Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 142/2014-T
Data da decisão: 2014-09-30  IRS  
Valor do pedido: € 1.812.157,77
Tema: IRS – cláusula geral anti-abuso
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Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Professor Doutor Tomás Cantista Tavares e Dr. João Menezes Leitão (árbitros vogais), que votou vencido, designados, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 09-05-2014, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A, SGPS, S.A., NIPC ..., com sede na … (doravante abreviadamente designada por “Requerente” ou “A SGPS”), apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributaria, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

A Requerente pede a anulação da liquidação de IRS (retenção na fonte) n.º ..., de 02-10-2013, no valor (incluindo juros compensatórios) de € 1.812.157,77, com fundamento, em primeira linha, na não verificação dos pressupostos legais de aplicação do disposto no artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT) e, subsidiariamente, por, em 2009, não ter ocorrido o facto tributário.

A Requerente procedeu à designação de árbitro, o Prof. Doutor Tomás Cantista Tavares, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6 e do n.º 3 do artigo 11.º do RJAT e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13º do mesmo diploma, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como árbitro o Dr. João Menezes Leitão.

Os árbitros designados designaram o terceiro árbitro, o Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT com observância do prescrito pela alínea b) do n.º 2 do artigo 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Os signatários designados para integrar o presente Tribunal Arbitral colectivo aceitaram as designações, nos termos legalmente previstos.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 22-04-2014.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo ficou constituído em 09-05-2014.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta ao pedido de pronúncia arbitral, defendendo a sua improcedência.

No dia 10-07-2014, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo-se nela procedido à produção de prova testemunhal, a que se seguiram alegações orais. Nesta reunião, a Autoridade Tributária e Aduaneira juntou ao processo dois documentos.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

O tribunal arbitral é competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções.

Utilizar-se-ão as seguintes abreviaturas, que são utilizadas no Relatório da Inspecção Tributária e pelas Partes.

K

J

I

H

G

F

E

D

C

B

A

 

 

3. Matéria de facto

           

3.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)     A sociedade D, NIF ... (D) foi constituída em 18-12-1982, com denominação L, LDA (NIF …), (doravante “L”) com sede no …, tendo como sócios M e N, com quotas de igual montante;

b)     Ao longo dos anos, a sociedade L efectuou vários aumentos de capital para entrada de novos sócios, existindo em 11-11-2003 as seguintes quotas:

 

P

R

N

U

S

O

T

Q

 

c)      Em 2004-05-24, a sociedade L deliberou a redução do capital para € 5.000 na proporção das quotas de cada sócio, para cobertura de prejuízos acumulados, efectuando nessa mesma data um aumento de capital de € 495.000, tendo  subscrito € 470.666,87, passando a existir as seguintes quotas:

 

O

P

Q

N

U

T

R

S

J

 

d)     Em 09-03-2007, a sociedade L deliberou nova redução do capital para € 5.000 na proporção das quotas de cada sócio, para cobertura de prejuízos acumulados, ficando o capital assim dividido:

 

N

U

T

J

 

e)     Em 28-06-2007, a sociedade L volta a efectuar um aumento de capital de € 295.000, subscrito por:

J em € 294.900 (passando a deter 99,96%);

A SGPS em € 100.

f)       Simultaneamente, a L converteu-se em sociedade anónima e alterou também a sua designação para D (D) e a sua sede para … – …;

g)     Em termos de actividade exercida, a L (D) dedicava-se à comercialização de mobiliário para a distribuição alimentar e hotelaria, na zona norte de Portugal (estava sediada em …) e era cliente do grupo A e em simultâneo seu concorrente, já que também comercializava produtos adquiridos a outros fornecedores;

h)    Entre 2002 e 2008 os fornecedores da L (D) e volume de negócios com eles eram os seguintes:

 

i)       A partir de 2006, a L (D) passou a ser, maioritariamente, um distribuidor dos produtos produzidos pelo grupo A, tendo a B (NIF ...) e a C (NIF ...) registado um aumento a partir de 2006, em detrimento de outros fornecedores exteriores ao grupo;

j)       A partir de 2007, a D passou a ser cliente da I (NIF ...), sociedade que se dedica à prestação de serviços de gestão às empresas do grupo A;

k)     No ano de 2008, o volume de negócios da L (D) com fornecedores não integrados no grupo A foi de cerca de 12% do total [quadro da alínea h)];;

l)       Até ao exercício de 2005 a sociedade L (D) tinha vindo a sofrer um decréscimo significativo das suas vendas, apurando prejuízos elevados de forma sucessiva e reduzindo acentuadamente a sua situação patrimonial;

m)  Apesar das sucessivas operações de redução e aumento do capital realizadas, a sociedade L (D) manteve uma situação de capitais próprios negativos até ao exercício de 2007 (ano em que a sociedade foi transformada em sociedade anónima e alterou a sua designação para D), tendo prejuízos acumulados nos anos de 2002 a 2005 no montante de € 1.096.447;

n)    O grupo A foi constituído em 2002-01-09, tendo sido inicialmente dominado pela Requerente, A SGPS, e tendo como capital social inicial € 10.050,000, do qual € 50.000 foram realizados em dinheiro e o restante realizado em espécie pelas participações sociais das três SGPS seguintes:

 

HH

GG

FF

 

o)     Dado que estas participações financeiras tinham um valor superior ao do capital realizado (cf. quadro constante da alínea anterior), o diferencial foi contabilizado como suprimentos, ficando a A SGPS (a Requerente) com uma dívida de cerca de € 4.000.000 aos seus accionistas;

p)     Com a incorporação destas sociedades, o capital da Requerente ficou assim distribuído:

 

J

K

   JJ

II

O

 

q)     Podendo, o grupo A ser representado graficamente, desde a sua constituição até 26-10-2007, da forma seguinte:

 

A

H

G

F

E

C

B

I

K

J

II

JJ

O

 

r)      Posteriormente, os accionistas J e K passaram a deter 100% do capital da A SGPS (a Requerente), após a aquisição das participações de II (em 26-10-2007, pelo montante de € 2.500.000), O e JJ10 (ambas em 17-04-2008, pelo montante de € 9.974.276), podendo o “Grupo A” ser representado, em 17-04-2008, da seguinte forma: ( [1] )

                                                                                             

 

J

K

I

B

C

H

G

F

E

A

 

s)      Em 24-11-2008, os dois accionistas, J e K, iniciaram um processo de reestruturação, que se iniciou com o registo do projecto de fusão das sociedades D, E, F, G e H;

t)      A operação de fusão descrita no referido projecto consistiu na incorporação das sociedades E, F, G e H na D, projecto esse que se resume no seguinte esquema: ( [2] )

 

A

H

G

F

E

B

C

I

K

J

D

 

u)    Em 03-12-2008, a D, que era detida em 99,96% por J, adquiriu à A SGPS (de que J era detentor de 56% do capital social) as participações sociais que esta detinha na E (96%), na F (59%), na G (76%) e na H (100%), pelo montante global de € 4.327.796,59;

v)    

H

G

F

E

D

O valor desta transacção resultou de uma avaliação do valor de mercado das sociedades E, F, G e H, efectuada pela A SGPS antes da alienação, sendo os seguintes os pressupostos e cálculos da avaliação:

 

w)   O pagamento foi efectuado com dois cheques da D, ambos da mesma conta do …, nos montantes de € 2.527.796,59 e € 1.800.000,00, datados de 26-12-2008;

x)     O financiamento desta operação foi efectuado através de um aumento de capital da D, de igual montante ao do pagamento das acções, que foi subscrito integralmente por J, no montante de € 4.327.796,59, pago com um cheque do …, datado de 22-12-2008 e depositado na conta da D no dia seguinte;

y)     Em assembleia geral realizada em 12-12-2008, a A SGPS deliberou reduzir o seu capital em € 4.350.000,00 devido à alienação de activos de montante idêntico, tendo os seus accionistas J e K recebido, respectivamente € 2.424.565 e € 1.925.435;

z)      Depois destas operações, o accionista J, anteriormente accionista maioritário das sociedades A SGPS e D, manteve a mesma participação societária;

aa)  Após a alienação, pela A SGPS, das E, F, G e H à D - o “Grupo A” passou a ter a seguinte estrutura:

 

B

C

I

A

K

J

 

 

 

 

 

bb)O registo da fusão ocorreu em 31-12-2008, tendo as sociedades E, F, G e H, incorporadas na D, sido juridicamente extintas nessa data, enquanto, para efeitos contabilísticos, a data da fusão foi reportada a 01-01-2008;

cc)  Através deste processo a D incorporou as quatro sociedades que adquiriu à A SGPS, resultando uma sociedade constituída em 8,72% pela sociedade incorporante e em 91,28% por sociedades adquiridas à A SGPS, tendo em conta a avaliação do valor de mercado daquelas sociedades efectuada pela A SGPS antes da alienação, conforme referido em v);

dd)Após a fusão da D  e em resultado da troca de acções com os interessados minoritários das sociedades incorporadas, a estrutura accionista passou a ser a seguinte:

L

D

 

ee) Com a fusão e a utilização da D como sociedade veículo da operação, foram deduzidos prejuízos fiscais gerados por esta sociedade nos anos de 2002 a 2005, no montante de € 686.687,86 e integrados no grupo créditos de clientes (muitos deles incobráveis) no montante de € 2.324.413;

ff)    Em 2008, a D gerou lucros que lhe permitiram aproveitar a dedução de prejuízos acumulados e créditos incobráveis, devido à incorporação das E, F e G, que eram sociedades rentáveis, nos termos que constam do quadro que segue:

 

 

gg)  Em 16-10-2009, a A SGPS alienou a sua participação de 100% do capital da I a J e K (50% cada um), por € 472.877,39;

hh)  Em 28-12-2009, a A SGPS adquiriu 78,23% do capital da D a J, pelo montante de € 13.000.000,00, tendo o sócio K tido intervenção no contrato em representação da A SGPS (anexo 12 ao Relatório da Inspecção Tributária);

ii)     Em 30-12-2009, J e K alienaram 100% do capital da A SGPS à I, por € 42.000.000;

jj)    Com estas transacções, o Grupo A ficou constituído pelas sociedades C (79%), D (78,23%) e B (84%) e a empresa-mãe passou a ser a I, em que os dois accionistas do grupo – J e K – passaram a deter, cada um, 50% do capital, conforme se resume no quadro que segue:

 

B

D

C

A

I

J

K

 

kk)O quadro comparativo dos balanços e demonstrações de resultados das sociedades D, E, F, G e H antes e após a fusão, elaborado com base nas últimas contas individuais apresentadas por estas sociedades (31-12-2007) e as contas após a fusão e a compra da D pela A SGPS (31-12-2009) é o seguinte:

 

H

G

F

E

D

H

G

F

E

D

 

ll)     A A SGPS recebeu dividendos das suas participadas B, C e D, nos montantes de € 324.372,01 em 2009, € 496.472,94 em 2010 e € 436.867,41 em 2011;

mm)                    A A SGPS efectuou, em 2011, pagamentos no montante de € 800.000 a J e K (€ 400.000 cada um), contabilisticamente lançado na conta 2781 – Outros devedores e credores, servindo assim para reduzir o saldo em dívida resultante da mais-valia realizada por J, não sendo estes montantes tributados em sede de IRS;

nn) Até ao final de 2012, J e K, não tinham recebido quaisquer rendimentos de capitais da I, sociedade detentora da A SGPS desde 2009-12-30, apesar de aquela ter recebido dividendos da A SGPS, no ano de 2010, no montante de € 400.000, tendo constituído, neste ano, reservas livres no montante de € 397.391,83, não distribuindo dividendos aos accionistas;

oo)Com a fixação em € 13.000.000 do valor de aquisição pela A SGPS de 78,23% do capital da D, os sócios J e K tiveram como «verdadeiro objectivo» «proporcionar e garantir ao sócio J uma remuneração pela alteração da sua posição acionista no Grupo A, que passou de 54% para 50%, tendo o sócio K abdicado de rendimentos futuros relativos a dividendos, por contrapartida de uma posição de igualdade no capital do grupo empresarial» (acordo das Partes materializado no teor dos artigos 94.º do pedido de pronúncia arbitral e 196.º e 197.º da resposta, e depoimentos das testemunhas … e …);

pp) A fixação do preço de venda por J das acções da D à A foi superior ao seu valor real de mercado e tal preço foi aceite pelo sócio K para compensar o J da perda da posição de sócio maioritário (depoimentos das testemunhas … e …);

qq)A opção pela fusão através de incorporação da E, da F, da G e da H na D foi motivada por esta forma de fusão garantir a possibilidade de a sociedade resultante da fusão poder reportar prejuízos fiscais da D relativos aos anos de 2002 a 2005 (provado pelas razões indicadas no ponto 2.2.4, na fundamentação da decisão da matéria de facto);

rr)   Por Despacho do Director de Finanças Adjunto de ..., de 21-02-2013, foi emitida a Ordem de serviço externa OI..., dirigida à Requerente, com âmbito geral e extensão ao exercício de 2009, tendo-se iniciado o procedimento de inspecção em 08-03-2013, com a assinatura da ordem de serviço pelo administrador K (NIF …);

 

ss)  No âmbito desse procedimento foi elaborada pela Divisão de Inspecção Tributária II da Direcção de Finanças e ... uma proposta de aplicação da cláusula geral antiabuso, que consta do Processo Administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, de que consta, além do mais, o seguinte:

 

 

II.5. CRIAÇÃO DE VALOR PARA O GRUPO

Da análise destas operações, não se vislumbra, qualquer benefício económico para a A SGPS, sendo evidente que esta operação foi construída de forma a permitir que o acionista J obtivesse um rendimento isento de imposto, em detrimento da situação patrimonial da A SGPS, SA, que passou a estar endividada, devido à aquisição de ativos que 12 meses antes, eram, na sua maioria, seus.

De acordo com o projeto de fusão (pag. 7, parágrafo 4), existiam, para o grupo A, vantagens na fusão das sociedades: “a concentração da actividade comercial na sociedade acima referida permitirá agilizar e flexibilizar a estrutura operacional e facilitará a sua adaptação à volatilidade que o sector em que o grupo se insere apresenta, marcado por uma forte competitividade e onde a eficiência é inquestionavelmente um factor crítico de sucesso, pelo que importa implementar uma política de redução de custos, possibilitada pela operação em apreço.”

No entanto, é difícil entender como podiam ser atingidas estas vantagens através da desagregação do grupo, resultante da alienação de um ativo estratégico do grupo, isto é, a sua estrutura comercial (E, F, G e H).

Veja-se que, no relatório de gestão de 2007, o conselho de administração da A SGPS perspectiva uma fusão de sociedades por ela detidas, e não a alienação da sua estrutura comercial: "Está projectada para o primeiro semestre de 2008 a fusão das cinco empresas comerciais detidas maioritariamente por esta empresa. Esta operação de concentração visa optimizar a rede comercial que cobre o mercado nacional."

E talvez por isso, decorridos apenas 12 meses, a A SGPS readquiriu estes mesmos ativos por um valor superior em 200%, quando a única alteração foi a fusão destes com uma sociedade que representava apenas 8,72% da sociedade resultante da fusão.

Parece evidente que a decisão da A SGPS de alienar a sua estrutura comercial não se enquadra em qualquer teoria de boa gestão e de criação de valor para os acionistas. Veja-se que sobre este assunto o seguinte excerto: "...provavelmente, o mais frequente motivo para spin-off é ode melhorar a eficiência. As empresas, por vezes, referem-se a um negócio como sendo uma "perda de tempo". Alienando-o, a administração da empresa-mãe pode concentrar-se na sua actividade principal." Ora, de forma alguma se pode afirmar que a A SGPS não tinha interesse em manter a sua estrutura comercial, conforme os seus próprios administradores afirmaram, tendo-se apenas tratado de uma alienação formal, já que na realidade o grupo continuou a funcionar da mesma forma, continuando a deter o controlo da área comercial, operando como complemento da área industrial do grupo (B e C).

Para J, enquanto administrador e acionista maioritário da A SGPS, o único motivo para realizar um negócio que não criou valor para esta sociedade e que deve ser considerado anormal, só podia ser a obtenção de um ganho não económico, neste caso, fiscal.

(...)

Ora, conforme foi anteriormente descrito neste relatório, as decisões que levaram à venda dos ativos da A SGPS e à compra da D, decorridos 12 meses, de forma alguma se enquadram nos conceitos de boa gestão citados, sendo pelo contrário perfeitamente contrários àquilo que se poderiam considerar decisões adequadas para a criação de valor.

 

II.6 FUSÃO MBO VS FUSÃO POR INCORPORAÇÃO

Conforme consta do projeto de fusão, para realização da fusão das sociedades D, E, F, G e H, a opção foi realizar uma operação na modalidade Management Buy Out (MBO), ou seja uma fusão que consiste na aquisição do capital das sociedades pelos seus quadros diretivos, neste caso, J.

Sobre a fusão MBO, veja-se a seguinte definição: "Por vezes os administradores de uma empresa organizam-se para, em conjunto, tomar a totalidade ou parte da empresa e transformá-la numa empresa não aberta ao público. Vulgarmente a administração partilha a propriedade com um pequeno grupo de investidores exteriores. Quando se concentra uma grande aplicação de capital em poucas mãos, perde-se o benefício da partilha de risco. Assim, os gestores, com tais aquisições colocam todos os seus ovos numa única empresa cesto. Por outro lado, eles estão agora a trabalhar em grande parte para si próprios o que dá lugar a um incentivo maravilhoso."

No entanto, veja-se em que situações são aplicáveis as operações buy-out: "As aquisições de empresas ou de activos suportados por elevados níveis de endividamento, (90%-95%), são designadas tecnicamente buy-outs. Trata-se de formas de reestruturação recentes estando associadas à recessão no início dos anos 80 quando algumas empresas decidiram vender activos ou subsidiárias não fundamentais para obter dinheiro fresco."

Como se vê, a fusão realizada, de forma alguma se enquadra nestas definições, já que J já era detentor de todos os ativos integrados na fusão, de forma direta (D - 99,96%) ou indireta (através da A SGPS - 56%), o grupo A não se encontrava endividado, não tendo necessidade de alienar ativos para financiamento da sua atividade, até porque o resultado final desta reestruturação foi o aumento do endividamento, por força do preço a pagar pela compra da D (e 13.000.000,00) e por outro lado, após a venda dos seus ativos, efetuou de imediato uma redução de capital, implicando pagamentos aos acionistas de igual montante ao realizado naquela venda.

Ou seja, o enquadramento desta operação como sendo uma fusão MBO serviu apenas para justificar a realização de atos perfeitamente desajustados para o fim económico que se pretendia atingir.

Seria possível atingir objetivo idêntico, sem recorrer à alienação das sociedades E, F, G e H, seguida da recompra da área comercial do grupo por um preço muito superior ao da venda, procedendo-se a uma fusão por incorporação em que a incorporante fosse uma das 4 sociedades detidas pela A SGPS, ou uma sociedade a criar para o efeito.

Veja-se a seguinte explicação sobre a operacionalização da fusão por incorporação: "A empresa A que adquiriu ou incorporou as outras duas - B e C - pode entregar aos sócios destas o dinheiro correspondente ao valor negociado... Como alternativa, a empresa compradora poderá entregar acções, em vez de dinheiro para o que precisará de aumentar o seu capital, pelo menos no equivalente ao valor das empresas B e C... Trata-se de uma operação de troca de acções (OPT), já há muito tempo de uso corrente nos EUA, designada de compra de empresas sem dinheiro..."

Assim, constata-se que existiam opções mais racionais e financeiramente mais vantajosas para a A SGPS, sendo evidente que a realização da operação de reestruturação do grupo A, realizado desta forma, não teve como motivações a criação de valor, nem critérios de boa gestão, mas, principalmente, motivações de índole fiscal.

(...)

 

III.1 DESCRIÇÃO DOS ATOS E NEGÓCIOS JURÍDICOS REALIZADOS

Resumindo os factos apresentados no ponto anterior, os negócios jurídicos que motivam a aplicação da Cláusula Geral Antiabuso (CGA) são:

•         Em 2008-12-03, a A SGPS aliena à D, as ações das sociedades E, F, G e H que detinha, pelo montante de € 4.327.796,59.

•         Em 2008-12-31, as sociedades D, E, F, G e H fundem-se, pela incorporação das sociedades E, F, G e H na D.

•         Em 2009-12-28, a A SGPS adquire a J as ações que este detinha no capital da D, representativas de 78,20%, pelo montante de € 13.000.000,00.

 

III.2. SUSBTÂNCIA ECONÓMICA DOS NEGÓCIOS REALIZADOS

Conforme ficou demonstrado no ponto II deste relatório, o objetivo final do negócio era a fusão da área comercial do Grupo A numa única sociedade, mantendo o controlo desta atividade.

No entanto, ao realizar esta reestruturação da forma anteriormente descrita, realizou atos inúteis para o fim pretendido, não maximizando os ganhos para a A SGPS.

 

IV. ENQUADRAMENTO FISCAL DA SITUAÇÃO DESCRITA

Da descrição dos atos jurídicos constantes do ponto II desta informação, constata-se que J obteve, em apenas 12 meses, uma mais-valia avultada (cerca de 8 milhões de euros), excluída de tributação, ao abrigo do disposto no art. 10.º, n.º 2, al. a) do CIRS, em vigor à data da alienação.

No entanto, uma mais-valia é um ganho obtido, resultante da alienação onerosa de determinado bem ou direito.

Ora, neste negócio, J foi sempre o interessado e com capacidade para decidir, tanto na venda das ações das E, F, G e H, da A SGPS para a D, como posteriormente na venda das suas ações da D à A SGPS, coube-lhe fixar o preço de venda e de aceitar comprar pelo preço que contratualizou:

•         Na venda das E, F, G e H pela A SGPS: Era acionista maioritário da A SGPS (vendedora) com 56% do capital e também da A (compradora) com 99% da capital.

•         Na venda da D à A SGPS: Era o vendedor das ações e acionista maioritário da A SGPS (compradora) com 56% do capital.

Assim, conclui-se que a mais-valia isenta resulta somente de transferências sucessivas de propriedade das ações, sem que houvesse uma efetiva alienação da estrutura comercial do Grupo A, sendo apenas uma alteração formal e momentânea, que visou a obtenção do resultado pretendido.

Veja-se que a forma de valorização dos ativos negociados foi alterada de acordo com os interesses de quem tinha o poder de tomar essa decisão:

•         Na venda das E, F, G e H o preço foi calculado com base no valor contabilístico do seu capital próprio e dos seus imóveis, obtendo-se assim um valor mais baixo.

•         Na venda da D o preço foi calculado com recurso a previsões de lucros e cash-flows futuros, obtendo-se um valor substancialmente superior ao que tinha sido determinado na transação anterior, permitindo a criação de uma mais-valia avultada.

É assim evidente que houve intenção de gerar, de forma artificial, uma mais-valia não tributada, através do recurso a atos inúteis para o fim económico pretendido (reestruturação do grupo A), mas essenciais à obtenção de uma vantagem fiscal, consubstanciada na possibilidade da A SGPS efetuar pagamentos ao acionista J, sem que haja lugar a tributação em sede de rendimento de capitais.

Veja-se que caso não tivesse sido realizado este negócio desta forma, J não seria credor da A SGPS, no montante de € 12.763.561,31 (saldo em 2009-12-31).

Este saldo permite-lhe retirar dinheiro da sociedade, sem que esta tenha necessidade de distribuir dividendos que seriam tributados de acordo com o disposto no art. 5.º, n.º 2, al. h) do Código do IRS, à taxa liberatória de 20%, prevista no art. 71.º, n.º 3, al. c) do Código do IRS (Redação dada pelo Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7 de Novembro) e posteriormente no art. 71.º, n.º 1, al. c) do Código do IRS (Redação dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril).

(...)

 

 Elemento meio

O elemento meio corresponde à forma escolhida pelo contribuinte para atingir a vantagem fiscal pretendida, como conjunto de atos ou negócios jurídicos realizados, sendo que, neste caso, revestiu a forma da alienação das sociedades E, F, G e H ao acionista J, que as fundiu com uma sociedade que já detinha, a D, que representava apenas 8,72% do valor de mercado das sociedades fundidas e decorridos 12 meses, a A SGPS, compra a D (após incorporação das outras D), por um valor muito superior àquele que tinha sido o valor de venda das sociedades que representam 91,28% do valor da sociedade agora adquirida.

O meio utilizado é perfeitamente desajustado para o fim pretendido. Veja-se que a intenção de racionalizar o funcionamento das sociedades comerciais do grupo foi concretizado através da alienação da área comercial e sua posterior recompra por um valor multo superior, podendo-se concluir que não houve nesta operação qualquer ganho de valor para a A SGPS, existindo apenas ganhos para o acionista J.

Os ganhos fiscais resultantes deste negócio jurídico artificioso são:

•         Exclusão de tributação em sede de IRS, na esfera pessoal de J, das mais-valias obtidas com a alienação das participações sociais detidas na D, beneficiando do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 1o.º, conjugado com a alínea b) do n.º 4 do artigo 43.º, ambos do CIRS;

•         Constituição de um direito - um crédito sobre a A SGPS resultante da venda da D, do qual J pode dispor livremente, nomeadamente, cedendo-o gratuitamente ou onerosamente ou recebê-lo, sem qualquer tributação. Veja-se que, assim, as distribuições de dividendos das sociedades B, C e C à A SGPS, que não estão sujeitos a tributação na esfera da SGPS, podem ser posteriormente pagas a J sem que este seja tributado em sede de IRS, não havendo assim qualquer tributação sobre estes dividendos, violando as regras de incidência e o espírito das Leis Fiscais.

Note-se que estes atos foram realizados entre 2008-12-03 e 2009-12-28, numa evidente intenção de beneficiar da exclusão prevista no art. 10.ºdo CIRS, para a alienação de ações detidas por mais de 12 meses. Podemos então falar que estamos na presença de uma estrutura, enquanto conjunto de atos ou negócios sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário (encadeados), com vista a atingir o objetivo fiscal visado, assegurando ainda o efeito económico pretendido, que era a concentração da atividade comercial dentro do grupo A.

De igual modo, verificamos que a estruturação do negócio, para além de dirigido à obtenção da referida vantagem fiscal, foi ainda e simultaneamente, dotado de uma forma anómala e artificiosa, em consideração dos fins económicas visados pelo contribuinte, não obstante, os atos e negócios jurídicos que compõem esta estrutura sejam, em si mesmos, válidos e lícitos, e que corresponderam à efetiva vontade do sujeito passivo.

 

Elemento resultado

O elemento resultado corresponde à vantagem fiscal obtida, conforme refere o n.º 2 do artigo 38º da LGT, com atos ou negócios jurídicos anómalos que foram “essencial ou principalmente dirigidos ... à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios...”

Para Gustavo Lopes Courinha: "Uma das características mais salientes, todavia, dos actos ou negócios que configuram o meio utilizado para a elisão fiscal, é a sua equivalência quanto aos efeitos não fiscais obtidos, com aqueles outros actos ou negócios 'normais'."

Neste caso, os atos anómalos foram a alienação das sociedades E, F, G e H, para que se efetuasse a fusão com a D, fora do Grupo_A e decorridos 12 meses a recompra da D, pela vendedora, por um valor muito superior ao da venda das sociedades que eram propriedade da A SGPS, quando estas representavam 91,28% do valor da sociedade fundida.

Conforme análise efetuada no ponto II.6, a fusão poderia ter sido efetuada sem recurso a alienações de ações, nem recorrendo a uma fusão denominada MBO, já que esta opção é perfeitamente desajustada para o fim pretendido, sendo possível obter o mesmo resultado não fiscal (económico e financeiro) através de uma operação mais adequada e normal para o efeito.

A realização da fusão da D com as E, F, G e H, sem ser precedida pela alienação das ações detidas pela A SGPS, mas através da troca de ações da sociedade incorporante ou sociedade veículo, com as ações das sociedades incorporadas resultaria no mesmo resultado económico, mas num resultado fiscal muito diferente.

 

Cálculo da mais-valia isenta de IRS resultante deste negócio:

A mais valia é calculada, de acordo com o art. 10.º, n.º 4, al. a) do CIRS, da seguinte forma:

 Mais-valia = Valor de realização - Valor de aquisição

Assim, através da realização destes atos e negócios artificiosos, J ficou com o direito a receber um montante de € 7.906.636,54, excluída de tributação em sede de IRS, que realizando o negócio normal não obteria, ficando a A SGPS obrigado a distribuir dividendos (ou adiantamentos por conta de dividendos), tributados de acordo com o disposto no art. 5.º, n.º 2, al. h) do Código do IRS, à taxa liberatória de 20%.

Veja-se que a A SGPS recebeu dividendos das suas participadas B, C e D, nos montantes de € 324.372,01 em 2009, € 496.472,94 em 2010 e € 436,867,41 em 2011, efetuando, em 2011, pagamentos no montante de € 800.000 a J e K (€ 400.000 cada um), contabilisticamente lançado na conta 2781 - Outros devedores e credores, servindo assim para reduzir o saldo em dívida resultante da mais-valia realizada por J, não sendo estes montantes tributados em sede de IRS.

Assim, J e K, apesar de terem deixado de ser acionistas da A SGPS em 2009, continuam a receber dinheiro desta sociedade, sem estarem sujeitos a tributação, graças ao negócio artificioso realizado em 2009.

Até ao final de 2012, J e K, não tinham recebido quaisquer rendimentos de capitais da I, sociedade detentora da A SGPS desde 2009-12-30, apesar desta ter recebido dividendos da A SGPS, no ano de 2010, no montante de € 400.000, tendo constituído, neste ano, reservas livres no montante de e 397.391,83, não distribuindo dividendos aos acionistas.

 

Elemento intelectual

É requisito da Cláusula Geral Antiabuso que a obtenção de um resultado fiscalmente vantajoso e um resultado não fiscal equivalente, não pode bastar-se da análise dos atos ou negócios jurídicos em causa.

Conforme, refere, Gustavo Lopes Courinha, na obra supracitada, exige-se, de igual forma, que as escolhas e formas adotadas pelo contribuinte sejam fiscalmente dirigidas (tax driven), e que aquele (resultado fiscal) prevaleça sobre este (resultado não fiscal).

Ou seja, deverá haver motivação face, não só aos meios, como em relação aos resultados.

No caso em análise, conforme amplamente demonstrado, não restam dúvidas de que a alienação das sociedades detidas pela A SGPS e posterior recompra, após fusão, visou, em primeira instância, a obtenção do resultado fiscal – exclusão da tributação da mais-valia.

Com efeito, sendo o objetivo concentrar as sociedades que exerciam a atividade comercial do grupo A, tal desiderato poderia e deveria ter sido atingido com a simples fusão dessas cinco sociedades. Ao invés, enveredou-se por uma série de atos jurídicos, mais ou menos complexos, que face à realidade económica em concreto, não se demonstra a sua imperiosa necessidade, o que denuncia claramente a intenção artificiosa da sua utilização

Verificamos assim, no caso em análise, a existência de uma motivação fiscal preponderante que se manifesta nas formas adotadas e que faz prevalecer a finalidade fiscal do negócio sobre a finalidade não fiscal.

 

Elemento normativo

A este elemento subjaz a desconformidade do resultado obtido com a ratio legis, o espírito ou propósito da lei, os princípios do Código em causa ou do Sistema Fiscal.

Segundo refere Gustavo Lopes Courinha: "A desconsideração fiscal de tais actos ou negócios só sucederá quando, cumulando-se todos os supra referidos elementos, se demonstre que o efeito fiscal obtido (sempre em atenção aos efeitos não fiscais identicamente obtidos) merece um juízo de reprovação pelo Direito."

Também quanto a este elemento, dúvidas não existem de que o mesmo se verifica no caso em análise, porquanto a Constituição e a lei fiscal pressupõem a tributação segundo a capacidade contributiva, mesmo quando essa tributação incida sobre factos tributários, como sejam o resultado da alienação das participações sociais.

No caso em concreto, a exclusão de tributação das mais-valias provenientes da alienação das ações (detidas por um período superior a 12 meses, teve subjacentes critérios exclusivos de política fiscal, no servido de incentivar e dinamizar o mercado de capitais e atrair investimentos, sem contudo, deixar de tributar a mera especulação mobiliária de curto prazo, ou qualquer forma artificiosa de exclusão.

Em resultado disto, o acionista J obteve o direito a receber € 7.906.636,54 da A SGPS, excluídos de tributação em sede de IRS, quando na realidade, o negócio realizado não se enquadra no espírito da lei que foi aproveitada, através de um meio artificioso, beneficiando de uma exclusão de tributação que não existiria, caso a transação fosse realizada da forma considerada normal, pois não existe justificação de natureza económica empresarial racional que fundamente tal operação, a não ser, exclusivamente, a obtenção do resultado final pretendido.

 

Elemento sancionatório

Verificados os quatro elementos anteriores, encontram-se reunidos os pressupostos para a aplicação da CGA, que se consubstancia na Ineficácia dos atos ou negócios, que por meios artificiosos visaram a redução da tributação.

Para Gustavo Lopes Courinha: "...a CGAA (teve impedir que a lei fiscal se/a defraudada, realizando-se a tributação de acordo com a carga tributária que resultaria da aplicação directa da norma iludida e sem recurso aos meios que, assegurando sempre o resultado não fiscal equivalente, permitem a vantagem fiscal."

Assim, verificados os cinco elementos que compõem a CGA, encontram-se reunidas as condições para a desconsideração dos efeitos fiscais da compra e venda das empresas entre a A SGPS e J, sendo tributado o negócio jurídico considerado usual, para obter o efeito económico em causa, que consistia apenas na fusão das empresas comerciais na esfera da A SGPS. Os factos apurados são os seguintes;

a) Aquisição por J (através da D) da área comercial do grupo A (detida pela A SGPS) pelo seu valor patrimonial;

b) Aquisição pela A SGPS, por um preço substancialmente superior das empresas anteriormente vendidas, após a fusão com a D;

c) J obteve um crédito sobre a A SGPS, sem que houvesse um facto justificativo do ganho obtido.

(...)

 

V.2.2.1. Descrição do negócio jurídico celebrado ou do ato jurídico realizado e dos negócios ou atos de idêntico fim económico, bem como a indicação das normas de incidência que se lhes aplicam (art. 63.º, n.º 3, al. a) CPPT)

Dispõe o art. 63.º, n.º 3, al. a) do CPPT, que a fundamentação da aplicação da CGAA deve conter a descrição do ato jurídico realizado, o ato de idêntico fim económico e a norma de incidência que se lhe aplicam.

Conforme pormenorizadamente descrito neste relatório o ato jurídico realizado foi a venda das sociedades E, F, G e H e a posterior compra da sociedade D, após a sua fusão com aquelas.

O ato de idêntico fim económico seria a fusão das sociedades sem qualquer venda de participações sociais, pela A SGPS.

Quanto à norma de incidência, resultante da aplicação da CGA, é a tributação do saldo artificiosamente criado a favor de J, como adiantamentos por conta de lucros, à taxa liberatória prevista no art. 71 º, n.º 1, al. c) do CIRS, devendo ser retido na fonte pela entidade devedora dos rendimentos (art. 101,º, n.º 2, al. a) do CIRS), aquando da colocação à disposição (art. 7.º, n.º 3, al. b), subal. 2) do CIRS) e entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte (art. 98.º, n.º 3 do CIRS).

Tendo a venda da D à A SGPS ocorrido em 2009-12-28, a retenção na fonte à taxa de 20% sobre € 7.906.636,54, ou seja € 1.581.327,31, deveria ter sido entregue nos cofres do Estado, pela A SGPS, em 20 de Janeiro de 2010.

 

V.2.2.2. A demonstração de que a celebração do negócio Jurídico ou prática do ato jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou ato com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais (art. 63.º, n.º3, al. b) CPPT).

Por outro lado, dispõe o art. 63.º, n.º 3, al. b) do CPPT, que a fundamentação da aplicação da CGA deve, também, conter a demonstração de que o ato jurídico foi essencialmente dirigido à redução da tributação. Neste relatório ficou demonstrado que a alienação das sociedades E, F, G e H não visou a prossecução do objetivo final que era a racionalização do funcionamento da área comercial do grupo, tendo apenas servido para atingir o resultado fiscal, permitindo a criação de um saldo a favor de J evitando a sua tributação em sede de distribuição de dividendos, através da obtenção artificiosa de uma mais-valia isenta de tributação em sede de IRS.

Ficou evidente que a alienação da estrutura comercial da A SGPS, unanimemente considerado o principal impulsionador de qualquer grupo económico, foi completamente desajustada, face ao objetivo pretendido, de racionalização da estrutura do grupo.

(...)

 

VII. CONCLUSÃO

Verifica-se, de acordo com o exposto, estarem reunidas as condições para aplicação do disposto no art. 38.º da LGT e no art. 63.º do CPPT.

Com efeito, caso a fusão das sociedades D, E, F, G e H, fosse realizada sem alienação de participações sociais, pela A SGPS, o que seria um ato considerado normal, não teria sido obtida uma mais-valia isenta de tributação em sede de IRS, devendo as saídas de dinheiro da A SGPS, a favor dos acionistas ser tributadas como distribuição de dividendos.

Assim, pretende a Administração Fiscal considerar ineficaz no âmbito tributário, o ato jurídico realizado pela A SGPS, SA, uma vez ter sido praticado com abuso das formas jurídicas e ter tido como objetivo essencial a eliminação de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, obtendo vantagens fiscais que não seriam alcançadas, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas, tal como dispõe o art. 38º, n.º 2 da LGT.

Ou seja, procedendo à tributação do ganho obtido por J, no montante de € 7.906.636,54, como se de um adiantamento por conta de lucros se tratasse, estando assim em falta nos cofres do Estado o montante de € 1.581.327,31, relativo à taxa liberatória de IRS previste no art. 71.º, n.º 1, al. c) do CIRS.

De acordo com o disposto no art. 63.º, n.ºs 4 e 5 do CPPT, deve o contribuinte ser notificado para no prazo de 30 dias exercer o direito de audição prévia sobre este projeto de decisão sobre a aplicação da CGAA.

 

tt)   Notificada deste projecto de decisão sobre a aplicação da cláusula geral antiabuso, a Requerente não exerceu o direito de audição;

uu)  Na Direcção de Serviços de Planeamento e Coordenação da Inspecção Tributária foi elaborada para efeitos de aplicação da cláusula geral antiabuso, a Informação n.º 166/2013, que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se reproduzem textualmente várias partes da proposta de decisão elaborada pela Direcção de Finanças de ..., e em que se refere, além do mais, o seguinte:

 

8 - A sequência temporal em que foram celebrados os negócios jurídicos elencados supra permite antever um esquema de natureza fraudulenta com o objetivo exclusivo de iludir a tributação que de modo usual, sem os meios artificiosos e fraudulentos utilizados, incidiria sobre os rendimentos de capitais provenientes da distribuição de dividendos pela A SGPS S.A. ao seu acionista J.

9 — Ou seja, a alienação da totalidade das ações representativas do capital social das sociedades E; F; G; e, H, pela A SGPS S.A. à D; seguida da fusão na modalidade de incorporação das quatro primeiras sociedades (incorporadas) na D (sociedade incorporante), e, finalmente, a aquisição pela A SGPS S.A. das acções representativas de 78,23% do capital social da D que J detinha, mais não foram do que um expediente para iludir as normas fiscais vigentes e desse modo evitar a tributação devida se a operação decorresse nos modos considerados típicos e usuais, isto é, pela distribuição de lucros da A SGPS S.A. ao accionista J.

10 - A sequência lógico-cronológica em que foram celebrados os negócios jurídicos elencados supra permite antever um esquema concertado de natureza fraudulenta constituído por vários negócios jurídicos cujas formas jurídicas - lícitas quando consideradas per se - foram abusivamente utilizadas e cujo objetivo exclusivo, ou, no mínimo, principal ou essencial, foi iludir a tributação que de modo usual, isto é, sem a manipulação jurídica utilizada, incidiria sobre a distribuição de lucros gerados pela A SGPS S.A. ao seu acionista J.

11 - É sobremaneira visível que a única maneira deste conjunto de negócios jurídicos fazer sentido, apesar da sua licitude unitária, é tão somente integrá-los e visualizá-los globalmente num esquema de evitação fiscal cujo processo se desenrolou como se encontra elencado no ponto 7. supra e cujo objetivo exclusivo, ou, no mínimo, principal ou essencial, consistiu na subtração ao regime da tributação da distribuição de lucros das entidades sujeitas a IRC constante da al. h) do n.º 2 do art. 5.º do Código do IRS (CIRS), na redação vigente durante o período em que os negócios jurídicos descritos no ponto 9. supra foram celebrados.

(...)

14 - Não deixa de provocar profunda estranheza que de entre as cinco sociedades a fundir"- D; E; F; G; e, H - a escolhida para ser a sociedade incorporante seja precisamente aquela que possui a menor dimensão e peso empresarial - excluindo desta comparação a H cujos resultados são residuais - como é o caso da D, como, aliás, a DF...-DITII, lapidarmente demonstra no ponto 11.4 da informação de 15/05/2013 reproduzido a págs. 13/4 da presente informação.

15 - Do ponto de vista económico-empresarial qual será a razoabilidade duma opção desta natureza? Ao invés, a lógica empresarial não apontaria antes para ser a sociedade de maior dimensão, isto é, com peso preponderante no conjunto do grupo, a absorver as outras, considerando que o seu objecto social é coincidente?

16 - Porém, se pensarmos que o resultado fiscal almejado só seria alcançado da maneira em que o esquema fraudulento decorreu não deveremos pautar a análise dos negócios jurídicos celebrados por qualquer juízo de lógica ou racionalidade económico-empresarial, pois, manifestamente, não foram estes os valores subjacentes à respectiva celebração.

(...)

19 - Aspeto nuclear do esquema fraudulento e abusivo sob análise constitui o facto da A SGPS S.A., após a alienação da totalidade do seu capital social à I, ter perdido o estatuto de líder do grupo económico A inerente a qualquer SGPS.

(...)

21 - Ora, é por demais evidente que a situação em que ficou a A SGPS S.A. após a conclusão do conjunto de negócios jurídicos sob análise não podia estar em maior contradição com a realidade quotidiana de qualquer grupo económico retratada na posição doutrinária reproduzida supra.

22 - Ou seja, a A SGPS S.A., apesar de manter essa designação ficou completamente esvaziada dos meios que lhe possibilitavam ser portadora das características societárias elencadas na posição doutrinária supra. O mesmo é dizer que na prática já não era possível prosseguir o objecto social de uma SGPS.

23 - Deste modo, é do desenrolar do processo constituído pelos negócios jurídicos sob análise bem como da correspondente visualização como um todo lógico-sequencial que resulta a flagrância que o único, e, a fortiori, objetivo principal - como exige o n.º 2 do art. 38.º da LGT -da celebração dos negócios jurídicos elencados no ponto 7. supra foi a eliminação de impostos.

(...)

27 - O que acontece na maior parte dos grupos económicos é serem encabeçados por uma SGPS encarregue da gestão das participações sociais das várias sociedades que compõem o grupo, aliás, o seu único objeto social admissível nos termos do disposto no art. 1.º do D.L. n.º 495/88, que depois fica incumbida dos serviços técnicos de administração e gestão das sociedades integrantes do grupo através de contratos de prestação de serviços como se encontra regulado no art. 4.º deste diploma legal.

28 — Por outro lado, o regime jurídico da fusão de sociedades constante dos arts. 97.º ss. do CSC constitui um eficiente instrumento que permite a união de empresas com o inerente incremento da capacidade económica e financeira da sociedade daí resultante capaz de possibilitar a adequação de estruturas empresariais aos diferentes períodos de dinamismo económico.

29 - Ora, naturalmente que as SGPS, enquanto mecanismos de organização e fortalecimento do tecido empresarial português, bem como o regime jurídico-societário das fusões não podem constituir instrumentos jurídicos suscetíveis de potenciar ou facilitar a conceção e execução de esquemas de evitação fiscal.

30 — É, assim, nítido que o aproveitamento ilícito, através de meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso de formas jurídicas, do regime de exclusão tributária não pode deixar de merecer censura normativo-siatemática. Neste sentido, o entendimento que tem vindo a ser seguido pelo Tribunal Central Administrativo Sul nos acórdãos n.º 04255/10 de 15/02/2011, e n." 05104/11 de 14/02/2012, aponta para um conceito latu de anti-juricidade.

(...)

33 - O elemento sancionatório consiste na desconsideração dos efeitos fiscais

·         da alienação peia A SGPS S.A. à D das ações da E.; F; G; e, H;

·         fusão das sociedades incorporadas E; F; G; e H na sociedade incorporante D;

·         aquisição pela A SGPS S.A. a J das ações representativas de 78,23% do capital social da D.

34 - Em condições normais, isto é, sem a motivação exclusiva da evitação fiscal, seriam distribuídos a J pela A SGPS S.A. os respectivos lucros qualificados como rendimentos de capitais e cuja tributação se encontra prevista na al. h) do n.º 2 do art. 5.º do CIRS, na redação vigente à data. Tal facto determinaria a tributação em IRS, relativamente ao ano de 2009, a realizar através de retenção na fonte no montante de € 1.581.327,31 (€ 7.906.636,54 s 20% - taxa liberatória prevista na al. c) do n.º 3 do art. 71.º do CIRS, na redação em vigor em 2009).

(...)

35 - Uma vez que a disposição antiabuso constante do n.º 2 do art. 38.º da LGT só pode operar de modo residual, isto é, na impossibilidade de aplicação de uma disposição especial antiabuso que vise fazer face àquela concreta situação abusiva, importa excluir desde logo a aplicação de qualquer uma das disposições especiais antiabuso para se poder aplicar a primeira, dirigida à globalidade das situações não abrangidas por estas.

36 - Assim, são suscetíveis de serem qualificadas como disposições especiais antiabuso os arts, 63.º, 65.º, 66.º e 67.º, todos do Código do IRC. Sucede, que o quadro factual constituído pelos negócios supra descritos e objeto do presente procedimento não encontra enquadramento na previsão de qualquer destas normas jurídicas.

37 - Portanto, na ausência de qualquer disposição específica antiabuso dirigida à situação tributária como aquela de que trata este procedimento específico, não resta alternativa - daí a sua aplicação ser residual - senão aplicar a disposição antiabuso constante do n.º 2 do art. 38.º da LGT.

(...)

40 - Considerando os factos trazidos ao nosso conhecimento, designadamente, a descrição dos negócios jurídicos celebrados e da sua verdadeira substância económica, os elementos que demonstram que a celebração dos negócios jurídicos tiveram como fim único ou determinante evitar a tributação que seria devida em caso de negócio jurídico de substância económica equivalente; e verificando os negócios jurídicos de substância económica equivalente aos efetivamente celebrados e das normas de incidência que se lhes aplicam, encontram-se integralmente verificados os pressupostos previstos no n.º 2 do art. 38.º da LGT e cumprindo a fundamentação supra os requisitos estabelecidos no n.º 3 do art. 63.º do CPPT, na redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, estão reunidas as condições legais para ser autorizada, nos termos do n.º 7 do artigo 63.º do CPPT, na redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, a aplicação da disposição antiabuso constante da primeira norma legal mencionada ao quadro factual plasmado na informação da DF...-DJTII para efeitos de liquidação do imposto que se mostre devido.

 

vv) Por despacho de 02-08-2013, o Senhor Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira autorizou a aplicação do procedimento relativo à aplicação da cláusula geral antiabuso, manifestando concordância com a Informação n.º 66/2013;

ww)                       Por ofício de 21-08-2013, a Requerente foi notificada do despacho que autorizou a aplicação da cláusula geral antiabuso;

xx) Em 26-08-2013, a Requerente foi notificada do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária, para exercício do direito de audição, direito este que não exerceu;

yy) Em 13-09-2013, no âmbito do procedimento de inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor se dá como reproduzido, de que consta, além do mais, o seguinte:

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III.1. DESCRIÇÃO DOS FACTOS

No decurso do presente procedimento de Inspeção, foram apurados negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos por meios artificiosos e com abuso das formas jurídicas, à redução de impostos que seriam devidos sem utilização desses meios, constituindo fundamento para que se recorresse à aplicação da norma antiabuso prevista no n.º 2 do artigo 38.ºda LGT.

Assim e tendo em vista a aplicação da cláusula geral antiabuso, foram realizados os seguintes procedimentos:

• Em 08 de abril de 2013, foi o sujeito passivo notificado através do ofício n.º …, para exercer o direito de audição sobre a Informação relativa à aplicação das normas antiabuso, nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 63.º do CPPT (anexo n.º 1 - 87 folhas);

• O sujeito passivo não exerceu o direito de audição;

• Através do ofício …, de 20 de maio de 2013, foi remetida Informação ao Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos e para os efeitos do n.º 7 do artigo 63.º do CPPT (anexo n.º 2-1 folha);

• Em 02 de agosto de 2013, o Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira autorizou a aplicação do procedimento proposto.

• Em 21 de agosto de 2013, o sujeito passivo foi notificado, através do ofício n.º …, desta autorização (anexo n.º 3 -20 folhas).

 

III.2 ENQUADRAMENTO FISCAL E CORREÇÕES PROPOSTAS

Como consequência da aplicação da cláusula geral antiabuso, prevista no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, cujo procedimento se realizou nos termos do artigo 63.º do CPPT, foi apurado que o administrador do sujeito passivo, J, beneficiou de um adiantamento por conta de lucros, no montante de € 7.906.636,54 que deveria ter sido tributado à taxa liberatória de IRS de 20%, prevista no art. 71.º, n.º 1, al. c) do CIRS, estando por isso em falta nos cofres do Estado o montante de € 1.581.327,31, com base nos fundamentos constantes da Informação notificada ao sujeito passivo para o exercício do direito de audição - através do oficio n.º 8402811, e sobre a qual recaiu a autorização do Diretor Geral.

Conforme demonstrado e fundamentado nas Informações já notificadas ao sujeito passivo, deve ser efetuada a tributação do saldo artificiosamente criado a favor de J, como adiantamento por conta de lucros, à taxa liberatória prevista no art. 71.º, n.º l, al. c) do CIRS, devendo ser retido na fonte pela entidade devedora dos rendimentos (art. 101.º, n.º2, al. a) do CIRS), aquando da colocação à disposição (art. 7º, n.º3, al. b), subal. 2) do CIRS) e entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte (art. 98.º, n.º3 do CIRS).

Tendo a venda da D à A SGPS ocorrido em 2009-12-28, a retenção na fonte à taxa de 20% sobre €7.906.636,54, ou seja € 1.581.327,31, deveria ter sido entregue nos cofres do Estado, pela A SGPS, em 20 de Janeiro de 2010.

 

zz)  Por despacho de 19-09-2013, a Senhora Chefe de Divisão (em regime de substituição, por subdelegação de 01-10-2012, efectuada pelo Despacho n.º …/2012, publicado no Diário da República, II Série, de 05-12-2012) manifestou concordância com as correcções propostas no Relatório da Inspecção Tributária em matéria de IRS – retenções na fonte sobre rendimentos de capitais, resultantes da aplicação da cláusula geral antiabuso;

aaa)                       Por ofício datado de 23-09-2013, a Requerente foi notificada da versão final do Relatório de Inspecção Tributária que consta da 2.ª parte do Processo Administrativo, cujo teor se dá como reproduzido;

bbb)                      Na sequência da aplicação da cláusula geral antiabuso, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu, tendo como sujeito passivo a Requerente, a liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2013 ..., no valor de € 1.581.327,31 e a liquidação de juros compensatórios n.º 2013 ..., no valor de € 230.830,46, o que perfaz o total de € 1.812.157,77, nos termos da Demonstração de Liquidação de Retenções na Fonte de IRS n.º 2013 ..., notificando-as à Requerente, indicando como data limite de pagamento 02-12-2013 (documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

ccc)  Em 17-02-2014, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

2.2.1. Os factos foram dados como provados, em geral, com base nos documentos que constam do Processo Administrativo, principalmente a proposta de decisão sobre a aplicação da cláusula geral antiabuso, a informação que sobre ela recaiu e o Relatório da Inspecção Tributária e, nos pontos em que é feita uma indicação especial, com base nas afirmações das Partes e nos depoimentos das testemunhas … e …, que aparentaram depor com isenção e mostraram ter conhecimento pessoal dos factos sobre que depuseram.

No que concerne ao facto de o «verdadeiro objectivo» visado com a aquisição das acções pela Requerente a J ser «proporcionar e garantir ao sócio J uma remuneração pela alteração da sua posição acionista no Grupo A, que passou de 54% para 50%, tendo o sócio K abdicado de rendimentos futuros relativos a dividendos, por contrapartida de uma posição de igualdade no capital do grupo empresarial» há acordo das Partes, resultante do alegado nos artigos 94.º do pedido de pronúncia arbitral e 196.º e 197.º da resposta, para além de a prova testemunhal ser no mesmo sentido.

 

2.2.2. Não se provou que a Requerente, no ano de 2009, tivesse distribuído lucros aos seus sócios ou que tivesse lucros para distribuir no montante de € 7.906.636,54 ou superior para distribuir aos seus sócios em 2009, nem que, nesse ano, tivesse pago qualquer quantia ao sócio J ou lhe tivesse proporcionado a possibilidade de obter a cobrança daquela quantia.

Nenhuma prova se fez da existência de lucros da Requerente que tivessem sido distribuídos ou estivessem disponíveis para distribuir em 2009 no montante referido e a Autoridade Tributária e Aduaneira apenas fala de pagamentos de quantias aos sócios J e K em 2011, no montante de € 400.000 a cada um, como se refere na alínea mm) da matéria de facto fixada.

 

2.2.3. Não se provou que as operações realizadas para concretizar a fusão tivessem em vista criar condições para usufruir do benefício fiscal previsto no artigo 81.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2008.

Na verdade, como se infere dos documentos juntos pela Autoridade Tributária e Aduaneira na reunião, a Requerente em 2009 não usufruiu do referido benefício e não foi aventada qualquer explicação aceitável para a omissão, pelo que é de presunção que a Requerente só a posteriori se terá apercebido de que poderia estar em condições de usufruir daquele benefício fiscal.

 

2.2.4. Não se provou que a operação de aquisição pela D das participações da A SGPS no capital da E, F, G, e H e a posterior fusão destas últimas com a D, em que foram incorporadas, tivessem em vista permitir que o accionista J obtivesse um rendimento isento de IRS.

Na verdade, desde logo, nenhuma prova se produziu no sentido de que a fusão tivesse aquele objectivo.

Pelo contrário, a prova testemunhal produzida foi convergente no sentido de que a escolha da fusão daquelas sociedades na D, em que foram incorporadas, e não a incorporação desta e outras em alguma das sociedades do grupo ser motivada, por um lado, pelo facto de ter a vantagem de garantir o aproveitamento, para efeitos de diminuição do lucro tributável, dos prejuízos fiscais da D em anos anteriores, o que não era garantido se se realizasse a fusão da D numa das sociedades do grupo, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira que deveria ter sucedido, pois, neste caso, o aproveitamento fiscal dos prejuízos ficaria dependente de autorização, nos termos do artigo 75.º do CIRC.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua Resposta, diz, sobre este ponto, em primeiro lugar, que «a D poder sempre beneficiar desta poupança, em sede de IRC, sem que J ficasse com um direito de receber o montante de € 7.906.636,54» e que «bastava para tal que, a venda das sociedades que adquiriu um ano antes, em 2008-12-03, fosse efetuada por valor semelhante ao da aquisição» (artigos 175.º e 176.º da Resposta). Estas afirmações estão inteiramente correctas, mas, obviamente, nada têm a ver com o fundamento invocado: o que a Requerente defende é que se a fusão não fosse efectuada com incorporação das E, F, G e H na D não havia a garantia de poder aproveitar os prejuízos fiscais da D, o que corresponde manifestamente a realidade e não é posto em causa pelo ulterior preço de venda à Requerente da participação do J na D, acordado cerca de um ano depois. Qualquer que fosse o preço de venda que se viesse a acordar, sem incorporação das E, F, G e H na D não estava garantida a possibilidade de aproveitamento dos prejuízos fiscais da D.

Em segundo lugar, sobre esta questão da garantia de aproveitamento dos prejuízos, a Autoridade Tributária e Aduaneira responde que não se pode invocar «a existência de prejuízos fiscais existentes na esfera da D para justificar a dita operação, quando esta última sociedade, no momento em que obteve a poupança, não tinha qualquer ligação ao grupo A». Mas, obviamente, o que está em causa, sob a perspectiva do J, que a Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece ter um papel determinante nas operações, era a possibilidade de deduzir os prejuízos fiscais da D nos lucros da própria D, que passou a ter como a fusão de sociedades com lucros, como veio a suceder, como se refere na alínea ee) da matéria de facto fixada.

Por outro lado, foi apontado também pelas testemunhas para a escolha daquela forma de fusão o inconveniente que seria a escolha de uma de uma das sociedades do grupo (E, F, G e H) para fazer a fusão, pois todas elas tinham sócios minoritários fundadores destas sociedades que poderiam ficar melindrados se outra das sociedades do grupo que não a própria fosse escolhida para continuar a subsistir enquanto a sua era extinta.

A primeira destas razões, só por si, explica perfeitamente a opção pela forma de fusão adoptada, pois é manifesto que os prejuízos fiscais reportáveis ( [3] ) têm um valor económico, por se traduzirem numa poupança fiscal, que é particularmente consistente nos casos de fusão em que as sociedades incorporadas têm lucros. Para além disso, é normal que, entre uma forma de fusão que assegurava essa vantagem fiscal e outras que tornavam a obtenção meramente hipotética, por estar dependente de autorização, os agentes económicos optem pela forma mais segura, pelo que é de presumir que seja esta a razão dessa opção. Para além disso, constata-se que corresponde à realidade que a D, antes da fusão, não gerava lucros que permitissem o aproveitamento fiscal da totalidade desses prejuízos e que só com a fusão esse aproveitamento foi possível, como se infere dos factos indicados nas alíneas m). ee) e ff) da  matéria de facto fixada.

Por isso, sendo mais duvidosa a relevância da segunda razão referida, é de considerar provado que aquela primeira razão foi, pelo menos, o motivo principal da opção pela fusão das E, F, G e H com a D, através da incorporação daquelas nesta.

Por outro lado, não se fez qualquer prova documental ou testemunhal de que a opção por esta fusão ter em vista permitir que o accionista J obtivesse um rendimento isento de IRS.

Assim, um hipotético juízo probatório nesse sentido só poderia basear-se, à face dos meios gerais de prova admitidos em processos arbitrais (que são apenas os meios gerais admitidos em direito, como resulta do artigo 115.º, n.º 1, do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT), numa presunção natural, baseada nas regras da vida e da experiência.

Ora, no caso em apreço, constata-se que, como defende a Requerente, a operação de fusão referida era desnecessária para a criação de um crédito do J sobre a A SGSP, pois se aquele vendesse a sua participação na D à A sem se realizar a fusão ou a fusão fosse feita através da incorporação da D numa das sociedades do grupo A, a transmissão da participação do J na D por um preço que permitisse obter um crédito daquele montante de € 7.906.636,54 (como o valor real da D antes da fusão acrescido de € 7.906.636,54), conduziria ao mesmo resultado, estando a mais-valia obtida isenta de IRS, por força do regime então vigente, pois as acções da D eram detidas pelo J há mais de 12 meses (a última aquisição de participação social da D pelo J ocorreu em 28-06-2007, por ocasião do último aumento de capital).

Por outro lado, a fixação do preço de forma a permitir essa mais-valia, mesmo apenas com base no valor da D antes da fusão, não era uma dificuldade, pois, como se refere no Relatório da Inspecção Tributária, «J foi sempre o interessado e com capacidade para decidir, tanto na venda das ações das E, F, G e H, da A SGPS para a D, como posteriormente na venda das suas ações da D à A SGPS, coube-lhe fixar o preço de venda e de aceitar comprar pelo preço que contratualizou». «Na venda das E, F, G e H pela A SGPS: Era acionista maioritário da A SGPS (vendedora) com 56% do capital e também da D (compradora) com 99% da capital».«Na venda da D à A SGPS: Era o vendedor das ações e acionista maioritário da A SGPS (compradora) com 56% do capital».

Ainda por outro lado, também não era dificuldade a existência de outro sócio da A SGPS, K, pois este partilhava do mesmo objectivo do J de criação de um crédito deste sobre a sociedade no valor de € 7.906.636,54 como contrapartida da perda da maioria no capital dessa sociedade (como a própria Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece nos artigos 196.º e 197.º da Resposta).

Sendo assim, podendo a mais-valia não tributada em IRS, no referido montante de € 7.906.636,54, ser obtida com ou sem a fusão das E, F, G e H na D, não se pode considerar provado, por presunção, que a escolha da forma de fusão teve em vista a criação dessa mais-valia, pois esta forma era irrelevante para este efeito.

Na verdade, a presunção natural que se pode formular numa situação deste tipo, assentando nos factos conhecidos e no comportamento que se pode considerar normal, é no sentido de um juízo probatório negativo quanto a este ponto da forma de fusão ter em vista a formação da mais-valia referida, pois não pode considerar-se normal que os agentes interessados na obtenção de uma vantagem fiscal pratiquem um acto inútil para a obterem, a fusão da E, F, G e H com a D, para mais com custos inerentes. Isto é, a presunção que se pode formular nestas condições, com base num critério de normalidade, é no sentido de que não foi com objectivo de permitir ao accionista J obter, cerca de um ano depois, um rendimento isento de IRS que foi efectuada a fusão da forma referida.

Este juízo probatório negativo é corroborado pelo facto de existir a referida vantagem fiscal derivada dos prejuízos fiscais da D, no montante de € 686.687,86, que, como se referiu, é suficiente, só por si, para explicar a opção por essa forma de fusão.

Por outro lado, a correspondência desta explicação à realidade é confirmada indiciariamente pelo facto de os prejuízos fiscais da D anteriores à fusão terem sido efectivamente aproveitados para efeitos fiscais, como se refere na alínea ee) da matéria de facto fixada.

 

           

3. Matéria de direito

           

3.1. Poderes de cognição dos tribunais arbitrais tribunais tributários

 

O processo arbitral tributário foi criado pelo RJAT como alternativa ao processo de impugnação judicial ( [4] ), pelo que, como este meio processual, é um processo contencioso de anulação de mera legalidade, em que se visa apenas a declaração de ilegalidade de actos dos tipos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do seu artigo 2.º.

Por isso, sendo actos dos tipos referidos o objecto do processo, a sua legalidade tem de ser aferida tal como foram praticados, com a fundamentação que neles foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com os actos praticados. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo jurisdicional.

 

3.2. Interpretação do acto impugnado

 

Por o acto impugnado ser o objecto do processo impugnatório, importa precisar o conteúdo relevante do acto cuja declaração de ilegalidade é pedida não apenas quanto ao seu conteúdo decisório, mas também quanto à sua fundamentação, sendo esta uma tarefa prioritária quando, com sucede no caso em apreço, foram praticados mais que um acto de natureza administrativa, em sentido lato, antes do acto final de liquidação, designadamente o acto que autorizou a aplicação da cláusula geral antiabuso (acto administrativo em matéria tributária de tipo autorizativo) e o acto da Senhora Chefe de Divisão que definiu os termos da sua aplicação, aderindo à fundamentação do Relatório da Inspecção Tributária.

No que concerne ao acto que autorizou a aplicação da cláusula geral antiabuso, a fundamentação assenta, sinteticamente, no seguinte entendimento:

– a alienação da totalidade das acções representativas do capital social das sociedades E, F, G e H efectuada pela A SGPS à D, seguida da fusão na modalidade de incorporação das quatro primeiras sociedades (incorporadas) na D (sociedade incorporante), e, finalmente, a aquisição pela A SGPS S.A. das acções representativas de 78,23% do capital social da D que J detinha, mais não foram do que um expediente para iludir as normas fiscais vigentes e desse modo evitar a tributação devida se a operação decorresse nos modos considerados típicos e usuais, isto é, pela distribuição de lucros da A SGPS S.A. ao accionista J (ponto 9 da Informação n.º 66/2013, em que assentou a autorização para aplicação da cláusula geral antiabuso);

– «a sequência lógico-cronológica em que foram celebrados os negócios jurídicos elencados supra permite antever um esquema concertado de natureza fraudulenta constituído por vários negócios jurídicos cujas formas jurídicas - lícitas quando consideradas per se – foram abusivamente utilizadas e cujo objetivo exclusivo, ou, no mínimo, principal ou essencial, foi iludir a tributação que de modo usual, isto é, sem a manipulação jurídica utilizada, incidiria sobre a distribuição de lucros gerados pela A SGPS S.A. ao seu acionista J» (ponto 10 da mesma Informação);

– «em condições normais, isto é, sem a motivação exclusiva da evitação fiscal, seriam distribuídos a J pela A SGPS S.A. os respectivos lucros qualificados como rendimentos de capitais e cuja tributação se encontra prevista na al. h) do n.º 2 do art. 5.º do CIRS, na redação vigente à data. Tal facto determinaria a tributação em IRS, relativamente ao ano de 2009, a realizar através de retenção na fonte no montante de € 1.581.327,31 (€ 7.906.636,54 s 20% - taxa liberatória prevista na al. c) do n.º 3 do art. 71.º do CIRS, na redação em vigor em 2009)» (ponto 34 da mesma Informação);

– «a disposição antiabuso constante do n.º 2 do art. 38.º da LGT só pode operar de modo residual, isto é, na impossibilidade de aplicação de uma disposição especial antiabuso que vise fazer face àquela concreta situação abusiva», mas a situação não encontra enquadramento em qualquer disposição antiabuso especial, designadamente nas dos artigos 63.º, 65.º, 66.º e 67.º do CIRC, pelo que «na ausência de qualquer disposição específica antiabuso dirigida à situação tributária como aquela de que trata este procedimento específico, não resta alternativa – daí a sua aplicação ser residual – senão aplicar a disposição antiabuso constante do n.º 2 do art. 38.º da LGT».

 

O despacho da Senhora Chefe de Divisão que concretiza a aplicação da cláusula geral antiabuso manifesta concordância com «as correcções técnicas propostas em sede de IRS – retenções na fonte sobre rendimentos de capitais descritas no ponto III» do Relatório da Inspecção Tributária (versão final) em que se remete para a fundamentação das «Informações já notificadas ao sujeito passivo».

Nesse ponto III refere-se, além do mais o seguinte:

 

– «... foi apurado que o administrador do sujeito passivo, J, beneficiou de um adiantamento por conta de lucros, no montante de € 7.906.636,54 que deveria ter sido tributado à taxa liberatória de IRS de 20%, prevista no art. 71.º, n.º 1, al. c) do CIRS, estando por isso em falta nos cofres do Estado o montante de € 1.581.327,31»;

«... deve ser efetuada a tributação do saldo artificiosamente criado a favor de J, como adiantamento por conta de lucros, à taxa liberatória prevista no art. 71.º, n.º 1, al. c) do CIRS, devendo ser retido na fonte pela entidade devedora dos rendimentos (art. 101.º, n.º 2, al. a) do CIRS), aquando da colocação à disposição (art. 7º, n.º 3, al. b), subal. 2) do CIRS) e entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte (art. 98.º, n.º3 do CIRS).

– Tendo a venda da D à A SGPS ocorrido em 2009-12-28, a retenção na fonte à taxa de 20% sobre €7.906.636,54, ou seja € 1.581.327,31, deveria ter sido entregue nos cofres do Estado, pela A SGPS, em 20 de Janeiro de 2010».

 

Embora haja uma aparente divergência na indicação da alínea c) do artigo 71.º do CIRS, que no acto de autorização se indica ser o n.º 3, enquanto no acto de aplicação se refere ser o n.º 1, trata-se do mesmo regime legal, pois à alínea c) do n.º 3 do artigo 71.º na redacção do Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7 de Novembro, corresponde a alínea c) do n.º 1 na redacção da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril.

Outra diferença entre a fundamentação dos dois actos é a de que no segundo qualifica-se a criação de um saldo a favor de J, como «adiantamento por conta de lucros», qualificação que não é feita no primeiro.

De qualquer forma, sendo o acto da Senhora Chefe de Divisão o que define a posição final da Autoridade Tributária e Aduaneira perante o sujeito passivo, no que concerne à fundamentação das correcções, é a este que se deverá atender, nos pontos em que não haja coincidência com as Informações anteriores.

 

3.3. Regime de aplicação da cláusula geral antiabuso

 

O artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária estabelece uma cláusula geral antiabuso, nos termos da qual «são ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas»

 

 

3.3.1. Planeamento fiscal legítimo e ilegítimo

 

Nas definições elaboradas por Saldanha Sanches ( [5] ): o planeamento fiscal legítimo «consiste numa técnica de redução da carga fiscal pela qual o sujeito passivo renuncia a um certo comportamento por este estar ligado a uma obrigação tributária ou escolhe, entre as várias soluções que lhe são proporcionadas pelo ordenamento jurídico, aquela que, por acção intencional ou omissão do legislador fiscal, está acompanhada de menos encargos fiscais»; enquanto que o planeamento fiscal ilegítimo «consiste em qualquer comportamento de redução indevida, por contrariar princípios ou regras do ordenamento jurídico-tributário, das onerações fiscais de um determinado sujeito passivo».

Dentro do quadro do planeamento fiscal podemos, assim, distinguir as situações em que o sujeito passivo actua contra legem, extra legem e intra legem.

Quando este actua contra legem, a sua actuação é frontal e inequivocamente ilícita, pois infringe directamente a lei fiscal, e configura uma fraude fiscal ( [6] ) passível, inclusive, de ser objecto de censura contra-ordenacional ou criminal.

A actuação extra legem ocorre quando o sujeito passivo aproveita de forma abusiva a lei para chegar a um resultado fiscal mais favorável, pese embora este não a violar directamente. Este adopta «um comportamento que tem como finalidade exclusiva ou principal contornar uma ou várias normas jurídico-fiscais, de modo a conseguir a redução ou a supressão do encargo fiscal» ( [7] ). Sendo que dessa ou dessas normas jurídico-fiscais se deve detectar uma tentativa de contornar «uma clara intenção de tributar afirmada pelos princípios estruturantes do sistema» ( [8] ). Este tipo de actuação é comummente designada de «fraude à lei fiscal» mas, conforme alerta Saldanha Sanches, pretendendo melhor ilustrar e distinguir estas situações das de fraude fiscal, também designada de «evitação abusiva de encargos fiscais», «evitação fiscal abusiva» ou ainda «elisão fiscal»( [9] ).

Só se afigura legítima – e, assim, planeamento fiscal legítimo ou não abusivo – a actuação intra legem. Com efeito, a obtenção de uma poupança fiscal não constitui um comportamento proibido pela lei, desde que a actuação não se enquadre na supra referida actuação extra legem ( [10] ).

A doutrina e a jurisprudência têm vindo a desconstruir a letra da norma apontando cinco elementos nela patentes. Correspondendo um dos elementos à estatuição da norma, os restantes quatro afiguram-se requisitos cumulativos que permitem aferir – como se de um teste se tratasse – quanto à verificação de uma actividade caracterizável como um planeamento fiscal abusivo ( [11] ).

Estes elementos, em torno dos quais ambas as partes aliás constroem a sua argumentação, consistem:

– no elemento meio, que diz respeito à via livremente escolhida – acto ou negócio jurídico, isolado ou parte de uma estrutura de actos ou negócios jurídicos sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário – pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal ( [12] );

– no elemento resultado, que contende com a obtenção de uma vantagem fiscal, em virtude da escolha daquele meio, quando comparada com a carga tributária que resultaria da prática dos actos ou negócios jurídicos «normais» e de efeito económico equivalente ( [13] );

– no elemento intelectual, que exige que a escolha daquele meio seja «essencial ou principalmente dirigid[a] [...] à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos» (artigo 38.º, n.º 2 da LGT), ou seja, que exige não a mera verificação de uma vantagem fiscal, mas antes que se afira, objectivamente, se o contribuinte «pretende um acto, um negócio ou uma dada estrutura, apenas ou essencialmente, pelas prevalecentes vantagens fiscais que lhe proporcionam» ( [14] );

– no elemento normativo, que «tem por sua função primordial distinguir os casos de elisão fiscal dos casos de poupança fiscal legítima, em consideração dos princípios de Direito Fiscal, sendo que só nos casos em que se demonstre uma intenção legal contrária ou não legitimadora do resultado obtido se pode falar naquela »( [15] );

– e, por fim, no elemento sancionatório, que, pressupondo a verificação cumulativa dos restantes elementos, conduz à sanção de ineficácia, no exclusivo âmbito tributário, dos actos ou negócios jurídicos tidos por abusivos, «efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas» (parte final do artigo 38.º, n.º 2, da LGT).

Apesar desta desconstrução, a análise dos elementos não pode ser estanque, pois, como realça Courinha, «a fixação de um elemento pode, na prática, depender de um outro», pelo que estes «não deixarão com frequência [...] de auxiliar-se mutuamente» ( [16] ).

Apreciemos, tendo este aspecto em consideração, os elementos da cláusula geral antiabuso tendo em atenção a fundamentação da decisão, os factos provados, e a argumentação jurídica das partes.

 

3.3.2. Análise da situação

 

3.3.2.1. O objectivo visado com as operações

 

Um dos elementos de aplicação da cláusula geral antiabuso é que os actos ou negócios jurídicos sejam essencial ou principalmente dirigidos à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios.

No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a sequência de actos consubstanciada na alienação pela A SGPS à D das suas participações nas E, F, G e H na D, posterior fusão destas com a D, em que foram incorporadas, e posterior venda da participação de 78,23% que o J tinha à A SGPS por um preço substancialmente superior ao daquela primeira alienação consubstancia abuso de formas jurídicas «cujo objetivo exclusivo, ou, no mínimo, principal ou essencial, foi iludir a tributação que de modo usual, isto é, sem a manipulação jurídica utilizada, incidiria sobre a distribuição de lucros gerados pela A SGPS S.A. ao seu acionista J» (ponto 10 da fundamentação da decisão de autorização da aplicação da cláusula geral antiabuso).

A Requerente defende que aquele não foi um objecto visado pelo conjunto de operações referido e, designadamente, que a aquisição das acções das E, F, G e H pela D e a posterior fusão daquelas nesta visaram concretizar a pretendida fusão (cuja adequação não é questionada pela Autoridade Tributária e Aduaneira) com garantia de aproveitamento fiscal dos prejuízos acumulados pela D em anos anteriores.

Pelo que já se referiu pormenorizadamente no ponto 2.2.4., é de considerar provado que este motivo invocado pela Requerente foi, pelo menos, o motivo principal da opção pela fusão das E, F, G e H na D, em que foram incorporadas, e que a opção pela referida forma de fusão era desnecessária para atingir um hipotético objectivo de gerar um crédito do J sobre a A do valor de € 7.906.636,54, pois poderia ser obtido um crédito desse montante através da venda à A da participação do J na D, sem fusão, valorizando a sua participação de forma a que o valor do crédito fosse esse, operação esta que beneficiaria, da mesma forma, da não tributação em IRS a nível de mais-valias.

Por outro lado, no que concerne à valorização que foi atribuída à participação do J na D, aparentemente excessiva quando comparada com o valor por que as E, F, G e H foram vendidas pela Requerente à D, foi dado como provado que «verdadeiro objectivo» visado foi «proporcionar e garantir ao sócio J uma remuneração pela alteração da sua posição acionista no Grupo A, que passou de 54% para 50%, tendo o sócio K abdicado de rendimentos futuros relativos a dividendos, por contrapartida de uma posição de igualdade no capital do grupo empresarial», como é reconhecido pela Autoridade Tributária e Aduaneira nos artigos 196.º e 197.º da Resposta, em sintonia com o que é defendido pela Requerente no artigo 94.º do pedido de pronúncia arbitral.

Por isso, também quanto a este ponto, a prova que consta dos autos contraria a tese adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao efectuar as correcções que estão subjacentes à liquidação de IRS impugnada.

De qualquer forma, mesmo que se ficasse numa situação de dúvida sobre a existência de uma hipotética intenção subjacente às operações referidas de criar um crédito do J susceptível de ser utilizado para camuflar distribuição de incertos e eventuais lucros da Requerente, sempre essa dúvida teria de ser processualmente valorada a favor da Requerente e não contra ela, em face da regra do artigo 100.º do CPPT, que estabelece 1 «sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado» [esta regra é subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º1, alínea c), do RJAT].

Consequentemente, conclui-se que o acto impugnado enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto, ao assentar na suposição errada de que o conjunto de actos referido foi levado a cabo com o objectivo principal de proporcionar ao J uma vantagem fiscal a nível da tributação da quantia que tinha a receber pela venda das suas participações à Requerente: o objectivo principal da opção pela forma fusão utilizada foi aproveitar os prejuízos fiscais da D; o objectivo da criação do crédito do J, foi compensá-lo da perda da participação maioritária no capital da Requerente.

O primeiro objectivo referido é, claramente, um objecto fiscal, mas a fundamentação da correcção efectuada não lhe faz referência como sendo um objectivo fraudulentamente atingido, pelo que a questão da aplicação da cláusula geral antiabuso relativamente aos prejuízos fiscais não se coloca no presente processo, em que está em causa, como se disse, aferir a legalidade do acto impugnado tal como foi praticado.

 

3.3.2.2. Questão da violação da natureza subsidiária da cláusula geral antiabuso

 

A Requerente defende que a cláusula geral antiabuso tem natureza subsidiária em relação ao regime dos preços de transferência previsto no artigo 63.º do CIRC, por ser especialmente previsto para reagir contra a prática de preços artificiosos por entidades especialmente relacionadas. Defende a Requerente, em suma, que no caso presente se estaria perante uma situação susceptível de aplicação do regime de preços de transferência, pelo que será ilegal a aplicação da cláusula geral antiabuso.

A prevalência do regime especial do artigo 63.º do CIRC sobre a cláusula geral antiabuso, no seu específico domínio de aplicação, é expressamente afirmada na informação em que se baseou a autorização de aplicação da cláusula geral antiabuso e é defendida pela Requerente, no presente processo, pelo que não há controvérsia sobre este ponto.

O artigo 63.º, n.º 1, do CIRC, na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, estabelece que «nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis».

No caso em apreço, é manifesto que existiam relações especiais entre a Requerente, a D e o J (nos termos do n.º 4 daquele artigo 63.º), mas não há elementos nos autos que permitam concluir com segurança que o preço de venda à Requerente da participação deste na D é diferente do que seria acordado entre pessoas independentes. Designadamente, como nota a Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 202.º da Resposta, «em momento algum o relatório de inspecção tributária refere ou considera que a mais-valia obtida é exagerada».

Por isso, sem afastar em abstracto a eventual adequação do regime dos preços de transferência, não se pode considerar demonstrado que a aplicação do regime da cláusula geral antiabuso seja ilegal, por se estar perante situação em que deveria ser aplicado o regime dos preços de transferência.

 

3.3.2.3. Inexistência de facto tributário

 

A Requerente formula, mas apenas a título subsidiário, um pedido de anulação por não ter existido facto tributário, alegando, em suma, que não se provou que o J tivesse recebido ou devesse receber qualquer quantia da Requerente, no ano de 2009, e que só existirá rendimento tributável em IRS, passível de retenção na fonte, quando o rendimento for disponibilizado, nos termos da Circular da DGCI n.º 1/93, de 20 de Janeiro.

O artigo 101.º do CPPT, subsidiariamente aplicável, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, estabelece que «o impugnante pode arguir os vícios do acto impugnado segundo uma relação de subsidiariedade».

Nos termos do artigo 554.º, n.º 1, do CPC, «diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior».

No caso em apreço, pelo que se disse, o acto impugnado enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto, que justifica a sua anulação (artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo), pelo que o pedido principal deverá ser julgado procedente.

Consequentemente, fica prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário.

 

4. Decisão

 

 

            De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral por não se verificarem os pressupostos legais de aplicação da cláusula geral antiabuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT;

b)      Anular a liquidação de retenções na fonte de IRS n.º ..., no valor de € 1.581.327,31 e a liquidação de juros compensatórios n.º 2013 ..., no valor de € 230.830,46, o que perfaz o total de € 1.812.157,77, nos termos da Demonstração de Liquidação de Retenções na Fonte de IRS n.º 2013 ...;

c)      Considerar prejudicado e não tomar conhecimento do pedido subsidiário

 

 

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC de 2013, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.812.157,77.

 

Lisboa, 30-09-2014

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(Tomás Cantista Tavares)

 

 

 

 

 

(João Menezes Leitão, com declaração de voto)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto

Processo n.º 142/2014-T

 

1. Encontro-me vencido relativamente à decisão arbitral que fez vencimento de anulação da liquidação de IRS (retenção na fonte) impugnada por não verificação dos pressupostos de facto necessários à aplicação do disposto no n.º 2 do art. 38.º da Lei Geral Tributária, dissentindo inteiramente do julgamento realizado e da correspondente concretização do Direito que foi efectuada no caso sub judice.

Impõe-se, pois, a apresentação da presente declaração de voto de vencido, de modo a explicitar devidamente, em conformidade com o previsto no n.º 5 do artigo 22.º do RJAT, as razões da minha divergência com o julgado[17].

 

a) Do objecto do processo

 

2. Previamente parece-me importante descrever com precisão o objecto do litígio, de modo a que se compreendam com clareza as questões que se impunha ao tribunal arbitral resolver. Seja como for que se deva interpretar o deficiente enunciado remissivo do n.º 2 do art. 22.º do RJAT, tenho por útil e vantajoso que, num processo como o presente, conste com nitidez, no componente clássico do conteúdo formal da decisão que é o relatório, a identificação do objecto do litígio, bem como a fixação da questão ou questões que ao tribunal cumpre solucionar (cfr. art. 123.º, n.º 1 do CPPT e art. 607.º, n.º 2 do CPC 2013). Se é sempre indispensável para apreender devidamente a matéria em apreciação proceder a uma adequada identificação preliminar dos factos que constituem o objecto do litígio, num caso em que se trata da aplicação da cláusula geral anti-abuso objecto do art. 38.º, n.º 2 da LGT, que envolve o exame de uma pluralidade de circunstâncias para efeitos da integração dos elementos constitutivos da previsão legal, a recognição precisa do objecto do litígio é fundamental para a compreensão plena e rigorosa dos contornos da lide.

Não foi esta a opção seguida na decisão arbitral que fez vencimento, que preferiu antes entrar imediatamente em media res, já que, após o relatório mencionar, quanto ao objecto do processo, tão simplesmente a pretensão de anulação da liquidação de IRS (retenção na fonte) n.º ..., com fundamento na não verificação dos pressupostos legais de aplicação do disposto no artigo 38.º, n.º 2, da LGT e, subsidiariamente, por, em 2009, não ter ocorrido o facto tributário, seguem-se logo os fundamentos, com a especificação dos factos provados.

Ora, tenho para mim que esta omissão da identificação precisa dos factos objecto do litígio está na raiz de certos equívocos na apreciação da factualidade relevante que encontro na decisão arbitral que fez vencimento e que conduziram à minha discordância com o julgado, nos termos que a seguir explicito.

Por isso, ainda que se esteja aqui simplesmente no âmbito de um voto de vencido, entendo indispensável principiar por enunciar o que constitui o núcleo material do litígio.

 

b) A operação em causa

 

3. Pois bem, o objecto do litígio respeita à aplicação da cláusula geral anti-abuso no âmbito da seguinte factualidade (cfr. a proposta de aplicação da cláusula anti-abuso referida na alínea ss) dos factos provados, pp. 4 e segs., a Informação n.º 166/2013 sobre a aplicação da disposição anti-abuso reportada na alínea uu) dos factos provados, pp. 2 e segs. e p. 23, bem como os n.ºs 10 a 19 da Petição Inicial, a seguir abreviadamente PI):

i) K (44%) e J (56%) eram sócios da sociedade A SGPS, que detinha participações sociais nas sociedades I (100%), B (84%), C (79%), D (0,033%), E (96%), F (59%), G (76%) e H (100%);

ii) em 24.11.2008 iniciou-se um processo de fusão por incorporação das sociedades E, F, G e H na D, que era detida em 99,9% por J, tendo o registo da fusão ocorrido em 31.12.2008, com a data da fusão a ser reportada, para efeitos contabilísticos, a 1.1.2008;

iii) a incorporação das sociedades E, F, G e H na D foi precedida da aquisição, em 3.12.2008, pela D à A SGPS das participações detidas naquelas sociedades E, F, G e H pelo valor de €4.327.796,59;

iv) o pagamento desta aquisição foi efectuado com dois cheques da D, datados de 26.12.2008 nos montantes de €2.527.796,59 e €1.800.000,00, para o que foi realizado um aumento de capital da D no montante de €4.327.796,59, integralmente subscrito por J, mediante cheque do BCP datado de 22.12.2008 e depositado na conta do D no dia seguinte;

v) em assembleia geral realizada em 12.12.2008, a A SGPS deliberou reduzir o seu capital social em €4.350.000,00, tendo os acionistas J e K recebido, respectivamente, €2.424.565 e €1.925.435;

vi) em 16.10.2009 a A SGPS alienou, pelo montante global de €472.877,39, a sua participação de 100% do capital da I a J e a K (50% a cada um);

vii) em 28.12.2009 a A SGPS adquiriu a J a participação de 78,23% por este detida na D pelo montante de €13.000.000,00;

viii) em 30.12.2009, J e K alienam 100% do capital da A SGPS à I por €42.000.000.

 

4. Observando que no conjunto dos factos acima descritos se verificou que a sociedade A SGPS era titular de participações em quatro sociedades E, F, G e H que alienou à sociedade D, detida em 99,9% por J, pelo valor de €4.327.796,59 para, após a sua incorporação na sociedade D, readquirir novamente estas sociedades E, F, G e H, rectius os respectivos patrimónios e atividades empresariais agora na D, através da aquisição, pelo montante de €13.000.000,00, da participação de 78,23% então detida por J nesta mesma D, a Administração Tributária considerou apurarem-se “negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos por meios artificiosos e com abuso das formas jurídicas à redução de impostos que seriam devidos sem a utilização desses meios, constituindo fundamento para que se recorresse à aplicação da norma antiabuso prevista no n.º 2 do art. 38.º da LGT” (cfr. o Relatório de Inspeção Tributária a que se reporta a alínea yy) dos factos provados, a seguir RIT, ponto III.1).

A consideração como abusiva desta atuação assentou, de acordo com a proposta de aplicação da cláusula anti-abuso referida na alínea ss) dos factos provados (pp. 18-19), no seguinte:

i) O objectivo final deste conjunto de atos “era a fusão da área comercial do Grupo A numa única sociedade mantendo o controlo desta atividade”;

ii) esta reestruturação foi, porém, realizada de uma forma que compreendeu “atos inúteis para o fim pretendido, que não maximizaram os ganhos da A SGPS”, mas serviram apenas para o acionista J obter “uma mais-valia avultada (cerca de 8 milhões de euros) excluída de tributação, ao abrigo do disposto no art. 10.º, n.º 2, al. a) do CIRS, em vigor à data da alienação”;

iii) pretendeu-se, por este modo, “gerar de forma artificial uma mais valia não tributada, através do recurso a atos inúteis para o fim económico pretendido (reestruturação do grupo A), mas essenciais à obtenção de uma vantagem fiscal, consubstanciada na possibilidade de a A SGPS efetuar pagamentos ao acionista J sem que houvesse lugar a tributação em sede de rendimentos de capitais”;

iv) “caso não tivesse sido realizado este negócio desta forma, J não seria credor da A SGPS no montante de €12.763.562,31 (saldo em 31.12.2009)”;

v) “o ato de idêntico fim económico seria a fusão das sociedades sem qualquer venda de participações sociais pela A SGPS”.

Assim, conforme se estabelece na proposta de aplicação da cláusula anti-abuso (cfr. a alínea ss) dos factos provados e a reprodução aí feita de trechos desta informação) e surge reproduzido na Informação n.º 166/2013 sobre a aplicação da disposição anti-abuso (cfr. a alínea uu) dos factos provados):

os negócios jurídicos que motivam a aplicação da Cláusula Geral Antiabuso (CGA) são:

• Em 2008-12-03, a A SGPS aliena à D as ações das sociedades E, F, G e H que detinha, pelo montante de € 4.327.796,59.

• Em 2008-12-31, as sociedades D, E, F, G e H fundem-se, pela incorporação das sociedades E, F, G e H na D.

• Em 2009-12-28, a A SGPS adquire a J as ações que este detinha no capital da D, representativas de 78,20%, pelo montante de € 13.000.000,00”.

Em consequência, considerou a AT que “deve ser efectuada a tributação do saldo artificiosamente criado a favor de J, como adiantamento por conta de lucros, à taxa liberatória prevista no art. 71.º, n.º 1 [recte n.º 3], al. c) do CIRS, devendo ser retido na fonte pela entidade devedora dos rendimentos (art. 101.º, n.º 2, al. a) do CIRS), aquando da colocação à disposição (art. 7.º, n.º 3, al. b) [recte al. a], subal. 2) do CIRS e entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte (art. 98.º, n.º 3 do CIRS)” – cfr. RIT, ponto III.2, reproduzido na alínea yy) dos factos provados.

 

5. Vale a pena assinalar que a possibilidade de consubstanciar neste quadro factual um “esquema” de planeamento fiscal é, significativamente, assumido com frontalidade (ou impudência, conforme a perspectiva) pela Requerente, que escreve, no n.º 25 da sua PI, o seguinte:

- “é conhecido um “esquema” de planeamento fiscal, relativamente corrente antes da revogação do n.º 2 do art. 10.º do CIRS (não sujeição a imposto das mais-valias obtidas na alienação de ações detidas há mais de 12 meses), visando a “transformação” de dividendos (tributáveis) em mais-valias (não tributáveis), o qual consistia, em resumo, no seguinte:

- A, pessoa singular, é sócio dominante de uma sociedade (Alfa) que, por sua vez, é sócia dominante de uma outra sociedade, Beta:

- Em regra, Alfa possui avultadas reservas disponíveis (traduzidas, normalmente, em grande liquidez), resultantes de uma política de não distribuição sistemática de dividendos.

- Alfa aliena as ações que detém no capital de Beta a A pelo preço de X.

- Passado um ano (período que era necessário para a não sujeição a imposto das mais-valias), A aliena ações representativas do capital de Beta (ou seja, as mesmas ações) a Alfa, por um preço de Y, muito superior a X (isto é, ao preço pelo qual as havia adquirido).

- Alfa paga o preço Y.

- Em resultado A recebe Y a titulo de mais-valias (não sujeitas a imposto), ou seja, aquilo que, normalmente, receberia sob a forma de dividendos (tributados)”.

 

6. Deste modo, o fulcro do objecto do litígio era, precisamente, verificar se ocorreu no âmbito da factualidade acima descrita, em termos que legitimem a aplicação da cláusula geral anti-abuso, este “esquema” de planeamento fiscal dirigido à ““transformação” de dividendos (tributáveis) em mais-valias (não tributáveis)”. Como tal, o núcleo essencial da operação, cuja qualificação como abusiva se discutiu neste autos, respeitava, para utilizarmos uma expressão da Requerente, ao “vai e vem das participações sociais” (n.º 29 da PI), ainda que com a “variante”[18] desse “vai e vem” compreender medio tempore a incorporação das sociedades, cujas participações foram transmitidas, noutra sociedade, que é, de seguida, transmitida à entidade originariamente titular daquelas sociedades. Mais precisamente, a factualidade essencial que se encontrava em apreciação para efeitos da subsunção à previsão legal do n.º 2 do art. 38.º da LGT prendia-se, como acima se indicou, com a alienação, em 03.12.2008, pela A SGPS à D das ações das sociedades E, F, G e H pelo montante de € 4.327.796,59, seguida da incorporação, em 31.12.2008, das sociedades E, F, G e H na D, e, depois, da aquisição, em 28.12.2009, pela A SGPS a J da participação de 78,20% que este detinha no capital da D pelo montante de € 13.000.000,00.

Para a AT, como se citou, configurou-se na situação em presença uma atuação abusiva com enquadramento no n.º 2 do art. 38.º da LGT.

Para a Requerente, o que sucedeu foi que “a AT, do conjunto dos factos que apurou – os quais se, considerados na sua totalidade, nos dão o retrato fiel da realidade – escolheu uns (os que permitiriam “encaixar” a realidade sub judice no “esquema” de planeamento fiscal atrás sumariamente descrito) e “esqueceu” outros (os que não se “encaixam” nesse esquema”, de forma a tentar alcançar um “objetivo” predefinido: “justificar” a liquidação ora em causa”, pelo que “[b]astará considerar a totalidade dos factos apurados pela AT para se concluir que, no caso concreto, não houve quaisquer operações artificiais motivadas por um propósito fiscal, que a realidade não se “encaixa” no “esquema” cuja existência a AT pretendeu “construir”” (n.ºs 27 e 28 da PI). Em ordem a afastar este “encaixe”, sustenta, em particular, a Requerente que existiram três ordens de razões para se ter optado pelo conjunto de operações que foi realizado, que constituiriam, assim, as motivações dessas operações (cfr. arts. 49 a 79 da PI): A) existência de sócios minoritários; B) utilização de prejuízos fiscais reportáveis na D; C) incentivo Fiscal ao aumento de capital social, em numerário, por pessoas singulares.

É este, pois, o contexto litigioso de que emerge como questão decidenda principal a legitimidade, em face das circunstâncias do caso e dos requisitos legais, da aplicação da cláusula geral anti-abuso prevista no n.º 2 do art. 38.º da LGT.

 

 

c) Da factualidade provada e não provada

 

7. Naturalmente, o ponto de partida para apreciar a correção da aplicação administrativa da cláusula anti-abuso na situação dos autos é a própria factualidade dada como provada (ou como não provada). Pois bem, não consigo subscrever diversos elementos constitutivos do probatório e da sua fundamentação que foram adoptados na decisão arbitral que fez vencimento.

Desde logo, mesmo que pareça excessivo formalismo, não posso deixar de começar por dizer que julgo mais curial discriminar precisamente a matéria de facto considerada provada da matéria de facto alegada considerada não provada em vez de, como se optou na decisão arbitral que fez vencimento, incorporar a factualidade considerada não provada na fundamentação da decisão da matéria de facto. O n.º 2 do art. 123.º do CPPT determina que: “O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões”, o que supõe que se indique e autonomize, por um lado, a matéria de facto considerada como provada e, por outro lado, a matéria de facto dada como não provada, para, depois, em sede própria, se proceder devidamente à fundamentação da decisão da matéria de facto, tanto no que concerne aos factos provados como no que concerne aos factos não provados.

De qualquer modo, o que sobremaneira aqui releva assinalar são as razões da minha discordância com a apreciação crítica que foi feita de certos elementos de prova e com a convicção consequentemente formada.

 

8. Seguindo, por ordem, a enunciação dos factos provados, discordo dos termos em que a decisão que fez vencimento decidiu desagregar a D – “sociedade veículo da operação” (cfr. alínea ee) dos factos provados) – do Grupo A.

Repare-se que na alínea r) dos factos provados consta um quadro representativo do Grupo A, com a legenda “Situação do Grupo em 2008-04-17”, o qual não compreende a sociedade D. Em nota de rodapé 1, inserida a propósito desta al. r) dos factos provados, lê-se: “No quadro que segue, baseado no que consta do artigo 34.º da Resposta, suprimiu-se a referência à D, que nele a Autoridade Tributária e Aduaneira inseriu (associada ao nome J), pois sendo o quadro referente à «Situação do Grupo A em 2008-04-17» (e não dos seus sócios), para reflectir a realidade não pode incluir a D, cujo capital, nesta data apenas era detido pela A SGPS em 0,0018 (€ 100 num capital de € 5.295.000). Aliás, será, decerto, pela irrelevância desta participação irrisória da A SGPS no capital da D que a Autoridade Tributária e Aduaneira nem a referiu no quadro, fazendo referência, antes, à participação na D detida pelo J, fora do Grupo”.

Tenho dificuldade em compreender quer a forma como assim se excluiu (em esclarecimento em nota de rodapé) quer a própria decisão de excluir a sociedade D do Grupo A.

Antes de mais, assinalo que este específico facto parece pertinente para os autos, pois em múltiplos locais da PI, em ordem a afastar a aplicação ao caso do esquema de planeamento fiscal descrito dirigido à ““transformação” de dividendos (tributáveis) em mais-valias (não tributáveis)” (vd. supra n.º 5), a Requerente alega que J detinha “fora do grupo A” 99,96% do capital social da D (n.º 4 da PI), que “nenhuma das sociedades integrantes do grupo A tinha tido participação no capital social da D” (n.º 6 da PI), que esta sociedade D “nunca tinha integrado o grupo A” (n.º 20), que a “sociedade D (antes, L) nunca havia integrado o grupo A, sempre foi uma sociedade independente, que, é certo, revendia produtos fabricados por outras sociedades integrantes do grupo A, mas que vendia também artigos da concorrência” (n.º 30 da PI), falando na “sociedade exterior ao Grupo, a D/L”, na “sociedade D (antes, L) “exterior ao grupo” (n.º 34). No n.º 31 da PI, a Requerente refere mesmo que é “abusivo o “desenho” que a AT, na pág. 5 (sic) do Relatório, faz do grupo A, de forma a sugerir que nele se inclua a sociedade D”, desenho este que corresponde ao que consta do art. 32.º da Resposta da AT.

Resulta daqui que a questão de saber se a D integrava ou não o Grupo A parece colocar-se como matéria relevante a merecer uma consideração específica e própria em sede de factualidade provada.

Pois bem, como é evidente a resposta a esta questão depende, desde logo, do modo de definir o Grupo A. Na indicada nota de rodapé diz-se que como o quadro se refere à situação do Grupo A e não dos seus sócios, não pode incluir a D. Porém, se se definir o Grupo A como o conjunto de sociedades detido, ainda que com distintas participações, pelos sócios K e J (e são eles que estão em causa na realização do processo de reestruturação como se refere na alínea s) dos factos provados), já parece que se deve incluir a D no Grupo A; igualmente se se definir o Grupo A como o conjunto de sociedades em que a A SGPS detém uma participação, então também inclui a D, pois ainda que irrisória, a A SGPC detinha uma participação de €100 na D[19] (capital esse que em 17.4.2008 era de 300.000,00 – cfr. alínea e) dos factos provados – e não de €5.295.000 como, por lapso, se refere na mencionada nota de rodapé); ainda, se se definir o Grupo A como o conjunto de sociedades que adoptam a denominação A, então também inclui a D, pois a denominação integral desta sociedade passou a ser, desde 28.06.2007[20], A-Equipamentos Comerciais, SA.

Em face disto, julgo que a melhor forma de aferir a realidade da integração da D no Grupo A – que constitui matéria relevante para a decisão da causa – é atender aos próprios elementos elaborados pelos intervenientes na operação de reestruturação. Ora, no projeto de fusão das sociedades E, F, G e H na D, datado de 24 de Novembro de 2008 (cfr. o que se refere na alínea s) dos factos provados e o anexo 6 à proposta de aplicação da cláusula anti-abuso) afirma-se, em relação a todas estas sociedades D, E, F, G, H que “as sociedades supra identificadas integram o Grupo A, reconhecido atualmente como o maior produtor nacional de estanteria metálica, sendo igualmente um Grupo de referência na área de fabricação de móveis refrigerados” (p. 2). Consta também neste projeto de fusão (referida p. 2) um quadro com “a estrutura societária actual do Grupo A” que coincide com o quadro constante do art. 34.º da Resposta e com os quadros antecedentes provenientes da proposta de aplicação da cláusula anti-abuso (p. 5) e da Informação n.º 166/2013 sobre a aplicação da disposição anti-abuso (p. 6)[21].

Cite-se, ainda, o contrato de compra e venda de ações datado de 17.4.2008 junto como anexo 5 à proposta de aplicação da cláusula anti-abuso, assinado, entre outros, por J e K, no qual consta, na cláusula 7, a indicação da A-Equipamentos Comerciais, SA como sociedade do Grupo A[22].

Deste modo, distintamente do que se efetuou no probatório constante da decisão arbitral que fez vencimento (que afastou esta inclusão por força do indicado na nota de rodapé), e contrariamente ao que foi alegado pela Requerente, daria como provado que a sociedade D integrava o Grupo A, o qual se define precisamente pelos respectivos sócios de referência, como, aliás, se indica no projeto de fusão (anexo 6 à proposta de aplicação da cláusula anti-abuso): “Atualmente, o Grupo A é maioritariamente detido pelos acionistas de referência Dr. K e Dr. J” (p. 2). Aliás, neste mesmo projeto de fusão declara-se explicitamente que “a referida operação de fusão se verifica no âmbito de um projeto individual do Dr. J, administrador e acionista quase totalitário da sociedade A Equipamentos Comerciais e do Dr. K, administrador e acionista de referência de algumas sociedades do Grupo, em que ambos pretendem adquirir e concentrar a atividade comercial desenvolvida e as sociedades incorporadas supra referidas” (p. 4).

Esta factualidade era relevante para verificar, para utilizar as próprias afirmações da Requerente, o “vai e vem das participações sociais” necessário à “transformação” de dividendos (tributáveis) em mais-valias (não tributáveis)”.

 

9. Tenho também reservas quanto aos termos em que se deu como provada a factualidade que consta da alínea oo) do probatório, cujo teor é o seguinte: “Com a fixação em € 13.000.000 do valor de aquisição pela A SGPS de 78,23% do capital da D, os sócios J e K tiveram como «verdadeiro objectivo» «proporcionar e garantir ao sócio J uma remuneração pela alteração da sua posição acionista no Grupo A, que passou de 54% para 50%, tendo o sócio K abdicado de rendimentos futuros relativos a dividendos, por contrapartida de uma posição de igualdade no capital do grupo empresarial» (acordo das Partes materializado no teor dos artigos 94.º do pedido de pronúncia arbitral e 196.º e 197.º da resposta, e depoimentos das testemunhas … e …)”.

Como se observa, fundamenta-se a prova deste facto, em primeiro lugar, em “acordo das Partes materializado no teor dos artigos 94.º do pedido de pronúncia arbitral e 196.º e 197.º da resposta”. Isto mesmo, aliás, é repetido em sede de “fundamentação da decisão da matéria de facto” no segundo parágrafo do ponto 2.2.1, em que se lê: “No que concerne ao facto de o «verdadeiro objectivo» visado com a aquisição das ações pela Requerente a J ser «proporcionar e garantir ao sócio J uma remuneração pela alteração da sua posição acionista no Grupo A, que passou de 54% para 50%, tendo o sócio K abdicado de rendimentos futuros relativos a dividendos, por contrapartida de uma posição de igualdade no capital do grupo empresarial» há acordo das Partes, resultante do alegado nos artigos 94.º do pedido de pronúncia arbitral e 196.º e 197.º da resposta, para além de a prova testemunhal ser no mesmo sentido[23].

Sucede que a consideração como admitidos por “acordo” de certos factos alegados encontra-se em relação com o ónus de impugnação que impõe que o réu deve tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor (cfr. n.º 1 e n.º 2 do art. 574.º do CPC 2013). Porém, esse ónus não vale em sede deste processo: o n.º 1 do art. 19.º do RJAT associa simplesmente a “inexistência de defesa” ao prosseguimento do processo e à emissão da decisão arbitral com base na prova produzida “de acordo com o princípio da livre apreciação da prova”; por seu lado, o art. 110.º do CPPT, aplicável ex vi al. c) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT, estabelece nos n.ºs 6 e 7 que: “A falta de contestação não representa a confissão dos factos articulados pelo impugnante” e que: “O juiz aprecia livremente a falta de contestação especificada dos factos”. Como se escreveu no acórdão proferido no processo arbitral n.º 8/2011 deste CAAD: “O Tribunal julga a matéria de facto de acordo com o princípio da livre apreciação da prova em relação àquelas que não tenham valor legalmente tabelado, consagrado no art.º 655.º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo arbitral por força do disposto no art.º 29.º, n.º 1, alínea e), do DL. n.º 10/2011, e tendo em conta regras estabelecidas, em processo tributário, nos art.º 110.º, n.º 7, e 115.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)”. Deste modo, não penso que seja aqui possível considerar provado certo facto com base na sua consideração como admitido por “acordo das Partes” (sendo, aliás, que, se assim fosse, então não caberia aludir aos depoimentos das testemunhas).

Mas, para além deste aspecto da inexistência de um ónus de contestação especificada dos factos alegados na petição inicial que legitime falar, em sentido técnico rigoroso, em acordo das partes, a verdade é que, mesmo em termos puramente substanciais, não alcanço como se pode considerar que “há acordo das Partes, resultante do alegado nos artigos 94.º do pedido de pronúncia arbitral e 196.º e 197.º da resposta”. Senão, veja-se.

Desde logo, atente-se que no art. 94.º do pedido de pronúncia arbitral o que se lê é que: “K aceitou que J tivesse um ganho (uma mais-valia) de €8.000.000,00 na venda à A das participações sociais que detinha na sociedade D (antes L)”. Sucede que este n.º 94 da PI se mostra expressamente impugnado no art. 192.º da resposta da AT (“vão impugnados os artigos 80.º a 95.º do articulado inicial”). Como tal, se bem interpreto o que consta dos arts. 196.º e 197.º da mesma resposta da AT, o que aí se faz é convocar alegações da Requerente para concluir que o que delas resulta é que “a própria Requerente vem reconhecer que a operação sub judice, apesar de ter uma razão económica válida, foi construída de molde a permitir ao sócio J obter um rendimento (art. 197.º da resposta), “rendimento este que não é uma mais-valia, mas na realidade um rendimento de capitais” (como se acrescenta no art. 198.º da resposta).

Em consequência, julgo que a factualidade objecto da alínea oo) do probatório só poderia ser dada como provada com base nos depoimentos das testemunhas indicadas (como sucede na subsequente alínea pp) do probatório), que se reportaram, de facto, a que o valor encontrado para a aquisição de 78,23% do capital da D se deveu a uma “compensação” “por outras contas exteriores a isto”.

O ponto, contudo, é saber qual a relevância destas menções para a decisão do litígio, já que o que nele está em causa, em sede de aplicação da cláusula geral anti-abuso, é precisamente, como acima se indicou sobre o objecto do processo, apreciar se o conjunto das operações realizadas teve em vista facultar a J um rendimento isento de imposto, em detrimento da situação patrimonial da sociedade, mediante a “transformação” de dividendos (tributáveis) em mais-valias (não tributáveis)” – precisamente o que consta do n.º 94 da PI é que “K aceitou que J tivesse um ganho (uma mais-valia) de €8.000.000,00 na venda à A das participações sociais que detinha na sociedade D”, com o que abdicou “de rendimentos futuros relativos a dividendos” (como consta nesta alínea oo) do probatório)”.

 

10. No que concerne aos “factos não provados”, se bem analiso o que consta do n.º 2.2. da decisão arbitral que fez vencimento, são os seguintes os pontos considerados:

I. “Não se provou que a Requerente, no ano de 2009, tivesse distribuído lucros aos seus sócios ou que tivesse lucros para distribuir no montante de €7.906.636,54 ou superior para distribuir aos seus sócios em 2009, nem que, nesse ano, tivesse pago qualquer quantia ao sócio J ou lhe tivesse proporcionado a possibilidade de obter a cobrança daquela quantia”.

II. “Não se provou que as operações realizadas para concretizar a fusão tivessem em vista criar condições para usufruir do benefício fiscal previsto no artigo 81.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2008”.

III. “Não se provou que a operação de aquisição pela D das participações da A SGPS no capital da E, F, G, e H e a posterior fusão destas últimas com a D, em que foram incorporadas, tivessem em vista permitir que o acionista J obtivesse um rendimento isento de IRS”.

Reside aqui, na factualidade dada como não provada e na fundamentação da decisão da matéria de facto, a minha decisiva divergência com o julgamento constante da decisão arbitral que fez vencimento.

 

11. Quanto à matéria acima citada no ponto I, assinalo que não consigo detectar que tenha sido alegado, designadamente na PI (cfr. em especial o n.º 111), o que consta do segmento inicial respeitante a: “Não se provou que a Requerente, no ano de 2009, tivesse distribuído lucros aos seus sócios ou que tivesse lucros para distribuir no montante de €7.906.636,54 ou superior para distribuir aos seus sócios em 2009”.

Julgo que esta referência assenta, com o devido respeito, numa confusão entre o que constitui uma alegação fáctica e a aplicação da estatuição resultante da procedência da invocação da cláusula anti-abuso, ou seja, a tributação que aconteceria em relação ao negócio ou ato elidido (“efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas” como se refere in fine no n.º 2 do art. 38.º da LGT), in casu, o regime de tributação dos dividendos ou adiantamentos por conta de lucros.

Seja como for, não vejo que a afirmação em causa corresponda a matéria articulada pelas partes, pelo que não me parece que devesse ocorrer qualquer pronúncia sobre ela.

 

12. Não consigo acompanhar a afirmação (vd. ponto III acima no n.º 10) de que: “Não se provou que a operação de aquisição pela D das participações da A SGPS no capital da E, F, G, e H e a posterior fusão destas últimas com a D, em que foram incorporadas, tivessem em vista permitir que o acionista J obtivesse um rendimento isento de IRS”, discordando mesmo radicalmente dos seus termos.

Desde logo, com o devido respeito, tal afirmação incorre em manifesto equívoco pois obnubila que, como se procurou acima indicar em sede de descrição do objecto do litígio (vd. supra n.º 4), a operação ou conjunto de operações em relação à qual foi aplicada a cláusula anti-abuso, cuja liquidação de IRS (retenção na fonte) daí resultante aqui se apreciava, prende-se com os seguintes três elementos: i) em 3.12.2008, a A SGPS aliena à D as ações das sociedades E, F, G e H que detinha, pelo montante de € 4.327.796,59; ii) em 31.12008, as sociedades D, E, F, G e H fundem-se, pela incorporação das sociedades E, F, G e H na ME; iii) em 28.12.2009, a A SGPS adquire a J as ações que este detinha no capital da D, representativas de 78,20%, pelo montante de € 13.000.000,00[24].

Na verdade, os factos que são relevantes a este propósito são os que foram dados como provados nas alíneas u) (“Em 03-12-2008, a D, que era detida em 99,96% por J, adquiriu à A SGPS (de que J era detentor de 56% do capital social) as participações sociais que esta detinha na E (96%), na F (59%), na G (76%) e na H (100%), pelo montante global de € 4.327.796,59”), cc) (“(...) a D incorporou as quatro sociedades que adquiriu à A SGPS, resultando uma sociedade constituída em 8,72% pela sociedade incorporante e em 91,28% por sociedades adquiridas à A SGPS, tendo em conta a avaliação do valor de mercado daquelas sociedades efectuada pela A SGPS antes da alienação”) e hh) (“Em 28-12-2009, a A SGPS adquiriu 78,23% do capital da D a J, pelo montante de € 13.000.000,00, tendo o sócio K tido intervenção no contrato em representação da A SGPS”)

Aquela afirmação não atende, incompreensivelmente, a todos estes elementos, desconsiderando o último.

Acresce que nenhuma dúvida pode haver de que o conjunto das operações em causa permitiu que o acionista J obtivesse um rendimento isento de IRS: isso sucedeu sob a forma de mais-valias não sujeitas a tributação nos termos do então vigente art. 10.º, n.º 2, al. a) do CIRS; a questão decidenda era precisamente verificar se, na base da procedência da aplicação da cláusula anti-abuso, lhe deve corresponder a tributação dos rendimentos de capitais.

 

13. Na fundamentação da decisão deste ponto (n.º 2.2.4) confere-se particular significado ao facto de a escolha da fusão das sociedades E, F, G e H na Dgarantir o aproveitamento, para efeitos de diminuição do lucro tributável, dos prejuízos fiscais da D em anos anteriores”.

Tal significado, porém, só pode ser reconhecido por não se atender ao núcleo essencial das operações sujeitas à aplicação da cláusula anti-abuso.

Diga-se, preliminarmente, que é inquestionável o que se refere na alínea qq) dos factos provados (“A opção pela fusão através de incorporação da E, da F, da G e da H na D foi motivada por esta forma de fusão garantir a possibilidade de a sociedade resultante da fusão poder reportar prejuízos fiscais da D relativos aos anos de 2002 a 2005”).

Sucede, contudo, que o núcleo essencial da consideração como abusiva da operação não respeita minimamente aos termos da realização da fusão por incorporação em si mesma considerada, mas prende-se sim com o referido “vai e vem de participações”.

Veja-se que na proposta de aplicação da cláusula anti-abuso – a que se reporta a alínea ss) dos factos provados - se escreve (trecho não transcrito nessa alínea) que: “a A SGPS adquiriu, em 2009-12-2008, por €13.000.000, uma sociedade constituída por um conjunto de sociedades que alienou, 12 meses antes, por €4.327.650, sem que se vislumbre uma valorização que permita justificar o diferencial de preços” (p. 14 – cfr. igualmente Informação n.º 166/2013 sobre a aplicação da disposição anti-abuso reportada na alínea uu) dos factos provados, p. 14) e que (p. 19): “a mais-valia isenta resulta somente de transferências sucessivas de propriedade das ações, sem que houvesse uma efetiva alienação da estrutura comercial do Grupo A, sendo apenas uma alteração formal e momentânea, que visou a obtenção do resultado pretendido”.

Por isso, muito embora existam indicações diversas nos elementos do processo administrativo quanto às possibilidades de realizar a fusão (vd. por exemplo, p. 16 da proposta de aplicação da disposição anti-abuso e p. 16  da Informação n.º 166/2013 sobre a aplicação da disposição anti-abuso: “Seria possível atingir objetivo idêntico, sem recorrer à alienação das sociedades E, F, G e H, seguida da recompra da área comercial do grupo por um preço muito superior ao da venda, procedendo-se a uma fusão por incorporação em que a incorporante fosse uma das 4 sociedades detidas pela A SGPS, ou uma sociedade a criar para o efeito”), indicações estas a que a decisão arbitral que fez vencimento parece atribuir particular relevância, o ponto essencial não se encontra aí, mas sim no facto de se poder realizar como “ato de idêntico fim económico” “a fusão das sociedades sem qualquer venda de participações sociais pela A SGPS” (vd. supra n.º 4), o que significa que não se questiona – isto é, é irrelevante para a aplicação da cláusula anti-abuso  – o facto de a fusão ter consistido na incorporação das E, F, G e H na D.

Atente-se, com efeito, no que se escreve na proposta de aplicação da cláusula anti-abuso (reportada na alínea ss dos factos provados): “A realização da fusão da D com as E, F, G e H, sem ser precedida pela alienação das ações detidas pela A SGPS, mas através da troca de ações da sociedade incorporante ou sociedade veículo, com as ações das sociedades incorporadas resultaria no mesmo resultado económico, mas num resultado fiscal muito diferente” – “a fusão poderia ter sido efetuada sem recurso a alienações de ações” (p. 23); “Conforme pormenorizadamente descrito neste relatório o ato jurídico realizado foi a venda das sociedades E, F, G e H e a posterior compra da sociedade D, após a sua fusão com aquelas. O ato de idêntico fim económico seria a fusão das sociedades sem qualquer venda de participações sociais, pela A SGPS” (sublinhados nossos).

Julgo, pois, que assiste inteira fundamento à AT quando refere, na sua resposta, que o argumento relativo “à possibilidade de dedução de prejuízos fiscais, não colhe, não pode colher, dado a D poder sempre beneficiar desta poupança, em sede de IRC, sem que J ficasse com um direito de receber o montante de €7.906.636,654”.

Nestes termos, considerar, como se faz na decisão arbitral que fez vencimento (ponto 2.2.4) “provado que aquela primeira razão [aproveitamento de prejuízos fiscais] foi, pelo menos, o motivo principal da opção pela fusão das E, F, G e H com a D, através da incorporação daquelas nesta” não tem qualquer pertinência para a aplicação da cláusula anti-abuso em apreço, pois só serve para justificar a incorporação das E, F, G e H na D, não o “vai e vem das participações” (para continuar a empregar a expressão adoptada pela Requerente) que antes e depois desta fusão teve lugar. E, sempre se diga, talvez por essa irrelevância, este ponto não consta especificamente nos factos dados como provados.

 

14. Também não consigo aceitar a relevância do argumento (pois não me parece que se possa ter como consideração fáctica) igualmente acolhido no ponto 2.2.4 em que se constata que “como defende a Requerente, a operação de fusão referida era desnecessária para a criação de um crédito do J sobre a A SGSP, pois se aquele vendesse a sua participação na D à A sem se realizar a fusão ou a fusão fosse feita através da incorporação da D numa das sociedades do grupo A, a transmissão da participação do J na D por um preço que permitisse obter um crédito daquele montante de € 7.906.636,54 (como o valor real da D antes da fusão acrescido de € 7.906.636,54), conduziria ao mesmo resultado, estando a mais-valia obtida isenta de IRS, por força do regime então vigente, pois as acções da D eram detidas pelo J há mais de 12 meses”.

É que este argumento não passa da assunção de uma hipótese, de um processo especulativo perfeitamente distinto daquele que presidiu à realidade dos factos. Ora, penso que a decisão sobre a matéria de facto tem que – só pode – atender à objetividade da operação documentalmente provada nos autos, não às infinitas possibilidades alternativas que poderiam ter ocorrido.

Aliás, os termos em que se configura essa alternativa nem parecem ter aderência à realidade, pois nas declarações prestadas pelo acionista J (que se encontram no anexo 1 à proposta de aplicação da cláusula anti-abuso, ponto n.º 11) é o próprio que declara, a propósito da “mais-valia de €8.672.203,41 realizada nesta operação de fusão”, que isso se refere aos “ganhos resultantes dos benefícios resultantes da nova organização da A Equipamentos Comerciais, SA”, assim revelando, contrariamente ao que se configura em abstracto na afirmação acima  citada, que tal valor não teria ocorrido sem os termos da alienação das participações nas E, F, G e H e da operação de fusão realizada.

 

15. De tudo o que fica referido resulta que, em face do exame que faço dos elementos probatórios e da convicção deles resultantes em termos de livre apreciação da prova, não me parece possível entender que o motivo principal da sequência de atos consubstanciada na alienação pela A SGPS à D das suas participações nas E, F, G e H na D, da posterior fusão destas com a D, em que foram incorporadas, e da posterior venda da participação de 78,23% que o J tinha à A SGPS por um preço substancialmente superior ao daquela primeira alienação, radique no “aproveitamento fiscal dos prejuízos acumulados pela D em anos anteriores”, nem que tenha pertinência para excluir a decisiva motivação fiscal em causa, antes pelo contrário, considerar que a fixação do valor da alienação à A SGPS assentou no objetivo de “proporcionar e garantir ao sócio J uma remuneração pela alteração da sua posição acionista no Grupo A, que passou de 54% para 50%, tendo o sócio K abdicado de rendimentos futuros relativos a dividendos, por contrapartida de uma posição de igualdade no capital do grupo empresarial”.

Discordo, pois, do julgamento efectuado quanto à decisão da matéria de facto que fez vencimento.

 

d) Aplicação da cláusula anti-abuso

 

16. Sem estes factos e elementos, que não consigo aceitar no significado e relevância que lhes foi atribuído na decisão arbitral que fez vencimento, segue-se que, no juízo que faço dos demais factos dados como provados, se encontram preenchidos, no caso em apreciação, nos termos que vêm apurados pela AT, maxime na proposta de aplicação da cláusula anti-abuso, os pressupostos para a aplicação da disposição constante do n.º 2 do art. 38.º da LGT (vd. supra o descrito na alínea b) desta declaração).

  Deste modo, sem necessidade de, hic et nunc, desenvolver outros pontos suscitados no processo, respeitosamente dissinto da decisão que fez vencimento de anular a liquidação impugnada por erro sobre os pressupostos de facto – pelo contrário, a situação sub judice parece-me constituir um caso paradigmático de aplicação da cláusula geral anti-abuso dada a verificação da “transformação” de dividendos (tributáveis) em mais-valias (não tributáveis)” assente “num vai e vem de participações”.

Daí o presente de voto de vencido.

 

Lisboa, 30 de Setembro de 2014.

 

 

 

 

(João Menezes Leitão)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1]              No quadro que segue, baseado no que consta do artigo 34.º da Resposta, suprimiu-se a referência à D, que nele a Autoridade Tributária e Aduaneira inseriu (associada ao nome J), pois sendo o quadro referente à «Situação do Grupo A em 2008-04-17» (e não dos seus sócios), para reflectir a realidade não pode incluir a D, cujo capital, nesta data apenas era detido pela A SGPS em 0,0018 (€ 100 num capital de € 5.295.000). Aliás, será, decerto, pela irrelevância desta participação irrisória da A SGPS no capital da D que a Autoridade Tributária e Aduaneira nem a referiu no quadro, fazendo referência, antes, à participação na D detida pelo J, fora do Grupo.

 

[2]              Reproduz-se o quadro que consta do artigo 37.º da Resposta, com eliminação das referências «…» que dele constam, por se entender que se trata de uma qualificação da operação e não descrição factual.

De resto, apesar de tal qualificação ser dada no «Projecto de Fusão» e aceite pela Autoridade Tributária e Aduaneira, o que releva para efeitos da fixação da matéria de facto é a materialidade das operações e não a sua denominação.

[3]              A face do regime vigente em 2008, os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação eram dedutíveis aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis períodos de tributação posteriores, nos termos do artigo 47.º, n.º 1, do CIRC, a que corresponde o artigo 52.º na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.

[4]              No n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que é a lei de autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o diploma que veio a ser o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) estabelece-se que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária», mas este Decreto-Lei apenas atribuiu aos tribunais arbitrais tributários competências para anulação de actos, como decorre do seu artigo 2.º.

[5]              Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 21.

[6]              Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12-02-2011, processo n.º 04255/10.

[7]              Cfr. Jónatas Machado e Nogueira da Costa, Curso de Direito Tributário, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 340-341.

[8]              Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., p. 181.

[9]              Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., pp. 21-23; ainda Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12-02-2011, processo n.º 04255/10.

[10]             Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Reestruturação de empresas e limites do planeamento fiscal, As duas constituições – nos dez anos da cláusula geral antiabuso, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 49-50, que afirma, a este respeito: «a consagração da cláusula geral antiabuso implica [...] que a partir da sua introdução está claramente delimitado aquilo que o sujeito passivo pode e não pode fazer. As habilidades fiscais, a destreza fiscal deixam de ser possíveis (as operações artificiosas e fraudulentas que têm como fim principal ou exclusivo a obtenção de uma poupança fiscal mediante a fraude à lei) e o sujeito passivo passa a ter o seu comportamento julgado de acordo com este critério. [...] a evolução da lei é clara no sentido de proporcionar fundamento legal para o planeamento fiscal, desde que seja praticado sem o abuso de formas jurídicas, sem negócios jurídicos artificiosos e fraudulentos mas limitando-se a escolher a via que se encontra aberta e que lhe permite realizar economias fiscais». Cfr., também, Marques, Paulo, Elogio do Imposto, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 360-364.

[11]             Ou seja, a uma «actuação planeada do contribuinte que se traduz num comportamento aparentemente lícito, geradora de uma vantagem fiscal não admitida pelo ordenamento tributário» (cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula Geral Antiabuso no Direito Tributário: Contributos para a sua compreensão, Almedina, Coimbra, 2009, pp.15-17 e 163-165; bem como Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15-02-2011, proc. n.º 04255/10, conclusões XIII e XIV).

[12]             Como decorre da seguinte parte do artigo 38.º, n.º 2, da LGT: «actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos».

[13]             Tal decorre do seguinte segmento do artigo 38.º, n.º 2, da LGT: «redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios». Decorre ainda do artigo 63.º, n.º 3, alíneas a) e b) do CPPT, na redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que exigem que a Administração Tributária inclua na sua fundamentação, respectivamente, «a descrição do negócio jurídico celebrado ou do acto jurídico realizado e dos negócios ou actos de idêntico fim económico, bem como a indicação das normas de incidência que se lhes aplicam» e «a demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou prática do acto jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou acto com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais».

[14]             Cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula..., p. 180.

[15]             Cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula..., p. 211.

[16]             Cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula..., p. 165. Identicamente, Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., p. 170, que aponta uma «relação de conexão e interdependência em relação aos requisitos exigidos pela lei».

[17] Adoptam-se na presente declaração as abreviaturas para designação dos intervenientes que são indicadas no texto do acórdão arbitral.

[18] A Requerente refere precisamente no n.º 26 da PI que o indicado “tipo de esquema” de planeamento fiscal (vd. supra n.º 5) “naturalmente, comporta várias variantes”.

[19] Daí que não corresponda à realidade a alegação constante do n.º 6 da PI que nenhuma das sociedades integrantes do grupo A tinha tido participação no capital social da D, pois desde 28.6.2007, com o aumento de capital então realizado, a A SGPS passou a deter uma participação na D, ainda que insignificante (cfr. alínea e) dos factos provados).

[20] Cfr. o quadro de abreviaturas constante do texto da decisão que fez vencimento, bem como a alínea f) dos factos provados.

[21] No entanto, no n.º 31 da PI, como se disse, a Requerente reputou “abusivo” tal “desenho” por sugerir a inclusão da sociedade D no Grupo A.

[22] Estes elementos contrariam o que foi declarado pela testemunha ... sobre a não inclusão da D no Grupo A.

[23] Vd. ainda o que se escreve no ponto 3.3.2.1 da decisão arbitral.

[24] Já em sede de matéria de Direito estes elementos são devidamente referidos na decisão arbitral que fez vencimento.