência da análise da legitimidade do crédito de IVA que originou o pedido de reembolso de IVA solicitado pela Requerente, foi dado início a um procedimento inspectivo com origem nas Ordens de Serviço Externas OI… e OI…, de âmbito parcial, referentes a IVA, abrangendo os anos 2008 e 2009, respectivamente – cf. RIT.

 

Q.        O início da acção de inspecção externa aos anos 2008 e 2009 foi precedido de carta-aviso enviada à Requerente, com data de 28 de Setembro de 2012, para cada um dos anos em causa, tendo sido iniciada em 25 de Outubro de 2012 com a assinatura das respectivas Ordem de Serviço por …, representante da “B” – Associação Empresarial da Região de …, sócia maioritária da Requerente (em 52%), inserida no campo 7 (O(S) SUJEITO(S) PASSIVO(S)) – cf. PA4.

 

R.         Os actos de inspecção foram concluídos em 24 de Janeiro de 2013, com a assinatura das respectivas notas de diligência por um representante do Município de “E”, sócio da Requerente, no campo 7 (O(S) SUJEITO(S) PASSIVO(S)), seguindo-se a notificação do respectivo Projecto de Relatório que se converteu em final, não tendo sido exercido o direito de audição – cf. PA4. 

 

S.          O Relatório (final) de Inspecção Tributária foi notificado à Requerente em 13 de Março de 2013, concluindo pela falta de liquidação de IVA, nas importâncias de € 72.652,74 (2008) e € 3.787,50 (2009), relativamente aos subsídios recebidos, face ao disposto no artigo 16.º, n.º 5, alínea c) do Código do IVA, aderindo aos fundamentos da Informação n.º 2736, da Direcção de Serviços do IVA, de 9 de Novembro de 2011 (vide ponto O supra), que reproduz – cf. RIT e PA2.

 

T.         A Requerente foi notificada, em 27 de Março de 2013, das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios discriminadas no quadro seguinte:

 

LIQUIDAÇÕES ADICIONAIS

PERÍODO

NÚMERO

NATUREZA

DATA LIMITE PAG.

VALOR [€]

0806

…M

IVA

31.05.2013

20.732,99

0806

…M

JUROS

31.05.2013

3.767,16

0809

…M

IVA

31.05.2013

14.743,75

0809

…M

JUROS

31.05.2013

2.530,27

0812

…M

IVA

31.05.2013

37.176,00

0812

…M

JUROS

31.05.2013

6.005,20

0906

13013814

IVA

30.06.2013

3.787,50

0906

13013815

JUROS

30.06.2013

535,85

 

cf. Documentos 1 a 8 juntos com o pedido arbitral e PA1.

 

U.         A Requerente apresentou Reclamação Graciosa por não se conformar com os actos tributários mencionados no ponto anterior, a qual veio a ser indeferida por ofício datado de 2 de Janeiro de 2014, notificado no dia seguinte (03.01.2014) – cf. cópia da decisão de indeferimento junta ao pedido arbitral como Documento 9, PA1 e PA5.

 

V.         A decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa ancora-se nos fundamentos do Relatório de Inspecção Tributária, introduzindo, quanto à alegação de caducidade do direito a liquidar o imposto invocada pela Requerente, o argumento de que a norma aplicável é o n.º 3 do artigo 45.º da LGT e não o n.º 1 deste preceito, podendo ser efectuadas correcções às declarações dos contribuintes “relativas aos períodos em relação aos quais é pedido o reembolso, mesmo que anteriores àquele prazo de caducidade” – cf. cópia da decisão de indeferimento junta ao pedido arbitral como Documento 9, PA1 e PA5.

 

W.       A Requerente procedeu ao pagamento dos montantes de imposto e juros compensatórios constantes das liquidações adicionais em apreço, dentro do respectivo prazo para pagamento voluntário – cf. Documentos 1 a 8 juntos com o pedido arbitral e PA1.

 

X.        Em 11 de Fevereiro de 2014, a Requerente apresentou requerimento de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo junto do CAAD – cf. requerimento electrónico no sistema do CAAD.

 

b)        Factos não provados

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

c)         Motivação da decisão de facto

 

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame e análise crítica dos documentos e informações juntos ao processo acima discriminados a propósito de cada uma das alíneas do probatório, não tendo os factos fixados sido impugnados, nem a sua autenticidade e veracidade questionada pelas partes.

 

 

 

 

2.         DO MÉRITO

 

2.1.Sobre a caducidade do direito à liquidação do ano 2008

 

A.    Da alegada inexistência de efeito suspensivo, por inaplicabilidade do artigo 46.º, n.º 1 da LGT

 

De acordo com a Requerente, a contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação do IVA de 2008 iniciou-se em 1 de Janeiro de 2009, ou seja, no início do ano civil seguinte ao período de tributação em causa, pelo que a notificação das liquidações deveria ter ocorrido até ao dia 1 de Janeiro de 2013 (cf. artigo 45.º, n.º 1 da LGT). Tendo estas liquidações sido notificadas no dia 26 de Março de 2013, o prazo de caducidade foi ultrapassado e as mesmas padecem de ilegalidade.

 

Neste âmbito, a Requerente considera que o procedimento inspectivo de que foi alvo, que denomina de “alegada inspecção externa”, não teve carácter externo e, por conseguinte, rejeita o efeito suspensivo do prazo de caducidade previsto no artigo 46.º, n.º 1 da LGT.

 

Desde logo, para a Requerente a acção inspectiva iniciou-se, pelo menos em 2011, como inspecção interna, atento o pedido de informações dos Estatutos e Protocolos celebrados constante do ofício n.º 383, datado de 11 de Janeiro de 2011, da Direcção de Finanças de Santarém, ao abrigo do princípio de “colaboração com a Administração Tributária” (ponto L da matéria de facto).

 

Para que a alteração do procedimento de inspecção interno para externo fosse válida, a mesma teria de ocorrer mediante despacho fundamentado da Autoridade Tributária e Aduaneira a notificar à Requerente, o que não veio a suceder. Não tendo a Requerente sido validamente notificada de qualquer alteração ao tipo de inspecção, a inspecção externa padece de manifesta nulidade, devendo-se considerar apenas e só a inspecção interna, sem efeito suspensivo do prazo de caducidade (cf. artigo 15.º do Regime Complementar de Procedimento de Inspecção Tributária – “RCPIT”).

 

Adicionalmente, a Requerente aduz não ter sido validamente notificada, i.e., “nos termos legais”, da ordem de serviço no início da acção de inspecção externa, pois aquela não foi assinada por (e entregue a) um representante legal, ou pelo técnico oficial de contas ou, ainda, por um qualquer seu empregado ou colaborador, conforme determina o artigo 51.º do RCPIT. Afirma inclusivamente que “em momento algum recebeu / assinou qualquer notificação referente à inspecção externa”.

 

De novo, e fundando-se no facto de a notificação não ter sido realizada “nos termos legais”, a Requerente recusa a aplicação do artigo 46.º, n.º 1 da LGT e o efeito de suspensão do prazo de caducidade.

 

Acresce que, para a Requerente, ainda que porventura se considerasse que os suscitados vícios não se verificaram a liquidação padeceria de “inconstitucionalidade por manifesta violação do princípio da segurança jurídica”, pois estaria em causa a aceitação da “manipulação” do prazo pela Autoridade Tributária e Aduaneira pelo período de 6 meses, sem a exigência de quaisquer fundamentos podendo levar a tratamentos discriminatórios e desigualdade dos contribuintes cuja inspecção é interna, maxime se a inspecção externa foi iniciada apenas com o propósito de prorrogar o prazo de caducidade, sem qualquer fundamento real para a sua realização.

 

Apreciando os vícios suscitados pela Requerente em matéria de caducidade, é pacífico que a contagem do prazo se iniciou em 1 de Janeiro de 2009. A questão que se coloca, pois, é a de saber se a referida contagem foi suspensa pelo preenchimento da hipótese normativa do artigo 46.º, n.º 1 da LGT. 

 

       Resulta da análise da factualidade assente que, na sequência da apreciação do pedido de reembolso de IVA solicitado pela Requerente, foi dado início a um procedimento inspectivo com origem nas Ordens de Serviço Externas OI… e OI…, de âmbito parcial, referentes a IVA, abrangendo (respectivamente) os anos 2008 e 2009, tendo a Requerente sido notificada por cartas-aviso, datadas de 28 de Setembro de 2012, da realização destas duas acções inspectivas. E, em 25 de Outubro de 2012, teve início o procedimento inspectivo em causa, com a assinatura das duas Ordens de Serviço por uma representante da sócia maioritária da Requerente (a “B” – Associação Empresarial da Região de …). 

 

Constata-se, desta forma, que a Requerente foi efectivamente alvo de um procedimento de inspecção externa iniciado no final de Outubro de 2012.

 

       Sobre a precedência de uma acção inspectiva interna reportada ao início de 2011, arguida pela Requerente e caracterizada pelo artigo 13.º, alínea a) do RCPIT como aquela em que os actos de inspecção se efectuam exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos, a mesma, caso se tenha verificado, não é impeditiva da subsequente realização de uma acção externa, que se diferencia daquela por os actos de inspecção se efectuarem, no todo ou em parte, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos.

 

O critério distintivo dos dois tipos de procedimento é, assim, o lugar da sua realização, comportando importantes diferenças de regime, que se prendem essencialmente com o carácter potencialmente invasivo dos procedimentos externos que não se verifica nos internos, que não implicam a perturbação e ingerência na esfera dos sujeitos passivos. Por esta razão, o princípio da irrepetibilidade das inspecções apenas vigora para os procedimentos externos (cf. artigo 63.º, n.º 4 da LGT)[1].

 

A sucessão de uma acção (inspectiva) interna por uma acção externa não configura uma alteração do mesmo procedimento inspectivo, como parece pretender a Requerente, mas dois procedimentos distintos, com requisitos e regimes diferenciados. Neste sentido, compulsa-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul “TCAS”, processo n.º 05303/12, de 10 de Julho de 2012, segundo o qual as inspecções externas “não constituem a continuação do procedimento interno anteriormente iniciado, ainda que possa ter tido como motivação imediata o não alcançar dos objectivos que pelo mesmo se visava obter (…) sendo certo que a lei apenas proíbe a existência de mais de um procedimento de inspecção externa (…) mas não que, na sequência de uma acção de inspecção interna possa iniciar outra de cariz externa (…).

 

Deste modo, o âmbito de aplicação do artigo 15.º do RCPIT, que impõe a notificação do despacho fundamentado da alteração, não abrange a referida sucessão de procedimentos, mas modificações no decurso de procedimentos externos.

 

Dispõe o mencionado artigo 15.º do RCPIT, sob a epígrafe “ Alteração dos fins, âmbito e extensão do procedimento”, no seu n.º 1, que “[O]s fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspecção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspeccionada.”

 

Decorre do elemento interpretativo gramatical que o tipo de procedimento, interno ou externo, não está abrangido pelo campo de vigência desta norma, pois, nem os fins, nem o âmbito, nem a extensão do procedimento se prendem com a sua natureza interna ou externa. Quanto aos fins, o artigo 12.º do RCPIT, esclarece o respectivo critério classificatório, dividindo-o em procedimento de comprovação e verificação e procedimento de informação. Relativamente ao âmbito, o procedimento pode ser geral ou parcial, nos termos do artigo 14.º, n.º 1 do RCPIT. E, em matéria de extensão, o n.º 2 deste artigo 14.º regula a sua amplitude temporal, podendo o procedimento englobar um ou mais períodos de tributação. Conclui-se que o tipo de procedimento não é visado pelo regime conformador do artigo 15.º do RCPIT.

 

De salientar adicionalmente que a restrição do âmbito do artigo 15.º, n.º 1 do RCPIT aos procedimentos externos iniciados é a única consentânea com o facto de apenas estes deverem ser objecto de notificação aos sujeitos passivos, e não os internos. Com efeito, para além de a posição da Requerente não ter suporte no texto legislativo, pois o tipo de procedimento não consta da sua hipótese normativa (do citado artigo 15.º do RCPIT), a notificação de alterações a procedimentos internos não teria qualquer cabimento, pois esses procedimentos internos, seu início e vicissitudes, não são objecto de notificação aos contribuintes.

 

Em síntese, não ocorreu uma alteração do procedimento de inspecção interno (em continuidade) para externo, tendo sim sido iniciado um procedimento externo para 2008 assente na correspondente Ordem de Serviço. Ora, não tem aplicação ao início de uma acção inspectiva externa o disposto no artigo 15.º, n.º 1 do RCPIT, pelo que não se verifica o vício de falta de notificação do despacho a fundamentar à Requerente uma alteração do tipo de inspecção, de interna para externa.

 

Obiter dictum, sempre se dirá que constitui jurisprudência consolidada do STA que os vícios procedimentais não geram necessariamente a invalidade do acto tributário de liquidação, pelo que mesmo que a posição da Requerente fosse de sufragar (que não o é) o suscitado vício poderia não produzir o efeito invalidante do acto tributário de liquidação (cf.  entre outros, os seguintes Acórdãos do STA: processo n.º 0955/07, de 27 de Fevereiro de 2008; processo n.º 080/08, de 10 de Dezembro de 2008; processo n.º 0102/08, de 10 de Dezembro de 2008; e processo n.º 103/08, de 4 de Junho de 2008). 

 

Em segundo lugar, suscita a Requerente o vício de notificação inválida da acção inspectiva externa por “em momento algum” ter recebido ou assinado “qualquer notificação referente à inspecção externa”, ao arrepio do determinado pelo artigo 51.º do RCPIT. Este vício afectaria o efeito suspensivo da notificação do início da acção inspectiva externa, prevista no artigo 46.º, n.º 1 da LGT, dado que essa notificação teria de ser efectuada “nos termos legais”.

 

Vejamos, para este efeito, o disposto nos citados preceitos:

 

 Artigo 46.º da LGT - Suspensão e interrupção do prazo de caducidade

1.      O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação.” (sublinhado nosso)

2.      (…)

3.      (…)”

 

Artigo 51.º RCPIT – Data do início do procedimento de inspecção

1. Da ordem de serviço ou do despacho que determinou o procedimento de inspecção, será, no início deste, entregue uma cópia ao sujeito passivo ou obrigado tributário, excepto nas situações previstas no n.º 6 do artigo 46.º.

2. O sujeito passivo ou obrigado tributário ou o seu representante deve assinar a ordem de serviço indicando a data da notificação, a qual, para todos os efeitos, determina o início do procedimento externo de inspecção.

3. A ordem de serviço deve ser assinada pelo técnico oficial de contas ou qualquer empregado ou colaborador presente caso o sujeito passivo ou obrigado tributário ou o seu representante não se encontrem no local.

4. A recusa da assinatura da ordem de serviço não obsta ao início do procedimento de inspecção.

5. (…)

6. (…)”

 

       A este respeito, não podemos deixar de assinalar que, quer a Ordem de Serviço, com base na qual se iniciou a inspecção, quer a nota de diligência de encerramento do procedimento inspectivo foram assinadas por pessoas devidamente identificadas, nas instalações da Requerente, pessoas essas que agiram na qualidade de representantes do sujeito passivo, assinando no campo 7 do respectivo formulário, sob a denominação “O(S) SUJEITO(S) PASSIVO(S)”.

 

       Não estão em causa pessoas estranhas à Requerente, mas uma representante da Associação Empresarial de Santarém, entidade que detém uma participação maioritária (de 52%) na Requerente, e um representante do Município de “E”, entidade que também possui a qualidade de sócia da Requerente.

 

       A própria Requerente refere que o artigo 51.º do RCPIT visa assegurar que, no caso das pessoas colectivas, a notificação seja efectivamente entregue aos seus legais representantes, de forma directa (gerente / administrador) ou indirecta mas com efectiva ligação à pessoa colectiva (através do técnico oficial de contas ou do empregado colaborador – todos estes com deveres para com a pessoa colectiva), impedindo que a notificação seja feita a um terceiro sem qualquer ligação ou obrigação perante o visado com a inspecção, dando como exemplo o porteiro.

 

       Com efeito, dado o potencial de lesividade do procedimento de inspecção externa, a finalidade que o artigo 51.º do RCIPT visa tutelar é a de que seja dado conhecimento efectivo às pessoas que tenham uma ligação relevante ao sujeito passivo pessoa colectiva.

 

       Porém, ao contrário do que alega a Requerente, este escopo foi devidamente acautelado no caso concreto, porquanto, nas instalações da própria Requerente, essas pessoas – representantes dos seus sócios devidamente identificadas (note-se que a Requerente é uma sociedade por quotas e não uma sociedade anónima) declararam tomar conhecimento da Ordem de Serviço e da nota de diligência relativa à conclusão da inspecção e agiram em representação daquela (cf. Acórdão do TCAS, processo n.º 05792/12, de 23 de Outubro de 2012).

 

        E não pode negar-se que as referidas pessoas/entidades detêm uma relação relevante com a Requerente, tão relevante como a que é estabelecida com o técnico de contas ou os funcionários, pois são titulares de interesses e posições substantivas na Requerente. Por isso, não é de aceitar a afirmação da Requerente de que não recebeu “qualquer notificação referente à inspecção externa” a qual, nas circunstâncias descritas, representa um venire contra factum proprium, nem a alegação de que não se verificou o efeito suspensivo previsto no artigo 46.º, n.º 1 da LGT. A Requerente foi validamente notificada.

 

Acresce salientar que mesmo nos casos de recusa da assinatura da Ordem de Serviço, tal não obsta ao início do procedimento de inspecção e à sua produção de efeitos, designadamente ao efeito suspensivo do prazo de caducidade, pelo que não colhe o argumento da ilegalidade na notificação da inspecção externa suscitado pela Requerente.

 

A Requerente invoca, ad cautelem, o vício de “inconstitucionalidade por manifesta violação do princípio da segurança jurídica”. Defende que está em causa uma “manipulação” do prazo de 6 meses pela Autoridade Tributária e Aduaneira que, sem qualquer fundamento real para a sua realização, iniciou a inspecção externa apenas com o propósito de prorrogar o prazo de caducidade, discriminando os contribuintes que apenas são objecto de inspecções internas.

 

Tal arguição não só não é substanciada na(s) norma(s) constitucional(is) que acolhem tal princípio e supostamente violada(s), como não materializa as alegações em que se baseia para concluir pelo(s) desvio(s) ao parâmetro constitucional. Designadamente, a Requerente não demonstra a premissa de que a acção inspectiva externa não teve qualquer fundamento real para a sua realização e de que apenas almejou arbitrariamente prorrogar o prazo de caducidade. É, deste modo, improcedente o invocado vício de inconstitucionalidade.

 

B.     Da inaplicabilidade do artigo 45.º, n.º 3 da LGT e o Acórdão 0303/07, de 12.07.07

 

Opõe-se a Requerente a que o prazo de caducidade aplicável seja contado nos termos do artigo 45.º, n.º 3 da LGT e não do seu n.º 1, enquadramento preconizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira no indeferimento da Reclamação Graciosa. Vejamos a respectiva redacção:

 

Artigo 45º da LGT - Caducidade do direito à liquidação

1.      O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

2.      (…)

3.      Em caso de ter sido efectuado reporte de prejuízos, bem como de qualquer outra dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito.

4.      (…)”

 

Importa relembrar que no caso dos autos, o procedimento inspectivo preparatório das liquidações adicionais impugnadas se fundou no pedido de reembolso de IVA da iniciativa da Requerente. No entanto, esse procedimento não concluiu pelo carácter indevido do exercício do direito à dedução do IVA, o qual, pelo contrário, resultou confirmado.

 

Assim, o fundamento das liquidações de IVA vertentes não respeita ao exercício indevido do direito à dedução do imposto (através do correspondente mecanismo de crédito de imposto), mas à identificação da falta de liquidação de IVA em operações activas, por não terem sido tributados os montantes recebidos a título de subsídios.

 

Não estando subjacente às liquidações controvertidas qualquer situação de dedução indevida de IVA, a situação sub iudice não se afigura enquadrável no âmbito do mencionado n.º 3 do artigo 45.º da LGT, que expressamente se projecta para os casos de dedução ou crédito de imposto e não para os de falta de liquidação de imposto em operações activas. De igual modo, são totalmente desprovidos de aplicação in casu os preceitos constantes dos artigos 19.º a 22.º do Código do IVA, referidos pela Requerida, respeitantes ao exercício do direito à dedução.

 

Não se antevê razão que legitime alterar esta conclusão pelo simples facto de o procedimento de inspecção ter tido como motivação causal um pedido de reembolso de IVA.

 

Aliás, esta distinção entre IVA deduzido (mediante o mecanismo de crédito de imposto) nas operações passivas ou inputs e IVA liquidado nas operações activas ou outputs também releva para a compreensão do sentido e alcance da fundamentação do Acórdão do STA, no processo n.º 0303/07, de 12 de Julho de 2007, no qual a Autoridade Tributária e Aduaneira se baseia para a aplicação do artigo 45.º, n.º 3 da LGT à situação dos autos.

 

A questão objecto daquele recurso jurisdicional consistia em saber se, para efeitos de reembolso do IVA, poderiam ser considerados créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira, derivados de anteriores deduções indevidas efectuadas pelo mesmo contribuinte, relativas ao período de tempo a que se refere o pedido de reembolso, que não foram objecto de liquidação dentro do respectivo prazo legal de caducidade. Questão à qual foi dada resposta afirmativa, ou seja, independentemente do decurso do prazo de caducidade.

 

O aresto conclui que os actos de negação de reporte de créditos, tal como os de recusa de reembolso, como actos negativos que são, não produzem nem declararam qualquer obrigação para o contribuinte, pelo que não considera justificada a aplicação analógica do artigo 45.º da LGT. Ou seja, o Acórdão 0303/07 invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira rejeita, ele próprio, a aplicação (analógica) do artigo 45.º, seja do n.º 1, seja do n.º 3.

 

Por outro lado, importa não esquecer que o objecto do recurso está delimitado a uma situação de dedução indevida de IVA, dedução esta que constitui o fundamento do pedido de reembolso de IVA.

 

A pronúncia do STA no Acórdão 0303/07 versa, assim, sobre uma situação de IVA deduzido indevidamente, considerando que os reembolsos não devem ser efectuados sem uma comprovação, no momento do reembolso, da verificação dos seus pressupostos (do direito à dedução). Dito de outra forma, sendo a razão do reembolso o exercício do direito à dedução do IVA incorrido nas aquisições de bens e serviços efectuadas, caso se verifique que essa dedução não tem fundamento legal não deve o reembolso ser concedido, pois a restituição de tais quantias é indevida (cf. artigo 22.º, n.ºs 1 e 8 do Código do IVA).

 

Questão distinta, que não constitui o objecto do recurso jurisdicional que está na origem daquele Acórdão, é a de saber se, sendo identificada falta de liquidação de IVA por parte do sujeito passivo (e não uma dedução indevida de imposto), é aplicável idêntico raciocínio, ficando em aberto a possibilidade de “compensação” dessa falta de liquidação de IVA com os valores de IVA deduzido, cujo reembolso foi solicitado, ou, dito de outro modo, o seu abatimento ao valor do reembolso.

 

Nesse caso, propendemos a considerar que sim, pois à semelhança do caso de IVA deduzido indevidamente o que está em causa na apreciação do pedido de reembolso é, como refere o citado aresto, a “globalidade das relações tributárias relativas a um determinado período”, estando o seu conteúdo definitivo forçosamente por definir, “pelo que não se pode justificar, pelas razões de segurança jurídica subjacentes ao regime da caducidade do direito de liquidação, que haja restrições ao apuramento e relevância dos factos que importam para as definir”. 

 

Contudo, esta flexibilização do regime da caducidade não reveste o alcance de permitir a emissão ex novo de liquidações adicionais, não submetidas a um prazo de caducidade ou à sua válida notificação após o decurso do prazo de caducidade (seja ele o do n.º 1 ou o do n.º 3 do artigo 45.º da LGT). Está em causa a apreciação de pedidos de reembolsos de IVA e o respectivo indeferimento, total ou parcial (i.e., até se esgotar o valor de reembolso solicitado), e não a emissão de actos tributários de liquidação de imposto que seguem o regime de caducidade que lhes for aplicável (cf. artigos 45.º e 46.º da LGT)[2].

 

Assim, assiste à Requerente razão neste ponto.

 

Sem prejuízo do exposto, a simultânea aplicação ao caso do regime de suspensão de prazo previsto no artigo 46.º, n.º 1 da LGT conduz a conclusão contrária à da Requerente, não se encontrando, pois, esgotado o prazo de caducidade, pelo que a notificação das liquidações adicionais de IVA e juros dos anos 2008 e 2009 foi tempestiva.

 

Com efeito, tendo-se iniciado a contagem do prazo de caducidade em 1 de Janeiro de 2009, a mesma foi suspensa em 25 de Outubro de 2012, com a notificação da Ordem de Serviço e o início do procedimento inspectivo externo.

 

A acção de inspecção foi concluída em 24 de Janeiro de 2013, com a assinatura da correspondente nota de diligência. Não tendo a inspecção ultrapassado seis meses, o efeito suspensivo manteve-se até à notificação ao contribuinte do Relatório Final, o que ocorreu em 13 de Março de 2013, momento em que se retomou a contagem do prazo de caducidade (cf. Acórdão do STA, processo n.º 0594/12, de 21 de Novembro de 2012, e Acórdão do Pleno, processo n.º 0103/12, de 22 de Janeiro de 2014).

 

A notificação das liquidações em 27 de Março de 2013 estava, desta forma, dentro do prazo de caducidade, descontado o mencionado efeito suspensivo. De referir que esta conclusão se mantém independentemente de tal suspensão se contar em conformidade com a orientação da jurisprudência maioritária do STA, no sentido acima assinalado, ou com a posição preconizada no voto de vencido da Conselheira Fernanda Maçãs, no processo n.º 0594/12, entendendo-se aqui que cessa o efeito suspensivo com a notificação da nota de diligência relativa à conclusão do procedimento.

 

À face do exposto, improcede o vício de caducidade suscitado com referência às liquidações de IVA e de juros compensatórios do ano 2008.

 

2.2.Da errada qualificação da natureza da subvenção

               

A.    Nota preliminar

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira considerou a subvenção atribuída à Requerente, no âmbito do FEDER - Programa Operacional da Região de Lisboa e Vale do Tejo, a título de subvenção “conexa com o preço”, enquadrável no disposto no artigo 16.º, n.º 5, alínea c) do Código do IVA e, dessa forma, tributada em IVA.

 

A divergência essencial da Requerente é de qualificação, preconizando que tal subvenção não está ligada ao preço de transmissões de bens e de prestações de serviços, consubstanciando, antes, uma subvenção à exploração ou ao funcionamento, que não gera qualquer obrigação de liquidação de imposto, pelo que os actos tributários são materialmente ilegais.

 

A este respeito deve assinalar-se que o conceito de subvenção e as diversas classificações em que o mesmo se decompõe não se encontram definidos, quer no Código do IVA, quer na Directiva Comunitária fonte, Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, publicada no JO L 347, de 11 de Dezembro de 2006 (“Directiva IVA”).

 

A Doutrina é unânime em apontar as dificuldades em definir subvenção ou em estabelecer os seus critérios classificatórios, circunstância agravada pelo regime diferenciado aplicável às subvenções em função da sua natureza (podem considerar-se, ou não, inseridas no valor tributável e fazer, ou não, parte integrante do apuramento do pro rata de dedução ou de uma metodologia de afectação real).

 

Esta unanimidade estende-se ao ponto de vista de que a noção de subvenção, para efeitos de IVA, constitui uma noção autónoma de direito comunitário[3], configurando uma matéria directamente relacionada com a determinação do valor tributável das operações sujeitas a IVA, cuja harmonização, ou até nalguns pontos uniformidade, constitui um desígnio da Directiva IVA. Neste sentido, RUI LAIRES, “O Tratamento em IVA das Subvenções na Legislação e na Jurisprudência Comunitária”, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 419, 2007, pp. 7-88 (26-27) e ISABEL VEGA MOCOROA, “TVA et subventions dans l’Union européenne: problèmes et défis”, in Revue du Droit de l’Union Européenne, n.º 3-2005, pp. 447-481. 

 

Esta noção autónoma de direito comunitário tem sido desenvolvida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJ”), reportando-se ao conceito específico de subvenções directamente relacionadas com o preço de operações, como adiante melhor se analisará.

 

B.     O regime das subvenções no Código do IVA e na Directiva IVA e síntese evolutiva

 

Dispõe sobre esta matéria o Código do IVA, nos seguintes moldes:

 

Artigo 16.º - Valor tributável nas operações internas

1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2, o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.

5 - O valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços

sujeitas a imposto, inclui:

a) (…)

b) (…)

c) As subvenções directamente conexas com o preço de cada operação, considerando como tais as que são estabelecidas em função do número de unidades transmitidas ou do volume dos serviços prestados e sejam fixadas anteriormente à realização das operações.

(…)”(realce nosso)

 

Por seu lado, a Directiva IVA, no seu artigo 73.º, inserido no Título VII, sob a epígrafe “Valor Tributável”, Capítulo 2 (entregas de bens e prestações de serviços) determina que:

 

“Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.º a 77.º, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções directamente relacionadas com o preço de tais operações.” (realce nosso)

 

Assim, quer no Código do IVA, quer na directriz comunitária, o valor tributável apenas incluirá as subvenções que sejam conexas com o preço das operações (leia-se preço das operações activas) do sujeito passivo beneficiário da subvenção, que o Código do IVA densifica introduzindo duas condições: que as subvenções sejam estabelecidas em razão do número de unidades transmitidas ou do volume dos serviços prestados; que sejam fixadas em momento anterior ao da realização das operações.

 

Está marcadamente subjacente a este regime o princípio da neutralidade, que emerge do Considerando 7 e do artigo 1.º da Directiva IVA, no sentido de ser assegurado o tratamento fiscal equivalente a operações económicas idênticas, uma subvencionada e outra não subvencionada, e de atingir o objectivo de influenciar o mínimo possível as decisões dos agentes económicos, como salienta ISABEL VEGA MOCOROA (obra citada, pp. 453 a 455).

 

Relembra-se que “o princípio da igualdade de tratamento faz parte dos princípios fundamentais do direito comunitário. Este princípio exige que as situações comparáveis não sejam tratadas de forma diferente, a menos que uma diferenciação se justifique objectivamente” – cf. Acórdão Idéal Tourisme, de 13 de Julho de 2000, processo C-36/99.

 

A Comissão Europeia, no seu primeiro relatório sobre o funcionamento do sistema comum do IVA (constante do documento COM (83) 426 final, de 14 de Setembro de 1983), entende que há certos tipos de subvenções relativamente às quais se mostra fácil decidir pela sua inclusão no valor tributável, enumerando os casos em que os montantes das subvenções (i) sejam determinados com referência aos preços de venda dos bens ou serviços fornecidos; (ii) ou em função das quantidades fornecidas; (iii) ou se destinarem a cobrir os custos de bens ou serviços que sejam fornecidos gratuitamente ao público

 

No entanto, a propósito de vários outros tipos de subvenções – nomeadamente as destinadas a cobrir deficits e as subvenções operacionais – a Comissão considera extremamente difícil pender no sentido da sua inclusão (ou não) no valor tributável das operações abrangidas pelo IVA (conforme salientado por RUI LAIRES e ISABEL VEGA MOCOROA acima citados).

 

Estas últimas são normalmente atribuídas para fortalecer a situação económica das entidades subvencionadas, e não especificamente reportadas aos preços praticados, embora, acrescenta a Comissão, não se encontre uma diferença substancial entre esses dois tipos de subvenções. Esta constatação, aliada à circunstância de se poder com relativa facilidade converter uma subvenção directamente reportada aos preços noutro tipo de subvenção ilustra, segundo a Comissão, a fragilidade de uma distinção assente num critério formal e a inadequação das normas da Directiva (à data Sexta Directiva, 77/388/CEE.

 

No segundo relatório da Comissão sobre o funcionamento do sistema comum do IVA (constante do documento COM (88) 799 final, de 20 de Dezembro de 1988), preconiza-se uma interpretação estrita e literal, segundo a qual a inclusão da subvenção no valor tributável depende do concurso de três condições cumulativas: (i) a subvenção constituir a contraprestação ou uma parte da contraprestação; (ii) a subvenção ser paga ao fornecedor dos bens ou prestador dos serviços; e, por fim, (iii) a subvenção ser paga por uma terceira entidade[4]

 

Para XAVIER DE BASTO “Pode questionar-se a lógica da inclusão dessas subvenções no valor tributável do IVA. Incluir ou não incluir as subvenções ligadas à exploração releva de duas formas de conceber ou racionalizar o imposto sobre o valor acrescentado – as duas faces do imposto: como imposto de transacções (imposto sobre as empresas) ou como imposto geral de consumo. (…) Na verdade, a inclusão das subvenções no valor tributável só tem sentido quando o IVA é visto como um imposto sobre as empresas, “um business tax – destinado, em última análise, a tributar o respectivo valor acrescentado. A não incluir-se as subvenções, o imposto não atingiria o valor acrescentado, o valor da produção a custo dos factores – a empresa subsidiada seria favorecida relativamente à empresa não subsidiada. Não é assim, porém, que o problema deve pôr-se quando se está perante um IVA tipo-consumo” (…) Nesta lógica, o que deve interessar é o preço efectivo, o dispêndio do consumidor”cf. “A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional”, in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (164), 1991, p. 210. 

 

Ainda segundo este ilustre Professor, a solução da Directiva está longe de ser de aplicação fácil. “Implica a distinção entre subvenções ‘directamente ligadas ao preço’ das operações, a incluir na base tributável, e as de outras naturezas, que não contam para a determinação daquela base. Atendendo à diversidade de situações que se podem verificar, nem sempre é fácil a distinção. Quando o montante dos subsídios é determinado quer por referência aos preços de venda quer às quantidades vendidas (‘indemnizações compensatórias’), é nítido tratar-se de subvenções directamente ligadas aos preços. Também não suscitará dúvidas a não inclusão das subvenções de capital. Já todavia se poderá revelar árduo decidir a questão quanto a outros tipos de subsídios de exploração, que são pagos para melhorar a posição económica das empresas, mas que não são calculados com referência a preços ou quantidades vendidas. Será o caso por exemplo das chamadas ‘subvenções de equilíbrio’, calculadas a posteriori, para a cobertura de défices de exploração, e das ‘subvenções de funcionamento’, que constituem complementos de receitas determinados a priori, independentemente dos resultados da exploração.”cf. obra citada, p. 212.

 

CLOTILDE CELORICO PALMA assinala que as subvenções constituem “uma das zonas cinzentas deste imposto” e que a legislação comunitária não contém uma definição de subvenção, “limitando-se a prever a regra sobre a respectiva inclusão no valor tributável das operações e a possibilidade da respectiva inclusão no cálculo do prorata”. Acrescenta que o “tratamento das subvenções em IVA não é uma matéria totalmente harmonizada ao nível dos diversos Estados membros, pondo-se em causa uma aplicação uniforme do sistema comum e o respeito pela neutralidade do imposto” in As Entidades Públicas e o Imposto sobre o Valor Acrescentado – Uma Ruptura no Princípio da Neutralidade, Almedina, 2011, pp. 561 e 565.

 

Neste quadro de alguma indeterminação, é a construção jurisprudencial do TJUE que nos fornece a interpretação (válida) da Directiva IVA e os critérios de decisão para a tributação das subvenções.

 

C.    A jurisprudência do TJUE

 

A jurisprudência sobre subvenções, não sendo particularmente abundante, fornece pistas importantes.

 

Nos Acórdãos Jurgen Mohr (C-215/94, de 29 de Fevereiro de 1996) e Landboden-Agrardienste (C-384/95, de 18 de Dezembro de 1997)[5], o TJ considerou que o compromisso dos agricultores abandonarem a produção de leite ou reduzir a produção de batata não podia ser tratado como uma prestação de serviços à Comunidade ou às autoridades nacionais, ou que estes pudessem ser considerados como “consumidores de um serviço” pois a Comunidade não adquire bens ou serviços para seu uso próprio, mas actua no interesse comum (de promover o funcionamento correcto do mercado comunitário).

 

O produtor agrícola não fornece serviços a um consumidor identificável nem uma vantagem susceptível de ser considerada como um elemento constitutivo do custo da actividade de outra pessoa na cadeia comercial – cf. pontos 21 e 22 do Acórdão Jurgen Mohr e ponto 23 do Acórdão Landboden-Agrardienste. Tal subvenção não é, por conseguinte, sujeita a IVA.

 

RUI LAIRES destaca as conclusões do advogado-geral JACOBS no processo C-384/95, Landboden-Agrardienste (pontos 12 a 16). Na sua perspectiva deve existir uma relação directa entre o bem ou serviço disponibilizado e a contrapartida obtida, a par da eventual circunstância de as subvenções concedidas relativamente a bens ou serviços específicos poderem ter um impacto directo na concorrência. Considera claramente fora do âmbito da tributação “os subsídios menos relacionados com os fornecimentos concretos e mais vocacionados para o melhoramento da situação económica das empresas […]. Exemplos desse tipo de subsídios são os que se destinam à aquisição de bens, à cobertura de prejuízos e à reestruturação de uma empresa”.

 

O advogado-geral GEELHOED, no processo C-184/00, Office des Produits Wallons (“OPW”), de 22 de Novembro de 2001, seguiu esta linha de argumentação e afirma que “a tributação das subvenções tendo em conta nomeadamente o historial legislativo, é uma excepção” que “só se justifica se a não tributação produzir um resultado insatisfatório. Tal resultado insatisfatório pode consistir no facto de uma subvenção não tributada que se reflicta directa e integralmente no preço mais baixo das operações provocar uma diminuição das receitas fiscais” – cf. pontos 45 e 48 das conclusões. 

 

O aresto OPW que constitui um marco fundamental na delimitação dos pressupostos necessários à consideração de uma subvenção no valor tributável para efeitos de IVA[6].

 

Tratava-se de um caso em que a administração regional da Valónia atribuía uma importância anual a uma associação privada sem fins lucrativos, destinada a promover os produtos agrícolas, hortícolas e agro-alimentares daquela região. 

 

Estava em discussão determinar-se se as subvenções de funcionamento que cobrem uma parte diversificada das despesas de exploração, designadamente a remuneração do pessoal, o custo das instalações, o custo de aquisição de equipamentos e fornecimentos necessários e todas as demais despesas directas e indirectas relacionadas com a actividade, devem ser compreendidas na matéria colectável do IVA.

 

Neste âmbito, o TJ entende que a tributação da subvenção implica o preenchimento de determinados pressupostos. Vejamos.

 

Primeiro pressuposto – que se trate de uma subvenção concedida por uma autoridade no contexto de uma relação triangular, i.e., que envolva três partes (ponto 10 do Acórdão OPW):

 

(a)    A autoridade que concede a subvenção;

(b)   O organismo/sujeito passivo que dela beneficia; e

(c)    O comprador do bem ou o destinatário do serviço respectivamente entregue ou prestado pelo operador subvencionado, clarificando-se que as operações visadas não são as realizadas em benefício da autoridade que concede a subvenção.

 

       Segundo pressuposto – que a subvenção esteja directamente relacionada com o preço das operações a realizar pelo operador subvencionado (ponto 12 do Acórdão OPW). Para tanto é necessário que aquela subvenção seja especificamente paga ao operador para que este forneça um bem ou preste um serviço determinado.

 

       Terceiro pressuposto – o preço do bem ou do serviço deve ser determinado, quanto ao seu princípio, o mais tardar, no momento em que ocorre o facto gerador (ponto 13 do Acórdão OPW).

 

       Quarto pressuposto – o compromisso de pagar a subvenção assumido por aquele que a concede tem como corolário o direito de a receber reconhecido ao beneficiário quando a operação tributável foi realizada por este (ponto 13 do Acórdão OPW).

 

       É importante salientar que o TJ devolve expressamente ao tribunal nacional a prova da existência de um nexo directo entre a subvenção e o bem ou serviço em causa (ponto 14 do Acórdão OPW).

 

       Esta relação entre a subvenção e o preço deve resultar de forma inequívoca e após uma análise, caso a caso, das circunstâncias na origem do pagamento da contrapartida e exige que se verifique, numa primeira fase, que os compradores do bem ou os destinatários do serviço beneficiam da subvenção concedida ao beneficiário desta. Com efeito, é necessário que o preço a pagar pelo comprador ou pelo destinatário (neste caso os três municípios) seja fixado de modo que diminua na proporção da subvenção concedida ao vendedor do bem ou ao prestador do serviço. Ao invés, não é necessário que o preço do bem ou do serviço - ou uma parte do preço - esteja determinado. Basta que seja determinável.

 

       É o órgão jurisdicional nacional que tem de apreciar se, objectivamente, o facto de uma subvenção ser paga ao prestador permite a este fornecer um serviço a um preço inferior ao que exigiria na falta dessa subvenção. Não é necessário que o montante da subvenção corresponda rigorosamente à diminuição do preço do bem entregue, bastando que a relação entre esta e a referida subvenção, que pode ser fixa, seja significativa. Contudo, há que sublinhar que o simples facto de uma subvenção poder ter influência sobre os preços dos bens entregues ou dos serviços prestados pelo organismo subvencionado não basta para a tornar tributável (pontos 12, 14 e 17 do Acórdão OPW).

 

       Os pressupostos acabados de assinalar correspondem, aliás, àqueles que a Autoridade Tributária e Aduaneira enuncia genericamente na Informação n.º 1758, de 28 de Janeiro de 1992 - vide EMANUEL VIDAL LIMA, in Imposto sobre o Valor Acrescentado, Comentado e Anotado, 9.ª Edição, Porto Editora, p. 325-326. 

 

D.    Aplicação ao caso concreto 

 

Requerente e Requerida são consensuais em qualificar a atribuição patrimonial obtida pela primeira como uma subvenção na acepção do IVA, pelo que basta salientar que se trata de uma atribuição patrimonial (pecuniária), auferida por um sujeito passivo de IVA (a Requerente) com recurso a verbas de origem pública, do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional - “FEDER”[7].

 

A dissenção respeita à caracterização da subvenção como directamente conexa com o preço das operações a qual é independente do nomen iuris que se atribua a tal subvenção. A vinculação ao preço é determinante, conforme sublinham MARIA ODETE OLIVEIRA E SEVERINO HENRIQUES DUARTE. Exige-se que a subvenção se apresente devida e firmemente fixada antes da operação – “O Tratamento das Subvenções em IVA, Reflexões Antes e Depois dos Acórdãos de 2005”, in Estudos em Memória de Teresa Lemos, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal 202, 2007, pp. 222-241, em particular p. 226.

 

A situação em análise respeita à realização por parte da Requerente de um conjunto de eventos/espectáculos e projectos de animação especificados com a finalidade de promoção da zona ribeirinha PARQUE … que atravessa três concelhos distintos, cujos municípios são sócios da Requerente.

 

Esses eventos concretos e individualizados e os serviços de media relations para a sua melhor divulgação, foram objecto de uma candidatura da Requerente a fundos comunitários (FEDER – Quadro Comunitário de Apoio – “QCA” – III), enquadrada na valorização do rio Tejo e na criação de condições de sustentabilidade e de afirmação do território do Vale do Tejo, como espaço de lazer e turismo, de dinâmicas económicas e de bem-estar social, sendo destinatários directos das mesmas os municípios de “E”, “C” e “D”

 

Nesta candidatura, a Requerente indicou as três componentes a serem financiadas (duas de eventos e uma de media relations), o seu regime de execução (ajuste directo ou concurso) e o custo de cada uma delas, ou seja, os custos da realização de cada um dos eventos e espectáculos promocionais (e da sua divulgação) identificados no ponto E da matéria de facto. A candidatura foi aprovada no final de 2007, com uma taxa de comparticipação FEDER de 75% do montante elegível.

 

       Os eventos e espectáculos foram divulgados e realizados e os respectivos custos específicos não comparticipados pelo FEDER foram facturados com liquidação de IVA aos municípios onde os eventos decorreram, acrescidos dos custos de estrutura da Requerente, que, por seu turno, exerceu o direito à dedução integral de todo o IVA em que incorreu nas aquisições de bens e serviços destinadas à sua actividade.

 

Impõe-se perante o quadro factual descrito superar a destrinça entre subvenções conexas e não conexas com o preço, recorrendo ao desenvolvimento jurisprudencial do TJ e à análise concreta das respectivas condições e pressupostos.

 

Na situação da Requerente, a subvenção é concedida por uma autoridade no contexto de uma relação triangular: (a) temos por um lado, a autoridade que concede a subvenção (CCDRLVT); por outro lado, o sujeito passivo beneficiário (a Requerente); e, por fim, um terceiro, o(s) destinatário(s) dos serviços a prestar pela Requerente (os três municípios que adquiriram os serviços de divulgação e promocionais da sua região, em benefício das respectivas populações). Verifica-se adicionalmente o requisito negativo de as operações, eventos e espectáculos não serem realizadas em benefício da autoridade que concede a subvenção.

 

Tem-se, deste modo, por verificado o primeiro pressuposto plasmado no ponto 10 do Acórdão OPW.

 

A subvenção solicitada refere-se a um conjunto de serviços a prestar (aos municípios) – eventos, espectáculos e de divulgação – e ao custo previsto para a realização dos mesmos.

 

A aprovação da subvenção é especificamente destinada à cobertura, em 75%, do custo estimado dos referidos serviços a adquirir (aos fornecedores contratados) e, de seguida, a prestar (aos municípios). Assim, se a Requerente não realizar os referidos eventos, espectáculos e as acções de divulgação, não lhe assistirá o direito a receber os montantes atribuídos, pois estes foram-no no pressuposto da realização de tais actividades.

 

Sobre este ponto ensinam MARIA ODETE OLIVEIRA E SEVERINO HENRIQUES DUARTE que “a subvenção vincula-se sempre à finalidade que com ela se pretende atingir (…) de tal forma que quem a recebe fica obrigado a utilizar o seu valor na finalidade para que a mesma foi concedida” – obra cit. p. 225.

 

Está assim verificado o segundo pressuposto, pois a comparticipação do FEDER é especificamente paga à Requerente para que esta preste determinados serviços no âmbito da sua actividade – ponto 12 do Acórdão OPW.

 

O preço dos serviços em causa está determinado ab initio, constando do formulário de candidatura (ponto 13 do Acórdão OPW), pelo que também se considera verificado o terceiro pressuposto.

 

       A subvenção possibilita à Requerente praticar junto dos municípios, destinatários imediatos dos serviços, preços substancialmente inferiores ao que seriam praticados caso não existisse. Aliás, o valor facturado aos municípios é aquele que resulta dos custos incorridos abatidos da comparticipação do FEDER. Ou seja, o preço é reduzido de forma proporcional ao subsídio recebido sendo manifesta e expressiva a relação entre a diminuição daquele e o valor da subvenção recebida.

 

       A prova da existência de um nexo directo entre a subvenção e os serviços em causa resulta de forma inequívoca: da relação tripartida estabelecida (CCDRLVT, Requerente e Municípios); das circunstâncias na origem da subvenção – esta destinou-se especificamente a financiar determinados serviços caracterizados e delimitados (quanto à sua natureza, quadro temporal e respectivo valor); do facto de os municípios terem beneficiado da subvenção concedida à Requerente, pois apenas suportaram 25% do custo dos serviços que adquiriram àquela (acrescido dos custos de estrutura); o preço era determinável à partida, constituindo um requisito da candidatura a estimativa do valor dos serviços a subsidiar.

 

       Assim, afigura-se claro que não só a subvenção do FEDER permitiu à Requerente fornecer um serviço a um preço significativamente inferior ao que exigiria na sua ausência, como era condição dessa subvenção a realização dos serviços (eventos, espectáculos e divulgação) que visava custear.

 

       Encontram-se, deste modo, preenchidas as condições determinantes da tributação previstas no artigo 16.º, n.º 5, alínea c) do Código do IVA, atenta a circunstância de a subvenção em causa ter sido estabelecida em função dos serviços a prestar e de ter sido fixada anteriormente à realização das operações. 

 

       Por fim, de referir que esta solução é a que melhor se coaduna com o princípio da neutralidade, permitindo o tratamento igual de situações idênticas e a liquidação de imposto sobre o valor efectivo do custo dos factores de produção (relativos aos serviços prestados) e do valor do consumo dos serviços, sabendo-se que estes seriam, a final, disponibilizados a título gratuito pelos municípios às populações e aos visitantes. De outra forma, o resultado alcançado seria insatisfatório.

 

O que vem exposto não resulta prejudicado pelo facto de os serviços de eventos e divulgação a prestar pela Requerente se inserirem nos seus fins estatutários e no âmbito da sua actividade, sendo até normal que assim seja, e beneficiarem toda uma região. Não existe uma dicotomia ou oposição entre a realização de prestações de serviços relevantes para efeitos de IVA e a prossecução de uma actividade. Aqueles [serviços] fazem parte integrante dessa actividade e são uma forma de a concretizar. A finalidade pública subjacente não constitui um critério de exclusão da tributação, conquanto estejamos perante o desenvolvimento de actividades económicas (sejam elas de carácter público ou privado) e não estejam em causa prerrogativas de autoridade.

 

Tais características são cumuláveis e coexistentes com a verificação dos pressupostos de conexão directa entre a subvenção e o preço das operações, conexão que se considera ocorrer na situação vertente, pelas razões acima expostas, não padecendo as liquidações de IVA controvertidas de vício invalidante, devendo manter-se na ordem jurídica.

 

2.3.Da ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios

 

       A inclusão das subvenções no valor tributável do IVA, depende da qualificação destas como directamente conexas com o preço das operações e é expressamente reconhecida pela doutrina e pelo próprio TJ como uma matéria complexa, criadora de incerteza e penumbra na respectiva aplicação, seja por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, seja pelos sujeitos passivos. Para além dos autores acima citados, veja-se a este respeito CHRISTIAN AMAND, “When is a link direct?”, in VAT Monitor (Vol. 7, 1996), IBFD, pp. 3-11[8].

 

       De acordo com o artigo 35.º, n.º 1 da LGT, os juros compensatórios são devidos quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.

 

       Não basta, para este efeito, que o retardamento se ligue objectivamente à conduta do contribuinte, “sendo indispensável que esta seja passível de um juízo de censura, por dolo ou negligência, que pode ser formado com base em presunções naturais, a partir de meras omissões. O direito a juros compensatórios depende, assim, da conjunção de um elemento objectivo, o atraso na liquidação ou entrega do imposto retido ou a reter ou a pagar por conta, e de outro subjectivo, a culpa do contribuinte.” – LIMA GUERREIRO, Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, 2000, p. 170. (realce nosso).

 

       De igual modo, JORGE LOPES DE SOUSA entende que a conduta do sujeito passivo deve ser censurável a título de dolo ou de negligência, para que sejam devidos juros compensatórios, podendo presumir-se a culpa sempre que a actuação do sujeito passivo integrar a hipótese de qualquer infracção tributária – cf. “Juros nas relações tributárias”, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Lisboa, Vislis Editores, 1999, pp. 145-149. “Consequentemente, não haverá responsabilidade por juros compensatórios, quando apesar do atraso na liquidação ser provocado pela conduta do contribuinte e ser errónea a sua posição, ele tenha actuado de boa fé e o erro seja desculpável, por a sua posição ser razoável” – p. 148.

 

       Em idêntico sentido se tem pronunciado a jurisprudência do STA. O Acórdão de 16 de Março de 1994, recurso n.º 16.211 (publicado no "Apêndice ao Diário da República" de 28 de Novembro de 1996, p. 945), declarou não serem devidos juros compensatórios por retardamento na liquidação se a correcção resultou de divergência de critérios entre o contribuinte e a Administração Tributária, sendo tido o deste como plausivelmente justificado.

 

       O mesmo entendimento, fazendo depender o direito a juros compensatórios de culpa do contribuinte apreciada segundo os deveres gerais de diligência, aptidão, conhecimentos e, mesmo, de perícia de um "bonus pater familiae", seria afirmado pelo Acórdão do STA, de 18 de Fevereiro de 1998, recurso n.º 22.325. Reiterando esta concepção os Acórdãos do STA de 4 de Março de 1998, recurso n.º 20.651, e de 3 de Março de 1999, recurso n.º 20.181, declarariam que, como a exigência de juros compensatórios pressupõe a culpa do sujeito passivo e não sendo provado que este agiu com culpa, não pode manter-se a exigência de juros compensatórios.

 

       Mais recentemente, o Acórdão do STA de 16 de Dezembro de 2010, processo 0587/10, conclui que constituem requisitos essenciais para a liquidação de juros compensatórios, a existência de um atraso na liquidação do imposto e a imputabilidade do atraso à actuação culposa do contribuinte.

 

       Atentas as dificuldades de qualificação jurídico-fiscal das subvenções sujeitas a IVA, afigura-se razoável que a Requerente tenha feito uma interpretação diferente da defendida pela Requerida, a qual é plausível, pelo que não se conclui pela imputação, a título de culpa (negligência), do atraso na liquidação do IVA à Requerente, presumindo-se a sua boa-fé.

 

       Desta forma, não se encontram preenchidos os pressupostos de que depende a constituição da obrigação de juros compensatórios na esfera da Requerente, em concreto, por não lhe ser imputável, a título de culpa, o atraso na liquidação do IVA.

 

       Assim, as liquidações de juros compensatórios referentes aos anos 2008 e 2009 enfermam de vício de violação de lei por erro nos pressupostos e são anuláveis.

 

2.4.Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

       As Requerentes pedem, ainda, o reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios pelo pagamento indevido desses montantes.

 

       No que se refere às liquidações de IVA, estas não padecem dos vícios invalidantes que foram suscitados pela Requerente. Deste modo, improcede o pedido de reembolso das importâncias pagas a esse título. Acresce que não sendo devida qualquer restituição de imposto, improcede inevitavelmente o pedido de juros indemnizatórios nesta componente.

 

Porém, os actos de liquidação de juros compensatórios são ilegais e são anuláveis. Quanto a estes, há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

 

Com efeito, o artigo 24.º, n.º 5 do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. A este respeito veja-se, por todos, a fundamentação do Acórdão Arbitral no processo 14/2012-T, de 29 de Junho de 2012.

 

 Sendo os actos de liquidação de juros compensatórios ilegais e a ilegalidade desses actos imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios de acordo com o artigo 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º do CPPT – cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos Ilegais, Áreas Editora, 2010, pp. 40-42.

 

Os juros indemnizatórios calculados sobre os juros compensatórios serão contados desde data em que a Requerente efectuou os respectivos pagamentos até integral reembolso dos respectivos montantes, à taxa legal.

 

 

V.              DECISÃO

 

       De harmonia com o exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:

 

(a)    Julgar improcedentes os pedidos de declaração de ilegalidade das liquidações de IVA referentes aos anos 2008 e 2009 e de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira à restituição das respectivas importâncias;

(b)   Julgar procedentes os pedidos de declaração de ilegalidade das liquidações de juros compensatórios referentes aos anos 2008 e 2009, no valor de € 12.838,48, anulando-as, e condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira ao respectivo reembolso dos montantes pagos a este título;

(c)    Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios, na parte referente aos juros compensatórios, a calcular sobre a importância de € 12.838,48, contados desde o pagamento até ao seu integral reembolso, à taxa legal.

 

* * *

 

Fixa-se o valor do processo em € 84.955,37, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

 

O montante das custas é fixado em € 2.754,00 a cargo da Requerente e da Requerida, na proporção de 6/7 e de 1/7, respectivamente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT; 4.º, n.º 4 do RCPAT e Tabela I anexa e com a regra geral processual em matéria de custas constante do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

 

Notifique.

Lisboa, 22 de Dezembro de 2014

 

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins

 

 

Clotilde Celorico Palma

 

 

Emanuel Augusto Vidal Lima

 

 

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 



[1] Neste sentido, vide Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 4.ª edição, Encontro da Escrita, 2012, p. 271, e António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros, 2001, p. 293.

[2] Não se desconhecem as práticas (criticáveis) de emissão de liquidações adicionais de IVA com o único objectivo de reduzir os valores a reembolsar. Porém, nesses casos, essas liquidações, independentemente dos seus objectivos, devem ser consideradas inválidas caso ultrapassem os prazos de caducidade. Fora dos prazos de caducidade, a redução do pedido de reembolso terá de efectuar-se através do correspondente acto de indeferimento total ou parcial e não mediante emissão de actos tributários de liquidação de imposto.

[3] Por esta razão, entende-se ser de afastar a remissão sem mais para as definições de subvenção que pontuam em diversos domínios, designadamente no GATT; na jurisprudência do TJ sobre Auxílios de Estado; no Regulamento (CE, Euratom), n.º 1605/2002, do Conselho, de 25 de Junho de 2002; nas Normas Internacionais de Contabilidade (IAS 20), entre outros. 

[4] Mais tarde, em Setembro de 2002 a Comissão apresentou um documento de trabalho relativo ao tema do IVA das subvenções (TAXUD/5138/02, de 2 de Setembro de 2002), analisando a diversidade de procedimentos adoptados pelos Estados-Membros, e conclui por diversas soluções alternativas que, contudo, até hoje, não tiveram seguimento.

 

[5] A principal diferença entre os dois arestos do TJ é que no primeiro caso a subvenção era de origem comunitária e no segundo de origem nacional (Alemanha).

[6] Embora com menor relevância para o caso em apreciação vejam-se ainda os Acórdãos do TJ, Keeping Newcastle Warm (“KNW”), C-353/00, de 13 Junho de 2002, no qual se considerou que a KNW na qualidade de instalador de rede recebia uma subvenção que constituía a contraprestação dos serviços prestados de aconselhamento em matéria de energia e Forragens Secas (Comissão/Alemanha, C-144/02; Comissão/Itália, C-381/91; Comissão/Finlândia, C-495/01; Comissão/Suécia, C-463/02, todos de 15 de Julho de 2004). 

[7] Instrumento financeiro de apoio às acções ditas “estruturais” da União que visam reduzir as disparidades económicas e sociais entre as regiões e os cidadãos europeus e que completam os financiamentos de origem nacional.

[8]  Segundo este autor “The treatment of subsidies granted by the European Communities is so confusing that it should be the subject of a separate study”, p. 9. (realce nosso)