Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 111/2017-T
Data da decisão: 2017-10-25  IVA  
Valor do pedido: € 515.814,93
Tema: IVA – Isenção – Acupunctura - Lei interpretativa
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Decisão Arbitral

 

            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, na sequência de requerimento apresentado pelos outros Árbitros), Dr. João Taborda Gama e Dr. Nuno Maldonado Sousa, designados, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 12-05-2017, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

           

            A…, LDA., com número de pessoa colectiva…, com sede na Rua…, …, …-… Lisboa, doravante designada por “Requerente”, apresentou pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a apreciação da legalidade e declaração de nulidade das liquidações de IVA com os n.ºs 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 36.015,57, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 34.477,78, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 40.678,80, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 37.149,41, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 41.699,52, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 41.447,06, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 37.028,34, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 31.907,82, 2016…, de 15.09.2016, no valor de 34.736,04, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 40.080,00, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 38.345,17 e 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 29.503,13, referentes a 2012/01, 2012/02, 2012/03, 2012/04, 2012/05, 2012/06, 2012/07, 2012/08, 2012/09, 2012/10, 2012/11 e 2012/12, respectivamente, no montante total de € 443.068,00.

            A Requerente pede ainda indemnização por garantia indevida.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente designou como Árbitro o Dr. João Taborda Gama, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do RJAT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 17-02-2017.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro o Dr. Nuno Maldonado de Sousa.

Os Árbitros designados pelas Partes apresentaram ao Conselho Deontológico do CAAD requerimento para designação do Árbitro Presidente, na sequência do que, em 21-04-2017, foi designado o Cons. Jorge Lopes de Sousa, que aceitou a designação.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 24-04-2017.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 12-05-2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta, em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 04-07-2017, foi dispensada a realização de reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

            As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

            Não há nulidades nem obstáculos à apreciação do mérito da causa.

 

           

            2. Matéria de facto

 

            2.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente tem como actividade principal a exploração de estabelecimentos de consultas e tratamentos médicos, tratamentos de estética, fisioterapia, reabilitação física, acupunctura, prestação de serviços médicos e para médicos e outros serviços de saúde;
  2. Em sede de IVA, a Requerente encontra-se enquadrada no regime de isenção do artigo 9.º desde o início da actividade;
  3. A Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu a acção de inspecção externa à Requerente relativas aos anos de 2012, em cumprimento das Ordens de Serviço OI 2016…, juntamente com outras relativas aos anos de 2013, 2014 e 2015;
  4. Nessa acção de inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária cuja cópia consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em se refere, além do mais o seguinte:

De acordo com a contabilidade relativa aos exercícios em análise, 2012 a 2015, confirmámos que a atividade do sujeito passivo passou pela prestação em exclusivo de serviços de Acupunctura e Tui Na, desenvolvida por acupuntores, nas áreas das clínicas da sociedade (Clinica B…, Clínica C…, Clinica D…, Clinica E…, Clinica F…, Clinica G…, Clinica H…).

(...)

Em sede de IVA, o SP não cumpriu com as suas obrigações declarativas, na medida em que a gerência considera que as atividades que desenvolvem (acupunctura e tui na), enquadradas na área das terapêuticas não convencionais, constituem prestações de serviços isentas nos termos do artº9 do Código do IVA. Esta aceção, como se demonstrará no presente relatório, encontra-se errada, justificando-se a revisão do seu enquadramento para efeitos de IVA, ficando obrigado à entrega das declarações periódicas de IVA nos termos do preceituado nos artºs 29º e 41º do CIVA.

(...)

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

3.1 – ENQUADRAMENTO LEGAL

3.1.1 - DAS TERAPÊUTICAS NÃO CONVENCIONAIS

O enquadramento de base das terapêuticas não convencionais foi feito através da Lei n.º 45/2003, de 22 de Agosto, mais recentemente complementada pela Lei n.º 71/2013, de 2 de Setembro, que regulamenta aquela primeira quanto ao exercício profissional das atividades de aplicação de terapêuticas não convencionais, versando sobre o acesso às respectivas profissões e o seu exercício, no sector público ou privado, com ou sem fins lucrativos.

O n. º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 45/2003 reconheceu como atividades terapêuticas não convencionais as praticadas no âmbito da "acupunctura, homeopatia, osteopatia, naturopatia, fitoterapia e quiropraxia”, vindo este elenco reiterado nas alíneas a), b), c), e), f) e g) do artigo 2.º da Lei n.º 71/2013, ao qual acrescenta, por via da sua alínea d), a medicina tradicional chinesa.

Nos termos do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 45/2003, consideram-se terapêuticas não convencionais aquelas que partem de uma base filosófica diferente da medicina convencional e aplicam processos específicos de diagnóstico e terapêuticas próprias.

O n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 45/2003 indica, como um dos princípios orientadores das terapêuticas não convencionais, o direito individual de opção pelo método terapêutico, baseado numa escolha informada, sobre a inocuidade, qualidade, eficácia e eventuais riscos.

Um outro princípio orientador das terapêuticas não convencionais, a que alude o n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 45/2003, consiste na defesa do bem-estar do utilizador, que inclui a complementaridade com outras profissões de saúde.

Quer o artigo 5.º da Lei n.º 45/2003, quer o artigo 3.º da Lei n.º 71/2013, estabelecem que é reconhecida autonomia técnica e deontológica no exercício profissional da prática das terapêuticas não convencionais.

Ao abrigo do artigo 4.º, do n.º 1 do artigo 5.º, dos n.ºs 3 e 4 do artigo 6.º, do n.º 2 do artigo 11.º, do artigo 17.º e dos n.ºs 2 e 5 do artigo 19.º, todos da Lei n.º 71/2013, são regulamentadas através de portarias as seguintes matérias: atividades compreendidas no exercício das profissões de terapeuta não convencional; ciclo de estudos compatível com o curso de licenciatura exigível para cada uma das áreas terapêuticas não convencionais; regras para a obtenção da cédula profissional exigível e taxa a pagar para o efeito; requisitos do licenciamento dos locais de exercício de atividades terapêuticas não convencionais; competências e regras de funcionamento do Conselho Consultivo para as Terapêuticas não Convencionais; fixação dos termos da apreciação curricular dos candidatos à obtenção da cédula profissional, a levar a cabo pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), e da taxa a aplicar à eventual emissão de uma cédula profissional com carácter provisório.

A Portaria n.º 207-A/2014 versa sobre a caracterização e o conteúdo funcional da profissão de naturopata, referindo-se a alínea a) do n.º 2 do seu artigo 2.º à aplicação de métodos de diagnóstico, prescrição e tratamentos próprios, assentes em axiomas e teorias específicas, em resultado de uma abordagem holística, energética e natural do ser humano, utilizando, como indica o n.º 1 do mesmo artigo, a fitoterapia, a homeopatia, a hidroterapia, a geoterapia, as terapias de manipulação e outros métodos afins.

A Portaria n.º 207-B/2014 diz respeito à caracterização e ao conteúdo funcional da profissão de osteopata, elucidando a alínea e) do n.º 2 do seu artigo 2.º que a osteopatia tem como componentes essenciais de intervenção o diagnóstico estrutural, o tratamento manipulativo e outros necessários ao bom desempenho osteopático.

A Portaria n.º 207-C/2014 tem por objeto a caracterização e o conteúdo funcional da profissão de homeopata, a qual recorre, para prevenção e tratamento, a medicamentos homeopáticos a partir de substâncias denominadas stocks ou matérias-primas homeopáticas, e cujos princípios teóricos em que se baseia são, designadamente, a lei da semelhança, o princípio da duração da cura, o princípio do remédio único, a teoria da dose mínima infinitesimal e a teoria da doença crónica, como indicam os n.ºs 1 e 2 do artigo 2.º do mencionado diploma.

A Portaria n.º 207-D/2014 versa sobre a caracterização e o conteúdo funcional da profissão de quiroprático, que se baseia no diagnóstico, tratamento e prevenção de distúrbios do sistema neuro-músculo-esquelético, principalmente a subluxação (no conceito da quiropraxia), bem como nos efeitos destes distúrbios no estado geral de saúde e no bem-estar do individuo, como enunciado no n.º 1 do seu artigo 2.º, que confere grande importância às técnicas manuais, com ou sem a utilização de instrumentos, incluindo o ajustamento da subluxação (no conceito da quiropraxia) e ou a manipulação de articulações, e que não recorre a medicamentos nem a cirurgias, e valoriza os fatores biopsicossociais no tratamento da pessoa, de acordo com o elucidado, respetivamente, nas alíneas d) e e) do n.º 2 daquele mesmo artigo.

A Portaria n.º 207-E/2014 diz respeito à caracterização e ao conteúdo funcional da profissão de fitoterapeuta, a qual, nos termos do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º desse diploma, utiliza, como ingredientes terapêuticos, substâncias provenientes de plantas e põe em prática uma conceção holística, energética e natural do ser humano, e métodos de diagnóstico, prescrição e tratamento próprios assentes em axiomas e teorias específicos.

A Portaria n.º 207-F/2014 tem por objeto a caracterização e o conteúdo funcional da profissão de acupunctor, referindo-se o n.º 1 do seu artigo 2.º à utilização de métodos de diagnóstico, prescrição e tratamentos próprios assentes em axiomas e teorias da acupuntura, utilizando a rede dos meridianos, pontos de acupuntura e zonas reflexológicas do organismo humano, com o fim de prevenir e tratar as desarmonias energéticas, físicas e psíquicas, enquanto as alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo a aludem a uma conceção holística, energética e dialética do ser humano e a uma filosofia e metodologia específicas baseadas na medicina tradicional chinesa.

A Portaria n.º 207- /2014 respeita à caracterização e ao conteúdo funcional da profissão de especialista de medicina tradicional chinesa, no âmbito da qual são utilizados métodos de prevenção, diagnóstico, prescrição e tratamentos próprios, baseados nas teorias da medicina tradicional chinesa e nos seus métodos específicos, designadamente, na estimulação dos pontos de acupuntura e meridianos através de diferentes métodos terapêuticos, na prescrição de fórmulas fitoterapêuticas, aconselhamento alimentar e exercícios para promover e recuperar a saúde, como enunciado no n.º 1 do artigo 2.º do referido diploma.

3.1.2 - DAS PROFISSÕES DE MÉDICO, ODONTOLOGISTA, PARTEIRO, ENFERMEIRO E OUTRAS PROFISSÕES PARAMÉDICAS IDENTIFICADAS NO Nº1 DO ARTIGO 9º DO CIVA

Tal como lembra o TJUE, no Despacho proferido no proc.º C-555/15, de 14-04-2016, a propósito do artigo 132.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112, ‹‹26. (...) segundo uma interpretação literal desta disposição, para que um profissional possa beneficiar da isenção nela prevista, deve preencher dois requisitos, a saber, por um lado, efetuar «prestações de serviços de assistência» e, por outro, essas prestações devem ser «efetuadas no âmbito do exercício das atividades médicas e paramédicas, tal como são definidas pelo Estado-Membro em causa» (acórdão Solleveld e van den Hout-van Eijnsbergen, C-443/04 e C-444/04, EU:C:2006:257, n.º23).››

Cabe, em conformidade, averiguar se as prestações de serviços de acupunctura preenchem os requisitos necessários para serem assimiladas às prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas, a que se refere o n.º 1) do art.º 9.º do CIVA.

í) Médicos

O Decreto-Lei n.º 203/2004, de 18 de Agosto3, que define o regime jurídico da formação médica, após a licenciatura em Medicina, com vista ã especialização, e estabelece os princípios gerais a que deve obedecer o respetivo processo, determina no n.º 1 do seu artigo 2.º que, após a licenciatura em Medicina, inicia-se o internato médico, que corresponde a um processo único de formação médica especializada, teórica e prática, tendo como objetivo habilitar o médico ao exercício tecnicamente diferenciado na respetiva área profissional de especialização.

O n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 203/2004 estipula que, sem prejuízo do disposto no número anterior, o exercício autónomo da medicina é reconhecido a partir da conclusão, com aproveitamento, do segundo ano de formação do internato médico, estatuindo os n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º do mesmo diploma que o internato médico se estrutura em áreas profissionais de especialização, as quais são aprovadas por portaria do membro do Governo responsável pela área da saúde, sob proposta da Ordem dos Médicos e ouvido o Conselho Nacional do internato Médico.

Nos termos do n.º 3 do artigo 2.º e do anexo I do Regulamento do internato Médico, aprovado pela Portaria n.º 251/2011, de 24 de Junho4, as especialidades médicas são as seguintes:

 anatomia patológica;

anestesiologia;

angiologia/cirurgia vascular;

cardiologia;

cardiologia pediátrica;

cirurgia cardíaca;

cirurgia geral;

cirurgia maxilo-facial;

cirurgia pediátrica;

cirurgia plástica reconstrutiva e estética;

cirurgia torácica;

dermatovenereologia;

doenças infecciosas;

endocrinologia/nutrição;

estomatologia;

gastrenterologia;

genética médica;

ginecologia/obstetrícia;

hematologia clínica;

imunoalergologia;

imuno-hemoterapia;

medicina desportiva;

medicina física e de reabilitação;

medicina geral e familiar; medicina interna;

medicina legal;

medicina nuclear;

medicina do trabalho;

nefrologia;

neurocirurgia;

neurologia;

neurorradiologia;

oftalmologia;

oncologia médica;

ortopedia;

otorrinolaringologia;

patologia clinica;

pediatria;

pneumologia;

psiquiatria;

psiquiatria da infância e da adolescência;

radiodiagnóstico;

radioterapia;

reumatologia;

saúde pública; e

urologia.

 

      De harmonia com o estabelecido no artigo 8.ºdo Estatuto da Ordem dos Médicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 282/77, de 5 de Julho5, o exercício da medicina depende da inscrição na Ordem dos Médicos, estabelecendo o artigo 9.º do mesmo estatuto que só podem inscrever-se na Ordem dos Médicos os portugueses e estrangeiros licenciados em Medicina por escola superior portuguesa ou estrangeira, desde que, neste último caso, tenham obtido equivalência oficial de curso devidamente reconhecida pela Ordem dos Médicos.

      O Código Deontológico da Ordem dos Médicos e, nos n.ºs 1 e 2 do seu artigo 32.º, respetivamente, estatui que o médico só deve tomar decisões ditadas pela ciência e pela sua consciência, sem prejuízo de dispor de liberdade de escolha de meios de diagnóstico e terapêutica, devendo, porém, abster-se de prescrever desnecessariamente exames ou tratamentos onerosos ou de realizar actos médicos supérfluos.

      ii) Odontologistas

      No que respeita a médicos dentistas, o n.º 2 do artigo 3.º do Estatuto da Ordem dos Médicos Dentistas, aprovado pela Lei n.º 110/91, de 29 de Agosto7, qualifica como tal o licenciado por escola superior ou por faculdade de medicina dentária, portuguesa ou estrangeira, desde que, neste último caso, tenha obtido equivalência do curso reconhecida pela OMD (Ordem dos Médicos Dentistas), bem como aquele que sendo licenciado por outra escola obtenha a referida equivalência, de acordo com as disposições legais em vigor, e igualmente reconhecida pela OMD, estabelecendo o respetivo artigo 9.º que para o exercício da medicina dentária é obrigatória a inscrição na OMD.

      Nos termos do n.º 1 do artigo 19.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos Dentistas”, o médico dentista deve abster-se de quaisquer cuidados terapêuticos ou diagnósticos não fundamentados cientificamente, bem como de experimentação temerária ou de uso de processos de diagnósticos ou terapêutica que possam produzir alteração de consciência, com diminuição da livre determinação ou da responsabilidade, ou provocar estados mórbidos, salvo havendo consentimento formal do doente ou seu representante legal, de preferência por escrito, após ter sido informado dos riscos a que se expõe, e sempre no interesse do doente.

      Presentemente, em face do título académico e profissional de médico dentista, o termo "odontologista", constante no nº 1 do artigo 9.º do CIVA, corresponde na prática apenas a uma profissão que a própria lei qualifica como de carácter residual, cujo exercício depende da posse do título de odontologista e da respetiva carteira profissional, abrangendo unicamente os profissionais identificados no Diário da República, 2.º Série, n.º 270, de 22 de Novembro de 20029, estando expressamente vedadas quaisquer medidas que visem a regularização de situações profissionais futuras, conforme determinado no artigo 2.º da Lei n.º 40/2003, de 22 de Agosto, que regula e disciplina a atividade profissional de odontologia.

      Segundo o n.º 1 do artigo 7.º do Código Deontológico dos Odontologistas, constante do anexo l da Portaria n.º 168/2011, de 20 de Abril, os odontologistas têm o dever de assegurar ao seu paciente a prestação dos melhores cuidados de saúde oral, dentro dos seus limites de competência, e de agir com o maior respeito e correção, estando, nos termos do 11.º do mesmo código, obrigados a abster-se da aplicação de quaisquer cuidados terapêuticos ou diagnósticos não fundamentados cientificamente, bem como da experimentação temerária ou do uso de processos que possam produzir alteração de consciência, com diminuição da livre determinação ou da responsabilidade, ou provocar estados mórbidos.

      iii) Enfermeiros e Parteiros

      Por sua vez, o Regulamento do Exercício Profissional do Enfermeiro (REPE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 161/96, de 4 de Setembro”, no n.º 1 do seu artigo 4.º, conceptualiza a enfermagem como a profissão que, na área da saúde, tem como objetivo prestar cuidados de enfermagem ao ser humano, são ou doente, ao longo do ciclo vital, e aos grupos sociais em que ele está integrado, de forma que mantenham, melhorem e recuperem a saúde, ajudando-os a atingir a sua máxima capacidade funcional tão rapidamente quanto possível.

      Nos termos do n.ºs 2 e 3 do artigo 4.º do REPE, por "enfermeiro" entende-se o profissional habilitado com um curso de enfermagem legalmente reconhecido, a quem foi atribuído um título profissional que lhe reconhece competência científica, técnica e humana para a prestação de cuidados de enfermagem gerais ao individuo, família, grupos e comunidade, aos níveis da prevenção primária, secundária e terciária, e por "enfermeiro especialista" entende-se o enfermeiro habilitado com um curso de especialização em enfermagem ou com um curso de estudos superiores especializados em enfermagem, a quem foi atribuído um título profissional que lhe reconhece competência científica, técnica e humana para prestar, além de cuidados de enfermagem gerais, cuidados de enfermagem especializados na área da sua especialidade.

      Como ilustra o n.º 5.2 do anexo ll da Lei n.º 9/2009, de 4 de Setembro”, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais no seio da UE, o termo "parteiro", constante do nº1 do artigo 9.º do CIVA, corresponde ao título profissional de enfermeiro especialista em saúde materna e obstétrica, tendo atualmente a designação completa de enfermeiro especialista em enfermagem de saúde materna, obstétrica e ginecológica, conforme competências específicas constantes do Regulamento n.º 127/2011, de 18 de Fevereiro”.

      De harmonia com o n.º 4 do artigo 4.º do REPE, cuidados de enfermagem são as intervenções autónomas ou interdependentes a realizar pelo enfermeiro no âmbito das suas qualificações profissionais, sendo uma das características dos cuidados de enfermagem, indicada na alínea 3) do artigo 5.º do REPE, a utilização de metodologia científica, a qual inclui identificação dos problemas de saúde em geral e de enfermagem em especial, no indivíduo, família, grupos e comunidade; recolha e apreciação de dados sobre cada situação que se apresenta; formulação do diagnóstico de enfermagem; elaboração e realização de planos para a prestação de cuidados de enfermagem; execução correta e adequada dos cuidados de enfermagem necessários; avaliação dos cuidados de enfermagem prestados e a reformulação das intervenções.

      De acordo com o artigo 6.º do REPE, o exercício da profissão de enfermagem é condicionado pela obtenção de uma cédula profissional, a emitir pela Ordem dos Enfermeiros.

      iv) Actividades Paramédicas

      Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de Agosto, regula as atividades profissionais de saúde qualificadas como paramédicas, cujo n.º 1 do artigo 1.º indica que as mesmas compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação, vindo definidos no Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de Agosto, os princípios gerais e a regulamentação das profissões paramédicas de diagnóstico e terapêutica, enumeradas naquele primeiro diploma, cujo n.º 1 do artigo 3.º reitera a utilização nas atividades paramédicas de técnicas de base cientifica com os fins acima descritos.

      Nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 320/99, alicerçado no n.º 3 do artigo 1.º e no anexo do Decreto-Lei n.º 261/93, são as seguintes as profissões consideradas paramédicas:

  • técnico de análises clinicas e de saúde pública;
  • técnico de anatomia patológica, citologia e tanatológica;
  • técnico de audiologia;
  • técnico de cardiopneumologia;
  • dietista;
  • técnico de farmácia;
  • fisioterapeuta;
  • higienista oral;
  •  técnico de medicina nuclear;
  • técnico de neurofisiologia;
  • ortoptista;
  • ortoprotésico;
  • técnico de prótese dentária;
  • técnico de radiologia;
  • técnico de radioterapia;
  • terapeuta da fala;
  • terapeuta ocupacional;
  • técnico de saúde ambiental.

 

      Em conformidade com o n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 261/93, não são abrangidas pelo presente diploma as atividades exercidas, no âmbito de competências próprias, por profissionais com inscrição obrigatória em associação de natureza pública e ainda por odontologistas, enfermeiros e parteiras.

      De acordo com o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-lei n.º 261/93, o exercício das profissões paramédicas depende da titularidade de um curso em estabelecimento de ensino reconhecido, de um diploma ou certificado reconhecido como equivalente, ou de uma carteira profissional ou título equivalente, estando os aspetos ligados ao acesso a tais profissões regulamentados com mais detalhe no artigo 4.º do Decreto-lei n.º 320/99.

      A Lei n.º 65/2014, de 28 de Agosto, que estabelece o regime de acesso e de exercício da profissão de podologista, com ou sem fins lucrativos, bem como da emissão do respetivo título profissional, caracteriza a podologia, de acordo com a alínea g) do seu artigo 2.º, como a ciência da área da saúde que tem como objetivo a investigação, o estudo, a prevenção, o diagnóstico e a terapêutica de afeções, deformidades e alterações dos pés, estabelecendo o n.º 1 do seu artigo 7.º que a referida profissão é equiparada, para todos os efeitos legais, a uma profissão paramédica.

      Esta incursão pela regulamentação nacional que regula as profissões referidas no n.º 1) do art.º 9.º do CIVA, prima facie, permite concluir que nela não têm enquadramento as profissões cujo exercício consiste na realização de prestações de serviços de assistência que cabem na qualificação legal de terapêuticas não convencionais.

      3.2 - ISENÇÕES NAS ATIVIDADES LIGADAS À SAÚDE HUMANA

      Nos nºs 1 a 5 do artigo 9.º do CIVA vêm previstos um conjunto de isenções na área da saúde humana, em particular no domínio da assistência médica e sanitária. As referidas disposições internas têm por base o disposto nas alíneas b) a e) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva do IVA.

      Em traços gerais, as isenções previstas nos nºs 1 e 2 do artigo 9.º do CIVA”, correspondentes às alíneas c) e b) do nº1 do artigo 132.º da Diretiva do IVA”, respetivamente, reportam-se a prestações que tenham por objetivo diagnosticar, ainda que a título meramente preventivo, bem como tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde.

      Tal ponto de vista, já foi expendido pelo TJUE em inúmeras decisões, a propósito das disposições da UE que lhes servem de base”.

      O nº1 do artigo 9.º do CIVA isenta do imposto as prestações de serviços efetuadas no exercício das atividades de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas. A disposição tem por base a alínea c) do n.º1 do artigo 132.º da Diretiva do IVA, de harmonia com a qual os Estados membros devem isentar "as prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa".

      A propósito da norma contida na alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva de IVA, o TJUE, no seu acórdão de 27 de Abril de 2006 (C-443/04 e C-444/04, Solleveld e o., n.ºs 29 e 37), salientou que compete a cada Estado-membro definir no seu direito interno as profissões paramédicas cujos serviços são isentos de IVA, dado que tal norma concede aos Estados membros um poder de apreciação a esse respeito. Todavia, a isenção deve ser aplicada apenas aos serviços efetuados por prestadores com as qualificações profissionais exigidas.

      Na legislação interna portuguesa, a definição das atividades paramédicas consta do Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de Agosto, e do Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de Agosto, já explanadas no capítulo 3.1.2.

      De acordo com o n. º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 261/93, o exercício de atividades paramédicas depende da titularidade de um curso em estabelecimento de ensino reconhecido, de um diploma ou certificado reconhecido como equivalente, ou de uma carteira profissional ou título equivalente. Complementarmente, o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 320/99, em matéria do exercício das profissões de diagnóstico e terapêutica, especifica as condições de acesso a essas profissões.

      A respeito da norma atualmente vertida na alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva do IVA, o TJUE afirmou em vários arestos, entre outros no acórdão de 10 de Setembro de 2002 (C-141/00, Kugler, n.º 26), que a mesma tem um carácter objetivo, definindo as operações isentas em função da natureza dos serviços prestados, sem mencionar a forma jurídica do prestador. Por esse motivo, para que a isenção opere, basta tratar-se de serviços médicos ou paramédicos e que estes sejam protagonizados por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas, sem ser possível discriminar consoante os serviços sejam prestados no quadro da atividade por uma pessoa singular ou por uma pessoa coletiva.

      Por seu turno, o artigo 132.º n.º 1, alínea b) da Diretiva IVA, isenta os serviços médicos e sanitários efetuados por estabelecimentos hospitalares, clínicas dispensários e similares. Esta isenção estende-se às operações estreitamente conexas com a hospitalização e a assistência médica, entendendo-se como tal as transmissões de bens ou prestação de serviços acessórios que se inscrevam logicamente no quadro do fornecimento dos serviços de hospitalização e de assistência médica, desde que constituam uma etapa indispensável no processo de prestação dos serviços isentos, para atingir as finalidades terapêuticas prosseguidas.

      Assim, para que a isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea b) da Diretiva IVA se aplique é necessário que:

  • 0 esteja em causa a hospitalização ou a assistência médica ou operações estreitamente relacionadas;
  • 0 asseguradas por organismos; e
  • 0 de direito público ou, em condições análogas, por outros estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico ou da mesma natureza, em qualquer dos casos, devidamente reconhecidos.

      Refira-se que o TJUE tem consistentemente assimilado o conceito de assistência médica, previsto na alínea b) ao conceito de prestações de serviços de assistência no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, previsto na alínea c).

      Todavia, resulta da jurisprudência do TJUE" que as atividades de medicina estética, cirurgia estética, plástica e reparadora não são englobadas no conceito de assistência médica.

      3.3 - AS TERAPÊUTICAS NÃO CONVENCIONAIS E AS ISENÇÕES PREVISTAS NO ARTIGO 9º, NºS 1 E 2 DO CIVA

      Em conformidade com o acima exposto, o entendimento assumido pela AT, sobre o nº1 do artigo 9.º do CIVA vai no sentido de limitar a isenção aí prevista a prestações de serviços de assistência efetuadas no exercício das profissões de médico, incluindo médico dentista, de odontologista e de enfermeiro, incluindo de enfermeiro especialista em saúde materna e obstétrica e ginecológica (ex-parteiro), assim como de profissões que sejam qualificadas como paramédicas, cuja noção e elenco os Decretos-Lei n.º 261/93 e n.º 320/99 definem.

      Donde resulta com toda a evidência que as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de acupunctor, de especialista em medicina tradicional chinesa, de fitoterapeuta, de homeopata, de naturopata, de osteopata e de quiroprático não integram o âmbito do nº 1 do artigo 9.º do CIVA.

      O entendimento da AT é respaldado no facto de o comando que serve de matriz ao nº 1 do artigo 9.º do CIVA, concretamente a alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva do IVA, reconduzir a concessão da isenção às profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa. Ao contrário do que se verifica em relação aos conceitos que integram a maioria das normas do sistema comum que estabelecem as isenções do IVA, aquela disposição da UE atribui à legislação interna de cada Estado-membro a incumbência de delinear as noções profissionais por ela evocadas”.

      Com efeito, por via de regra, os conceitos que integram as normas de isenção do IVA constituem noções autónomas de direito da UE, que devem ser interpretadas no contexto geral do sistema comum do imposto, e não com base em definições próprias de cada Estado-membro, nomeadamente importadas de outras áreas da fiscalidade ou de outros ramos do direito, salvo quando a norma em causa expressamente o permitir, como sucede no trecho em apreço da alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva do IVA. Daí que a margem de autonomia concedida aos Estados-membros, em termos das consequências a retirar em sede do IVA a partir das definições de profissões médicas e paramédicas que em cada um deles vigora, não lhes impõe uma interpretação uniforme de tais conceitos. Assim, não havendo que interpretar os conceitos a que faz referência o nº1 do artigo 9.º do CIVA à luz do contexto específico do sistema comum do imposto, impõem-se necessariamente as regras interpretativas a que alude o artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT). Ora, na falta de definições diretamente adaptadas na legislação do IVA, decorre do n.º 2 do artigo 11.º da LGT que o conteúdo do termo paramédico deve ser interpretado no sentido que lhe é atribuído noutros ramos do direito.

      Tem sido este, aliás, o alcance do nº 1 do artigo 9.º do CIVA que a AT”, assim como os próprios tribunais nacionais”, têm reiteradamente atribuído à expressão "profissões paramédicas" que consta daquela alínea, remetendo, portanto, para a configuração do respetivo conteúdo dada pelo Decreto-Lei n.º 261/93 e pelo Decreto-Lei n.º 320/99.

      De todo o modo, cabe notar que, apesar da margem de autonomia conferida aos Estados-membros, tal não significa, que esta não se encontre submetida a limitações, quer decorrentes do objetivo da alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva do IVA, quer dos princípios de direito da UE aplicáveis ao sistema comum do imposto.

      Começando por uma referência genérica ao princípio da neutralidade que enforma o sistema comum do IVA, o mesmo comporta um duplo conteúdo. Por um lado, exige que os operadores económicos que forneçam bens ou serviços semelhantes, que se encontrem em concorrência entre si, sejam tratados de maneira idêntica no que diz respeito ao IVA, a fim de evitar qualquer distorção de concorrência”. Por outro lado, o princípio da neutralidade implica que os sujeitos passivos possam, por via de regra, em relação aos bens e serviços adquiridos para o exercício das respetivas atividades tributadas em sede deste imposto, desonerar-se do IVA incidente sobre esses bens e serviços”.

      No âmbito da isenção atualmente vertida na alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva do IVA, o TJUE também já referiu que a interpretação da mesma está submetida ao princípio da neutralidade fiscal, na primeira acepção acima indicada, como decorre do assinalado nos acórdãos de 6 de Novembro de 2003, C-45/01, Dornier, n.ºs 42, 44 e 49), de 27 de Abril de 2006 (C-443/O4 e C-444/O4, Solleveld e o., n.ºs 35, 36, 39 e 41) e de 8 de Junho de 2006 (C- 106/O5, L.u.P., n.ºs 24, 32, 36 e 48). Nesta medida, a aplicação da isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva do IVA deve abranger, desde logo, os operadores económicos que se encontrem em concorrência entre si.

      Neste contexto, não se afigura, que o exercício das profissões de acupunctor, de especialista de medicina tradicional chinesa, de fitoterapeuta, de homeopata, de naturopata, de osteopata ou de quiroprático consista na realização de prestações de serviços que se encontrem em concorrência direta com o exercício das profissões que vêm indicadas no nº 1 do artigo 9.º do CIVA, e que a respetiva tributação colida, pelo menos num sentido estrito, com o princípio da neutralidade fiscal. O benefício daqueles serviços não tem na sua génese uma escolha indiferenciada dos pacientes e, sim, uma opção deliberada destes em recorrer aos seus métodos específicos”, não havendo, por conseguinte, uma relação de concorrência com as terapêuticas convencionais, mas uma relação de complementaridade com estas”.

      O TJUE tem-se manifestado no sentido de que o princípio da neutralidade fiscal constitui uma expressão, no domínio do IVA, do princípio geral da igualdade de tratamento, frisando que, enquanto uma estrita violação do primeiro apenas pode ocorrer em relação a operadores económicos concorrentes, a vertente ligada à igualdade de tratamento inviabiliza outros tipos de discriminações em matéria fiscal, que afetem operadores económicos que, não estando forçosamente numa posição de concorrência, se encontram numa situação comparável noutros aspetos.

      Relativamente ao princípio da igualdade de tratamento, o TJUE, pese embora não ter deixado de referir que os termos de uma disposição de direito da UE devem ser, por via de regra, interpretados de modo autónomo e uniforme em toda a UE, à luz do contexto e dos objetivos prosseguidos, considerou que tal não sucede quando a disposição contiver uma remissão expressa para o direito dos Estados-membros para determinar o seu sentido e alcance”. Ora, a propósito da norma vertida na alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva do IVA, no acórdão de 27 de Abril de 2006 (C-443/04 e C-444/04, Solleveld e o., n.ºs 29 e 37), o TJUE reiterou que compete a cada Estado-membro definir no seu direito interno as profissões paramédicas, cujos serviços estão isentos do IVA, dado que tal norma concede aos Estados-membros um poder de apreciação a esse respeito, desde que seja apenas aplicada aos serviços efetuados por prestadores com as qualificações profissionais exigidas na lei. Embora uma remissão para o direito interno de cada Estado-membro ocorra no caso da alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva do IVA, não pode perder-se de vista, contudo, que no n.º 35 desse mesmo acórdão, não obstante ter reconhecido a margem de livre apreciação atribuída aos Estados-membros naquela disposição, o TJUE também aditou que a exigência de uma aplicação correta e simples das isenções não permite aos Estados-membros prejudicarem os objetivos prosseguidos pela Diretiva, nem os princípios da direito comunitário, em especial o princípio de igualdade de tratamento, que se traduz, em matéria de IVA, no princípio da neutralidade fiscal.

      O tratamento diferenciado dado às terapêuticas não convencionais, à luz da autonomia conferida aos Estados-membros pela alínea c) do nº 1 do artigo 132.º da Diretiva do IVA, reflecte, em primeira linha, a diferença objetiva quanto à sua natureza e exigências de formação dos respectivos profissionais, próprias das terapêuticas abrangidas pelas Leis n.ºs 45/2003 e 71/2013, e pelas Portarias n.ºs 207-A/2014 a 207-G/2014 e das profissões identificadas no nº 1 do artigo 9.º do CIVA.

      Ainda no quadro de dissemelhanças de natureza objetiva com as profissões inseridas no nº 1 do artigo 9.º do CIVA, as atividades terapêuticas não convencionais partem de uma base filosófica diferente da medicina convencional e aplicam processos específicos de diagnóstico e terapêuticas próprias”, gozando de autonomia técnica e deontológica, não se consubstanciando nos mesmos tipos de intervenções, actos, processos, métodos, técnicas ou especialidades associados às profissões mencionadas naquela disposição do CIVA.

      A Própria OMS define como terapêuticas não convencionais, as terapêuticas que partem de uma base filosófica diferente da medicina convencional e aplicam processos específicos e terapêuticas próprias, reconhecendo como tal as praticadas, nomeadamente, no exercício da acupuntura, homeopatia, osteopatia, naturopatia, fototerapia e quiropraxia.

      Relativamente à isenção prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 132.º da Diretiva IVA, o TJUE considera que a expressão “assistência médica”, que figura na alínea b) do nº1 artigo 132.º da Diretiva IVA, abrange a totalidade das prestações de serviços abrangida na alínea c), e que a diferença entre as citadas alíneas não ê tanto da natureza dos serviços prestados, mas o lugar onde os mesmos são prestados. Assim, abrangidos pela alínea b) são os cuidados de saúde ministrados em estabelecimentos prosseguindo finalidades sociais de proteção de saúde humana, ao passo que a alínea c) se reporta aos cuidados ministrados fora de estabelecimentos hospitalares.

      Em conclusão,

      Sobre o enquadramento das TNC, no âmbito do art.º 9.º do CIVA, a AT pronunciou-se em diversos momentos sob a forma de Informações Vinculativas, Outras informações Administrativas e Instruções Administrativas, nomeadamente:

1. 17/12/2004 - Oficio n.º … do Gabinete do Diretor Geral para a Associação Portuguesa dos Profissionais de Acupunctura - Enquadramento em IVA e IRC do exercício da Acupunctura

2. 14/O1/2005 Ofício n.º … da DSCIVA para a Associação Portuguesa dos Profissionais de Acupunctura -IVA enquadramento da atividade de acupunctura

3. 07/03/2005 - Informação Vinculativa no Processo nº l301 2004003 com despacho do SDG-IVA, assunto: Atividades médicas e paramédicas. Atividade de quiroprático

4. 11/06/2007 - Informação no Processo I301 2007077, com despacho de, do SDG- DG; assunto: Acupunctura.

5. 21/08/2007 - Informação Vinculativa no Processo nº I301 2007027 com despacho de, do SDG-IVA , assunto: Acupunctura.

6. 8/09/2008 - Informação n.º 1764, despacho do Diretor Geral - Enquadramento em IVA da atividade de acupunctura

7. 26/08/2015 – Ofício-Circulado n.º 30174 - IVA Enquadramento das Atividades Terapêuticas não Convencionais

      Na doutrina administrativa produzida a respeito das atividades de terapêuticas não convencionais identificadas, ou seja, acupunctura e quiropraxia, a AT assumiu uma posição consistente ao longo do tempo, esclarecendo e informando que estas atividades estão sujeitas a IVA à taxa normal e dele não isentas, como se demonstra.

      Na primeira informação administrativa de 17/12/2004, sob o ofício n.º … do Gabinete do Diretor Geral, para clarificação do enquadramento em IVA e IRC do exercício da Acupunctura, veio a AT (então DGCI), em informação elaborada para a Associação Portuguesa dos Profissionais de Acupunctura (APPA), da qual é presidente o Dr. Pedro Choy, foi esclarecido o seguinte (cfr. nos pontos 3 e 4, que se transcrevem):

      “ 3 - De acordo com o decreto-lei n.º 261/93, de 24/07, diploma que regula o exercício das atividades profissionais de saúde designadas por paramédicas, verifica-se, como acima já se disse que a atividade de acupunctura não consta da referida na lista, consequentemente não é possível a aplicação da isenção de /VA a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do C/VA, dado que não se enquadra em nenhuma das atividades profissionais ai referidas.

      “ 4 - Face ao exposto conclui-se que a atividade de acupunctura não se enquadra em nenhuma das isenções referidas no artigo 9.º do C/VA, nem em quaisquer outras normas de isenção de IVA constantes de legislação complementar àquele código."

      Esta posição foi reafirmada, quer em informações vinculativas, proferidas, entre outros, no Processo 1301 2007027 de 21/08/2007, quer na Informação nº 135 de 6/10/2007, sobre o enquadramento das atividades de acupunctura e na Informação n.º 1764 do DG de 08/09/2008, quer ainda no Ofício-Circulado n.º 30174 de 26/08/2015.

      No sentido de clarificar a interpretação da AT, no que concerne ao exercício de profissões de TNC, quando o critério subjetivo da isenção prevista no n.º 1 do artigo 9.º do CIVA estiver preenchido (ou seja, a detenção de habilitações e credenciação de acordo com o direito interno para o exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas), os Serviços do IVA, reiteram que:

  • É errado defender que a AT considera que os serviços prestados de TNC (no caso em análise a acupuntura) podem beneficiar da isenção prevista no art.9º, nº.1 e n.º 2 do CIVA se forem prestados por médicos ou paramédicos;
  • A isenção só é aplicável, em circunstâncias específicas, i.e., quando, no âmbito do exercício de profissões médicas ou paramédicas, forem aplicadas técnicas de TNC, como uma terapêutica auxiliar do acto médico ou paramédico;
  • Consequentemente, se um médico, enfermeiro ou paramédico se actuar como acupuntor, as prestações de serviços por estes prestados, embora de assistência, não se integram no exercício de uma profissão médica ou paramédica, ficando desta forma sujeita a IVA.

 

      Deste modo, o princípio da neutralidade fiscal não ê afrontado, uma vez que apenas no âmbito do exercício das profissões médicas e paramédicas, e apenas enquanto uma terapêutica complementar, ou auxiliar, podem os serviços prestados por um acupunctor aproveitar a isenção de IVA, em atenção ao objetivo estrito, mas não restrito, da isenção prevista no nº1 do artº 9 do CIVA.

      No caso em apreço, a clínica designada "As Clínicas I…", são especializadas em serviços de saúde exclusivamente no âmbito da Medicina Chinesa, compreendendo as diversas disciplinas desta medicina milenar, nomeadamente, a Acupunctura e a fitoterapia." Tal como se se publicitam no seu site da internet, https://www.clinicas...php/..., onde entre outros aspetos é definida a rede das clínicas: Almeirim, Aveiro, Cacém, Carcavelos, Cascais, Coimbra, Faro, Évora, Leiria, Lisboa (Av….), Lisboa (…), Lisboa (…), Mafra, Matosinhos, Odivelas, Portimão, Porto (…), Santarém, Salvaterra de Magos, Tomar.

      Estas clínicas apesar de conhecidas como “as Clínicas I…”, assumem a forma jurídica de duas pessoas coletivas de direito privado, a Clinica A…, Lda, (NIF…) e J…, Lda (NIF…), sendo a atividade de ambas imputada à pessoa física do K…, e, pese embora a sua designação, não constituem unidades hospitalares, pelo que as prestações de serviços aí efectuadas, não têm enquadramento nem no n.º 1, nem no n.º 2 do artigo 9.º do CIVA.

      Na linha da fundamentação desenvolvida nos pontos 3.1 a 3.3, supra:

      - a regulamentação das atividades terapêuticas não convencionais previstas na Lei nº 45/2003 e concretizada na Lei nº 71/2013 e respetivas Portarias regulamentadoras, não equipara as profissões de acupuntura, fitoterapia, homeopatia, medicina tradicional chinesa, naturopatia, osteopatia e quiropraxia a profissões paramédicas, requisito que se mostra necessário ao reconhecimento da isenção consignada no nº1 do artigo 9º do CIVA;

      - também não se encontra expressamente reconhecida, no Código do IVA, qualquer isenção que contemple as atividades de terapêutica não convencional, pelo que o seu exercício consubstancia a realização de operações sujeitas e dele não isentas, sem prejuízo de os profissionais que as exercem poderem beneficiar do regime especial de isenção previsto no artigo 53.º do mesmo diploma, caso se verifiquem as condições ali previstas (tal como esclarece o ponto 10 do Ofício-Circulado n.º 30174 de 26/08/2015 da DSIVA).

      3.4 - APURAMENTO DAS CORREÇÕES PROPOSTAS EM SEDE IVA

      Tendo em consideração os fundamentos expostos, propõe-se a liquidação de IVA sobre os serviços de Acupunctura e Tui Na prestados pelo SP, uma vez que não constituem operações ativas enquadradas nas isenções previstas no artigo 9º do CIVA, pelo que constituem operações sujeitas a liquidação de imposto, à taxa definida na alínea c) do nº1 do artigo 18º do mesmo Código.

      Assim, os elementos necessários ao apuramento dos montantes de IVA a liquidar nos exercícios entre 2012 e 2015, foram extraídos dos balancetes mensais através do ficheiro Saf-T, com as contas até ao grau 2, tendo como base os valores registados na conta 72 - Prestações de Serviços, como se demonstra nos quadros resumo seguintes:

      (...)

      As propostas de correção em sede de IVA, para cada exercício, encontram-se sintetizadas no quadro resumo seguinte:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

­­­F) Na sequência da inspecção a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações de IVA n.ºs 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 36.015,57, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 34.477,78, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 40.678,80, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 37.149,41, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 41.699,52, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 41.447,06, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 37.028,34, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 31.907,82, 2016…, de 15.09.2016, no valor de 34.736,04, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 40.080,00, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 38.345,17 e 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 29.503,13, referentes a 2012/01, 2012/02, 2012/03, 2012/04, 2012/05, 2012/06, 2012/07, 2012/08, 2012/09, 2012/10, 2012/11 e 2012/12, respectivamente, no montante total de € 443.068,00;

G) A Requerente apresentou um pedido de dispensa de prestação de garantia, que foi inferido (documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e artigo 68.º deste);

H) A Requerente não pagou as quantias liquidadas (artigo 67.º do pedido de pronúncia arbitral);

I) A Autoridade Tributária e Aduaneira instaurou processo de execução fiscal, que teve o n.º …2016…, para cobrança coerciva das quantias liquidadas (para além de outras relativas aos anos de 2013, 2014 e 2015), na sequência do que foi efectuada penhora de saldo de contas bancárias da Requerente no valor total de € 12,852,14 (documento n.º16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

J) A Requerente pediu o levantamento da penhora referida na alínea anterior e posteriormente apresentou reclamação da penhora (documentos n.ºs 17.º e 18 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

I) Em 13-02-2017, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

            2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não se provou que tivessem sido penhoradas contas bancárias da Requerente no L… no valor de € 2.082.909,59 (artigo 69.º do pedido de pronúncia arbitral), pois o documento que a Requerente indica para prova do alegado apenas refere penhora de saldos de contas bancárias no valor total de € 12.852,14.

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, não sendo objecto de controvérsia.

 

 

 

3. Matéria de direito

 

 

A questão que é objecto do processo é a de saber se, no ano de 2012, o exercício da actividade de acupunctura estava isenta de IVA, quando os serviços não foram prestados por médicos ou enfermeiros.

            A Requerente não liquidou IVA relativamente à actividade de prestação de serviços desse tipo que desenvolveu em 2012, por entender que estava abrangida pela isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, na parte em que estabelece que «estão isentas do imposto (...) efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas».

Além do mais, a Requerente defende que a aplicação da isenção à prestação de serviços em causa foi esclarecida pela Lei n.º 1/2017, de 16 de Janeiro, que aditou à Lei n.º 71/2013 um novo artigo 8.º-A, em que se estabelece que «aos profissionais que se dediquem ao exercício das terapêuticas não convencionais referidas no artigo 2.º é aplicável o mesmo regime de imposto sobre o valor acrescentado das profissões paramédicas», norma esta a que foi atribuída natureza interpretativa pelo artigo 3.º daquela Lei n.º 1/2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, que a prestação de serviços de acupunctura não está abrangida por este conceito de «profissões paramédicas», pelo que não está abrangida pela isenção, quando os serviços não são prestados por quem exerce as outras profissões previstas abrangidas por esta norma, nomeadamente médicos ou enfermeiros.

Quanto ao alcance da Lei n.º 1/2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira entende, em suma, que apenas se aplica a partir da entrada em vigor da Lei n.º 71/2013, de 2 de Setembro, porque a lei interpretativa se integra na lei interpretada, de harmonia com o disposto no artigo 13.º do Código Civil, e, por isso, só a partir da entrada em vigor desta Lei há que aplicar a interpretação nela efectuada.

Uma vez que há consenso das Partes em que a lei interpretativa referida resolve a questão pelo menos a partir da entrada em vigor da Lei n.º 71/2013, justifica-se que se aborde prioritariamente a questão do alcance daquela Lei, pois, se ela tiver o alcance defendido pela Requerente será inútil apreciar as restantes questões colocadas.

 

 

3.1. Alcance da Lei n.º 1/2017, de 16 de Janeiro, ao atribuir natureza interpretativa ao artigo 8.º-A que aditou à Lei n.º 71/2013, de 2 de Setembro

 

 

A discordância entre as Partes, sobre esta questão, versa sobre o momento a que retroage a regra de que «aos profissionais que se dediquem ao exercício das terapêuticas não convencionais referidas no artigo 2.º é aplicável o mesmo regime de imposto sobre o valor acrescentado das profissões paramédicas», que consta do referido artigo 8.º-A.

Este artigo 8.º-A define o regime do IVA aplicável a profissões aos profissionais que se dediquem ao exercício das terapêuticas não convencionais a que se refere a Lei n.º 73/2013, através de uma remissão para o «regime de imposto sobre o valor acrescentado das profissões paramédicas».

Por isso, a norma que este artigo 8.º-A interpreta é a que anteriormente definia o regime do IVA sobre quem exerce profissões paramédicas, esclarecendo que ela se aplica também aos profissionais que se dediquem ao exercício das terapêuticas não convencionais referidas no artigo 2.º da Lei n.º 73/2013.

A norma que estabelece o regime do IVA aplicável às prestações de serviços no âmbito das profissões paramédicas é o artigo 9.º, n.º 1, alínea a), do CIVA, que estabelece que «estão isentas do imposto» «as prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas».

Assim, o alcance prático do artigo 8.º-A da Lei n.º 1/2017 é esclarecer que, para efeitos de IVA, as profissões daqueles que se dediquem ao exercício das terapêuticas não convencionais referidas no artigo 2.º da Lei n.º 73/2013, entre as quais se inclui a acupunctura, são consideradas profissões paramédicas, para efeitos de IVA.

Por isso, a norma que é autenticamente interpretada pela Lei n.º 1/2017 é o artigo 9.º, n.º 1, alínea a), do CIVA e não a Lei n.º 71/2013, que não contém qualquer norma de natureza fiscal, designadamente sobre a incidência do IVA.

Os trabalhos preparatórios da Lei n.º 1/2017 corroboram explicitamente esta conclusão de que se pretendeu interpretar o artigo 9.º, n.º 1, alínea a), do CIVA.

Com efeito, no Projecto de Lei n.º 289/XIII/1.ª, apresentado por Deputados do PSD, que deu origem ao processo legislativo que conduziu à aprovação daquela Lei n.º 1/2017, refere-se o seguinte:

Após ter vindo sistematicamente a aceitar a inscrição dos profissionais das terapêuticas não convencionais (TNC) no regime de isenção de IVA, vieram a surgir dúvidas e inconstâncias no entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) relativamente ao enquadramento dos profissionais de TNC no regime de isenção previsto no n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA.

Com efeito, foi transmitido à Assembleia da República – inclusive através de uma petição com cerca de 120 mil subscritores – que a AT terá iniciado procedimentos de inspeção tributária visando emitir liquidações adicionais de IVA referentes aos últimos quatro anos de atividade, correspondentes ao período de caducidade do direito à liquidação.

Foi também transmitido ao Parlamento que os profissionais das TNC não terão liquidado IVA aos seus pacientes por se considerarem enquadrados no âmbito do regime de isenção, pelo que não tendo normalmente o IVA sido cobrado aos pacientes, o encargo económico que resulta agora da liquidação adicional destes quatro anos de imposto traduzir-se-á numa cobrança insustentável para a continuidade da atividade da maior parte dos profissionais das TNC. Esta convicção dos profissionais era reforçada por diversos anos de prática e até pelo registo de classificação de atividade que a própria AT atribuía àqueles profissionais (tipicamente atribuindo-lhes o código de atividade correspondente a “outros paramédicos”).

Paralelamente, nos casos em que estas terapêuticas são ministradas por médicos, a AT continua a aplicar o regime de isenção que decorre do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA, o que conduz a uma distorção da concorrência entre serviços de natureza idêntica, prejudicando a livre escolha dos pacientes e penalizando os profissionais das TNC não médicos.

Refira-se que o enquadramento legal das terapêuticas não convencionais e do exercício dos profissionais que as aplicam, estabelecido pela Lei n.º 45/2003, de 22 de agosto, reconhece-as enquanto terapêuticas de saúde, pelo que, independentemente de serem prestadas por médicos ou por profissionais de TNC, deverão estar isentas de IVA, à semelhança das restantes prestações de serviços de saúde.

Recentemente, na sequência da queixa apresentada pela Associação Portuguesa dos Profissionais de Acupunctura (APPA), a Autoridade da Concorrência emitiu uma recomendação na qual se propõe recomendar aos Ministros das Finanças e da Saúde que seja promovida a regulamentação do enquadramento fiscal a que estão sujeitas as prestações de serviços de TNC, de forma a assegurar a neutralidade da tributação destas prestações em sede de IVA, independentemente de as mesmas serem prestadas por médicos, no âmbito de competências reconhecidas pela Ordem dos Médicos, ou por profissionais de TNC, no âmbito das competências regulamentadas pela Lei n.º 71/2013, de 2 de setembro, reconhecendo, assim, a existência de uma distorção de concorrência resultante da cobrança de IVA aos profissionais das TNC.

Acrescenta a Autoridade da Concorrência que “ainda que anteriormente à entrada em vigor da Lei n.º 71/2013 se pudesse questionar se as prestações de serviços de assistência em TNC ofereciam um nível de qualidade aos utentes equivalente ao que é oferecido pelos médicos, aquela lei e a regulamentação adotada em 2014 e 2015 (…) criaram um quadro que se afigura completo no que diz respeito às qualificações profissionais das pessoas que estejam habilitadas a exercer atividades no âmbito das TNC.”

Também o Direito Comunitário Europeu impõe uma interpretação e aplicação não discriminatória de diferentes operadores que praticam o mesmo tipo de atos ou serviços. Com efeito, a Diretiva do IVA e a Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) afirmam o princípio da neutralidade do IVA como princípio fundamental, que obriga à igualdade de tratamento em IVA de atividades similares. Segundo o TJUE existirá neutralidade relativamente ao consumo, quando o imposto não influi nas escolhas dos diversos bens ou serviços por parte dos consumidores. Ora, se prevalecesse este novo entendimento da AT, estaria então o regime de IVA a induzir uma certa escolha dos consumidores, discriminando os serviços produzidos pelos profissionais das TNC face aos produzidos por médicos, apesar de as Leis de 2003 e 2013 terem colocado ambos em patamar similar de admissibilidade legal.

Nestes termos e perante as dúvidas e dificuldades geradas por este alegado novo entendimento da AT, torna-se necessária uma clarificação legislativa, que tem natureza interpretativa e não inovadora já que está simplesmente a explicitar a vontade não discriminatória do legislador nacional (afirmada em 2003 e 2013) e que é determinada pelo princípio da neutralidade fiscal afirmado pela legislação e jurisprudência comunitária europeia.

Esclarece-se que a referência do novo artigo 8.º-A da Lei n.º 71/2013, de 2 de setembro, às profissões paramédicas serve apenas e exclusivamente para efeitos fiscais em sede de IVA.

Não há qualquer outro efeito ou alcance nesta equiparação.

Considerando que se trata de reforçar legislativamente um entendimento e prática histórica e habitual e de reiterar o sentido conforme à legislação comunitária vigente, não se coloca obviamente qualquer impacto de perda de receita fiscal presente ou futura: eventuais cobranças fiscais baseadas em entendimento diverso seriam, antes e depois do presente diploma interpretativo, indevidas por carecidas de base legal.

 

 

            A indicação inicial de que a dúvida que se pretende esclarecer é do «enquadramento dos profissionais de TNC no regime de isenção previsto no n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA» revela inequivocamente que é esta norma que se pretendeu interpretar.

            Por outro lado, a frase «torna-se necessária uma clarificação legislativa, que tem natureza interpretativa e não inovadora já que está simplesmente a explicitar a vontade não discriminatória do legislador nacional (afirmada em 2003 e 2013também é perfeitamente elucidativa de que os efeitos da clarificação se reportam, pelo menos a 2003, designadamente à Lei n.º 45/2003, de 22 de Agosto, que estabeleceu o enquadramento da actividade e do exercício dos profissionais que aplicam as terapêuticas não convencionais e que a Lei .º 73/2013 regulamentou.

Na mesma linha, no Projecto de Lei n.º 301/XIII/2.ª, apresentado por Deputados do Bloco de Esquerda, refere-se o seguinte:

 

As terapêuticas não convencionais são atividades de saúde, na medida em que prestam assistência a pessoas, diagnosticando e elaborando tratamento no sentido de curar doenças ou melhorar o estado de saúde dessas mesmas pessoas.

A legislação portuguesa reconhece a validade das terapêuticas não convencionais, nomeadamente com a Lei n.º 45/2003, de 22 de agosto, e com a Lei n.º 71/2013, de 2 de setembro. Neste enquadramento legislativo reconhece-se a existência legal de terapêuticas que partem de uma “base filosófica diferente da medicina convencional” e que “aplicam processos específicos de diagnóstico e terapêuticas próprias”. O enquadramento legal nacional, ao reconhecer que estas atividades fazem diagnóstico e terapêutica, colocam-nas sob a tutela do Ministério da Saúde.

As atividades decorrentes das terapêuticas não convencionais reconhecidas e regulamentadas por lei, nomeadamente as descritas no artigo 2.º da Lei n.º 71/2013, de 2 de setembro, deveriam estar, por isso, isentas do pagamento de IVA, uma vez que esse tem sido o enquadramento de IVA para a prestação de serviços efetuada no exercício de profissões na área da saúde.

Durante muito tempo a atividade era inscrita de forma muitas vezes aleatória, dependendo da interpretação da repartição de finanças onde o profissional abria a sua atividade. Muitos destes profissionais inscreveram-se, por sugestão da repartição de finanças, como paramédicos ou com códigos na área da saúde que lhe conferiam isenção.

A inscrição com esse código de atividade económica conferia isenção de IVA, no entanto, essa inscrição era muitas vezes aconselhada pelo serviço de finanças, não tendo os profissionais intenção de provocar qualquer dolo.

Na vigência do anterior Governo PSD/CDS, a Autoridade Tributária e Aduaneira fez publicar o Ofício Circulado n.º 30174, de 26 de agosto de 2015, onde considerava, por um lado, que “o enquadramento legal não lhes confere uma equiparação a profissões paramédicas” e, por outro lado, “não se encontra expressamente reconhecida, no Código do IVA, qualquer isenção que contemple as atividades de terapêutica não convencional, o seu exercício constitui a prática de operações sujeitas a imposto e dele não isentas (…)”. Sendo assim, a AT concluía em 2015 que a prestação de serviços efetuada pelos profissionais de TNC deveriam pagar o IVA à taxa normal de 23%.

Desde então este Ofício está a ser aplicado de forma muito generalizada e com efeitos retroativos aos últimos quatro anos! Na prática, o Fisco está a exigir destes profissionais mais de 100% da sua faturação anual, apenas para pagamento de IVA, coimas e juros.

Como se percebe, é uma situação insuportável e que levará a esmagadora maioria destes profissionais à falência.

Para além desse impacto generalizado nesta atividade e no emprego que ela gera, a interpretação da AT tem muitas outras consequências negativas:

Ao interpretar que os profissionais das terapêuticas não convencionais não estão isentos de IVA, mas que outros profissionais na área da saúde podem ter essa isenção, estabelece-se uma discriminação por profissão e não por ato ou por atividade. Isto é, um profissional, com formação teórica e prática específica numa das terapêuticas não convencionais reconhecidas por lei está obrigado ao pagamento de IVA; mas, por exemplo, um enfermeiro, um médico ou um psicólogo que pratique acupuntura já está isento desse pagamento pela prestação de serviços de acupuntura. O fisco está, desta forma, a tratar de forma diferente atividades que podem ser semelhantes ou iguais, estabelecendo uma preferência ou uma vantagem fiscal de uns sobre os outros. Esta é, aliás, a interpretação da própria Autoridade da Concorrência.

A nova interpretação da AT, de agosto de 2015, pode representar, na verdade, um incentivo à subfaturação e à clandestinidade da atividade relacionada com as TNC, o que coloca um duplo problema. Por um lado, uma perda de receita fiscal, porque os profissionais não abrem atividade ou subfaturam os seus serviços. Por outro lado, coloca em causa a segurança dos utentes, travando os processos de regulamentação, de credenciação e de licenciamento da atividade e do local onde decorre e reenviando-os para a clandestinidade onde não há fiscalização.

O Bloco de Esquerda considera que é imperativo resolver esta situação. Os profissionais das terapêuticas não convencionais são, evidentemente, profissionais de saúde. Exercem funções relacionadas com a saúde dos seus utentes, a sua carteira profissional é emitida pela Administração Central dos Sistemas de Saúde (ACSS), a sua formação é na área da saúde, são atividades reconhecidas pela Organização Mundial de Saúde.

A interpretação da Autoridade Tributária é contraditória com estas evidências e contraditória até com outras interpretações que tomou no passado. Lembre-se que, por exemplo, em 2012 decidiu - e bem - conferir a isenção de IVA à atividade de psicologia clínica porque “face à jurisprudência comunitária e conforme entendimento destes serviços, a atividade de psicólogo, enquanto orientada para prestações de serviços que se consubstanciam na elaboração de diagnósticos ou na aplicação de tratamentos, está isenta de IVA, nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA”.

É conhecido e reconhecido que os profissionais das terapêuticas não convencionais lidam com a saúde das pessoas. E esse reconhecimento é, acima de tudo, um reconhecimento social, estimando-se que 40% da população portuguesa já tenha recorrido, pelo menos uma vez na sua vida, a tratamentos e terapêuticas não convencionais.

Consideramos que a prestação de serviços efetuadas no âmbito das TNC reconhecidas por lei deviam ter estado desde então isentas do pagamento de IVA. No entanto, se é necessário clarificar, então clarifique-se de uma vez por todas: é neste sentido que o Bloco de Esquerda apresenta este Projeto de Lei propondo que o Código do IVA passe a isentar os profissionais de TNC de cobrança de IVA.

Mas é também necessário reparar o problema que foi criado com a interpretação recente da AT e com as suas cobranças coercivas e retroativas aos profissionais de TNC.

É nesse sentido que a presente iniciativa legislativa prevê ainda a extinção dos procedimentos inspetivos pendentes destinados à liquidação adicional de IVA, relativos a prestações de serviços exercidas por profissionais das terapêuticas não convencionais, bem como a anulação dos atos de liquidação adicional de IVA, e dos atos de autoliquidação de IVA, efetuados na sequência ou na pendência de ações inspetivas, relativos a prestações de serviços exercidas por profissionais das terapêuticas não convencionais.

 

Para além disso, em 23-09-2016, foi aprovada a Resolução da Assembleia da República n.º 207/2016, publicada no Diário da República, I Série, de 24-10-2016, em que se resolveu «recomendar ao Governo que assegure a nulidade da interpretação feita pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente à cobrança retroativa de imposto sobre o valor acrescentado nas prestações de serviços no âmbito das terapêuticas não convencionais (TNC) regulamentadas pela Lei n.º 71/2013, de 2 de setembro, quando as mesmas foram prestadas por profissionais das TNC reconhecidos pela Administração Central do Sistema de Saúde, I. P.».

            É, assim, inequívoco que a Assembleia da República pretendeu que a interpretação autêntica que foi efectuada pela Lei n.º 1/2017 se aplicasse retroactivamente à actividade profissional de exercício das terapêuticas não convencionais a que se reporta a Lei n.º 73/2013, com o sentido de lhe ser aplicável do mesmo regime de imposto sobre o valor acrescentado que era aplicado às profissões paramédicas, pelo menos a partir da entrada em vigor da Lei n.º 45/2003, de 22 de Agosto.

            Pelo exposto, conclui-se que é aplicável, no ano de 2012, o regime de isenção de IVA aos profissionais que prestaram serviços de acupunctura.

 

            3.2. Questão da repercussão do imposto e enriquecimento sem causa

 

            A Autoridade Tributária e Aduaneira aventa, nos artigos 32.º a 37.º da sua Resposta, que a aplicação retroactiva prevista na Lei n.º 1/2017 não pode ser aplicada, por ser incompaginável com o artigo 37.º do CIVA, quanto aos sujeitos passivos que tenham aplicado IVA na sua facturação, por se poder traduzir em enriquecimento sem causa.

            Esta questão, porém, não tem pertinência no caso em apreço, pois está-se perante uma situação em que a Requerente não liquidou IVA nem o recebeu dos seus clientes, sendo precisamente essa falta de liquidação que foi invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira para efectuar as liquidações impugnadas.

            Por isso, não se verifica este eventual obstáculo à aplicação à Requerente do regime de isenção.

 

            3.3. Vício que afecta as liquidações

 

            Em face do exposto, é de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral.

            A Requerente pede que se declare a nulidade das liquidações, mas, não se verificando qualquer situação enquadrável no artigo 161.º do Código do Procedimento Administrativo, o vício que afecta as liquidações é gerador de anulabilidade, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do mesmo Código.

 

 

            3.4. Questões de conhecimento prejudicado

 

            Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à ilegalidade das liquidações, fica prejudicado, por ser inútil (artigo 130.º do CPC), o conhecimento das restantes questões de legalidade colocadas.

 

           

            4. Indemnização por garantia indevida

 

            A Requerente formula pedido de indemnização por garantia indevida.

            O artigo 171.º do CPPT estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda».

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 52.º da LGT, que estabelece o seguinte:

 

 

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

            1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

            2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

            3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

            4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, não foi prestada garantia bancária, mas foi efectuada penhora de saldos de contas bancárias, que deve considerar-se equivalente, como se depreende do artigo 199.º, n.º 4, do CPPT.

Por outro lado, o erro subjacente às liquidações de impugnadas é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois elas foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro ocorresse.

Assim, verificam-se os requisitos previstos nos n.ºs 1 e 2 do transcrito artigo 53.º, pelo que a Requerente tem direito a indemnização pelos prejuízos que se demonstrar terem resultado da penhora referida.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão (artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

           

           

            5. Decisão

 

            Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular as liquidações de IVA com os n.ºs 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 36.015,57, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 34.477,78, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 40.678,80, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 37.149,41, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 41.699,52, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 41.447,06, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 37.028,34, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 31.907,82, 2016…, de 15.09.2016, no valor de 34.736,04, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 40.080,00, 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 38.345,17 e 2016…, de 15.09.2016, no valor de € 29.503,13;

b) Julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão.

 

 

            6. Valor do processo

 

   De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 515.814,93.

 

           

Lisboa, 25-10-2017

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

(João Taborda Gama)

Com declaração de voto

 

(Nuno Maldonado Sousa)

Com declaração de voto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto

 

Votei o presente acórdão por concordar integralmente com a decisão e, salvo o que se dirá, com a sua fundamentação. A meu ver, a norma interpretativa em análise tem natureza fiscal, quanto mais não seja porque tem efeitos quanto à tributação de um grupo de profissionais. Ora, em coerência com o que defendi na minha declaração de voto de vencido no Processo n.º 302/2016-T, a utilização de normas interpretativas em matéria fiscal deve ser sujeita ao crivo metodológico da retroatividade tributária. Todavia, no caso em apreço, tratando-se de retroatividade favorável, ao contrário do que se passava no referido Processo n.º 302/2016-T, a norma interpretativa não padece de qualquer censura constitucional ou outra.

 

 

(João Taborda Gama)

.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto

 

Votei vencido a decisão que fez vencimento. Não creio que a interpretação da Lei n.º 1/2017, de 16 de janeiro possa levar a que se entenda que foi fixada interpretação autêntica da norma constante do artigo 9º-1, al. b) do CIVA.

 

Note-se que o próprio sumário do diploma proclama que é feita “Primeira alteração à Lei n.º 71/2013, de 2 de setembro, que regulamenta a Lei n.º 45/2003, de 22 de agosto, relativamente ao exercício profissional das atividades de aplicação de terapêuticas não convencionais, estabelecendo o regime de imposto sobre o valor acrescentado aplicável a essas atividades”. O artigo 1º estipula que “A presente lei procede à primeira alteração à Lei n.º 71/2013, de 2 de setembro, que regulamenta a Lei n.º 45/2003, de 22 de agosto, relativamente ao exercício profissional das atividades de aplicação de terapêuticas não convencionais. “. Em nenhum local se vislumbra qualquer intenção de interpretar o CIVA, que é um código, com todas as implicações interpretativas que as codificações têm.

 

Por outro lado, a própria redação do artigo 8º-A introduzido pela lei citada é bem claro: “Aos profissionais que se dediquem ao exercício das terapêuticas não convencionais referidas no artigo 2.º é aplicável o mesmo regime de imposto sobre o valor acrescentado das profissões paramédicas”. Quer dizer, as profissões paramédicas têm um regime (constante do CIVA) e aos profissionais que se dediquem ao exercício das terapêuticas não convencionais é aplicável o mesmo regime do IVA. Dito de outro modo: não se pretendeu fixar novo sentido às normas que comportam o regime do IVA; pretendeu-se que o mesmo regime que vigora para as profissões paramédicas passasse a vigorar para as terapêuticas não convencionais. Não se pretendeu alterar o regime do IVA; pretendeu-se que o regime do IVA aplicável a determinadas profissões passasse a abranger outras.

 

Mas a questão que me parece decisiva é outra e diz respeito aos próprios limites que a interpretação autêntica, através de normas interpretativas, tem que observar. As leis que têm por objetivo fixar a interpretação autêntica de outras normas preexistentes são designadas pela ciência do Direito por leis interpretativas, e são o instrumento de dissipação de dúvidas sobre o sentido de determinada norma, pelo legislador que a emitiu. Creio que não provindo do mesmo órgão legislativo, a nova norma pode até alterar, revogar ou derrogar a norma anterior, mas não poderá interpretá-la, pois incorporando-se a norma interpretativa na norma interpretada, só o seu “autor” originário o pode fazer.

 

Parece-me que as palavras de J. Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao discurso legitimador, Coimbra, Almedina, 1983, pp. 176-177) sobre o conceito constituem o melhor entendimento sobre o tema: “(…) uma vez promulgada certa lei e sobre o seu sentido sejam suscitadas dúvidas importantes acerca do seu exacto sentido ou alcance, o órgão que a editou tem, como é lógico, competência para a interpretar através de uma nova lei.”. Creio que esta corrente abrange a generalidade dos autores, como reconhece José de Oliveira Ascensão (O Direito. Introdução e Teoria Geral, 3ª ed., Lisboa, FCG, pp. 469-470), que defende solução diversa. No mesmo sentido, o Tribunal Constitucional no acórdão n.º  176/2017, em decisão em plenário, em 06-04-2017, afirmou que “(…) seja qual for a índole da lei interpretativa em causa, a interpretação autêntica, isto é, a fixação obrigatória (para todos os operadores jurídicos) do sentido de uma norma, feita pelo «legislador» — é algo que integra o próprio exercício da função normativa…”, e por isso só tem legitimidade para tal interpretação – ou seja para impor a injunção nela contida – o próprio autor da norma interpretada”. Esta orientação tem sido seguida de há muito, como atestam os acórdãos do mesmo Tribunal Constitucional n.º 801/2014, decisão unânime em plenário, 26-11-2014; n.º 139/92, 07-04-1992; n.º 372/91, em plenário, 17-10-1991; n.º 157/88, em plenário, 07-07-1988; n.º 32/87, 28-01-1987. Destas referências doutrinárias e jurisprudenciais pode retirar-se um limite intrínseco das normas interpretativas; elas só são aptas para fixar o sentido das normas prévias emitidas pelo mesmo órgão. 

 

Estão em causa nos autos: (i) a norma da Lei n.º 1/2017, de 16 de janeiro, decretada pela Assembleia da República que atribui natureza interpretativa à norma do artigo 8º-A que a própria adita à Lei n.º 71/2013, de 2 de setembro; (ii) A Lei n.º 71/2013, de 2 de setembro, decretada pela Assembleia da República, que passou a ser interpretada no sentido de aos profissionais que se dediquem ao exercício da acupuntura  ser aplicável o mesmo regime de imposto sobre o valor acrescentado das profissões paramédicas desde a entrada em vigor desta lei, em 02-10-2013; (iii) o artigo 9º-1, al. b) do CIVA que foi introduzido na ordem jurídica pelo Governo através do Decreto Lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro.

 

Creio que a interpretação que pretende que o artigo 8º-A da Lei n.º 71/2013, de 2 de setembro constitui norma interpretativa do CIVA, é feita para além dos limites que o sistema jurídico admite. Não concordo que a norma interpretativa possa fixar o sentido de outras normas do ordenamento jurídico, quando foram emitidas por diferente órgão. A Assembleia da República pode revogar, derrogar e alterar o CIVA, porventura com efeito retroativo se se situar nos limites constitucionais. Mas não pode fixar-lhe a sua interpretação autêntica. Esse é um privilégio do órgão que o emitiu. Em obediência ao primado do Direito. O alcance prático de se atribuir eficácia interpretativa ao artigo 8º-A da Lei n.º 71/2013, é apenas a afirmação de que essa lei deve ser interpretada como incorporando o regime de imposto sobre o valor acrescentado aplicável a essas atividades desde a sua entrada em vigor em 02-10-2013 (e não apenas desde 17-01-2017 como obrigaria o regime regra).

 

A questão fundamental a decidir nestes autos consiste em saber se, no ano de 2012, o exercício da actividade de acupunctura estava isento de IVA, quando os serviços não foram prestados por médicos ou enfermeiros. A resposta, para mim, deve ser negativa; não estava isento de IVA. A isenção de IVA da atividade da acupunctura é estabelecida pela norma do artigo 8º-A da Lei n.º 71/2013, de 2 de setembro, que entrou em vigor em 02-10-2013 (30 dias após a sua publicação em 2 de setembro de 2013) e não pela norma do artigo 9º-1, al. b) do CIVA.

 

Pelas razões invocadas, sou de opinião que são legais as liquidações de IVA das atividades citadas, relativas a períodos anteriores a 02-10-2013 e votei pela improcedência das impugnações de liquidações desse período, sustentadas pela tese que fez vencimento e que são todas as que este processo contempla.

 

 

(Nuno Maldonado Sousa)