Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 110/2016-T
Data da decisão: 2016-09-30  Selo  
Valor do pedido: € 13.577,07
Tema: IS - verba 28. 1 da TGIS
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DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO
  1. A…, NIF…, residente na Rua … … … dto, …, …-… ...; B…, NIF…, residente na Av…, Lote…, … dto, Urbanização…, …, …-…; C…, NIF…, residente na Av…, nº … - …, …, …, …-…; D…, NIF…, residente na Rua…, … … dto, …, …-…; E…, NIF…, residente na Av…., nº … -…, , …-… Lisboa; F…, NIF…, residente na Rua …, nº … … dto, …, …, …-…; G…, NIF…, residente na Av…, nº…, … D, …, …, …-…; H…, NIF…, residente na Rua …- …, …-… ; I…, NIF…, Residente na … n.º … R/C, Lisboa, …-… Lisboa; J…, NIF…, residente na Rua…, n.º…, …, …-…; k…, NIF…, residente na Rua … nº…, …, …, …, …-…; e Herança de L…, NIF…, com morada na…, n.º…, …, …-…, sucessora de M…, adiante designados como “Requerentes”, vêm, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de tribunal arbitral e submeter o pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo de 2014, emitidas ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”), anexa ao Código do Imposto do Selo (“CIS”), respeitante a um prédio descrito na matriz predial urbana sob o artigo … da Freguesia de … em Lisboa, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada como “Requerida” ou “AT”).
  2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 11/03/2016.
  3. Os Requerentes optaram por não designar árbitro, tendo, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designado como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, que aceitou o encargo no prazo legalmente estipulado.
  4. As partes foram devidamente notificadas da nomeação em 27/04/2016, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma.
  5. Em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 12/05/2016.
  6. A Requerida foi notificada em 13/05/2016 para apresentar resposta, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 17.º do RJAT, o que fez em 14/06/2016, tendo vindo ao processo sustentar a legalidade dos atos tributários em crise e a constitucionalidade da Lei n.º 55-A/2012 de 29 de Outubro, concluindo pela improcedência total do pedido e consequente absolvição do mesmo. A Requerida apresentou, igualmente, requerimento para dispensa da realização da primeira reunião ao abrigo do artigo 18.º do RJAT e dispensa da apresentação de alegações escritas, sugerindo ao tribunal arbitral singular que conhecesse de imediato do pedido.
  7. Ao abrigo do princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, foi dispensada a realização da primeira reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e a produção da prova testemunhal, por despacho de 15/06/2016, tendo, em obediência ao princípio do contraditório, sido concedido às partes um prazo sucessivo de 10 dias para alegações finais, por escrito.
  8. A prolação da decisão arbitral foi agendada para dia 23/09/2016, tendo os Requerentes sido advertidos que deveriam proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, e comunicar o seu pagamento ao CAAD.
  9. Os Requerentes apresentaram alegações por escrito em 24/06/2016, pugnando pela anulação dos atos de liquidação em crise.
  10. A Requerida apresentou as suas alegações por escrito em 5/07/2016, mantendo que o pedido de pronúncia arbitral deveria ser julgado totalmente improcedente.
  11. Mediante despacho de 1/09/2016, notificado aos Requerentes em 12/09/2016, foi solicitado o reenvio de cópias legíveis dos documentos 1 a 12 juntos ao pedido de pronúncia arbitral, que foram juntas aos autos em 19/09/2016. Por este motivo, foi adiada a prolação da decisão arbitral para dia 30/09/2016, mediante despacho de 23/09/2016.
  1. RESUMO DAS PRETENSÕES DOS REQUERENTES E DA REQUERIDA
  1. Pretensão dos Requerentes
  2. Os Requerentes fundamentam a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo ao abrigo da verba 28.1 da TGIS nos seguintes vícios:
  1. Errónea qualificação do prédio sub judice como “prédio com afectação habitacional”, na medida em que o prédio apesar de não estar dividido em propriedade horizontal, ter cada um dos andares composto por apartamentos totalmente autónomos destinando-se maioritariamente a comércio, para além de habitação, não existindo nenhuma fração cujo valor seja igual ou superior a 1 milhão de euros;
  2. Inconstitucionalidade da interpretação dada pela AT à verba 28.1 da TGIS, por violação do n.º 3 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
  1. Os Requerentes peticionam a declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo, com o consequente reembolso das quantias pagas até à decisão final, acrescidas de juros indemnizatórios, bem como a condenação da AT a não emitir futuras liquidações de Imposto do Selo com referência ao prédio em apreço.
  1. Pretensão da Requerida
  1. A Requerida, por seu turno, considera que a tese das Requerentes carece de sustentação legal, argumentando que o facto tributário sobre o qual incide a verba 28.1 da TGIS é a propriedade de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do C.I.M.I., seja igual ou superior a €1.000.000,00, sendo o valor patrimonial tributário (doravante “VPT”) relevante o VPT total e não o VPT de cada uma das partes que o componham, ainda que suscetíveis de utilização independente. Outra interpretação seria inconstitucional por violação do princípio da legalidade tributária previsto no n.º 2 artigo 103.º da CRP. A Requerida sustenta, assim, a constitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, citando o Acórdão n.º 590/2015, proferido no processo n.º 542/2014. A Requerida conclui pela inexistência de direito aos peticionados juros indemnizatórios perante a legalidade dos atos tributários, não se verificando qualquer erro imputável aos serviços.
  1. SANEAMENTO
  1. O Tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído.
  2. O Tribunal é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 artigo 2.º do RJAT para julgar sobre o pedido de ilegalidade dos atos de liquidação de IS de 2014 ao abrigo da verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS e sobre os juros indemnizatórios.
  3. No que respeita ao pedido subsidiário apresentado pelos Requerentes de condenação da AT à não emissão de futuras liquidações de Imposto do Selo com referência ao prédio em crise, o tribunal arbitral não é competente para conhecer do mesmo, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, e do artigo 99.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. Com efeito, o tribunal arbitral dispõe de competência para apreciar e decidir pretensões relativas à declaração da ilegalidade de atos de liquidação de tributos, autoliquidação, retenção na fonte, pagamentos por conta, bem como assim relativamente a atos de fixação da matéria tributável não geradores de liquidação e ainda de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais. Não se enquadra neste elenco de competências do tribunal arbitral a condenação à prática ou à abstenção da prática de qualquer ato. O tribunal arbitral singular declara-se, assim, incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido subsidiário de condenação da AT à abstenção da prática de atos futuros de liquidação de Imposto do Selo sobre o prédio em apreço.
  4. Os Requerentes cumulam pedidos e apresentam-se em coligação de autores, o que é admissível dada a identidade das circunstâncias de facto e a aplicação dos mesmos princípios e regras de direito, nos termos do artigo 104.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário e do artigo 3.º do RJAT.
  5. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 3.º, 6.º e 15.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.ºdo RJA)T.
  6. Não se verificam quaisquer outras nulidades, nem foram alegadas pelas partes quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da questão.
  1. MATÉRIA DE FACTO

a)         Factos dados como provados

  1. Com interesse para a decisão da causa, dão-se como provados os seguintes factos.
  2. Os Requerentes são comproprietários do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de Lisboa, sob o artigo … .
  3. De acordo com a respetiva caderneta predial, o prédio tem a seguinte descrição “prédio composto de rés-do-chão, 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º andares, destinado a comércio e habitação”.
  4. O prédio acima identificado encontra-se inscrito na respetiva matriz predial urbana como prédio em propriedade total, cabendo a cada um dos Requerentes a seguinte quota-parte:

A…

35/384

B…

36/384

C…

19/384

M…

27/384

D…

51/384

E…

33/384

F…

16/384

G…

51/384

H…

9/384

J…

32/384

I…

24/384

K…

51/384

 
  1. O valor patrimonial total à data das liquidações de IS (2014) era de €1.357.706,87.
  2. Cada um dos andares é composto apartamentos totalmente autónomos dos restantes apartamentos e andares.
  3. Conforme contratos de arrendamento juntos aos autos, as seguintes divisões do prédio encontram-se arrendadas, de acordo com a sua afetação:

Inquilino

Afetação

Morada

N…, Lda. (Pronto a vestir)

Comércio

Rua …

O… (Loja de Artigos Turísticos)

Comércio

Rua …

P…, Lda. (Restauração)

Comércio

Rua …

Q…, Lda. (Pronto a vestir)

Comércio

Rua …

R…, SA (Loja de decorações)

Comércio

Rua …

R…, SA (Loja de decorações)

Comércio

Rua …

 

S…, Lda. (Hostel)

Comércio

Rua …

S…, Lda. (Hostel)

Comércio

Rua …

S…, Lda. (Hostel)

Comércio

Rua …

T… (Posto Médico)

Comércio

Rua …

T… (Posto Médico)

Comércio

Rua …

U..., Lda. (Despachante oficial)

Comércio

Rua …

V…

Habitação

Rua …

W…– Edições, Lda.

(Editora)

Comércio

Rua …

  1. No que concerne ao ano de 2014, os Requerentes receberam as seguintes liquidações de Imposto do Selo, emitidas ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, tendo efetuado o respetivo pagamento conforme descrito infra:

Requerente

Identificação do documento

 

Data de Pagamento

A…

2015 …

1ª prestação

23-04-2015

2015 …

2ª prestação

27-07-2015

2015 …

3ª prestação

25-11-2015

B…

2015 …,

1ª prestação

24-04-2015

2015 …

2ª prestação

28-07-2015

2015 …

3ª prestação

18-11-2015

C….

2015 …

1ª prestação

17-04-2015

2015 …

2ª prestação

08-07-2015

2015 …

3ª prestação

05-11-2015

D…

2015 …

1ª prestação

13-04-2015

2015 …

2ª prestação

20-07-2015

2015 …

3ª prestação

30-11-2015

E…

2015 …

1ª prestação

29-04-2015

2015 …

2ª prestação

30-07-2015

2015 …

3ª prestação

29-11-2015

F…

2015 …

1ª prestação

30-04-2015

2015 …

2ª prestação

31-07-2015

2015 …

3ª prestação

30-11-2015

G…

2015 …

1ª prestação

23-04-2015

2015 …

2ª prestação

24-07-2015

2015 …

3ª prestação

18-11-2015

H…

2015 …

1ª prestação

27-04-2015

2015 …

2ª prestação

09-07-2015

2015 …

3ª prestação

23-11-2015

J…:

2015 …

1ª prestação

23-04-2015

2015 …

2ª prestação

15-07-2015

2015 …

3ª prestação

24-11-2015

K…

2015 …

1ª prestação

30-04-2015

2015 …

2ª prestação

31-07-2015

2015 …

3ª prestação

30-11-2015

M…

2015 …

1ª prestação

30-04-2015

2015 …

2ª prestação

31-07-2015(*)

2015 …

3ª prestação

30-11-2015(*)

 

(*) Nota: No que concerne às 2ª e 3ª prestação supra, indica-se a data limite de pagamento, dado que as notas de cobrança juntas aos autos não indicam a data de pagamento de cada uma das prestações, mas somente que as mesmas se encontram regularizadas.

  1. Em 29 de Fevereiro de 2016, os Requerentes apresentaram o presente pedido de constituição do tribunal arbitral/pronúncia, arbitral

b) Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

  1. A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos carreados para o processo, incluindo a cópia da decisão arbitral no processo 573/2013-T (documento n.º 27), que não foram impugnados pela Requerida (vide artigo 1.º das Alegações escritas da Requerida).
  2. Não existem factos com relevo para a decisão que não tenham sido dado como provados.
  1. QUESTÃO A DECIDIR
  1. A questão principal apresentada ao tribunal é decidir se a verba 28.1 da TGIS é aplicável a um prédio urbano constituído em regime de propriedade total, integrado por diversas áreas com utilização independente, destinadas a comércio e a habitação, e, em caso afirmativo, se se deverá atender ao valor patrimonial tributário total do prédio urbano ou se, pelo contrário, se deverá atender ao VPT atribuído a cada andar ou divisão com utilização independente que o compõem.
  1. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
  1. Da ilegalidade de atos de liquidação de Imposto do Selo ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo
  2. Antes de mais, cumpre analisar o enquadramento legal das liquidações de IS sub judice.
  3. Em sede de IS, estabelece o artigo 1.º do Código que “O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”.
  4. Assim, a norma de incidência de IS remete para o conjunto de atos, contratos, documentos, etc, elencados na Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”), anexa ao Código.
  5. A referida TGIS foi alterada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, que aditou uma nova verba – a verba 28 – com a seguinte redação:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional - 1 %”

  1. Contudo, a redação supra só esteve em vigor até ao final de 2013.
  2. A Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014), veio alterar a referida verba 28.1, a qual passou a ter a seguinte redação:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1. Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%.”.

  1. Esta nova redação entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2014, sendo a redação em vigor à data da emissão das liquidações de IS em crise.
  2. O CIS não define os conceitos de prédio ou de prédio habitacional, remetendo para as definições do CIMI, nos termos do no n.º 2 do artigo 67° do CIS: “(…) às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI”.
  3. Por outro lado, em termos de liquidação de IS ao abrigo desta verba 28.1, o nº 7 do artigo 23º do CIS estabelece que: “Tratando -se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.
  4. Assim, haverá que recorrer ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), para efeitos de interpretação da verba 28.1 da TGIS.
  5.  As disposições mais relevantes do CIMI são as que se elencam em seguida.
  6. O artigo 2.º do CIMI define prédio como sendo “1 – (…) toda a fração de território, abrangendo (…)edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como (…) edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados(…) 4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”
  7. Por seu turno, o artigo 4.º do CIMI dispõe que são prédios urbanos “(…) todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos (…)”.
  8. No que respeita aos prédios urbanos, o n.º 1 do artigo 6.º do CIMI estabelece que “(…) os prédios urbanos dividem-se em: a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros.”.
  9. Ainda a propósito desta classificação de prédios, o n.º 2 do mesmo artigo 6.º esclarece que “Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.”.
  10. Com utilidade para a decisão do pleito, refiram-se ainda as seguintes disposições relativas à inscrição matricial dos prédios e à liquidação de cobrança do IMI.
  11. Assim, o n.º 3 do artigo 12.º do CIMI, que estabelece que “Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário.”
  12. O n.º 2 do artigo 80.º do CIMI estipula que “(…) a cada prédio corresponde um único artigo na matriz”, com as exceções previstas nos artigos 84.º (prédios mistos) e 92.º (prédio em regime de propriedade horizontal) do mesmo código, em que se prevê que um mesmo prédio possa ter mais do que uma inscrição matricial (prédios mistos) ou que um edifício tenha uma só inscrição na matriz, sendo cada uma das frações autónomas descritas e individualizadas pela letra maiúscula que lhe corresponder (prédio em regime de propriedade horizontal).
  13. O n.º 1 do artigo 119.º do CIMI, relativo ao documento de cobrança, que esclarece que “Os serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, suas partes suscetíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário e da coleta imputada a cada município da localização dos prédios.”
  14. Face ao supra exposto, cumpre decidir sobre qual a interpretação que deverá ser dada à verba 28.1 da TGIS, se a dos Requerentes que defendem a sua não aplicação ao prédio em apreço, dado que o mesmo apesar de constituído em propriedade total, é composto por apartamentos autónomos dos restantes apartamentos e andares, destinados maioritariamente a comércio, para além de habitação, ou se, pelo contrário, se deverá seguir a interpretação seguida pela Requerida que sustenta que, no caso de prédios em propriedade total, para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade, dado que as referidas divisões suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédios nos termos do CIMI, facto que somente releva para os prédios em propriedade horizontal.
  15. Para o efeito, recorde-se a norma de incidência ínsita na verba 28.1 da TGIS, a qual faz recair IS sobre:
  1. Propriedade, usufruto ou direito de superfície;
  2. De prédio habitacional;
  3. Com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00.
  1. Sobre o conceito de prédio habitacional relevante para efeitos da verba 28.1 da TGIS, conforme referido supra, com a entrada em vigor da nova redação dada pela Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro, ficou claro que o conceito de prédio habitacional é o que resulta do artigo 6.º do CIMI.
  2. O Acórdão do STA n.º 01870/13, 9 de Abril de 2014 sintetiza desta forma as dúvidas resultantes da primitiva redação da verba 28.1 e a clarificação prestada pela atual redação: “O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. (…). E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.”.
  3. Assim, para efeitos de incidência da verba 28.1 do CIS, deverá existir um prédio habitacional, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, ou seja, um prédio licenciado para habitação ou, na falta de licença, um prédio cujo destino normal seja a habitação.
  4. Nos termos do CIMI, a classificação de um prédio em habitacional ou comercial não resulta da verificação do elemento formal (a existência de uma licença camarária de utilização), mas também poderá resultar da verificação de outros elementos que indiciem uma utilização do prédio para outro destino.
  5. No caso em apreço, estamos perante um prédio em regime de propriedade total, ainda que com divisões ou andares suscetíveis de utilização independente, que se destinam a habitação, a comércio e a serviços, conforme resulta tanto da certidão matricial (refere a afetação a habitação e comércio), como dos contratos de arrendamento juntos aos autos.
  6. Perante o supra exposto, haverá que concluir se se deve atender ao aspeto meramente formal e entender como a Requerida que, para efeitos da norma de incidência somente se terá que atender à existência na matriz predial de um prédio, cujo destino é a habitação, e cujo valor patrimonial total é superior a €1.000.000, nada mais relevando para a análise, dado que, como acrescenta a Requerida, as divisões suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédios, mas tão somente as frações autónomas no caso de prédios em regime de propriedade horizontal.
  7. A este respeito, veja-se por todos a decisão arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 724/2014-T, citada pelo Acórdão do STA 047/2015 de 9 de Setembro de 2015, que acompanhamos: “Consultado o CIMI verifica-se que o seu artigo 6º apenas indica as diferentes espécies de prédios urbanos, entre os quais menciona os habitacionais (…) Daqui podemos concluir que, na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio. Concluímos ainda que para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efectuada entre uns e outros. O que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.”[1][2]
  8. Não colhe assim a argumentação da Requerida de que, para efeitos da verba 28.1 da TGIS, contrariamente às regras do CIMI, aplicáveis ao IS e mais concretamente a esta verba por remissão do artigo 67.º do CIMI, relevaria o prédio na sua totalidade, independentemente da existência de divisões ou partes suscetíveis de utilização independente, dada a existência de um prédio em propriedade total e não um prédio em propriedade horizontal.
  9. Conforme referido supra, esta distinção não releva para efeitos de IMI e não deverá relevar para efeitos de IS, sob pena de violação do princípio da legalidade tributária estabelecido constitucionalmente.
  10. Com efeito, nos termos do n.º 3 do artigo 12.º do CIMI, cada andar ou parte suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, que discrimina o respetivo valor patrimonial tributário, e, nos termos do no n.º 1 do artigo 119.º do CIMI, o documento de cobrança é enviado com discriminação dos prédios, suas partes suscetíveis de utilização independente e respetivo valor patrimonial tributário.
  11. Assim sendo, não pode a Requerida dar relevância às divisões ou partes suscetíveis de utilização independente no caso de um prédio em propriedade total para efeitos de emissão da nota de cobrança do IS, mas considerar que se trata de um único prédio para verificação dos restantes requisitos da norma de incidência, nomeadamente o VPT relevante.
  12. Voltando à decisão supra citada para concluir: “(…)Ora, o artigo 12.º, n.º 3 do Código do IMI estabelece que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”. (…) Refira-se que a própria ATA parece concordar com o critério exposto, razão pela qual as liquidações que a própria emite são muito claras nos seus elementos essenciais, donde resulta o valor de incidência ser o correspondente ao VPT de cada um dos andares e as liquidações individualizadas. Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto. Assim, só haveria lugar a incidência de IS (no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS) se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00. Não podendo a ATA considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de IMI (e, tal como anteriormente mencionado, este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à Verba n.º 28 da TGIS). Em conclusão, o regime jurídico actual não impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal, pelo que a actuação da ATA traduz-se numa discriminação arbitrária e ilegal. De facto, não pode a ATA distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.”.
  13. Assim, no caso dos autos, o prédio em apreço encontrava-se, à data relevante dos factos, constituído em propriedade total, mas tinha partes, andares ou divisões com utilização independente, destinados a comércio e a habitação.
  14. Nenhuma dessas partes, andar ou divisão com utilização independente e afeto a habitação possuía um valor patrimonial igual ou superior a €1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos.
  15. Pelo que não se poderá verificar a norma de incidência prevista na verba 28.1 da TGIS.
  16. Acompanhamos, assim, a decisão arbitral tomada no processo n° 573/2014 –T relativamente às liquidações de IS de 2013 relativas ao prédio sub judice:

“(…) A sujeição do prédio em apreço à Verba 28.1 da TGIS equivaleria a que se tributassem afectações diversas relativamente àquelas que expressamente o legislador pretendeu tributar e que são os prédios urbanos com afectação de habitação e os terrenos para construção, ambos desde que com um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00.

E esse resultado - tributação de prédios com afectação diferente das constantes da Verba 28.1. da TGIS - é justamente o que o legislador pretendeu manter fora do âmbito de incidência da norma, mas aquele que se obtém através das liquidações ora arbitralmente sindicadas, na justa medida em que ao levar em consideração a totalidade do artigo predial urbano em presença e o seu VPT, se está inexorável e indistintamente a tributar afectações distintas da prevista na versada norma, com a agravante dessas mesmas áreas não habitacionais concorrerem na medida da sua proporção quantitativa (a qual em concreto se desconhece) para o VPT do prédio, sendo inclusivamente questionável se as áreas com afectação habitacional conseguiriam ou não, de per se, perfazer um VPT igual ou superior à bitola mínima legal fixada pelo legislador na Verba 28.1. da TGIS para efeitos de sujeição - €1.000.000,00.

Está-se assim perante um prédio com duas distintas afectações, tal como decorre da informação constante da matriz (conforme se colhe da caderneta predial), em que o sujeito activo da relação jurídico-tributária não efectua a determinação de que parte tem afectação habitacional ou de comércio.

Se a esta factualidade acrescermos os factos dados como provados que vão no inequívoco sentido de que, efectivamente, a maioria dos andares ou divisões, além de substantivamente susceptíveis de utilização independente (através de entradas autónomas), se encontram afectas a comércio e serviços, facto este que, de resto, a Requerida não contestou, não se afigura sustentável que a AT pretenda sobre uma realidade que ela própria reconhece ter duas afectações diferentes, como que ficcionar que tal afectação de comércio não existe e com base nesse logro, tributar um prédio urbano relativamente à área com afectação de comércio e serviços.

O que, como já supra expendemos, é exactamente um resultado contrário àquele que o legislador pretendeu ao redigir a norma legal em apreço.

Destarte, tal solução não encontra qualquer acolhimento na norma legal de incidência em análise, pelo que não se pode deixar de concluir, face à existência de duas diferentes afectações, indeterminação quanto à parte ou partes a que correspondem essas mesmas afectações para efeitos de quantificação da eventual base tributável sujeita à TGIS e tributação indiscriminada sobre as três afectações existentes, que se encontra violada in casu a norma de incidência tributário em apreciação - Verba 28.1. da TGIS do Código do Imposto de Selo.”

  1. Nessa medida, não se verificando os requisitos da norma de incidência constante na Verba 28.1 da TGIS, as liquidações controvertidas padecem de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito quanto ao disposto na verba 28.1 da TGIS, o que implica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação.
  1. Da inconstitucionalidade da interpretação dada pela AT à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo
  2. Considerando o entendimento supra exposto, de inaplicabilidade da verba 28.1 da TGIS ao caso sub judice, fica prejudicada por processualmente inútil a apreciação dos restantes vícios aduzidos e de que possam enfermar as contestadas liquidações.
  3. Fica assim prejudicado o conhecimento da questão da inconstitucionalidade, por violação pela verba 28.1 da TGIS, introduzida pela Lei n° 55-A/2012, de 28 de Outubro, do n.º 3 do artigo 104.º da CRP.
  1. Dos juros indemnizatórios
  2. No que concerne ao pedido formulado pelas Requerentes de juros indemnizatórios, atente-se no disposto no artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”):

“1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.2 –“Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas. ”

  1. No caso em apreço, sendo as liquidações de Imposto do Selo ilegais, para além do reembolso dos montantes pagos indevidamente pelas Requerentes, serão devidos juros indemnizatórios aos Requerentes.
  2. Acrescenta o artigo 61.º n.º 5 do Código do Procedimento e do Processo Tributário (“CPPT”), que os referidos “)…) juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos.”.
  3. Assim sendo, para além do reembolso do montante total das liquidações de Imposto do Selo, a AT é condenada a liquidar juros indemnizatórios, contados desde o dia seguinte ao do pagamento indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito.

 

  1. DECISÃO

Em face do supra exposto, decide este tribunal arbitral:

  1. Julgar procedente, por provado, o pedido de declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto de Selo, referentes ao ano de 2014, nos quais foi apurado um montante global de imposto a pagar de €13.577,07, por vício de violação de lei quanto à norma constante na verba 28.1. da TGIS, por erro sobre os pressupostos de direito e consequente reembolso pela Requerida aos Requerentes do imposto pago por estes relativamente aos atos tributários objeto destes autos;
  2. Julgar procedente, por provado, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios pela Requerida aos Requerentes desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da nota de crédito, em conformidade com o estatuído no artigo 43° da LGT e no artigo 61° do Código do Procedimento e do Processo Tributário;
  3. Não conhecer do pedido subsidiário de condenação da AT à abstenção da prática de atos futuros de liquidação de Imposto do Selo sobre o prédio em apreço, por motivo de incompetência do tribunal arbitral singular.

Valor da causa: € 13.577,07. (treze mil, quinhentos e setenta e sete euros e sete cêntimo), nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.°-A do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPTA).

Custas nos termos da Tabela I, do RCPTA, calculadas em função do valor do pedido, a cargo da Requerida, nos termos do n.º 2 dos artigos 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

Notifique-se esta decisão arbitral às partes e arquive-se o processo.

Lisboa, 30 de Setembro de 2016

 

O Árbitro Singular,

 

(Vera Figueiredo)

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131º, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, redigido segundo a grafia do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, ambos de 23 de Agosto.

 

 



[1] Acórdão do STA 047/2015, de 9 de Setembro de 2015, publicado em www.dgsi.pt.

[2] Decisão do CAAD no processo n.º 724/2014, de 29 de Abril de 2015, publicada em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/