Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 108/2017-T
Data da decisão: 2017-12-19  Selo  
Valor do pedido: € 10.401,30
Tema: Imposto do Selo – Verba 28.1 TGIS.
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Decisão Arbitral

 

I. Relatório

 

 

1.      A…, contribuinte fiscal n.º…, com residência em …, …, …, Lisboa (doravante também designada por “Requerente”), vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro, diploma que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante apenas “RJAT”), apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral, no qual é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante apenas "Requerida" ou “AT”).

 

2.      O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no dia 10/02/2017;

 

3.      No respetivo pedido, a Requerente solicitou ao Conselho Deontológico do CAAD a designação de Árbitro, nos termos previstos nos artigos 6.º, n.º 1 e 11.º, ambos do RJAT.

 

4.      O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 17/02/2017, tendo as Partes sido notificadas, em 03/04/2017, do árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, o aqui signatário.

 

5.      Após aceitação por parte do árbitro designado, o presente Tribunal Arbitral considerou-se constituído no dia 19/04/2017, em conformidade com o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, todos do RJAT (com a redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro).

 

6.      No âmbito do pedido de pronúncia arbitral por si apresentado, os Requerentes peticionaram a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo (adiante apenas “IS”) aí identificados, a saber os seguintes:

a)      Liquidação de IS n.º 2016…, relativo ao ano de 2015, no montante de € 1.099,10, emitido por referência à fração 1º D do prédio urbano correspondente ao artigo…, da freguesia da …, concelho de Lisboa;

b)      Liquidação de IS n.º 2016 …, relativo ao ano de 2015, no montante de € 1.109,60, emitido por referência à fração … do prédio urbano correspondente ao artigo…, da freguesia da …, concelho de Lisboa;

c)      Liquidação de IS n.º 2016…, relativo ao ano de 2015, no montante de € 1.120,20, emitido por referência à fração 3º E do prédio urbano correspondente ao artigo…, da freguesia da…, concelho de Lisboa;

d)      Liquidação de IS n.º 2016…, relativo ao ano de 2015, no montante de € 1.130,80, emitido por referência à fração 4º E do prédio urbano correspondente ao artigo…, da freguesia da …, concelho de Lisboa;

e)      Liquidação de IS n.º 2016… relativo ao ano de 2015, no montante de € 1.120,20, emitido por referência à fração 3º D do prédio urbano correspondente ao artigo…, da freguesia da…, concelho de Lisboa;

f)       Liquidação de IS n.º 2016…, relativo ao ano de 2015, no montante de € 1.130,80, emitido por referência à fração 4º D do prédio urbano correspondente ao artigo…, da freguesia da…, concelho de Lisboa;

g)      Liquidação de IS n.º 2016…, relativo ao ano de 2015, no montante de € 1.141,30, emitido por referência à fração 5º D do prédio urbano correspondente ao artigo…, da freguesia da …, concelho de Lisboa;

h)      Liquidação de IS n.º 2016…, relativo ao ano de 2015, no montante de € 1.141,30, emitido por referência à fração 5º E do prédio urbano correspondente ao artigo…, da freguesia da …, concelho de Lisboa;

i)       Liquidação de IS n.º 2016…, relativo ao ano de 2015, no montante de € 704,30, emitido por referência à fração 6º D do prédio urbano correspondente ao artigo…, da freguesia da …, concelho de Lisboa;

j)       Liquidação de IS n.º 2016…, relativo ao ano de 2015, no montante de € 704,30, emitido por referência à fração 6º E do prédio urbano correspondente ao artigo…, da freguesia da …, concelho de Lisboa;

 

7.      A Requerente juntou 32 documentos com o pedido arbitral.

 

8.      Analisados os argumentos invocados pela Requerente no pedido arbitral e nas alegações escritas por si apresentadas, podemos sumariá-los da seguinte forma:

 

i)                   Os atos de liquidação em causa estão redigido “em termos bastante obscuros”, sendo impossível para um cidadão normal “saber a partir da leitura das mesmas qual o exacto facto tributário a que mesmas dizem respeito e quais as normas que enquadram o mesmo”:

ii)                 Após deslocação ao Serviço de Finanças de Lisboa –…, foi a Requerente informada de que os atos de liquidação diziam respeito ao IS devido pelo facto de ser titular do direito de propriedade plena sobre o prédio urbano, em propriedade total, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da …, concelho de Lisboa, sob o número de …, nos termos da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral do IS;

iii)               A AT decidiu de forma ilícita, somando o Valor Patrimonial Tributário (VPT) de todas as frações suscetíveis de utilização independente e, no caso da Liquidação de IS n.º 2016…, acresce que se trata de uma fração suscetível de utilização independente destinada a serviços;

iv)               A AT aplicou a Verba n.º 28.1 da Tabela do IS ao VPT de cada uma das frações em causa, apesar de nenhuma ter individualmente um valor superior a € 1.000.000,00;

v)                  O entendimento da AT é ilegal, pois a única interpretação legal e constitucionalmente possível, quanto ao conceito de prédio urbano para efeitos da aplicação daquela Verba, é a que faz corresponder esse conceito a fração suscetível de utilização independente, sob pena de tratamentos diferentes para situações iguais, o que a AT parece reconhecer, ao enviar uma liquidação individualizada para cada fração;

vi)               A AT só podia aplicar aquela Verba a qualquer uma das frações suscetíveis de utilização independente que compõem o imóvel, se tais frações tivessem, cada uma por sim, um VPT superior a € 1.000.000,00, o que não acontece;

vii)             A interpretação da Requerida tem sido adotada pelo Supremo Tribunal Administrativo, tal como se constata pelo acórdão de 09/09/2015, proferido no processo n.º 047/15 ou pelo acórdão de 02/03/2016, proferido no processo n.º 01354/15;

viii)           A AT nunca poderia ter liquidado IS, pois nem todas as frações suscetíveis de utilização independente têm como finalidade única a habitação;

ix)               Com efeito, a fração designada por 1.º D está hoje em dia, e já estava no ano de 2015, afeta a serviços, à qual a AT atribui um VPT de € 109.910,00;

x)                  Assim, mesmo que fosse reconhecida razão ao entendimento da AT, não poderia ser computado para o apuramento do VPT do imóvel o valor da referida fração e, por esse motivo, este valor, para efeitos da aplicação da Verba n.º 28.1 da Tabela do IS seria de apenas € 930.220,00 e não de € 1.040.130,00;

xi)               Para além disso, a AT utiliza os VPT’s de 2016, quando deveria ser o valor existente em 2015, que seria de € 893.920,00, mesmo que se incluísse a fração designada por 1.º D;

xii)             De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 113.º do Código do IMI, aplicável ex vi do artigo 67.º do Código do IS, o valor a utilizar, para efeitos da aplicação da verba em causa seria o respeitante ao ano de 2015 e não de 2016, pois os factos tributários em crise ocorreram em 2015;

 

9.      No seu pedido, a Requerida peticionou a anulação dos atos de liquidação de IS, bem como, a restituição das quantias indevidamente pagas, acrescidas dos juros indemnizatórios legalmente devidos.

 

10.  Notificada para o efeito, a AT, ora Requerida, apresentou a sua resposta, na qual se defendeu por impugnação, invocando, em suma, o seguinte:

 

i)                   A sujeição ao imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral anexa ao Código do IS resulta da conjugação de dois factos: a afetação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00;

ii)                 O conceito de prédio encontra-se definido no artigo 2.º, n.º 1 do Código do IMI, prevendo o seu n.º 4 que no regime de propriedade horizontal cada fração autónoma é havida como constituindo um prédio;

iii)               O imóvel em causa encontra-se descrito na matriz no regime de propriedade total;

iv)               Decorre da análise do artigo 6.° do Código do IMI que um «prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente» é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por frações autónomas, ou seja, vários prédios;

v)                  O artigo 12º do Código do IMI prevê o conceito de matriz predial e, quanto à liquidação de IMI, tratando-se de prédios em propriedade total, o VPT que serve de base ao seu cálculo, será indiscutivelmente o VPT que a ora Requerente define como «valor global do prédio»;

vi)               À data, a Requerente detinha a propriedade plena do prédio urbano em análise, avaliado nos termos do Código do IMI, no âmbito da avaliação geral aos prédios urbanos, descrito como «prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente», com VPT superior a € 1.000.000,00;

vii)             Com referência ao ano de 2015 e em cumprimento do disposto no artigo 6.º, n.º 2 da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, que aditou a verba n.º 28 à Tabela Geral do IS (com a alteração efetuada pela Lei nº 83-C/2013 de 31/12 e cuja respetiva norma de incidência refere prédios urbanos avaliados nos termos do CIMI com VP igual ou superior a € 1.000.000,00) e nos termos do seu n.º 28.1, afectação habitacional, procedeu a AT à notificação dos documentos de cobrança para o pagamento das liquidações em causa;

viii)           O que está aqui em causa são notas de cobrança que resultam da aplicação direta da norma legal, que se traduz em elementos objetivos, sem qualquer apreciação subjetiva ou discricionária;

ix)               Apesar da liquidação do IS, nas situações previstas na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do IS, se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspetos que careçam das devidas adaptações - como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente;

x)                  O que expressamente resulta da letra da lei é que o legislador quis tributar com a verba 28.1 em discussão os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária;

xi)               Com base nesta informação matricial, foi efectuada pela Administração Tributária de acordo com o artigo 23º, n.º 7 do Código do IS, a liquidação de IS em causa, tendo em conta a natureza do prédio urbano, nomeadamente as suas divisões afetas à habitação, à data do facto tributário, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no Código do IMI;

xii)             De acordo com estas regras, concretamente o artigo 113º, n.º 1, a liquidação efetua-se com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de dezembro do ano a que as mesmas respeitam;

xiii)           Relativamente aos prédios em regime de propriedade total, que não possuem frações autónomas, às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio (n.º 4 do artigo 2.º do Código do IMI), o VPT é o do prédio no seu conjunto;

xiv)           A verba 28.1 incide pois sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00;

xv)              A tributação em sede de IS obedece ao critério de adequação, na exata medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade de imóveis de elevado valor, surgindo num contexto de crise económica;

xvi)           Esta medida é aplicável de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afetação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00, sendo que este entendimento foi objeto de informação vinculativa por parte da AT, com despacho de concordância de 11.2.2013 do Substituto Legal do Diretor-Geral da AT;

xvii)         O Tribunal Arbitral, no processo n.º 668/2015-T decidiu julgar improcedente um pedido de pronúncia arbitral idêntico, mantendo na ordem jurídica as liquidações de IS pela aplicação da Verba 28.1;

xviii)       Deve o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de direito ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações de IS em crise, por configurarem uma correta aplicação da lei aos factos, sendo a Verba 28 uma norma conforme a Constituição da República Portuguesa;

xix)           O legislador definiu um pressuposto económico, constitucionalmente válido, como manifestação da capacidade contributiva (cujos destinatários têm efetivamente uma especial capacidade contributiva em face do critério adotado) exigida para o pagamento deste imposto;

xx)              A diminuição de desigualdades que presidiu à apresentação da Proposta de Lei n.° 96/XII, visou distribuir os sacrifícios impostos pela austeridade por todos, permitindo a discriminação de patrimónios, sem que tal ofenda disposições constitucionais, nomeadamente o principio da igualdade, quer de per si, quer na sua vertente da capacidade contributiva, pois que daqui não resultam diferenças injustificadas de tratamento entre contribuintes, uma vez que são tratadas de forma diferente situações diferentes;

xxi)           Tal verba é uma norma de caráter geral e abstrato, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se preencham os respetivos pressupostos de facto e de direito;

xxii)         Em última análise, toda e qualquer norma de incidência tributária seria inconstitucional por violação do principio da igualdade, em virtude de tributar, ou deixar de tributar, aquela realidade tributária cujo valor dista em +/- € 0,01, do valor legal, geral e abstratamente definido;

xxiii)       O facto de o legislador estabelecer um valor (€ 1.000.000,00), como critério delimitativo da incidência do imposto, abaixo do qual não se preenche a previsão da norma tributária, constitui uma legítima escolha quanto à fixação do âmbito material dos “imóveis habitacionais de luxo” que se pretende tributar de modo mais gravoso;

xxiv)       Com efeito, a diferente valoração e tributação de um imóvel com afetação habitacional face a um imóvel destinado a comércio, indústria ou serviços, ou até a um prédio rústico, resulta da diferente aptidão dos imóveis em causa, a qual sustenta o diferente tratamento dado pelo legislador que, por razões económicas e sociais, decidiu, no âmbito da sua liberdade conformadora, afastar da incidência do imposto os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais;

xxv)          Advém, das declarações do Exmo. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e do Relatório que acompanhou a Proposta de Orçamento de Estado para o ano de 2013, a intenção, inequívoca, do legislador integrar no esforço coletivo de combate ao défice orçamental e de cumprimento do programa de ajustamento, os setores da sociedade portuguesa que revelassem riqueza através da titularidade de imóveis cujo VPT fosse igual ou superior a € 1.000.000, abrangendo assim equitativamente um conjunto alargado de setores da sociedade portuguesa;

xxvi)       Julgamos legitimada a opção por este mecanismo de obtenção da receita, porquanto tal medida é aplicável de forma indistinta a todos e quaisquer titulares de imóveis com afetação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00 incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis;

xxvii)     Suscitada a questão da inconstitucionalidade da verba 28 da Tabela Geral do IS, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro e do seu n.º 1 (verba 28.1), em concreto a violação dos princípios da igualdade tributária, capacidade contributiva e da proporcionalidade, entendeu o Tribunal Constitucional que: “não se verificando a violação dos parâmetros de constitucionalidade invocados pela recorrente, nem de quaisquer outros, improcede, por conseguinte, o recurso”;

xxviii)   Por todo o exposto, as liquidações ora em crise consubstanciam uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de qualquer ilegalidade por erro sobre os pressupostos de direito, nem de qualquer inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade;

xxix)       Devendo o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, dada a legalidade dos atos de liquidação emitidos, absolvendo-se a entidade Requerida do pedido.

 

11.  Tendo sido notificados, através de despacho arbitral proferido em 06/06/2017, para se pronunciarem sobre as exceções invocadas pela AT na sua resposta, os Requerentes nada disseram;

 

12.  Através de despacho arbitral de 10/10/2017, o Tribunal determinou a prorrogação do prazo para prolação da decisão arbitra, por um período de 2 (dois) meses, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT.

 

13.  No despacho acima referido, foi ainda dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, por não ter sido requerida a produção de prova adicional ou invocadas exceções, tendo as Partes sido notificadas para, querendo, apresentar alegações escritas.

 

14.  Após a prolação daquele despacho, ambas as Partes viriam a apresentar alegações, produzidas de forma sucessiva, no âmbito das quais reproduziram, no essencial, a argumentação anteriormente expendida.

 

II. Saneamento

 

O tribunal é competente e está regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, estando devidamente representadas.

O meio processual é o próprio.

Não foram invocadas pela Requerida exceções ou questões prévias suscetíveis de obstar à apreciação do mérito da causa.

 

 

III. Matéria de facto considerada assente

 

Em face dos elementos probatórios trazidos aos autos e da factualidade aceite por ambas as Partes e não contestada, considera o Tribunal como provados, com relevância para a decisão final, os seguintes factos:

 

A)    Foram emitidas pela AT, em nome da ora Requerente e com data de 18/11/2016, as seguintes Liquidações de IS (cf. Docs. n.ºs 1 a 10 do pedido arbitral):

 

i)                   Liquidação n.º 2016…, no montante de € 1.099,10, referente à fração 1º D do prédio urbano correspondente ao artigo…, da freguesia da…, concelho de Lisboa, considerando um VPT de € 109.910,00;

ii)                 Liquidação n.º 2016…, no montante de € 1.109,60, referente à fração 2º D do prédio urbano correspondente ao artigo…, da freguesia da …, concelho de Lisboa, considerando um VPT de € 110.960,00;

iii)               Liquidação n.º 2016…, no montante de € 1.120,20, referente à fração 3º E do prédio urbano correspondente ao artigo…, da freguesia da …, concelho de Lisboa, considerando um VPT de € 112.020,00;

iv)               Liquidação n.º 2016…, no montante de € 1.130,80, referente à fração 4º E do prédio urbano correspondente ao artigo…, da freguesia da …, concelho de Lisboa, considerando um VPT de € 113.080,00;

v)                  Liquidação n.º 2016…, no montante de € 1.120,20, referente à fração 3º D do prédio urbano correspondente ao artigo…, da freguesia da …, concelho de Lisboa, considerando um VPT de € 112.020,00;

vi)               Liquidação n.º 2016…, no montante de € 1.130,80, referente à fração 4º D do prédio urbano correspondente ao artigo…, da freguesia da …, concelho de Lisboa, considerando um VPT de € 113.080,00;

vii)             Liquidação n.º 2016…, no montante de € 1.141,30, referente à fração 5º D do prédio urbano correspondente ao artigo …, da freguesia da …, concelho de Lisboa, considerando um VPT de € 114.130,00;

viii)           Liquidação n.º 2016…, no montante de € 1.141,30, referente à fração 5º E do prédio urbano correspondente ao artigo…, da freguesia da …, concelho de Lisboa, considerando um VPT de € 114.130,00;

ix)               Liquidação n.º 2016…, no montante de € 704,30, referente à fração 6º D do prédio urbano correspondente ao artigo…, da freguesia da …, concelho de Lisboa, considerando um VPT de € 70.400,00;

x)                  Liquidação n.º 2016…, no montante de € 704,30, referente à fração 6º E do prédio urbano correspondente ao artigo…, da freguesia da …, concelho de Lisboa, considerando um VPT de € 70.400,00;

 

B)    Os atos de liquidação identificados no ponto anterior foram emitidos nos termos da Verba 28.1 da Tabela Geral do IS, fazendo menção ao facto de a Requerente ser detentora do direito de propriedade sobre cada uma das frações em causa e de o VPT total do prédio em causa ser superior a € 1.000.000,00 – in casu, o valor indicado é de € 1.040.130,00 (cf. Docs. n.ºs 1 a 10 do pedido arbitral);

C)    Para além disso, tais atos de liquidação referem 2015 como “Ano de Imposto” (cf. Docs. n.ºs 1 a 10 do pedido arbitral);

D)    Conforme resulta da Caderneta Predial Urbana, junta ao pedido arbitral como Doc. n.º 11 e com data de emissão de 12/11/2015, o prédio em causa encontra-se constituído em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, sendo composto por “armazéns, lojas, rés do chão e 6 andares” (cf. Doc. n.º 11 do pedido arbitral);

E)     Da análise da Caderneta Predial Urbana em causa resulta evidenciado que, por referência a 12/11/2015: i) o VPT total das frações do prédio em causa afetas a habitação era de € 909.820,00; ii) o VPT total das frações afetas a Serviços era de € 165.249,00; iii) o VPT total das frações afetas a Arrecadações e Arrumos era de € 196.780,00 e iv) o total do VPT afeto a Comércio era de € 24.820,00, conforme melhor discriminado no quadro seguinte:

 

 

 

F)     Em 28/12/2016, a Requerente procedeu ao pagamento voluntário dos atos de liquidação de IS objeto do presente pedido arbitral, no montante total de € 10.401,30 (cf. Docs. n.ºs 12 a 21 do pedido arbitral);

G)    Através de despachos datados de 06/04/2016, as frações acima identificadas foram objeto de avaliação, nos termos do disposto no artigo 38.º e seguintes do Código do IMI (cf. Docs. n.ºs 22 a 31 do pedido arbitral).

 

Não se identificaram outros factos com relevância para a decisão final.

V.    Motivação da Decisão

Em primeiro lugar, os Tribunais, aqui se incluindo os Tribunais Arbitrais, não têm que apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, tal como se constata a título exemplificativo do Acórdão do Pleno da 2ª Secção do STA, de 07/06/1995, proferido no recurso nº 5239.

Como lapidarmente se refere naquele aresto «Não sendo de confundir o conceito de "questões" com o de "argumentos" ou "razões", o tribunal, devendo embora "resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação", não está vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes, tal como, e obviamente, não está impedido de, na decisão, usar considerandos por elas não produzidos».

Efetivamente, as questões invocadas pelas partes não se confundem com os argumentos, as razões ou as motivações produzidas. Questões, nomeadamente para efeito do disposto no n.º 2 do art. 608.º do Código de Processo Civil, são apenas as de fundo e que integram a matéria decisória, isto é, as que se relacionem com o pedido, a causa de pedir e as exceções (vide neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/11/2005, proferido no recurso n.º 05S2137 ou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 25/09/2012, proferido no recurso n.º 05073/11).

E não só o Tribunal não se encontra adstrito a pronunciar-se sobre todos os argumentos apresentados pelas Partes, sejam de facto ou de direito, como também não está, nem poderia estar em face do princípio do inquisitório, subjugado a esses mesmos argumentos ou questões. O Tribunal goza igualmente de liberdade quanto ao percurso e ao iter cognoscitivo a utilizar para a prolação da decisão de mérito.

Assim, tendo em consideração o que acima expôs, o que as Partes trouxeram aos autos e o núcleo da argumentação utilizada, quer em sede do pedido arbitral e da correspetiva resposta apresentada pela Requerida, quer no que tange às alegações finais escritas, considera o Tribunal que a questão de direito a decidir prende-se unicamente com a eventual ilegalidade dos atos de liquidação de IS de 2015 que constituem objeto do presente pedido arbitral, em face e à luz, nomeadamente, da norma constante da Verba 28.1 da Tabela Geral do IS.

 

 

VI. Do Direito

 

Sintetizando a posição da Requerida, podemos dizer que o seu entendimento assenta na ilegalidade dos atos de liquidação de IS em crise, por violação das Verbas 28 e 28.1 da Tabela Geral do IS, em vigor à data dos factos tributários (2015), ao considerar que o apuramento do VPT, para efeitos de sujeição a imposto, terá que ser feito individualmente (isto é, relativamente a cada fração e não ao prédio) e, subsidiariamente, que o VPT do prédio em causa, no que tange às frações afetas exclusivamente a habitação, sempre seria inferior a € 1.000.000.

 

Vejamos então.

 

As Verbas 28 e 28.1 da Tabela Geral do IS foram introduzidas na ordem jurídico-tributária pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, tendo o legislador então decidido sujeitar a tributação, à taxa de 1%, a propriedade, o usufruto ou o direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT matricial, determinado nos termos do Código do IMI, fosse igual ou superior a € 1.000.000.

 

No campo de incidência objetiva desta norma, e no que releva para o presente caso, apenas foram contemplados os prédios com afetação habitacional - mais tarde, a norma alterou essa designação para prédios habitacionais.

 

De acordo com a Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 37/XII/2ª - que constituiu a base de trabalho para a aprovação desta Verba -, tratou-se de uma taxa aprovada no seio de uma conjuntura económica e financeira consabidamente muito negativa, quer a nível nacional, quer internacional, tendo-lhe estado subjacente a preocupação de “reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento”. Tal como o Governo então referiu, tratou-se de um conjunto de medidas que visaram essencialmente o combate ao défice orçamental, bem como, garantir que a repartição dos aludidos sacrifícios incidisse sobre todos os contribuintes e não apenas pelos que vivem do rendimento do seu trabalho.

 

Especificamente em matéria de IS, ficou clara, segundo aquela Proposta, a criação de uma taxa “incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros”.

 

Inicialmente e como se aludiu, a redação da Verba 28.1 fazia referência a “prédio com afetação habitacional”, menção que viria a ser alterada, por força da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014) para “prédio habitacional”.

 

Esta alteração visou tentar resolver algumas questões de legalidade e inconstitucionalidade que haviam sido suscitadas aquando da implementação da Verba, por efeitos nomeadamente, das decisões – não coincidentes – proferidas pelo Supremo Tribunal Administrativo e pelo Tribunal Constitucional.

 

De facto, a constitucionalidade da redação originária da Verba 28.1 foi colocada em questão, por alegada violação do princípio da igualdade, tendo o Tribunal Constitucional, no entanto e através do acórdão n.º 590/2015, de 11 de novembro de 2015, entendido que a mesma não se verificava.

 

Por seu lado, o Supremo Tribunal Administrativo foi chamado a pronunciar-se acerca do conceito de “prédio urbano com afetação habitacional” e, no que ora releva, sobre a tributação de frações economicamente independentes e com VPT inferior a € 1.000.000. Foi o que fez por exemplo no acórdão de 09/09/2015, proferido no processo n.º 047/15, tendo então considerado que o entendimento da AT nesta matéria era suscetível de violar os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, bem como, da primazia da verdade material sobre a forma.

 

Para o Supremo Tribunal Administrativo, o artigo 12.º, n.º 3, do Código do IMI – aplicável em matéria de apuramento do VPT de imóveis – prevê que “Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário”. Logo, se este critério impõe a emissão de liquidações individuais, relativamente às partes autónomas dos prédios em propriedade vertical ou horizontal, não fazendo distinção, terá que haver um critério único para a definição do campo de incidência e de aplicação desta Verba 28.1.

 

A suscitação destas questões originou uma alteração da redação da norma referente à Verba 28.1, como acima se referiu, na tentativa de dissipar todas as dúvidas quanto à sua aplicação (vide Lei do Orçamento do Estado para 2014 - Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro). No entanto, esta alteração não logrou resolver em definitivo a questão, nem diminuiu os índices de litigiosidade nesta matéria, identificando-se jurisprudência judicial e arbitral abundante acerca do âmbito de aplicação da Verba em causa.

 

Feito este enquadramento prévio, importa agora decidir sobre o caso trazido aos autos pela Requerente e que passa, precisamente, por determinar se os atos de liquidação de IS sindicados são ilegais, por violação da Verba 28.1 e, em concreto, por proferir decisão sobre as seguintes questões:

 

i)                   Se o apuramento do VPT, para efeitos da tributação em sede da Verba 28.1 da Tabela Geral do IS, deverá ter em consideração ao VPT total do prédio -apurando mediante a soma dos VPT’s individuais das diversas frações de utilização independente que o compõem - ou se, pelo contrário, esse apuramento é feito de forma individual, caso em que só haverá tributação se o VPT da respetiva fração for superior a € 1.000.000;

ii)                 Caso se considere que o VPT corresponderá ao valor total do prédio, se no caso concreto o valor correspondente à soma das frações com afetação ou natureza habitacional era ou não superior a € 1.000.000.

 

.

Ora, quanto à questão enunciada em i), este Tribunal acompanha, em parte, a decisão arbitral proferida no processo n.º 668/2015-T.

 

Na verdade, o legislador pretendeu, com a introdução da Verba 28.1, tributar adicionalmente os prédios que tivessem afetação a fins habitacionais e um VPT superior a € 1.000.000. Esta preocupação veio ao encontro do desejo do legislador, plasmado na Exposição de Motivos relativa à Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, de tributar de forma agravada os proprietários desses prédios, exigindo que os mesmos contribuíssem para o esforço que todos os contribuintes foram chamados a fazer, de consolidação orçamental, no ano de 2012.

 

A ratio que presidiu a estas alterações legislativas parece fazer crer que a intenção do legislador foi a de impor que, no caso de prédios em propriedade total, se tenha em consideração o património global do seu proprietário e não as frações individualmente consideradas.

 

Sob pena de, por via de um entendimento distinto, o contribuinte poder não ver tributadas todas as frações do seu prédio, pelo facto de terem um VPT individual, por exemplo e por absurdo, de € 950.000. O que poderia prejudicar o objetivo de arrecadação de receita fiscal adicional que esteve na génese da criação desta taxa agravada.

 

Esta conclusão tem também algum amparo nas normas que definem o conceito de “prédio” e que, por força da aplicação do disposto no artigo 67.°, n.° 2, do Código do IS, são as que se encontram previstas no Código do IMI. De facto, esta norma do Código do IS estabelece que, quanto às matérias aí não reguladas e respeitantes à Verba 28, terão aplicação as regras vertidas no Código do IMI, nomeadamente, para efeitos do apuramento do VPT.

 

Assim e por via do disposto nos artigos 11.° da Lei Geral Tributária (LGT) e 9.° do Código Civil, constata-se que o artigo 2.° do Código do IMI delimita o conceito de prédio e determina, no seu n.º 4, que cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio. Nada referindo quanto a prédios em propriedade total ou partes de prédios suscetíveis de utilização independente. Pelo que parece que o legislador poderá terá deixado de fora estas últimas situações.

 

Daí que se compreenda o que vem referido na aludida decisão arbitral, proferida no processo n.º 668/2015-T, quando a mesma entendeu o seguinte:

 

Pelo contrário, a interpretação literal da norma permite concluir em sentido oposto: o valor do prédio é a soma dos valores das suas partes. Reitera-se então: o CIMI não equipara, para determinação do valor patrimonial tributário, partes de prédios suscetíveis de utilização independente a prédios. Pelo contrário, claramente separa os conceitos de “prédio” e de “parte de prédio”. Ora, voltando ao artigo 2. ° do CIMI, as “partes de prédio” não são havidas como prédios (precisamente ao inverso do que especificamente se refere relativamente a frações autónomas, essas sim equiparadas a prédios). No caso concreto, o prédio urbano é composto por partes (independentes) habitacionais e por partes (independentes) comerciais. Logo, o valor do prédio é, de acordo com as regras indicadas, a soma dos valores das suas partes.

 

Não existe, então, igualdade de tratamento no ClMl entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com partes enquadráveis em mais de uma das classificações atribuídas a prédios urbanos. Quanto aos primeiros, as respetivas frações autónomas são inequivocamente, prédios para efeitos de IMI, quanto aos segundos, as suas partes independentes não cabem naquele conceito. As partes compõem, no seu todo, o prédio.

 

Consequentemente, se as partes de prédios, para efeitos de IMI, não são prédios, então não o serão também para efeitos de IS. Logo, o facto tributário é a propriedade do prédio, no seu todo, conforme decorre do conceito constante do artigo 2.° do CIMI”.

 

Pelo que o Tribunal estaria à partida convicto de que o entendimento da AT, expresso nos atos de liquidação em crise e também na própria posição assumida na resposta apresentada nestes autos, tem amparo nas normas legais que definem os termos de cálculo do VPT para efeitos da aplicação da Verba 28.1 da Tabela Geral do IS.

 

Sucede, no entanto e trazendo à colação a segunda questão acima enunciada – e que consubstancia o pedido subsidiário da Requerente – que esta avaliação não poderá nunca ser feita à margem da afetiva destinação do prédio e, concretamente, da análise das várias categorias classificativas em que se inserem as frações de utilização independente que compõem esse mesmo prédio.

 

Dito de outra forma, ainda que se possa compreender que o legislador pretendeu, por evidentes objetivos de arrecadação extraordinária de receita, que se mantêm válidos ainda hoje através da taxa designada por “Adicional ao IMI” (“AIMI”), a verdade é que não podemos ignorar que o prédio em causa, mesmo estando constituído em propriedade vertical, é composto por frações que se encontram afetas a outros fins que não habitacionais. Ou, pelo menos, que se encontravam afetas a outras finalidades em 2015, ano da ocorrência dos factos tributários agora vertidos.

 

Era o caso, por exemplo, da fração correspondente ao 1ºD do prédio em causa e que integra o lote de imóveis ou frações que foram agora objeto de liquidação por parte da AT e que, como resulta da prova que foi junta com o pedido arbitral, encontrava-se afeta a “Serviços” no ano de 2015 (cfr. Alínea E) do segmento probatório).

 

Efetivamente e como se pode constatar do quadro infra, as frações que, de forma individual, deram origem à liquidação do IS agora contestado pela Requerente foram as seguintes:

 

 

Ou seja, a questão também não pode ser vista apenas numa perspetiva qualitativa, mas também quantitativa (ou aritmética, se quisermos).

 

E a verdade é, como bem refere a Requerida, que, mesmo que se considere que o VPT a relevar para este efeito corresponde à soma individual dos VPT das respetivas frações, não poderão ser tomadas em consideração frações que se encontrem afetas, por exemplo, a “Serviços” ou a “Comércio”, pois isso contrariaria frontalmente a própria Verba 28.1 e os princípios que subjazeram à sua criação.

 

Isto é, ainda que se tenha por referência o valor total do VPT do prédio, não podem ser incluídas, como se fossem idênticas, para efeitos da aplicação da Verba 28.1, as frações adstritas a outros fins que não habitacionais. Seria a desvirtuação deste regime legal.

 

No caso vertente, quer nos detenhamos apenas nos valores que constam das liquidações de IS ora contestadas, quer tenhamos em consideração o que se retirava da Caderneta Predial emitida em 2015, sempre se conclui que o VPT total das frações afetas a habitação era, nesse ano, inferior a € 1.000.000.

 

De facto, não podendo a fração correspondente ao 1.ºD concorrer para efeitos da aplicação da Verba 28.1, o VPT da parte afeta a “Habitação” ascendia apenas a € 930.220 (= € 1.040.130 - € 109.910).

 

Do mesmo modo, da referida Caderneta Predial, conclui-se que a afetação total do prédio encontrava-se distribuída da seguinte forma:

 

 

Também nesse prisma, o VPT total das frações afetas a “Habitação” (€ 909.820) era, pois, insuficiente para que a situação se subsumisse à norma constante da Verba 28.1. Irrelevam, pois e para esse efeito, as frações destinadas a “Arrecadação e Arrumos”, a “Serviços” e a “Comércio”.

 

A este propósito refira-se que a categoria “Arrecadação e Arrumos” terá necessariamente que se enquadrar na classificação de “Outros”, tal como a mesma se encontra prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI, não integrando por isso o conceito de prédios habitacionais ou para fins habitacionais. De resto, a comprovar que se trata de realidades distintas, basta atentar no facto de o artigo 41.º do Código do IMI prever expressamente um Coeficiente de Afetação próprio para os prédios qualificados como “Arrecadações a Arrumos”.

 

Pelo que a AT não poderia ter liquidado imposto com fundamento na afetação de todas as frações em causa a fins habitacionais, pois, como se constatou e pelo menos quanto à fração independente 1.ºD, não teria esse fim. O que invalida a sua sujeição à Verba 28.1.

 

De resto, o Tribunal constata que a AT não rebateu na sua resposta, este argumento, nem fez sequer qualquer referência a esta fração e à sua real afetação, trazendo aos autos, caso assim o justificasse, eventuais elementos probatórios que contrariassem o que a este propósito foi invocado pela Requerente no seu pedido arbitral.

 

Duas últimas referências, para salientar que os factos tributários em causa ocorreram no ano de 2015 – tal como as próprias liquidações inequivocamente referem -, pelo que nunca poderia ter-se em consideração eventuais alterações à afetação de determinadas frações que possam ter ocorrido por efeitos da avaliação que terá sido realizada em 2016. Está o Tribunal em crer que a AT não cuidou de ter este aspeto em consideração e procedeu à emissão dos atos de liquidação sem confirmar previamente se, no ano de 2015, estavam efetivamente afetos a habitação.

 

Também nenhuma referência foi feita quanto a este aspeto por parte da Requerida AT.

 

Por fim, um indicador de que a própria AT teve alguma dificuldade em desassociar o apuramento do VPT global do prédio da concreta afetação e adstrição de cada uma das frações em questão é, precisamente, o facto de ter emitido tantas liquidações adicionais quantas as frações existentes, apesar da Caderneta Predial Urbana corresponder à descrição unificada do prédio e das suas frações.

 

Isto é, a própria AT teve em consideração, para efeitos da emissão dos atos de liquidação de IS, o facto de existir uma descrição individualizada e autónoma de cada uma das frações.

 

Em face de todo o exposto, terá que proceder o pedido da Requerente, de declaração de nulidade das liquidações de IS em crise, pela inexistência de facto tributário que as sustente, ou seja, a propriedade de prédio urbano habitacional ou afeto a fins habitacionais com VPT superior, nessa parte, a € 1.000.000.

 

VII. Decisão

Em face do exposto, decide-se julgar procedente, por provado, o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:

 

i)                   Declarar a ilegalidade dos atos de liquidação de IS em crise, emitidos com referência ao ano de 2015 e à Verba 28.1 da Tabela Geral do IS, pelos motivos e com os fundamentos acima invocados;

ii)                 Do deferimento do pedido, deverá resultar o reembolso à Requerente dos montantes indevidamente pagos, acompanhados dos respetivos juros indemnizatórios, computados nos termos do artigo 43.º da LGT;

iii)               Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

VIII. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 10.401,30, nos termos do disposto no artigo 97.º-A, nº 1, alínea a), do Código de Procedimento e do Processo Tributário, aplicável por força do disposto nas alíneas a) e b), do nº 1, do artigo 29.º, do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

XIX. Custas

Fixa-se o valor das custas do processo em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar pela Requerida, em função do decaimento integral na presente ação.

Notifique-se.

 

Lisboa, 19 de dezembro de 2017

 

O Árbitro

 

(Diogo Bonifácio)