Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 142/2016-T
Data da decisão: 2016-09-01  Selo  
Valor do pedido: € 201.381,20
Tema: IS - Terrenos para construção; verba 28.1 TGIS; juros indemnizatórios
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Decisão Arbitral

 

                 Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Ricardo Marques Candeias e Dr. Ricardo Farinha Sequeira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 23-05-2016, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

                 A…– …, S.A., NIF…, na qualidade de sociedade gestora e em representação de B…– FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, NIPC…, com sede na …, n.º…, …, …-… …, doravante designada como “Requerente”, veio nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, diploma que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ("RJAT"), apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral para apreciação da legalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa que deduziu contra as liquidações de Imposto do Selo, relativas ao ano de 2014, emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo ("TGIS") com referencia aos prédios urbanos (terrenos para construção) com os artigos matriciais …, …, …, …, todos da freguesia de …, concelho de … e distrito de Setúbal.

                 A Requerente pede, em primeira linha, a declaração de ilegalidade das liquidações, por erro nos pressupostos de facto e de direito, e que a Autoridade Tributária e Aduaneira seja condenada a reembolsá-la do valor do Imposto do Selo pago relativamente às liquidações impugnadas, acrescido de juros indemnizatórios.

                 Subsidiariamente, a Requerente pede seja desaplicada, no caso concreto, a verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio constitucional da igualdade (cf. artigo 204.º da CRP) e seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos anulados, com todas as consequências legais.

                 É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

                 O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 18-03-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 06-05-2016, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 23-05-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e que, no caso de ser recusada a aplicação da norma da verba 28.1 da TGIS, deve ser efectuada notificação do acórdão arbitral ao Ministério Público.

Por despacho de 22-06-2016 foi dispensada a realização de reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações.

As Partes não apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

·         B…– FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, aqui representado pela sociedade gestora Requerente, no âmbito da sua actividade, é proprietário de diversos prédios, incluindo prédios habitacionais, comerciais e terrenos para construção;

·         O Requerente foi notificado dos seguintes actos de liquidação de Imposto do Selo referentes ao ano 2014, sub judice, referentes a prédios inscritos na matriz como "terreno para construção”, actos estes emitidos ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo (cadernetas prediais juntas como documentos n.º 14 com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos):

– documentos n.ºs 2015…, 2015… e 2015…, relativos à 1.ª, 2.ª e 3.ª prestações de Imposto do Selo, verba 28.1 da TGIS, referentes ao prédio com o artigo matricial U-…da freguesia de …do concelho de …, sendo de € 44.474,00 o valor global do imposto relativo ao ano de 2014 (documentos n.ºs 2 a 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

– documentos n.ºs 2015…, 2015… e 2015…, relativos à 1.ª, 2.ª e 3.ª prestações de Imposto do Selo, verba 28.1 da TGIS, referentes ao prédio com o artigo matricial U-… da freguesia de …do concelho de…, sendo de € 34.407,10 o valor global do imposto relativo ao ano de 2014 (documentos n.ºs 5 a 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

– documentos n.ºs 2015…, 2015… e 2015…, relativos à 1.ª, 2.ª e 3.ª prestações de Imposto do Selo, verba 28.1 da TGIS, referentes ao prédio com o artigo matricial U-… da freguesia de …do concelho de…, sendo de € 54.164,70 o valor global do imposto relativo ao ano de 2014 (documentos n.ºs 8 a 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

– documentos n.ºs 2015…, 2015… e 2015…, relativos à 1.ª, 2.ª e 3.ª prestações de Imposto do Selo, verba 28.1 da TGIS, referentes ao prédio com o artigo matricial U-… da freguesia de … do concelho de…, sendo de € 66.335,40 o valor global do imposto relativo ao ano de 2014 (documentos n.ºs 11 a 13 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

·         Os referidos terrenos foram sujeitos a avaliação nos termos do CIMI, tendo sido avaliados no valor patrimonial tributário respetivo de € 4.447.400,00, € 3.440.710,00, € 5.416.470,00 e € 6.833.540,00, respectivamente, constando das cadernetas prediais, além do mais, o «tipo de coeficiente de localização: Habitação»;

·         A Requerente efectuou o pagamento das quantias liquidadas;

·         A Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações referidas, que foi indeferida (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         A decisão de indeferimento da reclamação graciosa baseou-se numa informação que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

 V - APRECIAÇÃO

A Lei n.° 55-A/2012, de 29 de outubro veio introduzir alterações em diversos códigos fiscais, entre os quais o Código do Imposto do Selo.

A referida lei, através do seu art.° 4.°, veio aditar á Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo, a verba n.° 28 com a seguinte redação: "26 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1— Por prédio com afetação habitacional — 1 %;

28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.

A Lei n.° 83-C12013 de 31 de dezembro, com entrada em vigor em 0110112014, alterou a redação da verba 28.1, que passou a constar:

"28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI".

E foi em conformidade com este quadro normativo atualmente em vigor que foram emitidas as liquidações em apreço.

Se anteriormente à entrada em vigor da Lei n.° 83-C/2013 de 31 de dezembro, era discutível se o conceito de "prédio com afetação habitacional" utilizado para efeitos de tributação em sede da verba 28 da TGIS, incluía ou não os terrenos para construção aos quais tenha sido atribuída a afetação habitacional no âmbito das respetivas avaliações, tendo em conta o valor das edificações autorizadas ou previstas no momento da avaliação (constando tal afetação das respetivas matrizes), dúvidas não existem que, a partir da sua entrada em vigor, por declaração expressa do legislador, a norma abrange não apenas os "prédios habitacionais" (previstos no art.° 6.° n.° 1 al. a) do CIMI) mas também os "terrenos para construção" cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.

Na verdade, a afetação do prédio constitui um fator de distinção determinante para efeitos de avaliação dos prédios urbanos, conforme estabelece o art.° 41.° do CIMI, influenciando a fórmula de determinação do VPT dos prédios urbanos, definida no art.° 38.° do CIMI e o coeficiente de ajustamento de áreas previsto no art.° 40.°-A do CIMI, que no seu n.° 5 se refere expressamente aos terrenos para construção.

Estando previsto, no art.° 450.º do CIMI, que na determinação do valor patrimonial dos terrenos para construção se deverá atender ao "valor das construções autorizadas ou previstas".

Sobre esta matéria, cita-se parte do Acórdão do TCASul n.° 4950/11, de 14/0212012, onde se destacaram as partes que se afiguram mais relevantes:

"Antes de mais, dir-se-á que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (... ).

O regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está consagrado no art°.45.º, do C.I.M.I. O modelo de avaliação é igual ao dos edifícios construídos, embora partindo-se do edifício a construir, tomando por base o respetivo projeto. É que o valor do terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e com determinado valor. Será essa expectativa de produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza do proprietário do terreno para construção, logo que o imóvel em causa passa a ser considerado como terreno para construção. Por essa razão, quanto maior for o valor do prédio a construir, maior é o valor do terreno para construção que lhe está subjacente (cfr. art°.6.º, n°.3, do C.I.M.I.).

Diz-nos o mencionado art°.45.º, do C.IM.I., sob a epígrafe:

"Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção"

1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - 0 valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n°.3, do art°.42.º.

4- 0 valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n°.4, do art°.40.º."

 

Fazendo a exegese da norma dir-se-á que o legislador, na avaliação dos terrenos para construção, manda separar duas partes do terreno.

Em primeiro lugar a parte do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir. A área de implantação do edifício a construir é a que se situa dentro do perímetro previsto de fixação do edifício a construir ao solo. Para se determinar o valor dessa parte do terreno é necessário proceder-se à avaliação do edifício a construir, como se já estivesse construído. Para tal utiliza-se o projeto de construção aprovado e na área não se considera, naturalmente a área do terreno livre nem a área do terreno excedente. Efetuada essa determinação do valor, reduz-se o valor apurado a uma percentagem entre 15% e 45%, como prevê o n°. 2 da norma. Esta redução justifica-se pelo facto do prédio não estar ainda construído.

Em segundo lugar, o valor do terreno adjacente à área de implantação. O valor desta parte do terreno é apurado da mesma forma que se determina o valor da área do terreno livre e da área do terreno excedente para efeitos de qualquer imóvel urbano, assim levando em consideração os ditames previstos no art°.40.º, n°.4, do C.I.M.I. Assim o prevê expressamente o n°.4 da norma.

A determinação da percentagem a aplicar na avaliação dos terrenos para construção, que é aposta para a determinação do valor da área de implantação do edifício, será efetuada nos termos do n°.3 da norma sob exame, para tanto se devendo utilizar a mesma metodologia prevista no art°.42, n°.3, do C.I.M.I.

Tomando em consideração a metodologia antes referida, a administração fiscal utiliza a seguinte fórmula matemática de avaliação dos terrenos para construção:

VPT=Vcx[(Aa+Ab)x%+ (Ac +Ad)jxCax Cl. xCq

(...) Em conclusão, na avaliação dos terrenos para construção o legislador quis que fosse aplicada a metodologia de avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo levar em consideração todos os coeficientes supra identificados, nomeadamente o coeficiente de afetação previsto no art°.41.º, do C.IM.l., mais resultando tal imposição legal do n°.2, do art°.45.º, do C.I.M.I, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no mesmo terreno para construção."

Ora, é atendendo à expetativa de riqueza, materializada no direito a construir um prédio com características e valores próprios, que faz aumentar o valor e a riqueza de um proprietário de um terreno para construção, que sempre foi entendimento da Administração Tributária que os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos quais tenha sido atribuída a afetação habitacional no âmbito das respetivas avaliações, tendo em conta o valor das edificações autorizadas ou previstas no momento da avaliação (constando tal afetação das respetivas matrizes), estão sujeitos a imposto do selo, nos termos da verba 28.1 da tabela anexa ao CIS.

Entendimento a que o legislador veio dar forma expressa com a nova redação da verba 28.1.

Pelo que, estando os artigos…, …, …, e…, da freguesia de…, concelho de…, inscritos na respetiva matriz como "terrenos para construção" com afetação habitacional, com um valor patrimonial superior a € 1.000.000,00, enquadram-se no conceito previsto na verba 28.1 da TGIS e, como tal, estão sujeitos a imposto.

E estando a atuação da Administração Tributária, subordinada ao princípio da legalidade, conforme resulta do art.° 266.° n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, art.° 50.º n.° 2 da LGT e art.° 55.º do CPPT, não poderá deixar de aplicar a lei, liquidando e cobrando o imposto nos termos em que aquela o prevê.

De referir, ainda, que a reclamante não discute o facto de estarem reunidos os pressupostos subjetivos e objetivos da incidência em sede de Imposto do Selo, mas assenta a sua argumentação na (alegada) inconstitucionalidade da previsão legal.

Ora, a Administração Tributária não pode deixar de aplicar a lei com fundamento na sua (alegada) inconstitucionalidade porquanto o controlo da constitucionalidade das leis cabe aos tribunais e, em última instância, ao Tribunal Constitucional.

Quer isto dizer que a Administração Tributária, salvo nos casos em que o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade de determinada norma (art.° 281.° da CRP) ou esteja perante o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (art.° 18.º n.° 1 da CRP), vinculada que está ao princípio da legalidade, não pode sindicar a constitucionalidade de normas legais nem, em caso algum, abster-se de aplicar dispositivos legais em vigor no nosso ordenamento jurídico.

A este propósito alude Vieira de Andrade ao afirmar "Este conflito (entre a constitucionalidade e o princípio da legalidade) não pode resolver-se através da prevalência automática do direito constitucional sobre o direito legal. Não é disso que se trata, porque o que está em causa é não a constitucionalidade da lei, mas o juízo que sobre essa constitucionalidade possam fazer os órgãos administrativos. Por um lado, a Administração não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade; por outro lado, a submissão da Administração à lei não visa apenas a proteção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos (...). A concessão ao poder administrativo de ilimitados poderes para controlo da constitucionalidade das leis a aplicar levaria a uma anarquia administrativa, inverteria a relação lei-administração e atentaria frontalmente contra o princípio da divisão de poderes, tal como está consagrado na nossa Constituição." (Direito Constitucional — 1977 — pag. 270).

Em sentido idêntico se pronuncia João Caupers ao afirmar que: "A Administração não tem, em princípio, competência para decidir a não aplicação de normas cuja inconstitucionalidade lhe ofereça dúvidas, contrariamente aos tribunais, a quem incumbe a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional, demonstram-no as diferenças entre os artigos 207.° (hoje 204.°) e 266.° n.° 2 da Constituição. Enquanto o primeiro impede os tribunais de aplicar normas inconstitucionais, o segundo estipula a subordinação dos órgãos e agentes administrativos à Constituição e à lei. Afigura-se claro que a diferença essencial entre os dois preceitos decorre exatamente da circunstância de não se ter pretendido cometer à Administração a tarefa da fiscalização da constitucionalidade das leis. O desempenho de tal função, por parte daquela tem de ser visto como excecional." (Os Direitos dos Trabalhadores e a Constituição, Almedina, 1985, pág.157).

No que concerne ao pedido de juros indemnizatórios, sendo improcedente o pedido, fica prejudicado o direito aos mesmos.

VI - CONCLUSÃO

Face ao exposto, entendemos que o processo de reclamação graciosa deve ser INDEFERIDO.

 

·         Em 08-03-2016, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, que são os únicos que foram apresentados.

Quanto ao pagamento das duas primeiras prestações das liquidações impugnadas, o juízo probatório assenta no reconhecimento pela Administração Tributária de que esses pagamentos foram efetuados (página 6 do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

No que concerne às terceiras prestações, a Requerente afirma que efectuou o seu pagamento (artigos 20.º e 113.º do pedido de pronúncia arbitral) e a Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona essas afirmações, pelo que se justifica que se dê como provado que o pagamento foi efectuado.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não juntou aos autos o processo administrativo.

 

2.3. Factos não provados

 

Não se apurou que exista qualquer acto definindo as características dos edifícios que poderão ser construídos nos terrenos, designadamente o fim a que se destinam.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Vício de erro sobre os pressupostos de facto

 

As liquidações de Imposto do Selo impugnadas são referentes ao ano de 2014 e têm por fundamento a verba 28.1 da TGIS.

A verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, vigente no ano de 2014, estabelece o seguinte:

 

28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

 

28.1 –- Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1 %

 

 A primeira questão suscitada pela Requerente é a de estas normas serem inaplicáveis aos imóveis referidos nos autos, por a tributação em análise apenas ser aplicável nas situações em que tenha sido autorizada ou prevista a edificação dos "terrenos para construção" e que tal edificação se destine a "habitação”.

Refere a Requerente, em suma, que

– a existência da mera expectativa jurídica de, num "terreno para construção", vir a ser construido um prédio urbano com afectação habitacional não poderia jamais configurar um facto tributário subsumível na norma em análise, porque, sem que aquela previsão ou expectativa de "edificação para habitação” esteja concretizada, não poderá considerar-se verificada in casu a demonstração de riqueza ou fortuna que a lei pretendeu alcançar;

– os prédios em causa nos presentes pedidos, à data do facto tributário em causa (ano 2014), não dispunham de uma efectiva potencialidade de edificação para habitação, não tendo os mesmos uma “edificação, autorizada ou prevista” para “habitação”, apesar de estarem matricialmente inscritos como "terrenos para construção", tal situação não pode legitimar, só por si, a aplicação da verba 28.1. da TGIS.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira nada disse sobre este ponto na sua Resposta e na decisão da reclamação graciosa apenas se refere, quanto à construção aprovada ou prevista, que «para se determinar o valor dessa parte do terreno é necessário proceder-se à avaliação do edifício a construir, como se já estivesse construído. Para tal utiliza-se o projeto de construção aprovado e na área não se considera, naturalmente a área do terreno livre nem a área do terreno excedente».

As referências que na verba 28.1 e no artigo 45.º, n.º 2, do CIMI se fazem a edificações previstas, para além das autorizadas, permitem concluir que, ao contrário do que terá entendido a Autoridade Tributária e Aduaneira na decisão da reclamação graciosa, não será imprescindível que exista já um acto administrativo de aprovação de um projecto de construção (o que constituirá «autorização»), bastando que esteja prevista uma construção com características determinadas, pelo menos quanto à área de implantação do edifício a construir.

Não há nestas normas da TGIS e do CIMI indicação do que deve entender-se por «edificação prevista», mas, tendo em conta os documentos exigidos para ser efectuada a avaliação de terrenos para construção, indicados no artigo 37.º, n.º 2, do CIMI, conclui-se que apenas se pode falar de construção autorizada ou prevista quando o «edifício a construir», a que se refere o n.º 1 do artigo 45.º, esteja definido em alvará de loteamento ou alvará de licença de construção, ou projecto aprovado, ou comunicação prévia, ou informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva. Na verdade, será apenas nestas situações que haverá consistência jurídica em prever a realização futura de construção com características determinadas.

No caso em apreço, perante a afirmação do Requerente de que os prédios em causa «não dispunham de uma efectiva potencialidade de edificação para habitação, não tendo os mesmos uma “edificação, autorizada ou prevista” para “habitação”», a Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou qualquer documento de um dos tipos referidos em que tivesse sido baseada a sua conclusão de que os prédios tinham autorizadas ou previstas construções para habitação.

Sendo a possibilidade de construção de edifícios para habitação invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira como fundamento dos actos de liquidação e da decisão da reclamação graciosa é sobre ela que recai o ónus da prova desse facto, como se conclui do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, que estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque». 

Assim, a dúvida sobre a existência ou não da possibilidade de construção de habitações nos terrenos em causa tem de ser valorada processualmente em favor do Requerente, conduzindo à anulação dos actos praticados, como impõe o n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

Pelo exposto, procede o pedido de pronúncia arbitral quanto a este primeiro vício imputado pelo Requerente às liquidações em causa e à decisão da reclamação graciosa.

 

3.2. Questões de conhecimento prejudicado


            Sendo de anular as liquidações impugnadas com fundamento no primeiro vício que lhes é imputado pela Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos vícios arguidos subsidiariamente, pois, de harmonia com o preceituado no artigo 554.º, n.º 1, do CPC, o pedido subsidiário só é tomado em consideração no caso de não proceder um pedido anterior.

 

4. Pedido de pagamento das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede o reembolso das quantias liquidadas, que pagou, com juros indemnizatórios.

 

4.1. Possibilidade de apreciação em processos arbitrais tributários de pedidos de pedidos de reembolso de imposto pago e juros indemnizatórios

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios de direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso dos montantes indevidamente pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

4.2. Direito a reembolso e juros indemnizatórios

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

No que concerne aos juros indemnizatórios, o artigo 43.º, n.ºs 1 e 2, da LGT estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

No caso dos autos, foi a Autoridade Tributária e Aduaneira quem efectuou as liquidações impugnadas, por sua iniciativa, pelo que os vícios que as afectam lhe são imputáveis.

Assim, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal supletiva contados, relativamente a cada pagamento que efectuou, com base no respectivo valor e no período que decorrer entre a data em que foi efectuado cada pagamento e o reembolso da quantia paga, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.ºs 2, 3, 4 e 5, do CPPT, e art. 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)      Declarar a ilegalidade da decisão da reclamação graciosa e dos actos de liquidação a que se referem os documentos n.ºs documentos n.ºs 2015…, 2015…, 2015 …, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015… e 2015…;

c)      Anular as referidas liquidações de Imposto do Selo;

d)     Julgar procedente o pedido de restituição das quantias pagas, no montante global de € 201.381,20 e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar o respectivo pagamento ao Requerente;

e)      Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los ao Requerente calculados sobre cada uma das quantias pagas e desde a data em que ocorreu o respectivo pagamento até ao seu reembolso.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 201.381,20.

 

7. Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 01-09-2016

 

 

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(Ricardo Marques Candeias)

 

 

 

 

(Ricardo Farinha Sequeira)