Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 108/2018-T
Data da decisão: 2018-09-24  IRC  
Valor do pedido: € 680.420,91
Tema: IRC – SGPS. Mais-valias e menos-valias. Dedutibilidade. Mensuração de acordo com os justo valor. Art. 32.º, n.º 2 do EBF.
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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof.ª Doutora Luísa Anacoreta e Dr. Jorge Carita, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 24-05-2018, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

            A...– SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A., sociedade com o número único de matrícula e de pessoa colectiva ..., com sede em Rua da ..., n.º..., .., ... ... (...-...), (doravante designada como "Requerente"), apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante "RJAT"), tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2017..., de 18-01-2017, na liquidação de juros compensatórios n.º 2017... e na demonstração de acerto de contas n.º 2017..., ambas datadas de 20-01-2017, referente ao exercício de 2012.

            A Requerente pede ainda reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios.

            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA em 14-03-2018.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 04-05-2018, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 24-05-2018.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

A Requerente apresentou inicialmente um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Singular, que se julgou incompetente em função do valor da causa. Não é suscitado qualquer obstáculo à possibilidade de apresentação de novo pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 28-06-2018 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações facultativas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre decidir.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais em empresas que operam em diferentes sectores de atividade, gerindo um conjunto diversificado de investimentos financeiros;
  2. A partir de 01-01-2012, a Requerente pela aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) previsto no artigo 69.º do CIRC, sendo a A... a sociedade dominante e o grupo constituído pelas seguintes sociedades:

 

  1. A Requerente foi objecto de acção inspectiva, levada a cabo pela Direcção de Finanças de ... credenciada pela ordem de serviço nº OI2016..., com referência ao exercício de 2012;
  2. Nessa acção inspectiva foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, tendo sido efectuadas as seguintes correcções à matéria tributável:

 

  1. No Relatório da Inspecção Tributária refere-se, além do mais o seguinte:

III.1.1.2. Ajustamentos de transição - art.º 5.º Dec. Lei n.º 159/2009 de 13/07

Com a aprovação do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), através do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, foi introduzido um novo normativo contabilístico nacional tendo sido revogado o Plano Oficial de Contabilidade (POC). Com este Decreto-Lei procedeu-se à adaptação e renumeração do CIRC, tendo em consideração a entrada em vigor do SNC e consequente revogação do POC e das Diretrizes Contabilísticas.

O legislador acolheu expressamente o modelo do justo valor na valorização dos instrumentos financeiros (cfr. alínea f) do n.º 1 do artigo 20.º e alínea i) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC), nos termos da al. a) do n.º 9 do art.º18.º do CIRC.

O Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, no seu art.º 5, estabelece que os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adoção, pela primeira vez, dos novos normativos contabilísticos, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do CIRC e respetiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento de ativos ou passivos, ou de alterações na respetiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aqueles normativos e dos quatro períodos seguintes.

A Circular n.º 7/2011, da DSIRC vem esclarecer este normativo dispondo que: "(...) as variações nos capitais próprios que resultarem, nomeadamente, do reconhecimento ou não, de ativos ou passivos, bem como das alterações da sua mensuração, só devem ser relevantes para efeitos fiscais na medida em que os gastos, rendimentos e as variações patrimoniais que venham a ser reconhecidos, após aquela transição, sejam também relevantes fiscalmente".

De acordo com o n.º 1 do art.º 20.º do CIRC, "Consideram-se rendimentos os resultantes de operações de qualquer natureza, &m consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente: f) Rendimentos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros".

Por sua vez, o n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, considera gastos, "(...) os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a Imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: i) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros".

Conclui-se pela aceitação da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, mas esta anuência está condicionada aos requisitos do n.º 9 do art.º18.º do CIRC, que estipula que " (...) os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, exceto quando:

a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, direta ou indiretamente, uma participação no capital superior a 5 % do respetivo capital social;

b) Tal se encontre expressamente previsto (no Código do IRC);"

Da análise do n.º 9 do art.º 18.º do CIRC resulta o seguinte:

1. Os ajustamentos de justo valor em instrumentos financeiros apenas relevam fiscalmente quando sejam reconhecidos através de resultados, afastando, portanto a aceitação daqueles nos casos em que o reconhecimento se faça através de capitais próprios (como sucede na IAS 39 relativamente aos ativos financeiros que sejam classificados como disponíveis para venda).

2. Existem algumas diferenças entre as condições previstas na alínea a) do número 9 do artigo 18.º do CIRC para que os ajustamentos de justo valor sejam aceites fiscalmente e as condições para a aplicação do modelo do justo valor estabelecidas na NCRF 27.

Relativamente aos instrumentos financeiros que não sejam abrangidas pela alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, ou cujos ajustamentos de justo valor não sejam, nos termos de outra norma fiscalmente relevantes (instrumentos financeiros derivados), o legislador optou por fazer aplicar o regime das mais e menos valias constantes dos artigos 46.º e seguintes do CIRC.

Atendendo à proibição de alteração do modelo de valorização dos instrumentos financeiros prevista no parágrafo 18 da NCRF 27 (salvo nas situações em que deixe de existir uma cotação publicamente divulgada), apenas ocorrera assimilação a transmissão onerosa quando:

a) Deixe de existir cotação em mercado regulamentado, ou

b) Quando a participação detida ultrapasse (ou passe a situar-se abaixo) do limiar de 5% estabelecido na alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC.

Ocorrendo uma alteração que faça com que estes instrumentos financeiros passem a estar abrangidos pelo n.º 9 do artigo 18.º (aceitação do modelo do justo valor), é como se a entidade tivesse procedido a uma alienação (e simultaneamente à reaquisição) dos mesmos, verificando-se, no caso de um instrumento financeiro que, na sequência dessa alteração, deixe de se encontrar abrangido pelo regime das mais e

A transição POC/SNC contempla assim, um conjunto de ajustamentos de transição, relacionados com o reconhecimento, desreconhecimento, alteração de mensuração e reclassificação de elementos do balanço, suscetíveis de gerarem impacto no capital próprio (em regra, em resultados transitados). Estes ajustamentos de transição decorrem das divergências de critérios de mensuração e de políticas de reconhecimento do SNC face ao regime anterior e resultam da necessidade de elaborar um balanço de abertura como se o novo normativo tivesse sido sempre aplicado.

Alguns daqueles ajustamentos podem ser classificados como fiscalmente relevantes, na medida em que os gastos, os rendimentos e as variações patrimoniais que venham a ser reconhecidos, após aquela transição, sejam também relevantes fiscalmente. Se o forem, esse impacto, ocorrido em termos contabilísticos no período de transição (2010), será abrangido por um regime transitório6, que diluirá o seu efeito, em termos riscais, por cinco períodos de tributação (2010 a 2014) Para tal, foram criados campos específicos no quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC

A alínea b) do § 7 da NCRF 3 dispõe que uma entidade deve, no seu balanço de abertura de acordo com as NCRF não reconhecer itens como ativos ou passivos se as NCRF não permitirem o seu reconhecimento. Por sua vez, a alínea b) do n.º 1 do Apêndice a esta norma refere que ao preparar o balanço de abertura de acordo com as NCRF uma entidade pode ter que desreconhecer ativos ou passivos que, nos termos das NCRF não sejam de reconhecer como tal.

Tendo em consideração o preconizado no POC e o previsto no SNC (NCRF 27 Instrumentos Financeiros), podemos identificar:

- Mensuração de instrumentos financeiros ao justo valor que anteriormente estavam ao custo;

-Mensuração de instrumentos financeiros ao custo amortizado que antes estavam refletidos pelo valor

Por outro lado, podemos encontrar ajustamentos de transição para efeitos fiscais, sem que o tenham sido para efeitos contabilísticos, por exemplo.

- Mensuração ao justo valor de instrumentos de capital próprio, cujas variações passaram a ter relevância fiscal;

- Mensuração de derivados ao justo valor cujas variações ocorridas em anos anteriores passaram a ter relevância fiscal.

O n.º 3 do art.º 45º do CIRC prevê uma restrição quanta à dedutibilidade das perdas relativas a partes de capita], as quais apenas concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor. Quando a variação resultante da aplicação ao justo valor for positiva, o ganho, nos ternos da al. f) do n.º 1 do art.º 20.º do CIRC, concorre na integra para a formação do resultado tributável.

Assim, sendo a A... SGPS detentora duma diversificada carteira de ações, cujo preço é determinado em bolsa, e detendo uma participação social inferior a 5%, na transição do POC para o SNC, determinou ajustamentos de transição, conforme quadro abaixo apresentado (elementos retirados de mapa constante do dossier fiscal do sujeito passivo):

Com base nos Cálculos apresentados, a A... SGPS, considerou no campo 703 do Quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22, do período de 2012, uma variação patrimonial negativa decorrente dos ajustamentos de transição POC vs SNC, no montante de €96.003,41.

Nos termos do n.º 3 do art.º 45.º do CIRC, as perdas relativas a partes de capital, resultantes da aplicação do justo valor concorrem em apenas metade do seu valor (para apuramento do resultado tributável) e no tocante às variações positivas resultantes da aplicação do justo valor, o ganho, nos ternos da al. f) do n.º1 do art.º 20º do CIRC, concorre na Integra para a formação do resultado tributável, o que não aconteceu, no caso da A... SGPS, pois, foi considerado para efeitos de cálculo do ajustamento a efetuar, o saldo entre os ganhos e as perdas decorrentes da aplicação do justo valor.

Quanto às partes sociais relativas às ações da B..., deverá ainda ter-se em consideração, que no caso em apreço, o disposto na al. a) do n.º 9 do art.º 18.º do CIRC, não é aplicável porquanto, a A.... SGPS detém direta e indiretamente uma participação superior a 5% do capital social da B..., pelo que, neste caso, o justo valor não releva fiscalmente. Desta forma, o ajustamento negativo considerado pelo sujeito passivo deverá ser corrigido.

Analisados os documentos de suporte aos cálculos do ajustamento de transição POC vs SNC, verificámos também, existirem pequenas incorreções, decorrentes da consideração das cotações a 31 de dezembro de 2009 (ou 1 de janeiro de 2010) diferentes das cotações reais (tendo por base extratos bancários onde estão perfeitamente identificadas as cotações de cada título a 31/12/2009).

Posto isto, temos o seguinte:

Como se pode verificar, no tocante aos ajustamentos positivos assiste-se a uma diferença positiva, a favor do Estado, no montante de €249.850,00 e nos ajustamentos negativos a uma diferença a favor do sujeito passivo no montante de €17,937,17. Relembra-se que nos termos do n.º 3 do art.º 45.º do CIRC, as perdas relativas a partes de capital, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor

Assim temos:

Em face do apresentado deverá ser acrescido ao resultado tributável o montante de €347.222,21 (€251.218,80+96.003,41), porquanto resultou um ajustamento de transição positivo no valor de €461.472,00 e um ajustamento de transição negativo no valor de €210.253,20.

 

III.1.1.3. Encargos Financeiros Suportados com Empréstimos a Empresas Participadas

 

A A... SGPS no decurso do ano de 2012 efetuou prestações acessórias não remuneradas à sociedade de direito holandês, s C...B.V. (doravante designada por C...) no valor total de €27.733.300,00, conforme se demonstra no extraio conta corrente que a seguir se apresenta:

decorridos 20 dias após a sua constituição, a A... SGPS efetuou prestações acessórias à C...., no montante de €25.163.000, e, posteriormente, em 19 de outubro, efetuou novas prestações acessórias no montante de €4.270.000,00. Concomitantemente, também naquela data, a 19 de outubro, a A... SGPS, procedeu à alienação das 3.069.230 ações que detinha na B.... S.A., por €4.266.229,70, à C... (conforme documento n.º 246, diário de tesouraria, de 19/10/2012).

Questionada a A... SGPS (via e-mail) sobre se aquelas prestações acessórias eram onerosas (remuneradas), foi confirmado que não são, conforme e-mail datado de 29 de julho de 2016 "As PS não são remuneradas; reenvio o e-mail com os documentos relativos à sua constituição."

Ora, pelo exposto, verifica-se que a A... SGPS ao efetuar empréstimos, sob a forma de prestações acessórias não remuneradas (porquanto não repercute quaisquer juros ou encargos financeiros à C... B.V.), incorre em gastos financeiros, os quais, não estão relacionados com a sua atividade, mas sim com a atividade da sociedade holandesa (repare-se que a sociedade holandesa adquire as ações da B... pelo montante de €4,266.229,70 em 19 de outubro e nesse mesmo dia a A... SGPS efetua prestações acessórias de valor equivalente - €4.270.000,00).

Decorrente desta prática (a realização de prestações acessórias não remuneradas), a A... SGPS, vê os seus resultados subtraídos, por força da assunção de gastos financeiros, os quais deveriam ser suportados pela sociedade holandesa e não pela A... SGPS.

Veia-se a título exemplificativo que na operação constante do documento n.º 246, diário documentos de tesouraria, a C... B.V. adquire as ações da B... com "dinheiro" emprestado pela A... SGPS, sob a forma de prestações acessórias, sendo a A... SGPS (a própria vendedora) quem está a suportar os encargos financeiros para o pagamento de algo que era seu.

Portanto, a A... SGPS vende as ações da B... e ainda suporta gastos financeiros afetos àquela alienação. Este facto é manifestamente demonstrativo e elucidativo de que não podem ser aceites fiscalmente os encargos financeiros incorridos por uma sociedade para fazer face às prestações acessórias por si realizadas a uma associada.

No caso em análise está claramente demonstrado em como não existe uma associação direta entre os gastos reconhecidos na demonstração dos resultados e a obtenção de rendimentos específicos. Este processo, geralmente referido como o balanceamento de custos com réditos, envolve o reconhecimento simultâneo ou combinado de réditos e de gastos que resultem direta e conjuntamente das mesmas transações ou de outros acontecimentos. De facto, a A... SGPS incorre em gastos financeiros e não os repercute na esfera da sua associada, antes pelo contrário, suporta os gastos e consequentemente vê diminuídos os seus resultados, quer o resultado líquido do período quer o resultado tributável.

Nestes termos, tal como dispõe o n.º1 do art.º 23.º do CIRC e em consonância com o normativo contabilístico, conclui-se que parte dos gastos financeiros suportados pela A... SGPS, são comprovadamente dispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto, bem como, para a manutenção da sua fonte produtora.

De notar que não se pretende colocar em causa a livre iniciativa e autonomia privada ou questionar as opções de gestão tomadas pela Administração da A... SGPS. O que se pretende é que as opções tomadas tenham correto enquadramento fiscal nos termos do CIRC, no sentido de garantir a imputação direta e conexionada dos gastos incorridos pela A... SGPS com a geração de rendimentos sujeitos a IRC ou para a manutenção da sua fonte produtora, rejeitando gastos suportados que possam potenciar terceiros (sociedade subsidiária sediada na Holanda no caso em análise), ainda que repercutidos na esfera da A... SGPS, sob a forma de dividendos ou mais-valias.

Também não é pelo facto de um ato de gestão poder ser considerado como legítimo à luz do Direito Comercial, que tal não implique, que no Direito Fiscal se aceitem sem mais as respetivas consequências (endividamento e juros).

De facto, muito embora as prestações acessórias sejam provindas dos sócios, a forma jurídica que assumem (v.g. mútuo) aproxima-os do capital alheio, porquanto:

- São cedidas transitoriamente, podendo o sócio exigir livremente o seu reembolso;

- Podem ser remuneradas como o capital alheio;

- Não conferem quaisquer direitos sociais.

Acresce ainda referir que, o objeto social das SGPS, é a gestão de participações sociais de outras sociedades, juridicamente independentes, como forma indireta do exercício de uma atividade económica. Neste sentido, as SGPS são constituídas com o objectivo de intervir na gestão e controlo das suas participadas, exercendo desta forma os direitos sociais inerentes às respetivas participações sociais, de modo a receber os respetivos lucros ou dividendos, bem como os rendimentos resultantes de eventuais alienações daquelas participações sociais.

Também é certo que a al. c) do n.º 1 do art.º 5.º do Dec.-Lei n.º 495/88 enuncia em primeira mão como princípio geral, a proibição de as SGPS concederem crédito, não obstante, estabelece exceções àquele princípio, pois, podem aquelas entidades conceder crédito às sociedades dominadas em determinadas condições.

Contudo, apesar de, às SGPS ser dada a faculdade de poderem conceder crédito a sociedades em que participam, quando incorrem em gastos financeiros, decorrentes de empréstimos obtidos, com o objetivo de serem aplicados na atividade económica daquelas sociedades, nos termos do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC aqueles gastos não concorrem para a formação do resultado tributável, pelo simples facto de, não geraram qualquer influxo direto, mensurável e evidente no exercício da sua atividade (aqui convocada a A... SGPS).

A respeito do requisito da indispensabilidade, Vítor Faveiro7 refere que ele está presente relativamente a todo e qualquer custo enquanto condição da sua aceitação fiscal, não podendo ser referido à natureza do encargo, mas sim às circunstâncias em que o mesmo ocorreu. O mesmo autor refere ainda que quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.) então, tal custo não deve ser havido por indispensável.

Com efeito, os gastos financeiros incorridos pela A... SGPS, decorrentes do recurso à Banca e do recurso a capital alheio junto das associadas e subsidiárias, com o fim de libertar meios financeiros para as sociedades participadas (C... B.V.), não podem ser considerados como diretamente relacionados com a atividade da A... SGPS (gestão de participações sociais, como forma do exercício indireto de uma atividade económica).

Neste sentido, iremos proceder ao cálculo dos gastos financeiros não aceites fiscalmente nos termos do n.º1 do art.º 23.º do CIRC. Desta forma, os gastos financeiros contabilizados na A... SGPS, serão corrigidos no sentido de refletirem, apenas e somente, o custo efetivo do capital por si utilizado. Assim, serão desconsiderados parte dos gastos financeiros por si suportados, os quais respeitam apenas ao financiamento não remunerado concedido à C... B.V. sob a forma de prestações acessórias.

Para o efeito, iremos proceder, em primeira mão, ao cálculo do saldo médio de financiamento alheio anual da A... SGPS, com vista à determinação da taxa de custo efetivo do financiamento alheio. De seguida determina-se o saldo médio de financiamento à C... B.V., por forma a aplicar a taxa de custo efetivo do capital alheio ao valor do empréstimo efetuado sob a forma de prestações acessórias, calculando-se desta forma o gasto financeiro não aceite fiscalmente nos termos do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC.

Então temos:

 

1 - Cálculo do saldo médio de financiamento alheio anual da A... SGPS (Conforme ANEXO l):

 

Pelo que, o saldo médio anual de financiamento alheio ascende a €42.624.424,89.

 

2 – Encargos Financeiros suportados pela A... SGPS em 2012 ascenderam a €1.074.399,04 (corresponde ao somatório das contas da rubrica 69S1º - Gastos e Perdas de Financiamento e da rubrica 68881 – Serviços Bancários), conforme quadros abaixo:

(...)

Pelo que, os encargos financeiros efetivamente suportados pela A... SGPS ascenderam a €1.074.399,04.

3 - Determinação da taxa do custo efetivo de financiamento alheio, a qual ascende a 2,52% conforme se demonstra no quadro que se segue:

4 - Determinação do saldo médio anual de financiamento concedido à C... B.V.:

Atendendo às datas em que as prestações acessórias foram efetuadas e aos respetivos montantes, verifica-se que o saldo médio de financiamento à C... B.V, ascende em 2012 a €13.668.917,21.

5 -Aplicara taxa de custo efetivo do capital alheio ao valor das prestações acessórias efetuadas:

6 - Desconsiderar como gasto financeiro o valor afeto às prestações acessórias realizadas, sendo determinado da forma que se segue:

Face ao acima exposto, conclui-se que o montante de €344.456,71, por estar afeto à realização de prestações acessórias não remuneradas, deverá ser desconsiderado fiscalmente, pelo que deverá ser acrescido ao resultado tributável.

 

III.1.1.4. Encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, nos termos do nº 2 do art.º 32.º do EBF

Durante o período de 2012, a A... SGPS incorreu em encargos financeiros, os quais foram considerados como gasto fiscal na respetiva declaração de rendimentos modelo 22, sem que tenha procedido, na mesma declaração, ao acréscimo correspondente ao valor dos encargos financeiros não fiscalmente dedutíveis, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 23º do CIRC e do n.º 2 do art.º 32º do EBF.

O Orçamento do Estado para 2003 procedeu a uma alteração ao regime de tributação das mais-valias das SGPS, seguindo, numa ótica de reforço da competitividade dessas sociedades, a tendência comum à maioria dos países membros da Comunidade Europeia, ou seja. excluindo da tributação as mais-valias decorrentes da alienação de participações sociais detidas há mais de um ano e não considerando dedutíveis para efeitos fiscais nem as perdas sofridas em virtude da alienação de partes sociais em idênticas condições, nem os encargos financeiros suportados para a aquisição de ativos da mesma natureza (n.º 2 do art.º 32.º do EBF).

A intenção do legislador terá sido obstar que este tipo de sociedades acumulasse dois benefícios: por

um lado, a isenção de tributação aplicável aos rendimentos de mais-valias realizados com a alienação de participações sociais e, por outro, a inclusão dos gastos relevantes relacionados com a obtenção de tais rendimentos no apuramento do resultado fiscal.

Face às dúvidas suscitadas sobre a aplicação daquele regime fiscal aplicável às SGPS, e, atenta à extrema dificuldade de utilização de um método de afetação direta ou especifica e à possibilidade de manipulação que o mesmo poderia gerar, veio a ser transmitido, através da Circular n.º 7/2004, de 30/03, da Direção de Serviços do IRC, o entendimento da Administração Tributária sobre esta matéria, bem como o método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros às participações sociais.

Aquela circular (7/2004 da DSIRC), vem esclarecer o seguinte:

- O período em que os encargos financeiros deverão ser desconsiderados como gastos, para efeitos fiscais, "dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam suscetíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do artigo 31." do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para aplicação do regime especial de tributação das mais-valias ..." (ponto 6).

- Quanto ao método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros às participações sociais, dispõe o ponto 7, que "dada a extrema dificuldade de utilização ... de um método de afetação direta ou especifica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efetuada com base numa fórmula, que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente, participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição".

O princípio geral da indispensabilidade dos gastos, disposto no artigo 23.º do CIRC, estabelece que "Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora", pelo que, os encargos financeiros que tenham sido suportados com a aquisição de participações socais não concorrem para a formação do lucro tributável, tratando-se da imputação do encargo ao regime fiscal aplicável ao resultado da operação para a qual foi assumido (partes de capital detidas por período não inferior a 1 ano).

Pelo que, compete ao sujeito passivo, com referência a cada período de tributação, a determinação cio lucro tributável, seguindo para o efeito a metodologia descrita pelo legislador fiscal, visando a tributação do rendimento real efetivo, devendo o sujeito passivo efetuar o acréscimo, tendo por vista desconsiderar., como manda a lei, os encargos suportados com a aquisição das participações sociais.

Ora, como já referido, no decurso do período de 2012, a A... SGPS incorreu em encargos financeiros, os quais foram considerados como gasto fiscal na totalidade na respetiva declaração de rendimentos, pois, aquela sociedade, não procedeu na mesma declaração, ao acréscimo correspondente ao valor dos encargos não fiscalmente dedutíveis, nos termos do disposto no artº 23º do CIRC e do n.º 2 do art.º 32º do EBF.

Atendendo ao facto de que, o ónus da prova da dedutibilidade dos gastos financeiros ou outros cabe ao sujeito passivo, no dia 6 de Junho de 2016 foi o sujeito passivo questionado, via e-mail, para apresentar os seguintes elementos:

"1 - Identificação, do total de encargos financeiros (por rubricas conforme consta do balancete a 31/12/2012) reconhecidos nas Demonstrações financeiras, quais os que foram suportados com a aquisição de partes de capital de que seja titular a A... SGPS, nas condições enumeradas no n.º 2 do art.º 32.º do EBF;

2 - O valor a acrescer ao resultado líquido do período para efeitos de determinação da matéria coletável, em cumprimento no disposto no referido n.º 2 do artigo 32.º do EBF, ou o motivo pelo qual tal correção é inaplicável à empresa;

3 - 0 método de cálculo utilizado para a determinação do valor dos encargos financeiros a corrigir, com a especificação das razões pelas quais o mesmo se afigure o mais adequado à situação da empresa, se aplicável.

4 - Identificação por rubrica (identificando a(s) conta(s) de lançamento na contabilidade), atendendo aos valores constantes do balancete a 31/12/2012, dos montantes considerados como.

- Ativos remunerados;

- Passivos remunerados:

- Outros ativos;

- Partes de capital (custo de aquisição devidamente documentado), bem como,

- Encargos financeiros suportados.

5 - Na conta 267, encontram-se relevados "Financ. concedidos a subsid, assoc.(...)". Destes financiamentos, queira identificar quais aqueles que são remunerados, e, em caso afirmativo identificar as contas onde na contabilidade se encontram refletidos os respetivos juros.

6 - Na conta 253- Participantes de capital e 254 - Operações de tesouraria, queira identificar quais as operações remuneradas, e, em caso afirmativo identificar as contas onde na contabilidade se encontram refletidos os respetivos juros.

7 - Na conta 4111137 - Prestações acessórias, encontra-se relevado o montante de €27.733.300. Queira juntar contratos/documentos relativos à sua constituição, bem como, identificar se as mesmas são remuneradas ou não. Em caso afirmativo identificação da conta onde se encontram refletidos os respetivos juros."

A 20 de junho de 2016, via e-mail, veio o sujeito passivo dar resposta aos elementos solicitados, conforme se transcreve:

"No que respeita aos pontos 1 e 2, não sendo possível afetar explicitamente os encargos financeiros às aquisições de participações, efetuei o cálculo dos encargos financeiros a acrescer através da aplicação supletiva da circular 7/2004. Desta forma, verifica-se que no exercício 2012 não existem encargos financeiros a acrescer, conforme o ficheiro anexo que envio "E-mail 06.06.2012 pedido 2 Encargos a acrescer".

Nesse ficheiro, para além do respetivo cálculo, encontra-se as sheets "Balancete" e "Balanço" que pretendem responder ao pedido elencado no ponto 3.

Queira por favor ver as restantes respostas abaixo, seguidamente às respetivas questões.

5 - Na conta 267, encontram-se relevados "Financ. concedidos a subsid, assoe.(...)". Destes financiamentos, queira identificar quais aqueles que são remunerados, e, em caso afirmativo identificar as contas onde na contabilidade se encontram refletidos os respetivos juros. Tratam-se de financiamentos remunerados, estando os juros relevados na conta #7918

6 - Na conta 253- Participantes de capital e 254 - Operações de tesouraria, queira identificar quais as operações remuneradas, e, em caso afirmativo identificar as contas onde na contabilidade se encontram refletidos os respetivos juros. As operações com a D..., E..., e F... são remuneradas, estando os juros contabilizados nas contas #69112

7 - Na conta 4111137 - Prestações acessórias, encontra-se relevado o montante de €27.733.300. Queira juntar contratos/documentos relativos à sua constituição, bem como, identificar se as mesmas são remuneradas ou não. Em caso afirmativo identificação da conta onde se encontram refletidos os respetivos juros. As prestações acessórias em questão não são remuneradas; envio em anexo os documentos de suporte."

De seguida apresentam-se os cálculos relativos à aplicação da Circular 7/2004 efetuados pelo sujeito passivo, onde o mesmo conclui não existirem quaisquer encargos financeiros a acrescer ao resultado tributável, afetos a partes sociais adquiridas há mais de um ano, conforme dispõe o n.º 2 do artº 32.º do EBF:

 

 

 

 

 

 

 

Ora, em face dos elementos apresentados pelo sujeito passivo, estranhou-se o facto de não existirem quaisquer encargos financeiros a acrescer nos termos do n.º 2 do art.º 2º do EBF. Pelo que, foram analisados os rendimentos financeiros (conta 7018) declarados pela sujeito passivo, tendo-se concluído que os mesmos ascendiam a €1,057.1)76,46. Veja-se o extrato conta corrente extraído da contabilidade e que se apresentado seguida:

 

 

 

Mas, embora o resultado liquido do período esteja influenciado positivamente pelo montante de €1.057.076,46, o mesmo não se pode dizer do resultado tributável, porquanto, na declaração de rendimentos modelo 22, foi deduzido no quadro 07, linha 767, o montante de €565.380,16, em cumprimento do disposto no n.º 6.º do art.º 18° do CIRC os réditos relativos a vendas e a prestações de serviços não imputáveis ao período de tributação a que respeitam pela quantia nominal da contraprestação”. Aquele montante advém do reconhecimento em gastos de juros relacionados com a alienação de partes sociais da sociedade G... à sociedade H... SGPS, SA, no decurso de 2011. Pelo que, só depois de expurgado o montante de €665.380,16, é que se determina o valor dos rendimentos financeiros efetivamente tributados (€491.696,30), conforme se apresenta de seguida:

 

Pelo que, considerando os gastos financeiros declarados e corrigidos do acréscimo ao resultado efetuado no quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22, bem como, os rendimentos financeiros declarados depois da expurgado o montante deduzido no quadro 07 da referida declaração, temos o seguinte:

 

 

 

 

Como se pode concluir, os gastos financeiros excedem em mais de metade os rendimentos financeiros

Entretanto, como já foi referido, a A... SGPS, procedeu à aplicação supletiva da Circular 7/2004 para determinação dos encargos financeiros associados às partes sociais tendo concluído não existirem quaisquer encargos a acrescer,

Analisados os dados considerados para efeitos da desconsideração dos encargos financeiros afetos às parles sociais detidas por período não inferior a um ano constatou-se o seguinte:

- O cálculo efetivo teve por base o balanço e balancete analítico reportado a 31/12/2012;

- No entanto, verifica-se que a estrutura financeira da A... SGPS alterou substancialmente ao longo do período do 2012, uma vez, que:

1) Os passivos remunerados sofreram urna alteração substancial, conforme se demonstra de seguida:

 

 

 

Na verdade, verifica-se que a posição financeira da A... SGPS no tocante aos remunerados alterou substancialmente no mês de dezembro. De facto, como consta do Relatório e Contas 2012" (...) a Dívida Bancária no final do ano transato se situava em 31,2 milhões de Euros foi reduzida para 3,3 milhões de Euros, o que representa uma diminuição de mais de 70%”.

 

2) O custo de aquisição das partes sociais sofreu alteração, com a alienação das ações da B... e com a redução de capital da I..., conforme mapa que se segue:

 

 

Como se verifica a conta 412114 era junho de 2012 sofreu um decréscimo em relação aos períodos anteriores no valor de aproximadamente €27,459,620, fruto da redução de capital ocorrida na I... e também à alienação das ações da B... em outubro de 2012. Mantendo-se as restantes partes sociais inalteradas, verifica-se que no início do período de 2012 o custo de associado às partes sociais ascendia a €97044.624,50, para em dezembro de 2012 se situar nos €66.394.386,66 (diminuição em €31.650.237,84).

3) Por sua vez, a rúbrica dos outros ativos também sofreu uma alteração substancial, conforme se demonstra:

 

 

 

 

 

 

 

Verifica-se que em junho de 2012, as prestações acessórias efetuadas à C... B.V. foram responsáveis pelo acréscimo da rubrica dos outros ativos em cerca de €25.000.000,00.

Pelo que, uma vez que a A... SGPS incorreu em encargos financeiros ao longo de todo o período do 2012 e tendo a estrutura financeira alterado de forma materialmente relevante, não espelhando de forma alguma a situação financeira e patrimonial existente ao longo do ano, a análise a 31 de dezembro de 2012 torna-se demasiado redutora, por respeitar apenas a um momento no que respeita aos elementos do constantes do balanço da empresa e, simultaneamente ser aplicada aos encargos financeiros incorridos em todo o período da 2012. Portanto, assiste-se à necessidade de efetuar uma análise mensal. Neste sentido foram solicitados à A... SGPS os balancetes analíticos mensais, os quais serviram de base à elaboração do quadro que se apresenta de seguida; onde se procede ao cálculo dos encargos financeiros afetos às partes Sociais, com o auxílio da Circular 7/2004:

 

 

 

Em dezembro não existem encargos financeiros a desconsiderar pois o valor dos ativos remunerados é superior ao valor dos passivos remunerados, como se pode verificar pelo quadro acima.

Atendendo à análise efetuada, os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes sociais, ascendam a €185.033,61, conforma quadro resumo que se apresenta de seguida:

 

(...)

Após a determinação dos encargos afetos à aquisição de partes sociais, há que considerar a existência de gastos financeiros não aceites fiscalmente, nos termos do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, por força do financiamento não remunerado sob a forma de prestações acessórias à C... B.V. Assim temos:

 

Pelo que, o valor a desconsiderar fiscalmente nos termos do n.º 2 do art.º 32.º do EBF e do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC ascende a €125.711,01.

(...)

  1. Na sequência da inspecção do emitida a liquidação n.º 2017..., de 18-01-2017, a liquidação de juros compensatórios n.º 2017... e a demonstração de acerto de contas n.º 2017..., datadas de 20-01-2017, referente ao exercício de 2012 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Em 13-02-2017, a Requerente pagou a quantia liquidada de € 6.858,91 (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. Em 13-03-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com a petição inicial e que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

3. Matéria de direito

 

Das correcções efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, apenas estão em causa no presente processo três correcções à matéria tributável da Requerente relativa ao exercício de IRC de 2012:

  1. Acréscimo ao resultado tributável do exercício do montante de € 347.222,21, referente a um ajustamento de transição positivo, com fundamento no disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, e nos artigos 18.º, n.º 9, alínea a) e 45.º, n.º 3, do CIRC;
  2. Acréscimo ao resultado tributável do exercício do montante de € 344.456,71, referente a prestações acessórias não remuneradas, com fundamento no disposto no artigo 23.º do Código do IRC;
  3. Acréscimo ao resultado tributável do exercício do montante de € 125.711,01, referente a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, com fundamento no disposto no artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.


 

  1. Questão da aplicação da percentagem 50% prevista no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC (na redacção vigente em 2012) às perdas por reduções de justo valor em instrumentos de capital próprio às variações patrimoniais negativas por reduções de justo valor relativas a partes de capital que derivam dos ajustamentos de transição do POC para o SNC (a correcção no valor de € 347.222,21, sendo impugnada quanto ao valor de € 210.253,19 (artigo 179.º do pedido de pronúncia arbitral)

 

 

            O artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, na redacção dada pelo DL 159/2009, de 13 de Julho, estabelece o seguinte:

           

3 – A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

 

            A norma geral sobre a determinação do lucro tributável de IRC é o artigo 17.º do CIRC que estabelece que

1 – O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

           

Relativamente aos ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor, o n.º 9 do artigo 18.º do mesmo Código, dispõe que:

9 – Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando:

a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social; ou

b) Tal se encontre expressamente previsto neste Código.

 

O artigo 20.º, n.º 1, do CIRC concretiza o conceito de rendimentos estabelecendo, no que aqui interessa, o seguinte:

 “Consideram-se rendimentos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente:

 (...)

f) Rendimentos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;

 (...)

h) Mais-valias realizadas;”.

           

O artigo 23.º, n.º 1, do CIRC define o conceito de «gastos», estabelecendo o seguinte:

 

1 – Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

(...)

  1. Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;

 (...)

l) Menos-valias realizadas;”.

 

Relativamente às variações patrimoniais positivas, o artigo 21.º, n.º 1, do CIRC dispõe que:

“Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto:

 (...)

b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal;

 

No que concerne às variações patrimoniais negativas, o artigo 24.º, n.º 1, do CIRC refere que:

Nas mesmas condições referidas para os gastos, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto:

(...)

b) As menos-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade;”.

 

No que diz respeito às mais e menos-valias, dispõe o artigo 46.º, n.º 1, do mesmo Código, que:

 

1 – Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afectação permanente a fins alheios à actividade exercida, respeitantes a:

 (...)

b) Instrumentos financeiros, com excepção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º”

           

O artigo 5.º do DL n.º 159/2009, de 13 de Julho, estabelece o seguinte:

 

Artigo 5.º

Regime transitório

1 - Os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adoptadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respectiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de activos ou passivos, ou de alterações na respectiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.

(...)

 

É aceite pelas Partes que as participações financeiras em questão deverão ser contabilizadas de acordo com o critério do justo valor e que os ajustamentos foram reconhecidos através de resultados e a sua quantificação.

            A divergência versa sobre a aplicação ao ajustamento de transição do preceituado no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, na redacção vigente em 2012.

Na análise desta questão seguir-se-á de perto a fundamentação do acórdão arbitral de 25-11-2013, proferido no processo n.º 108/2013-T.

O referido artigo 45.º, n.º 3, do CIRC decorre da renumeração do anterior artigo 42.º, n.º 3, efectuada pelo Decreto-Lei DL 159/2009.

            Este n.º 3 do artigo 42.º em causa, por sua vez, foi introduzido pela Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, com a seguinte redacção:

 

       “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.º.

           

De acordo com o Relatório do Ministério das Finanças para o Orçamento de Estado de 2003 (p. 33), a intervenção legislativa na área em causa (IRC) guiou-se por “duas prioridades, a saber, o combate à fraude e evasão fiscais e o alargamento da base tributável”, enquadrando-se a alteração que aqui interessa no âmbito do “Alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade” (p. 51).

            A redacção actual da norma em análise, resultou já da alteração implementada pela Lei 60-A/2005 de 30 de Dezembro, sendo que nos termos do correspondente Relatório do Ministério das Finanças (p.31), a medida em causa se enquadrou no âmbito do “COMBATE À EVASÃO E FRAUDE FISCAIS E OUTRAS MEDIDAS DIRECCIONADAS À CONSOLIDAÇÃO ORÇAMENTAL”.

            Já o n.º 9 do artigo 18.º do CIRC aplicável, obtém directamente a sua justificação no preâmbulo do DL n.º 159/2009, de 13 de Julho, que o introduziu no referido Código, onde se pode ler:

“Ainda no domínio da aproximação entre contabilidade e fiscalidade, é aceite a aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, mas apenas nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada. Assim, excluem-se os instrumentos de capital próprio que não tenham um preço formado num mercado regulamentado. Além disso, manteve-se a aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, bem como as partes de capital que correspondam a mais de 5 % do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados. (...)

No mesmo sentido, identificam-se como activos abrangidos pelo regime das mais-valias e menos-valias fiscais os activos fixos tangíveis, os activos intangíveis, as propriedades de investimento, os instrumentos financeiros, com excepção daqueles em que os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor concorrem para a formação do lucro tributável no período de tributação.º.

           

Estas intenções expressas têm correspondência naquela norma do n.º 9 do artigo 18.º, bem como na introdução, pelo mesmo diploma legal, das alíneas f) e i) do número 1 dos artigos 20.º e 24.º do CIRC, bem como da alínea b) do n.º 1 do artigo 46.º.

            Dentro do conjunto de alterações introduzidas pelo referido Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, cumpre ainda salientar que onde até aí se falava de proveitos e ganhos (artigo 20.º), passou-se a falar de rendimentos, e onde antes se falava de custos ou perdas (artigo 23.º), passou-se a falar de gastos.

            Previamente à adopção do justo valor para acções com as características do caso sub judice, por efeito do início de vigência do SNC, as variações patrimoniais relativas aos instrumentos financeiros eram irrelevantes do ponto de vista da formação do lucro tributável de cada período, por efeito da norma do artigo 21.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, que estabelecia que não concorriam para a formação do lucro tributável «as mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reabilitação legalmente autorizadas». Apenas no momento da realização da mais ou menos-valia é que assumia relevância fiscal a variação patrimonial verificada.

            Este enquadramento fiscal, que se reconduzia uma tributação única (que ocorria uma só vez ao longo de todo o período de detenção dos instrumentos financeiros), dependente de uma actuação voluntária do sujeito passivo (na medida em que a transacção dos instrumentos geradores da variação patrimonial, condição da relevância tributária daquela, apenas se daria se e quando o sujeito passivo alienasse os activos) e em que a valorimetria da variação patrimonial era fixada em função da concreta transacção que desencadeava a sua relevância tributária propiciavam um terreno fértil para manipulações contabilísticas e fiscais, já que o sujeito passivo podia procurar desencadear a relevância tributária no momento e termos em que lhe tal lhe fosse fiscalmente mais proveitoso.

Por outro lado, e atenta a relevância da vontade do sujeito passivo no mecanismo de relevância tributária da variação patrimonial, o sistema estabelecido adequava-se à adopção de mecanismos de condicionamento daquela vontade, no sentido de a conformar a comportamentos economicamente mais desejáveis, que, no caso, passam pela preferência de realização de mais-valias, em detrimento da realização de menos-valias.

É neste quadro que se explica o surgimento da norma do anterior artigo 42.º, n.º 3, do CIRC, que precede o actual artigo 45.º, n.º 3, do mesmo.

Tal norma, quer na sua redacção primitiva, resultante da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, quer na que lhe foi dada pela Lei 60-A/2005 de 30 de Dezembro, explica-se objectiva e subjectivamente (ou seja, face à motivação expressa pelo legislador) por necessidades ligadas ao combate à fraude e evasão fiscais e ao alargamento da base tributável, dirigidas à almejada consolidação orçamental das contas públicas.

A aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, operada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, veio introduzir, na parte abrangida, um modelo radicalmente diferente, quer de valorização quer de relevância tributária das variações patrimoniais relativas à detenção daqueles instrumentos.

Com efeito, a intenção do legislador aquando do acolhimento do modelo do justo valor, devidamente evidenciada, foi, assumida e expressamente, a de manter “a aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, bem como as partes de capital que correspondam a mais de 5 % do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados”.

Já relativamente a “instrumentos financeiros” que correspondam a menos “de 5 % do capital social”, “cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, (...) nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada”, a intenção legislativa foi a de aceitar “a aplicação do modelo do justo valor”, excluindo o princípio da realização.

Em consonância com esta intenção legislativa, o artigo 18.º, n.º 9, do CIRC veio dispor que, por regra, “Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados”, o que consubstancia um afloramento evidente e deliberado do assumido princípio da realização.

Contudo, a mesma norma, na sua alínea a), estabelece a excepção a este regime, «quando: a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social;”.

Ou seja, quando os “rendimentos ou gastos (...) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “concorrem para a formação do lucro tributável” “desde que”:

  1. Sejam reconhecidos “através de resultados”;
  2. Se tratem “de instrumentos do capital próprio”;
  3. tenham um preço formado num mercado regulamentado”; e
  4. o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social”.

 

Cumpridas estas condições:

  1. consideram-se rendimentos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros [artigo 20.º, n.º 1, alínea f), do CIRC]; e
  2. consideram-se gastos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros [artigo 23.º, n.º 1, alínea i) do CIRC].

 

Deste modo, onde antes tínhamos uma relevância tributária única, aquando da transacção daqueles instrumentos, agora passamos a ter uma relevância tributária continuada. Ou seja, face às novas normas integrantes do regime da relevância tributária da contabilização pelo justo valor de instrumentos financeiros, os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor a estes passam a relevar directamente para a formação do lucro tributável [artigos artigo 20.º, n.º 1, alínea f), e artigo 23.º, n.º 1, alínea i), do CIRC] do próprio ano em que se verificam, cumpridas que sejam determinadas condições (artigo 18.º, n.º 9, do CIRC), que incluem a formação do preço num mercado regulamentado, não sendo tributadas as variações patrimoniais verificadas como mais ou menos-valias [artigo 46.º, n.º 1, alínea b), do CIRC].

            Neste quadro, deixam de se verificar quaisquer necessidades relativas ao combate da fraude e evasão fiscais, não só porquanto a relevância tributária das variações patrimoniais deixa de estar condicionada por um acto de vontade do sujeito passivo, mas também porquanto a valorimetria é objectivamente fixada.

Por outro lado, e pelas mesmas razões, carece igualmente de sentido qualquer medida de condicionamento da vontade do sujeito passivo, no sentido de favorecer comportamentos economicamente mais “desejáveis” e, como tal, conformes aos interesses do alargamento da base tributável e consolidação orçamental.

Não obstante estas alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, o anterior artigo 42.º, n.º 3, do CIRC, renumerado para artigo 45.º, n.º 3, manteve a respectiva vigência, com a sua redacção inalterada.

Daí que se questione, como ocorre nos autos, se tal norma se aplicará, ou não, às depreciações relativas a instrumentos financeiros, que concorram para a formação do lucro tributável, nos termos do artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC.

Numa primeira análise, baseada exclusivamente no teor literal do n.º 3 do artigo 45.º é sugerida uma resposta afirmativa e esta questão, em face da abrangência de previsão desta norma.

Mas, uma interpretação atenta e coordenada dos normativos relevantes para a análise da questão, que se indicaram, conduz a uma conclusão diferente.

Na verdade, o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC refere que:

A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.”

 

A análise do texto normativo revela com clareza que o legislador elegeu, para nele incluir, três tipos de situações que se deverão ter, em função da presunção de boa técnica legislativa, por distintas, a saber:

  1. “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital”;
  2. “outras perdas (...) relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”;
  3. “outras (...) variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”.

 

Vejamos, então, se a situação dos autos se reconduz a alguma das elencadas situações.

A situação aludida sob a alínea a) supra, será manifestamente inaplicável, não só porque não houve qualquer realização operada mediante transmissão onerosa, mas também porque o artigo 46.º, n.º 1, alínea b), do CIRC exclui as situações descritas no artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do conceito de mais-valias realizadas.

Deste modo, restam as possibilidades de integração da situação dos autos em alguma das situações elencadas nas alíneas b) e c) supra.

A aparente abrangência indiscriminada das previsões em causa, poderá, contudo, ser razoavelmente mitigada atentando que “perdas” e “outras variações patrimoniais negativas” serão conceitos, não redundantes, mas dotados de um sentido próprio e distinto.

Para compreender tal facto, será necessário recuar aos artigos 23.º e 24.º do mesmo Código, atentando na evolução terminológica operada pelo artigo 159/2009, de 13 de Dezembro.

 Com efeito, antes da entrada em vigor deste último diploma, os artigos referidos do CIRC referiam, respectivamente, que:

– “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: (...)”;

– “Nas mesmas condições referidas para os custos ou perdas, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, excepto: (...)”.

 

Verifica-se, deste modo, que aquando da consagração da redacção do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC vigente em 2012, este Código distinguiu expressamente, para o que aqui releva, três tipos de situações, a saber:

  • Custos;
  • Perdas;
  • Variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício.

 

A previsão do artigo 42.º, n.º 3 do CIRC (predecessor do artigo 45.º, n.º 3, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), dever-se-á considerar, assim, por reportada a estes conceitos, definidos nos artigos 23.º e 24.º, nas redacções anteriores a este Decreto-Lei.

Deste modo, e por razões óbvias, da previsão daquela norma dever-se-ão ter por excluídos os custos relativos “a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”, incluindo-se ali, unicamente, as perdas (tal como definidas no artigo 23.º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24.º), relativas àquelas partes.

E que assim é, ou seja, que a expressão “outras perdas ou variações patrimoniais negativas” utilizada no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, na redacção vigente em 2012, não tem um sentido indiscriminadamente abrangente, mas antes um sentido preciso, definido nos artigos 23.º e 24.º, decorre desde logo do facto de o legislador ter empregado a mesma distinção.

Para além disso, a inclusão no âmbito da norma em causa não só das perdas (tal como definidas no artigo 23.º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24.º), mas também dos custos (tal como definidos no artigo 23.º na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 159/2009), levaria a que, por exemplo, o custo de aquisição de partes de capital apenas concorresse em metade do respectivo valor para o apuramento do lucro tributável, o que seria, obviamente, inconcebível num legislador minimamente razoável e, consequentemente, trata-se de uma interpretação a rejeitar, por força da regra do artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, que impõe que se presuma que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.

A alteração normativa implementada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, não terá alterado nada de relevante na matéria em causa. Com efeito, não obstante o corpo do artigo 23.º ter passado a referir-se unicamente a gastos, o certo é que o CIRC continua a utilizar a expressão “perdas”, incluindo no próprio artigo 23.º (cfr. n.º 1, alínea h)). Tal ocorre em coerência, aliás, com o SNC, que nos termos do ponto 2.1.3.e) do anexo ao Decreto-Lei 158/2009 de 12 de Julho, mantém a distinção entre “gastos” e “perdas”.

Deste modo, conclui-se que o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC se reportará a:

  1. diferenças negativas entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital;
  2. outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio; e
  3. outras variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.

 

Sendo que por “perdas” se deve entender os factos qualificáveis como tal à luz do CIRC, e por “variações patrimoniais negativas” se deverá entender variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, tal como definidas no artigo 24.º.

            Não se incluirão deste modo, no âmbito da norma em causa, os factos qualificáveis como “gastos”, à luz do CIRC, ainda que relativos a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.

            A própria AT parece reconhecer isto mesmo, já que no “Manual de Preenchimento do Quadro 07, Modelo 22” ( [1] ), a propósito do campo 737, refere que “Neste campo são inscritas, em 50%, as importâncias relativas a outras perdas (que não sejam menos-valias, dado que estas obedecem ao “mecanismo” das mais-valias e menos-valias) relativas a partes de capital ou outras componentes de capital próprio. São, por exemplo, acrescidas neste campo 737 as importâncias correspondentes a 50% das perdas por reduções de justo valor, quando estas se enquadrem no âmbito do artigo 23.º, n.º 1, alínea i), por força do disposto no art.º 18.º, n.º 9, alínea a)”.

Sucede que o artigo 23.º, n.º 1, alínea i), do CIRC não se refere às importâncias em causa como “perdas”, mas como “gastos”, pelo que será incorrecta a sua inscrição no campo em causa.

De resto, e se dúvidas houvesse, caso o legislador, aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei 159/2009 de 13 de Dezembro, pretendesse abranger as situações elencadas no artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC, no âmbito do artigo 45.º, n.º 3, do mesmo, teria:

– incluído os “Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”, não no artigo 23.º, mas no artigo 24.º do CIRC ( [2] ); ou

– referido tais situações como “perdas resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros” e não como “gastos”.

 

No quadro que se acaba de expor, deve-se então considerar que o Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, veio introduzir, no que respeita à parte abrangida pela aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, um regime especial de relevância para o cômputo do lucro tributável, justificado quer pela sua objectividade própria quer pela confessada intenção de aproximação da contabilidade à fiscalidade.

Esta circunstância não é, face à redacção do CIRC resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, susceptível de gerar qualquer tipo de dúvidas, como se verifica, designadamente, pela redacção dos artigos 20.º, n.º 1, alíneas f) e h), 23.º, n.º 1, alíneas i) e l), e, em especial 46.º, n.º 1, alínea b), face aos quais se evidencia de uma forma clara a intenção do legislador afastar os ajustamentos decorrentes da aplicação do critério do justo valor em instrumentos financeiros, nos termos reconhecidos pelo CIRC, do regime das mais-valias e menos-valias.

            Já o regime resultante da conjugação dos artigos 45.º, n.º 3, e 46.º do CIRC, apenas faz sentido na perspectiva da atendibilidade das variações patrimoniais em causa sob o prisma do referido princípio da realização.

            É que, estando em causa, face a tal princípio, a aferição da variação patrimonial em função de uma transacção, haverá sempre um factor voluntário em relação àquela.

            Ou seja, no regime para o qual foi pensada e instituída a norma do artigo 45.º, n.º 3, a realização de menos-valias, e demais situações elencadas estava dependente de uma actuação voluntária correspondente à realização das mesmas. Ora, neste quadro, será compreensível que o legislador institua mecanismos de desincentivo a uma actuação susceptível de ser considerada como desvaliosa, no caso a realização de menos-valias ou outras variações patrimoniais negativas. Ao dispor que tais situações apenas relevarão em 50% do montante contabilizado, o legislador fiscal está, objectivamente, a condicionar as actuações abrangidas pela previsão legal, impondo um incentivo negativo às mesmas.

            Por outro lado, e estando em causa instrumentos financeiros de valor não objectivamente quantificável, a desconsideração em 50% das variações patrimoniais negativas verificadas, teria também uma função de “compensar” a natural tendência dos operadores económicos para, ao nível fiscal, inflacionarem os prejuízos.

            Contudo, aqueles aspectos não se verificarão já nas situações abrangidas pelo artigo 18.º, n.º 9, alínea a). Aqui, estando-se perante ajustes decorrentes da contabilização do justo valor, determinado por critérios objectivos (com “um preço formado num mercado regulamentado”), não há qualquer dúvida ou intervenção da vontade do sujeito passivo na verificação do ajustamento patrimonial negativo ou positivo. Ou seja, estes ocorrerão ou não, independentemente da actuação e da vontade do sujeito passivo.

            Ora, penalizar, nestes casos, o sujeito passivo com uma desconsideração de 50% do gasto incorrido, seria de todo injustificado, quer de um ponto de vista económico, quer de um ponto de vista jurídico.

            É que, recorde-se, esta situação de penalização contingente (aleatória, até) injustificada, só se daria por força da excepção das situações abrangidas pelo artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC ao regime do princípio da realização. Ou seja, se relativamente a essas situações se aplicasse o regime geral do corpo do artigo 18.º. n.º 9, segundo o qual as mesmas não concorreriam “para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados”, a apontada incoerência não se verificaria, já que o facto que desencadearia a concorrência para a formação do lucro tributável apenas se daria por vontade do sujeito do passivo, pelo que caberia a este optar por realizar a variação patrimonial negativa, com a consequente penalização fiscal, ou diferir esta para um momento em que fosse menos volumosa ou, até positiva, diminuindo ou eliminando a penalização decorrente da operação para si e para o Erário Público. É a excepção da alínea a), ao retirar as situações aí previstas do âmbito do princípio da realização, que justifica o novo regime de relevância para o lucro tributável, que foi instituído.

            Evidência de tudo o que vem de se dizer, apresenta-se no quadro elaborado de seguida, o qual demonstra a irrazoabilidade da aplicação da norma do artigo 45.º, n.º 3, às situações abrangidas pelo artigo 18.º, n.º 9, alínea a):

 

Ano

Valor Inv. Financeiro

Variação anual de justo valor

Aplicação do artigo 45.º/3 do CIRC

0

Valor de aquisição (V.A.)

0

0

1

V.A.+ 40

+ 40

+40

2

V.A.+ 20

-20

-10

3

V.A

-20

-10

4

V.A.-40

-40

-20

5

V.A.

+40

+40

6

V.A. -20

-20

-10

 

           

A não aplicação da norma do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC aos gastos, e concretamente aos “Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”, com a consideração plena das repercussões patrimoniais verificadas, sejam positivas ou negativas, leva a uma coerência da tributação qualquer que seja a altura em que se verifique a alienação do instrumento financeiro. Ou seja, em qualquer altura que se escolha para proceder à alienação do instrumento financeiro, as alterações patrimoniais positivas e negativas compensam-se, de modo que, a final, o sujeito passivo apenas tenha acrescentado ou diminuído ao seu lucro tributável a diferença entre o valor de aquisição e o valor de venda.

            Já se se aplicasse a norma do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, como pretende a Autoridade Tributária e Aduaneira, a partir do momento em que se verifique uma alteração patrimonial negativa, haverá uma discrepância entre a relevância fiscal das variações patrimoniais negativas e positivas, sem qualquer justificação, como se disse, uma vez que aquelas variações ocorrem de forma objectiva e independente da actuação ou vontade do sujeito passivo. Assim, se ao fim do segundo ano o sujeito passivo do exemplo supra procedesse à realização do instrumento financeiro em causa, não obstante ter realizado uma mais-valia de apenas 20 (que seria tributada como tal ao abrigo do princípio da realização), teria, afinal, pago imposto sobre 30 (40-10). Do mesmo modo, se procedesse àquela realização ao fim do terceiro ano, teria pago imposto sobre 20, não obstante não ter tido qualquer acréscimo patrimonial com a operação. E se procedesse à mesma realização ao fim do sexto ano, teria pago imposto como se tivesse tido um acréscimo patrimonial de 30 (80-50), não obstante ter tido uma variação patrimonial efectiva de -20, que, ao abrigo do princípio da realização consagrado no CIRC, seria atendível, ainda que em apenas 50% do respectivo valor (-10)!

            Tais resultados, meramente aleatórios e sem qualquer justificação substancial que os sustente, não poderão ter sido queridos por um legislador razoável, que, por imperativo do artigo 104.º, n.º 2, da CRP, tem de fazer assentar a tributação das empresas fundamentalmente sobre o seu rendimento real.

            O desacerto de uma hipotética solução legislativa a que conduz uma determinada interpretação é, seguramente, um argumento decisivo para rejeitar essa interpretação, pois, em boa hermenêutica, tem de se presumir que o legislador consagrou a solução mais acertada para uma determinada situação jurídica e não uma solução insensata e sem fundamento lógico (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

            Para além disso, o direito tributário tem especificidades interpretativas e uma delas é a de que, a estar-se perante uma situação de dúvida sobre o alcance do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC (como patenteia a existência de decis arbitrais contraditórias), ter de se atender «à substância económica dos factos tributários» (por imposição do artigo 11.º, n.º 3, da LGT), que, em situações em que, findo o período de detenção de partes de capital, não ocorreu realização mais-valias ou até houve realização de menos-valias, conduz inexoravelmente à interpretação que afasta a incidência de imposto sobre o rendimento e não à que se reconduz a tributar o prejuízo como se fosse um rendimento.

            O que permite concluir que os Tribunais têm de atender ao «mérito das normas» que aplicam, numa dupla acepção, pelo menos: não podem ser aceites interpretações que conduzam a soluções desacertadas, por que a tal se opõe o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil; nem são admissíveis interpretações que se reconduzam à tributação de rendimentos inexistentes, porque tal não se compagina com as directrizes teleológicas que emanam do referido artigo 11.º, n.º 3, e dos princípios que lhe estão subjacentes, da justiça material, da igualdade e da tributação fundamentalmente com base na capacidade contributiva (artigos 4.º, n.º 1, e 5.º, n.º 2 da LGT), que têm suporte constitucional em princípios basilares do Estado de Direito democrático (artigos 2.º, 13.º e 104.º, n.º 2, da CRP).

            É certo que a solução alternativa, que exclui a aplicação do artigo 45.º, n.º 3, leva a que, no caso de se verificar, a final, uma menos-valia, esta acabe por ter sido considerada a 100%, e não a 50%, como ocorreria ao abrigo do princípio da realização. Seria o caso de, no exemplo do quadro supra, a realização ocorrer nos anos 4 ou 6. Contudo, esta discriminação positiva (ou melhor, não discriminação negativa) pela opção pelo critério do justo valor, poderá justificar-se, desde logo, porquanto no regime do artigo 18.º, n.º 9, alínea a), deixa de fazer sentido qualquer desincentivo à realização de menos-valias, uma vez que as mesmas terão relevância fiscal independentemente da sua efectiva realização. Não se deverá desconsiderar igualmente que, por um lado, a contabilização pelo justo valor é considerada mais conforme à aproximação entre a contabilidade e a fiscalidade, finalidade confessadamente prosseguida pelo legislador do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, e, por outro, a circunstância de estarmos perante realidades objectivamente avaliadas, sem que haja margem significativas para manipulações fiscalmente convenientes.

Ou seja, como se havia adiantado já, não se verificam as razões de combate à fraude e evasão fiscal, nem as razões de consolidação orçamental, que demonstradamente estiveram na génese da norma do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC.

Assim, tem de se concluir que devem afastar-se do campo de aplicação deste artigo 45.º, n.º 3, as situações em que não vale a sua razão de ser, em sintonia com a velha máxima “cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)”. ( [3] ). “O método teleológico tem-se vindo a deslocar cada vez mais para um primeiro plano em relação à interpretação literal. Segundo o princípio de há longa data conhecido: cessante ratione legis, cessat lex ipsa, deve importar mais o fim e a razão de ser que o respectivo sentido literal. A ratio deve impor-se, não apenas dentro dos limites de um teor literal muitas vezes equívoco, mas ainda rompendo as amarras desse teor literal ou restringindo uma fórmula legal com alcance demasiado amplo”. ( [4] )

Deste modo, e em suma, em obediência às imposições hermenêuticas do artigo 9.º do Código Civil, segundo as quais “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (n.º 1), e “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.º (n.º 3), é de interpretar o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, no sentido de na sua previsão não se incluírem os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º.

Nestes termos, considerando-se que o artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC impõe a concorrência “para a formação do lucro tributável”, sem reservas ou limitações, dos “rendimentos ou gastos” que “(...) respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “desde que” sejam reconhecidos “através de resultados”; se tratem “de instrumentos do capital próprio”; “tenham um preço formado num mercado regulamentado”; e “o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social”, não se aplicando, nestes casos, o artigo 45.º, n.º 3, do referido Código, na medida em que não estão abrangidos pela previsão normativa do mesmo, entende-se que merece provimento o pedido.

Consequentemente, as correcções efectuadas quanto aos ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor são ilegais.

Aliás, recentemente, o Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se neste sentido, no acórdão de 06-06-2018, processo n.º 058/17, em que concluiu que «a norma do artigo 45º, n.º 3 do CIRC não é aplicável quando ocorre a determinação – ao Justo Valor – do valor dos activos sujeitos a mercado regulado por entidades oficiais, porque a razão da sua existência, combate à evasão e elisão fiscal, não tem justificação, o valor dos activos – a posição financeira – acaba por ser “estranho” e alheio à vontade do contribuinte que, em última instância, nada releva para a valorização ou desvalorização do respectivo activo».

Na mesma linha, sobre o alcance do artigo 45.º, n.º 3, o CIRC, a propósito de outra questão, pronunciou-se também o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-02-2016, proferido no processo n.º 01401/14.

      Pelo exposto, em sintonia com esta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, conclui-se que a liquidação enferma de vício de violação de lei, por errada interpretação do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, pelo que se justifica declaração da sua ilegalidade, na parte respectiva.

Pelo exposto, é ilegal a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto ao montante de € 210.253,19, que é objecto de impugnação (artigo 179.º do pedido de pronúncia arbitral), pelo que se justifica a anulação da liquidação na parte em que tem como pressuposto uma correcção deste valor.

 

3.2. Questão do acréscimo ao resultado tributável do exercício do montante de € 344.456,71, referente a prestações acessórias não remuneradas, com fundamento no disposto no artigo 23.º do Código do IRC

Esta questão foi já apreciada, com os mesmos pressupostos de facto e de direito, nos processos do CAAD n.ºs 39/2013-T, 734/2014-T, 570/2015-T e 264/201-T, com cuja decisão se concorda, pelo que se seguirá a sua fundamentação.

A interpretação do conceito de indispensabilidade constante do artigo 23.º do CIRC tem, na doutrina jurídico-fiscal portuguesa, em TOMÁS TAVARES e ANTÓNIO PORTUGAL, autores de obras nucleares quanto à dilucidação de tal conceito.

Para o primeiro destes autores: “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os atos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo.”

E continua: “ (…) A indispensabilidade subsume-se a todo e qualquer ato realizado no interesse da empresa…A noção legal de indispensabilidade reprime, pois, os atos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro”.

O segundo autor, relativamente à questão de saber qual a melhor interpretação do conceito de indispensabilidade, exprime a seguinte posição:

 

A solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira dos entendimentos propugnados pela doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objecto societário. Esta posição está presente desde logo nos escritos de Vítor Faveiro, que reconduz a indispensabilidade do gasto à sua apreciação como ato de gestão em função do concreto objecto societário, recusando que esta indispensabilidade possa ser aferida livremente a partir de um qualquer juízo subjectivo do aplicador da lei”.

 

Estas obras sustentam, pois, que qualquer decaimento económico (gasto) que tenha uma relação com o objecto societário, seja incorrido no âmbito da actividade, ou evidencie um business purpose, cumprirá o requisito da indispensabilidade.

No plano da jurisprudência, e em especial no que respeita à dedutibilidade de gastos relativos a juros suportados por sociedades que aplicam os capitais tomados de empréstimo no financiamento de participadas, merece destaque o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-02-2007, proferido no processo n.º 1046/05, no qual se afirma:

 

Daqui resulta que os custos ali previstos não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte.

Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.

A não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da actividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação.

As quantias controvertidas correspondem a juros de empréstimos bancários e imposto de selo contraídos pela recorrente e aplicados no financiamento gratuito de uma sociedade sua associada.

Tais verbas não estão, pois, directamente relacionadas com qualquer actividade do sujeito passivo inscrita no seu objecto social, que é empreendimentos e gestão de imóveis e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco, nem sequer se reportam, ainda que indirectamente, à sua actividade.”

 

Também aqui a noção de actividade ou de interesse social se revela o traço marcante na admissibilidade fiscal dos gastos, quando aferida pelo artigo 23.º do CIRC.

A admissibilidade fiscal dos gastos financeiros depende de se considerar que a Requerente, entidade financiadora, realiza ou não, nessas operações, actividade própria.

Assim, a ligação à actividade será o elemento nuclear da chave interpretativa do conceito de indispensabilidade, pelo que é essencial definir o que se entende por “actividade” das sociedades, em particular das SGPS.

A actividade de um ente societário consiste nas operações decorrentes do uso e gestão dos seus recursos. Tais recursos são, em primeira linha, os activos que constam do respectivo património.

A partir da noção de “activo” que o normativo contabilístico estabelece, pode concluir-se que tanto será actividade a gestão de um activo fixo tangível, como a de um intangível, como a de um activo financeiro, ou uma qualquer prestação de serviço.

Assim, suponha-se que a sociedade ALFA participa na sociedade BETA na proporção de 100%. A primeira é, pois, titular de um activo financeiro. Que “actividade” resulta na esfera de ALFA da participação que esta detém em BETA?

A primeira pode intervir na segunda, controlando as suas políticas financeiras e operacionais de modo a obter benefícios da mesma, determinando a produção de novos bens ou serviços, a minimização de gastos, ou outras medidas que aumentem os seus benefícios económicos futuros.

Mas é também claro que ALFA poderá intervir em BETA no plano das operações financeiras. Quer aumentando o capital de BETA a fim de incrementar a respectiva capacidade de investimento, ou dotá-la de meios financeiros que reforcem a tesouraria de BETA a fim de incrementar a respectiva capacidade de investimento, ou dotá-la de meios financeiros que reforcem a sua tesouraria.

A entidade ALFA, no exercício da sua actividade própria, administra e toma decisões referentes a um activo financeiro, que decorre da dita participação. Tal constitui actividade de ALFA e não de BETA. Esta beneficia dessa actividade, sofre os efeitos das decisões de ALFA, mas não desenvolve a actividade de gestão da participação.

Caso os gestores de ALFA executem operações que afectem o financiamento de BETA não estão a desenvolver actividade de terceiros. Estão a desenvolver actividade própria de ALFA, derivada directamente da gestão do activo financeiro traduzido na participação em BETA. A empresa BETA tem a natureza de entidade participada, o que confere às decisões da participante o qualificativo de uma actividade própria, inerente ao seu escopo: a gestão de tal participação. E essa gestão pode envolver operações de financiamento que fazem parte da actividade da participante.

A participada não é um qualquer ente estranho à actividade e interesses da participante. Não há um gasto na esfera da última que nada tem que ver com o seu interesse societário. O gasto com juros incorridos com capitais obtidos e, posteriormente aportados à participada, é feito no interesse da participante, numa consequência directa da sua actividade de gestão de um activo que emerge de uma participação, a qual é real ou potencialmente produtora de rendimento.

De harmonia com o disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro ( [5] ), as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, sendo a participação numa sociedade considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante. ( [6] )

A participação numa sociedade considera-se forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer conjuntamente com participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.

Em face do exposto, revela-se claro que a actividade das SGPS – conceito essencial para aferir da indispensabilidade dos gastos por estas incorridos no âmbito da aplicação do artigo 23.º do CIRC – não só engloba a gestão de participações sociais, como é este o seu único objecto contratual.

Ora, a gestão de participações sociais envolverá, naturalmente, a sua aquisição, as operações de administração levadas a cabo pela participante necessárias à valorização do activo financeiro adquirido, ao financiamento de tal activo e à eventual posterior alienação. Tudo isto se pode subsumir na actividade de uma SGPS.

Assim sendo, o financiamento de uma participada decorre do interesse da participante, a fim de, garantindo a sustentação financeira do activo adquirido, incrementar o seu potencial de fonte produtora de rendimento.

Em tal caso, os encargos financeiros que resultem de financiamentos contraídos para, posteriormente, reforçar o capital próprio de uma participada, incluem-se, fazem parte do âmbito, da actividade de uma SGPS. Disso não restam dúvidas face ao disposto na norma, acima mencionada, que regula a sua actividade. ( [7] )

Conclui-se, assim, que, estando esses encargos relacionados com a actividade própria da SGPS, eles preenchem os requisitos em que assenta a interpretação do conceito de indispensabilidade do artigo 23.º do CIRC, designadamente na parte do n.º 1 deste artigo, em que se dá relevância aos gastos indispensáveis para a manutenção da fonte produtora de rendimentos, em que se incluem os encargos de natureza financeira, expressamente referidos na alínea c) do mesmo número.

Na verdade, como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 23.º, para ser satisfeito o requisito da indispensabilidade dos gastos, não é necessário que eles sejam necessários para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto, bastando que eles sejam necessários para a «manutenção da fonte produtora», conceito em que, relativamente às SGPS, cabem as suas participadas, de cuja actividade advêm proventos para a SGPS.

É este o alcance do referido acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2007.

Está nele ínsito o entendimento de que as despesas de uma sociedade são dedutíveis quando «se reportam, ainda que indirectamente, à sua actividade».

No caso apreciado neste acórdão de 2007, o sujeito passivo não era uma SGPS e entendeu-se nele que «a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco, nem sequer se reportam, ainda que indirectamente, à sua actividade», sendo essa a razão por que se entendeu que as despesas não eram dedutíveis.

Não é isso que sucede nestes autos, pois trata-se de uma SGPS, que tem por função estatutária a gestão das participações, é essa a sua actividade directa, e, por isso, o que as pode valorizar ou impedir que se desvalorizem reporta-se directamente à actividade da SGPS.

As participações sociais são a «fonte produtora» de rendimentos de uma SGPS e, por isso, as despesas efectuadas tendo em vista valorizar as participações ou impedir que se desvalorizem reportam-se directamente à sua actividade.

Explicitamente neste sentido, a propósito do financiamento de SGPS a suas participadas decidiu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 21-02-2018, processo n.º 0473/13,:

«Insere-se na capacidade e escopo lucrativo uma dada actividade quer efetue um aumento de capital (art. 25.º do CSC), prestações suplementares ou acessórias sem juros (art. 210 e 287.º do CSC) ou suprimentos sem juros (art. 243.º do CSC)»;

«Ao decidir efectuar participações acessórias de capital a algumas das empresas participadas sem delas receber quaisquer juros e, para fazer esses financiamentos contraiu empréstimos onerosos junto de instituições financeiras, os encargos financeiros suportados por estes empréstimos estão conexionados com a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da empresa participante que contraiu os empréstimos e pagou os encargos financeiros correspondentes;

A gestão de participações sociais ocorre pela influência que os direitos de voto que a"""" detenha na sociedade participada, a exercer em assembleia geral, influenciando as decisões de gestão da participada, pela aquisição de mais acções da sociedade participada, pela deliberação de aumento do seu capital social com o inerente incremento da capacidade de investimento, ou pelo reforço do capital próprio da participada, aumento das disponibilidades de tesouraria, entre outros. Sendo certo que a A" é um sócio da sociedade participada e a ela pode efectuar prestações suplementares, caso preencha os requisitos legais, a decisão de efectuar a prestação suplementar é exercício da sua actividade empresarial de gestão de participações sociais.      

Não é, ao nível da realização da prestação suplementar – por definição do sócio para com a sociedade – uma actividade de gestão da participada. O acto de gestão aqui em causa não é um acto de gestão da empresa participada, que se limita a sofrer na sua esfera jurídica as respectivas consequências».

 

Na mesma linha decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, aplicando a redacção do artigo 23.º do CIRC anterior à Lei n.º 2/2014, que «um custo será aceite fiscalmente desde que, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios».

Não se exige, para ser permitida a dedutibilidade, que se prove que o gasto foi útil ou era inevitável para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora, mas apenas é necessário que seja suportado no interesse da empresa.

À luz desta jurisprudência, como já sucedia com a de 2007, são dedutíveis as despesas de financiamento com participadas que se reportem à actividade da sociedade detentora das participações, o que é claro no caso das SGPS, em que as participações são a «fonte produtora», para efeitos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, na redacção vigente em 2012.

Para além disso, como defende a Requerente, não se pode considerar provado que tenham sido suportados pela Requerente encargos financeiros para realizar as prestações acessórias em causa, pelo que a dúvida sempre terá de ser valorada a favor do contribuinte, nos termos do n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

Assim, conclui-se que a correção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente aos encargos financeiros que considerou terem sido suportados pela Requerente para efectuar prestações acessórias a suas participadas, no valor de € 344.456,71, não tem fundamento legal, pelo que enferma de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a anulação do acto de liquidação (artigos 135.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 1991 e 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 2015).

 

 

 

3.3. Questão da dedutibilidade dos encargos financeiros que a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou não dedutíveis, nos termos do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, aplicando para seu cálculo a fórmula prevista na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC (correcção no valor de € 125.711,01)

 

 

3.3.1. Posições das Partes

 

A Requerente incorreu em encargos financeiros no período de 2012, que considerou como gasto fiscal na totalidade na respectiva declaração de rendimentos, não procedendo ao acréscimo de qualquer valor de encargos não fiscalmente dedutíveis.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que recai sobre a Requerente o ónus da prova da afectação de encargos financeiros relativos a aquisição de participações sociais e notificou a Requerente para apresentar os elementos que considerou necessários para esse efeito.

 A Requerente respondeu dizendo, em suma, que «não sendo possível afetar explicitamente os encargos financeiros às aquisições de participações», efectuou «o cálculo dos encargos financeiros a acrescer através da aplicação supletiva da circular 7/2004» e que verificou que «no exercício 2012 não existem encargos financeiros a acrescer».

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou os cálculos que entendeu deverem ser efectuados nos termos da Circular n.º 7/2004 e entendeu que deveria acrescer à matéria tributável o valor de € 125.711,01, «nos termos do n.º 2 do art.º 32.º do EBF e do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC». Nesse cálculo, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que deveriam os gastos financeiros declarados ser corrigidos, por parte deles respeitarem ao período de 2011 e que deveria ser analisada mensalmente a situação financeira e patrimonial ao longo do ano.

A Requerente entende que esta correcção é ilegal, pelas seguintes razões, em suma:

– a administração tributária não afirma em parte alguma da fundamentação do acto tributário que foram suportados encargos naquele montante com a aquisição de partes de capital, limitando-se, outrossim, a aplicar a doutrina vertida na Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da Direção de Serviços de IRC, não tendo averiguado se os encargos financeiros foram efetivamente suportados com a aquisição de partes de capital;

– a administração tributária também não invocou qualquer dificuldade de verificação da real afectação dos encargos financeiros à aquisição de participações sociais;

– a administração tributária aplicou, pois, um método indirecto na determinação do valor dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital;

– quando não se demonstre que determinados encargos financeiros foram efetivamente suportados com a aquisição de partes de capital, não tem aplicação a norma legal excepcional que exclui a sua dedutibilidade, mantendo-se plenamente aplicável o artigo 23.º do Código do IRC, sob pena de violação do princípio constitucional da tributação das empresas pelo lucro real, previsto no artigo 104.º da Constituição de República Portuguesa;

– de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, nem sequer impendia sobre a Requerente fazer a prova de um facto negativo, ou seja, que os encargos em apreço não foram suportados com a aquisição de participações sociais, razão pela qual ainda que se entendesse que não estava inequivocamente provada a ausência de relação entre os encargos financeiros suportados e a aquisição de partes de capital, sempre seria de anular o acto tributário em crise;

– não tendo sido demonstrado pelos serviços de inspeção tributária que a Requerente incorreu em quaisquer encargos financeiros com a aquisição de partes de capital e impendendo sobre si o ónus probatório de tal facto, impõe-se, desde logo com este fundamento, a anulação do acto tributário em crise;

– não foi realizada a prova da verificação dos pressupostos legais para a aplicação de um método indirecto de determinação da matéria tributável;

– da Circular n.º 7/2004, que o cálculo dos encargos financeiros se deva efectuar numa base mensal em virtude de uma alegada alteração da estrutura financeira da Requerente;

– se o lucro tributável do exercício é apurado anualmente tendo por base a soma do resultado líquido do período de tributação e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado (cf. artigo 17.º, n.º 1, do Código do IRC), inexiste motivo algum para que a definição dos encargos financeiros alegadamente não dedutíveis se tenha de efectuar numa base mensal;

– outro entendimento que não este, para além de arbitrário – na medida em que subordina o cálculo daqueles encargos financeiros a um apuramento de base mensal mas mantém todo um conjunto de outros montantes a acrescer ou a deduzir calculados numa base anual -, é susceptível de ser destorcedor do próprio apuramento do lucro tributável;

– a fórmula da Circular n.º 7/2004 assenta numa presunção segundo a qual, perante a aquisição de participações sociais e, simultaneamente, a obtenção de financiamentos que excedem o valor dos activos remunerados, em princípio, o financiamento excedente dever-se-á à aquisição das participações sociais;

– ocorreu empolamento do valor de aquisição das participações sociais detidas por a administração tributária ter considerado os valores das prestações acessórias realizadas, que não constituem “parte de capital”;

– o Código do IRC utiliza o conceito de partes de capital, tal como o de participação social e capital próprio;

– o legislador toma uma opção clara: quando se refere à noção de capital próprio, está a circunscrevê-la ao seu sentido contabilístico e quando utiliza a expressão capital social está a empregá-la na precisa base comercial e contabilística;

– do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC conclui-se que para o legislador fiscal, as prestações acessórias não se subsumem no conceito de “partes de capital”;

– o artigo 32.º, n.º 2, do EBF se refere apenas a partes de capital, sem aludir a prestações acessórias, é porque pretendeu regular e abranger apenas a primeira situação, ou seja, acções e quotas;

– o artigo 32.º, n.º 2, do EBF, radica na não duplicação de benesses tributárias às SGPS: à isenção das mais-valias com a venda das partes de capital (acções e quotas) não se quis associar a benesse fiscal de permitir a dedução dos juros do financiamento para a aquisição dessas participações sociais;

– esta lógica não se aplica às prestações acessórias não remuneradas, pois aí não existe por regra qualquer rendimento;

– os réditos das prestações acessórias não assumem a natureza fiscal de mais-valias;

– subsidiariamente, caso se entenda que o disposto na Circular prevalece sobre o disposto no artigo 32.º e que o método indirecto nos termos aplicados pela administração tributária é imperativo em todas as situações, mesmo existindo a possibilidade de afectação direta e diante de indícios sérios de que os encargos financeiros não estão relacionados com a aquisição de participações sociais, então a mencionada norma, com essa interpretação, enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade e do princípio da capacidade contributiva;

– a norma consagrada pelo n.º 2 do artigo 32.º do EBF, se interpretada imperativamente nos termos da Circular n.º 7/2004, enferma de inconstitucionalidade não só por ofender a reserva de Lei em matéria de incidência tributária mas também por consubstanciar a consagração de uma presunção inilidível em matéria de incidência tributária, afrontando os princípios da igualdade e da capacidade contributiva;

– a interpretação conforme à Constituição é a de que o método indirecto previsto na Circular n.º 7/2004 é apenas residual e que a administração tributária não se pode bastar com aquele, cabendo-lhe provar que os encargos foram incorridos para a aquisição de participações sociais para os poder desconsiderar como custo fiscal.

 

            A Autoridade Tributária e Aduaneira defende no presente processo o seguinte, em suma:

           

     – recai sobre o sujeito passivo o ónus de identificar a diferentes utilizações dos meios financeiros obtidos de terceiros e próprios, de modo a dar cumprimento ao comando legal que emana do n.º 2 do art.º 32.º do EBF;

     – a afirmação de que o n.º 2 do art.º 32.º pressupõe uma afectação directa dos encargos suportados com a aquisição de participações sociais revela uma interpretação que não encontra, sequer, apoio na letra deste normativo;

     – o legislador não faz menção a qualquer método, específico, directo ou indirecto, e onde a lei não distingue não cabe ao intérprete fazê-lo;

– o legislador afastou a dedutibilidade dos encargos financeiros associados à aquisição de partes de capital, cujas mais-valias beneficiariam de isenção, e Como as regras gerais de organização dos elementos da contabilidade (art.º 17.º do Código do IRC) já previam a separação dos gastos e dos rendimentos em função dos diferentes regimes de tributação aplicáveis, entendeu certamente o legislador do art.º 32.º do EBF que não era necessária a previsão de qualquer critério de repartição;

– a Requerente não demonstra que não suportou encargos financeiros com a aquisição de partes sociais;

– a Circular n.º 7/2004 não prevê um método indirecto, mas uma correcção aritmética; método de repartição proporcional de gastos comuns por diferentes utilizações, que a lei prevê em algumas situações;

– nada na Circular obsta a que os cálculos se baseiem em valores mensualizados, sobretudo, nos casos em que as particularidades da situação em presença permitam concluir que os valores dos activos e passivos relevantes inscritos no balanço final não representam fidedignamente a realidade patrimonial verificada ao longo do ano;

– as prestações acessórias efectuadas à C... B.V. foram incluídas na rubrica “outros activos” e não adicionadas ao valor de aquisição da participação;

– a Circular não é inconstitucional, como já entendeu o Tribunal Constitucional.

 

 

 

 

3.3.2. Apreciação da questão

 

 A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção considerando um acréscimo ao resultado tributável, com fundamento na aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (a que corresponde o artigo 31.º, n.º 2, na redacção anterior à republicação operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho).

O artigo 32.º, n.º 2, do EBF, estabelece o seguinte:

2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

 

A Direcção de Serviços do IRC emitiu, para efeitos de interpretação e aplicação desta norma, a Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, estabelece nos seus n.ºs 6 e 7, o seguinte:

Exercício em que deverão ser feitas as correcções fiscais dos encargos financeiros

6.Relativamente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correcção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam susceptíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do art.º 31º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores. ( [8] )

 

Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais

7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

 

A Requerente na declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2012 indicou o valor 0,00 qualquer valor no Quadro 07 Campo 779 - Encargos financeiros não dedutíveis [artigo 32.º, n.º 2 do EBF].

A Requerente, entendendo que não é viável apurar os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, aplicou o método referido na Circular, mas a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que ele deve ser aplicado de outra forma, designadamente apurando mensalmente a situação financeira.

O facto de a Requerente ter adoptado o método previsto no ponto 7 da Circular n.º 7/2004, não a impede de impugnar a legalidade da sua aplicação, como decorre do teor expresso do artigo 131.º, n.º 3, do CPPT.

O regime geral de relevância das mais-valias e menos-valias e encargos financeiros para a formação do lucro tributável de entidades sujeitas a IRC, traduzia-se no concurso das mais-valias e encargos financeiros, na totalidade [artigos 20.º, n.º 1, alínea h), e 23.º, n.º 1, alínea a), do CIRC na redacção resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), e no concurso das menos-valias em 50% [nos termos dos artigos 23.º, n.º 1, na l) e 45.º, n.º 3, do mesmo Código].

Para as SGPS, o artigo 32.º, n.º 2, do EBF (para além de outras situações previstas no seu n.º 3), estabelecia um regime especial, que não se reconduzia necessariamente em benefício, que se traduzia, em geral, na irrelevância para a formação do lucro tributável das SGPS das mais-valias e menos-valias realizadas de partes de capital detidas há pelo menos um ano, acompanhada do não concurso para a formação do lucro tributável dos encargos financeiros suportados com a sua aquisição.

No n.º 2 do artigo 32.º do EBF estabelece-se que não concorrem para a formação do lucro tributável os «encargos financeiros suportados com a sua aquisição», reportando-se às partes de capital, pelo que tem de se concluir que o seu teor literal indica que tão só os encargos financeiros que estejam conexionados com a aquisição de participações sociais são abrangidos pela indedutibilidade que aí se estabelece.

Para além de ser esta a interpretação que resulta do teor literal, ela é corroborada pela explicação para a sua introdução no EBF que foi dada no Relatório do Orçamento do Estado para 2003 (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro).

Na verdade, como se refere na Circular n.º 7/2004, o regime desta norma foi introduzido no EBF pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2003, dando nova redacção ao artigo 31.º, cujo regime passou a constar do artigo 32.º depois da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho.

Na Proposta de Lei n.º 28-IX, que veio a dar origem à Lei do Orçamento para 2003, constava o texto desse artigo 31.º, n.º 2, com redacção idêntica à vigente em 2012 (no artigo 32.º, n.º 2), sendo a única diferença o aditamento da referência aos «ICR» (abreviatura de «investidores de capital de risco»), que é irrelevante para a interpretação da norma.

No referido Relatório do Orçamento do Estado para 2003 ( [9] ), depois de se constatar uma quebra na execução orçamental de 2002 quanto ao IRC ( [10] ) anuncia-se a introdução de várias medidas visando o «alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade», entre as quais a da indedutibilidade dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS, que se anuncia nos seguintes termos:

«Estabelece-se a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS»;

 

É inequívoco, assim, que se pretendeu que apenas os encargos financeiros directamente associados à aquisição de partes sociais ficassem abrangidos pela indedutibilidade.

Por aquela referência expressa no Relatório à necessidade de os encargos financeiros estarem directamente associados à aquisição de partes sociais (que também está expressa no texto da norma através da referência aos «encargos financeiros com a sua aquisição»), conclui-se que não basta, para determinar a indedutibilidade de encargos financeiros, a constatação de que a SGPS é titular de participações sociais e suportou encargos financeiros, sendo necessário demonstrar que há uma relação directa entre certos encargos financeiros e a aquisição de determinadas participações sociais.

É corolário desta interpretação, imposta pelo teor literal do artigo 32.º, n.º 2, que, se determinadas participações não foram adquiridas com passivos geradores de encargos financeiros (designadamente, as obtidas por entradas em espécie ou com utilização de capitais próprios), elas são irrelevantes para efeito da aplicação daquela norma, na parte que se reporta à indedutibilidade de encargos financeiros.

É também corolário desta interpretação que, relativamente às participações sociais adquiridas com financiamentos geradores de encargos, apenas os encargos derivados dos financiamentos relativos à sua aquisição são indedutíveis.

Não há assim suporte legal para afastar a regra da dedutibilidade de encargos financeiros, que consta da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, em relação a encargos que não estejam directamente associados à aquisição de participações sociais.

Por isso, é claro, à face da letra da parte final do n.º 1 do artigo 32.º e da explicação dada no Relatório do Orçamento para 2003, que a indedutibilidade de encargos apenas se aplica aos que forem directamente derivados de financiamentos utilizados para aquisição de participações sociais.

            Sendo este o regime que está previsto na lei, ele não pode ser alterado por via regulamentar, pois preceitos criados por actos de natureza legislativa não podem ser, com eficácia externa, interpretados, integrados, modificados, suspensos ou revogados por actos de outra natureza (artigo 112.º, n.º 5, da CRP). Para além disso, como também defende a Requerente, o artigo 32.º, n.º 2, do EBF é uma norma que versa sobre a incidência tributária, em sentido lado, ao influenciar decisivamente a determinação da matéria tributável, pelo que está incluída na reserva de lei, nos termos dos artigos 103.º, n. 2, e 165.º,n.º 1, alínea i), da CRP. Por isso, o ponto 7 da Circular n.º 7/2004 viola o princípio da legalidade, como defende a Requerente.

            Por outro lado, como refere a Requerente, não se demonstrou que tivesse suportado quaisquer encargos financeiros com a aquisição de partes de capital. Sendo sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira que recai «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária» (artigo 74.º, n.º 1, da LGT), a falta dessa prova impõe que se pressuponha processualmente que não foram suportados encargos financeiros enquadráveis no n.º2 do artigo 32.º do EBF. Aliás, o artigo 75.º da LGT conduz à mesma solução, ao estabelecer que «presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos».

Por isso, estar-se-á, no mínimo, perante uma situação de dúvida fundada sobre a existência de encargos financeiros enquadráveis no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, que, nos termos do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, justifica a anulação do acto tributário.

            Para além disso, como defende a Requerente, não há na Circular referida qualquer indicação de que a apreciação da situação financeira deve ser efectuada mensalmente (que conduz a resultados diferentes da apreciação tendo em conta a situação existente no último dia do exercício, como decorre do Relatório da Inspecção Tributária) e, como defende a Requerente o artigo 17.º, n.º 1, do CIRC aponta no sentido de o apuramento dever ser efectuado com base na globalidade dos factos ocorridos no período. O n.º 9 do artigo 8.º do CIRC aponta o mesmo sentido ao estabelecer que «o facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação». De qualquer modo, não há qualquer suporte legal para o método utilizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira e o princípio da legalidade impõe que actue «em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos» (artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo).

De qualquer modo, basta o facto de a correcção efectuada se ter baseado no método referido no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, não previsto na lei, para ter de se concluir pela ilegalidade da correcção efectuada.

Na verdade, como defende a Requerente, «nos termos do disposto no artigo 81.º da LGT, a matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder à avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos nos artigos 87.º e seguintes da LGT».

Por isso, a entender-se que a Requerente omitiu alguma obrigação contabilística que lhe impusesse a evidenciação da afectação dos encargos financeiros suportados, estar-se-á perante uma situação de «impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável», prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º e na alínea a) do artigo 88.º da LGT, em que a fixação da matéria tributável só pode ser efectuada, por métodos indirectos, com base nos elementos indicados no artigo 90.º da mesma Lei e com aplicação dos procedimento previsto no seu artigo 91.º.

Para além de não ter sido utilizado qualquer critério de determinação da matéria tributável previsto no artigo 90.º da LGT, a Autoridade Tributária e Aduaneira utilizou um método previsto no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, que é «um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros em desrespeito dos artigos 87º a 90º da LGT sendo, por isso, ilegal», como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo, nos acórdãos de 08-03-2017, proferido no processo n.º 0227/16, de 31-05-2017, proferido no processo n.º 01229/15 e de 31-05-2017, proferido no processo n.º 01229/15: «o ponto 7. da Circular n.º 7/2004, de 30.03, da DSIRC, estabelece um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros em desrespeito dos artigos 87º a 90º da LGT sendo, por isso, ilegal».

A utilização deste método «afronta o princípio da legalidade tributária» (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29-11-2017, proferido no processo n.º 01292/16).

Por isso, é de concluir, como o Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos de 24-01-2018, proferido no processo n.º 0745/15, e de 31-01-2018, proferido no processo n.º 01157/17: «mostra-se afectado por vício de violação de lei o acto de autoliquidação de IRC efectuado em obediência às instruções constantes no ponto 7. da Circular nº 7/2004, de 30.03, da Direção de Serviços do IRC, na medida em que nela se estabelece um método ilegal de afectação de encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais».

Assim, na linha desta jurisprudência, desde logo por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter feito aplicação de um método indirecto de determinação da matéria tributável ilegal, é de concluir que a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, na parte respeitante à aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF.

Este vício, bem como o de erro sobre os pressupostos de facto, justifica a anulação da liquidação impugnada na parte correspondente a esta correcção, no valor de € 125.711,01, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Assim, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões colocadas sobre esta correcção.

 

  1. Juros compensatórios

 

A liquidação de juros compensatórios tem como pressuposto a liquidação de IRC pelo que enferma dos mesmos vícios, na parte em que assenta sobre as correcções impugnadas (valores de € 210.253,19, € 344.456,71 e € 125.711,01).

Por isso, justifica-se a anulação da liquidação de juros compensatórios na parte correspondente a estas correcções.

 

  1. Reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios

 

Em 13-02-2017, a Requerente pagou a quantia liquidada de € 6.858,91 e pede o seu reembolso e juros indemnizatórios.

Como resulta do exposto, ocorrem ilegalidades da liquidação impugnada, quanto a correcções nos valores de € 210.253,19, € 344.456,71 e € 125.711,01, no total de € 680.420,91.

A Requerente não impugnou a totalidade da liquidação, designadamente quanto à parte que se reporta à correcção de € 347.222,21, em que apenas contesta a correcção no valor de € 210.253,19 (artigo 179.º do pedido de pronúncia arbitral).

Na sequência da anulação da liquidação efectuada, a Requerente tem direito ao reembolso da quantia indevidamente paga, o que decorre da anulação da liquidação, e tem suporte nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.

O montante a reembolsar deverá ser calculado em execução do presente acórdão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, tendo em conta as correcções que se consideraram ilegais.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

As ilegalidades da liquidação são imputáveis à Administração Tributária, que a efectuou por sua iniciativa.

Assim, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados sobre a quantia  a reembolsar, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, e contados desde 13-12-2017 até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

6. Decisão

 

   De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em

 

  1.  Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2.  Anular a liquidação de IRC n.º 2017..., de 18-01-2017, a liquidação de juros compensatórios n.º 2017... e na demonstração de acerto de contas n.º 2017..., ambas datadas de 20-01-2017;
  3. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar a reembolsar a Requerente da quantia paga correspondente às correcções consideradas ilegais, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos do ponto 5 deste acórdão.

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 680.420,91.

 

8. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 10.098,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 24-09-2018

 

 

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(Luísa Anacoreta)

 

 

 

 

(Jorge Carita)

(vencido parcialmente, conforme declaração anexa)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Voto de Vencido

 

Não acompanho a presente Decisão, no que diz respeito à Terceira Correção. A saber:

 

“Questão de dedutibilidade dos encargos financeiros que a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou não dedutíveis, nos termos do art.º 32º, n.º 2 do EBF, aplicando para seu cálculo a fórmula prevista na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março de DSIRC (correção no valor de € 125.711,01)”

 

Primeiro, importa apurar o que realmente está em causa relativamente a esta correção.

 

A lei afasta “… a dedutibilidade dos encargos financeiros associados à aquisição de partes sociais, cujas mais-valias beneficiariam de isenção, …” (Vd. Artigo 82 da Resposta da Requerida).

 

“…as regras gerais de organização dos elementos de contabilidade (art.º 17º do Código do IRC) já previam a separação dos gastos e dos rendimentos em função dos diferentes regimes de tributação aplicáveis…” (Vd. Artigo 83 da Resposta da Requerida)

 

A empresa não fez essa separação.

 

E a “culpa” é da AT?

 

Admito, com o devido respeito, que este não seja um caso em que estejamos perante “… uma situação de dúvida fundada sobre a existência de encargos financeiros enquadráveis no n.º 2 do art.º 32º do EBF…”, conduzindo à aplicação do art.º 100 n.º 1 do CPPT, e, consequentemente   à anulação do ato tributário.

 

Admito, simplesmente, que a questão deve “morrer” de imediato pela via do ónus da prova que, no meu entender, neste caso concreto, não pode senão recair sobre a empresa contribuinte.

 

A separação dos encargos é uma condição para se beneficiar da isenção de mais-valias.

 

No caso concreto, a contabilidade não deu resposta às exigências fiscais.

 

Não pode ser mais ninguém que não a empresa a identificar as diferentes utilizações dos seus financiamentos, quer obtidos junto de terceiros, quer os próprios, tendo em vista, então, a aplicação das normas gerais contabilísticas, da boa organização da contabilidade, e à necessidade de, mesmo analiticamente, evidenciar com rigor a verdadeira situação patrimonial e financeira da empresa.

 

Se os encargos em causa estão ou não diretamente associados à aquisição das participações sociais, também é à empresa que compete a prova, por forma a que tal legitime, na ótica do legislador, a neutralidade fiscal das menos e mais-valias realizadas com a alienação das partes sociais geradoras dos encargos com a sua aquisição.

 

E confesso, sinceramente, que admito que nem se deve entrar na discussão sobre a correta aplicação do modelo supletivo defendido por uma circular administrativa na sequência de uma omissão de registo, suficientemente analítica, por parte da empresa.

 

Desse modo, nem sequer se deve relevar a jurisprudência citada (pág. 50 e 51 da presente Decisão) porque em termos legais, na minha opinião, não seria necessário chegar à aplicação da circular para resolver a questão que nos é colocada.

 

Mas se fossemos por aí, também importaria refletir sobre algumas outras decisões do CAAD, que passo a referir.

 

i) Proc. nº. 365/2017-T (Árbitros: Fernanda Maçãs, Fernando Miranda Ferreira e José Eduardo Mendonça da Silva Gonçalves). Esta decisão segue de perto, quanto à matéria de que aqui nos ocupamos, a Decisão proferida no Proc. 258/2015-T (Árbitros: Fernanda Maçãs, Fernando Araújo, Jorge Júlio Landeiro Vaz).

 

E vejamos o que aí se refere, relativamente ao ónus de prova:

 

“Além disso, não esqueçamos as incidências, em todos estes temas, das regras do ónus da prova: a prova da existência e quantificação dos encargos, para efeitos do correcto apuramento de imposto efectuado na liquidação, incumbe ao sujeito passivo, na estrita medida em que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos das partes na relação tributária recai sobre quem os invoque: pelo que a insuficiente prova da existência, qualificação e enquadramento de certos encargos é absolutamente condicionante da sua relevância para qualquer dos regimes de consideração ou desconsideração que analisámos – na medida em que fica por demonstrar a essencial funcionalização de tais encargos às finalidades que permitem a sua consideração ou impõem a sua desconsideração.” (Vd. Pág. 33)

 

E, reforçando que tal ónus recai indiscutivelmente sobre o contribuinte:

 

“A prova da dedutibilidade dos custos onerará obviamente o sujeito passivo, seja porque é do seu interesse a invocação dos factores de que tal dedutibilidade resultará, seja porque, especificamente no caso das SGPS, ninguém melhor do que o sujeito passivo se encontra em situação de concretizar os encargos financeiros suportados com a aquisição das participações sociais; e, se o não faz, legitima a AT a efectuar correcções à liquidação para efeitos da desconsideração dos custos suportados com a aquisição das referidas participações.” (Vd. Pág. 33)

 

Embora no nosso processo, também a Requerente tenha alegado que a AT não demonstrou que os encargos financeiros se destinaram à aquisição de participações sociais e por isso deveria ficar fora do âmbito de aplicação do art.º 32º n.º 2 do EBF, o que é facto é que foi a Requerente que não fez prova do destino efetivo desses encargos financeiros suportados ao longo do exercício de 2012.”

 

E desse modo se conclui nesta Decisão que acompanhamos:

 

“Cabia, assim, à Requerente fazer prova de que os gastos apresentados não se destinaram à aquisição de partes de capital, caindo fora do âmbito de aplicação do art. 32.º, n.º 2, do EBF (independentemente da intermediação interpretativa da Circular 7/2004, que é aqui irrelevante). Não o fez, não permitindo a caracterização adequada dos referidos encargos.

 

Termos em que se considera que os referidos encargos contabilizados pela Requerente não concorrem para a formação do lucro tributável, nos termos do art. 32.º, n.º 2, do EBF, aplicável à data dos factos, improcedendo o pedido que apresentou.” (Vd. Pág. 35)

 

E sempre poderia a Requerente ter demonstrado na presente retenção, o que não fez, que a aquisição das partes de capital se fez, por exemplo, com recurso a capitais próprios e não a financiamento junto de terceiros.

 

ii) Proc. n.º 470/2017-T (Árbitros: José Poças Falcão, Gustavo Lopes Courinha, Paula Florindo)

 

Neste processo, que acompanhamos, nesta parte também se critica, como atrás se refere, a inação das empresas na quantificação dos encargos financeiros, o que se faz do seguinte modo:

 

“Quando, embora tendo oportunidade para o efeito (aliás, tendo sido expressamente solicitado a tal), o sujeito passivo abdica de responder, calcular ou justificar os fundamentos da aplicação dos métodos diretos, apenas se limitando à sustentação da (alegada) obrigação incondicional da Administração se socorrer sempre da metodologia direta de determinação dos encargos financeiros indedutíveis, o sujeito passivo não pode deixar de assumir o ónus da sua inação.

 

Mal se compreenderia que a AT pudesse ser tout court impedida de utilizar um método indireto, quando o próprio contribuinte não promoveu ou aplicou qualquer método direto (ou se aplicou não explicou os termos em que o fez). Não seria razoável que a Administração Tributária fosse chamada a suprir as falhas na determinação do lucro tributável por recurso aos métodos diretos que o próprio sujeito passivo abdicou de aplicar, explicar ou justificar, quando é certo que a preferência constitucional pela aplicação destes foi erigida precisamente em tutela dos interesses do próprio sujeito passivo. Tal traduziria a incompreensível aceitação de um venire contra factum proprium, com o contribuinte a valer-se da sua própria inação.” (Vd. Pág. 9)

 

Finalmente, uma terceira decisão:

 

iii) Proc. n.º 416/2017-T (Árbitros: José Pedro Carvalho, Sofia Ricardo Borges, Fernando Manuel dos Santos Cardoso)

 

Começa esta decisão por referir algo extremamente relevante e, de que não nos podemos esquecer:

 

a) Quanto à Declaração Modelo 22 do IRC:

 

“Por sua vez o artigo 120.º do CIRC aplicável, impõe aos contribuintes de IRC que apresentem a sua declaração periódica de rendimentos, nos termos da lei, sendo essa declaração, por regra, a base da liquidação de imposto, conforme dispõe o artigo 90.º/1/a) do mesmo CIRC, sendo certo que o modelo de declaração disponibilizado contém campo próprio para fazer constar o valor referente à supra-referida previsão do artigo 32.º/2 do EBF, designadamente o Quadro 07, de resto, e no caso, preenchido pela Requerente.

 

Assim, os contribuintes de IRC a quem a previsão do artigo em causa do EBF seja aplicável têm a obrigação de fazer constar da respectiva declaração periódica de IRC o valor dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais detidas por período não inferior a um ano, não podendo eximir-se de tal obrigação, alegando, por exemplo, que não lhes é possível estabelecer qualquer alocação directa dos encargos financeiros suportados às participações sociais detidas.” (Vd. Pág. 11 e 12)

 

b) Quanto ao ónus de prova:

 

“Com efeito, não só o princípio da legalidade não impõe que seja aceite um gasto por força da dificuldade ou impossibilidade subjectiva de demonstração dos pressupostos dos quais a lei faz depender a sua dedutibilidade (no caso, não terem sido suportados com a aquisição de participações sociais detidas por período não inferior a um ano), como, em concreto, tal dificuldade será – exclusivamente e em primeira linha – sempre objectivamente imputável ao contribuinte que, por ser quem contrai os gastos com encargos financeiros e quem lhes dá destino, é quem poderá demonstrar, melhor que ninguém, se, e quais de tais gastos tiveram por finalidade a aquisição de partes de capital detidas por período não inferior a um ano.” (Vd. Pág. 11 e 12)

 

Importa salientar que esta Decisão, a final, acaba por ser favorável à empresa contribuinte, mas isso em nada prejudica a tese que se defende quanto ao ónus de prova, quantificação dos encargos e preenchimento da Declaração Modelo 22 em IRC, que respeitosamente acompanhamos. 

 

A empresa contribuinte não fez aquilo a que estava obrigada, preencher, nomeadamente a Declaração Modelo 22, não separou analiticamente, como era sua obrigação, os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, cuja transmissão beneficiariam de isenção da tributação em sede de mais-valias, e como tal não se justifica que obtenha ganho de causa, através da anulação, quanto a esta correção da liquidação efetuada, que na minha opinião, se deveria manter, por plena de legalidade, na ordem jurídica.

 

Por estas razões entendo não acompanhar o sentido da presente Decisão quanto à terceira correção em causa (€ 125.711,01).

 

 

Jorge Carita

 



[1]              Disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/BAFFC60A-E1B8-4217-89E1-17440629A6BA/0/ ManualQ07201104052V.pdf, p. 31.

[2]              Em rigor, tal seria incoerente, na medida em que o artigo 18.º/9/a) refere-se a “instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados”, e o artigo 24.º se refere, como se viu a “variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício”.

[3]              BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso legitimador, página 186.

[4]              KARL ENGISCH, Introdução ao pensamento jurídico, página 120.

[5] Redacção do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro.

[6] No entanto, apesar de o único objecto contratual das SGPS ser a gestão de participações sociais de outras sociedades, o artigo 4.º, n.º 1, do mesmo diploma, na redacção do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro, permite às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações.

[7] Como já se referiu, adoptou-se de perto a fundamentação do acórdão proferido no processo do CAAD n.º 39/2013-T.

[8] Ao artigo 31.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, corresponde o artigo 32.º, n.º 2, após a renumeração efectuada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho.

[10]                                  Refere-se no Relatório do Orçamento do Estado para 2003, página 51:

                «a execução orçamental de 2002 indicia uma quebra de receita resultante da redução dos resultados apresentados por algumas das maiores empresas em 2001, sendo previsível que esta tendência se venha a agravar para 2002, o que determinará nova quebra na receita de 2003. Esta tendência será agravada pelo impacto da descida da taxa nominal de IRC de 32% para 30% com efeitos a partir de 01/01/2002, que poderá ser parcialmente compensada pelo incremento dos valores do pagamento especial por conta».