Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 587/2021-T
Data da decisão: 2022-07-26  IRS  
Valor do pedido: € 311.036,89
Tema: IRS - Mais-valias; Terreno para construção; Despesas e encargos; Valorização; Falta de fundamentação.
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SUMÁRIO:

1.     A Administração Tributária tem o dever de fundamentar os seus actos, maxime, os de liquidação, de forma clara e congruente –ainda que sinteticamente ou por remissão  - e de molde que o administrado, colocado na posição de um destinatário normal, possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração.

2.     O direito à fundamentação dos actos administrativos e tributários reclama que o particular apenas tenha de defender-se dos pressupostos inicialmente enunciados, e dos quais se extraíram os efeitos lesivos, não sendo de admitir qualquer fundamentação a posteriori nem o aproveitamento do acto quando isso implique a valoração de razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação.

3.     O art. 37.º do CPPT concede ao contribuinte uma faculdade para os casos em que a comunicação do acto enferme de algumas deficiências; não lhe impõe um comportamento com vista a permitir à AT fundamentar a posteriori um acto que não esteja devidamente fundamentado.

4.     erro a que alude o legislador no artigo 43.º da LGT para efeitos do direito a juros indemnizatórios é qualquer erro nos pressupostos de facto ou de direito, imputável à Administração, que tenha levado a liquidação e pagamento de imposto superior ao devido.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professora Dra. Rita Correia da Cunha (árbitra-presidente), Dr. Jorge Belchior de Campos Laires e Professora Dra. Eva Dias Costa, designadas pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 26.11.2021, acordam no seguinte:

 

1.   RELATÓRIO

 

1.1 A..., contribuinte fiscal número ..., B..., contribuinte fiscal número..., C..., contribuinte fiscal número ... e D..., contribuinte fiscal número ..., todos residentes no estrangeiro, vieram, em 15 de Setembro de 2021, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante RJAT) e da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição do tribunal arbitral.

 

1.2 É Requerida nos autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

 

1.3 O Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou os signatários para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo, disso notificando as partes, e o Tribunal foi constituído a 26 de Novembro de 2021.

 

1.4 O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto as liquidações adicionais de IRS n.º 2021 ..., relativa ao contribuinte número ..., n.º 2021..., relativa ao contribuinte número ..., n.º 2021..., relativa ao contribuinte número ... e n.º 2021..., relativa ao contribuinte número ..., todas referentes ao ano de 2019, bem como as liquidações de juros compensatórios, cuja anulação peticionam, com o consequente reembolso dos montantes pagos e a condenação da Requerida em juros indemnizatórios vencidos e vincendos, desde 16/06/2021, até efectivo e integral reembolso.

 

Os Requerentes alegam, sumariamente, que:

 

(i) São ilegais as liquidações contestadas, por manifesta violação da obrigação de fundamentação dos actos lesivos que impende sobre a AT, nos termos do art.º 152.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), do art.º 77.º da Lei Geral Tributária, e do art.º 268.º da Constituição da República Portuguesa, devendo, como tal, ser integralmente anuladas; 

(ii) As liquidações contestadas são ilegais, devendo consequentemente ser integralmente anuladas, por violação ostensiva do art.º 10º e do art.º 46.º n.º 3 do CIRS, na parte em que desconsideram as despesas com a construção da Moradia devidamente suportadas por facturas emitidas aos Requerentes; 

(iii) As normas legais aplicáveis ao caso sub judice seriam manifestamente inconstitucionais se interpretadas e aplicadas como o faz a AT, sendo a posição que se defende a única que se afigura conforme aos princípios da justiça tributária e da tributação das pessoas singulares, segundo a capacidade contributiva evidenciada; 

e, ainda que assim não se entenda, 

(iv) Sempre serão as liquidações contestadas ilegais, devendo como tal ser anuladas, na parte em que assentam na aplicação das normas do CIRS que tributam 100% da alegada mais-valia imobiliária realizada por sujeitos passivos não residentes (no caso, os Requerentes), promovendo assim um tratamento discriminatório e mais desfavorável dos Requerentes face a sujeitos passivos residentes em circunstâncias substancialmente idênticas, o que é proibido pelo art.º 63.º do TFUE. 

 

1.5 A 27 de Novembro de 2021 foi proferido despacho arbitral, nos termos do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT, convidando a Requerida a apresentar resposta em 30 dias e, no mesmo prazo, juntar aos autos cópia do processo administrativo.

 

1.6 A 29 de Novembro de 2021 os Requerente apresentaram requerimento dando nota de que tinham sido notificados do despacho da Subdirectora Geral da Área de Gestão Tributária dos Impostos sobre o Rendimento, da AT, datado de 04/11/2021, determinando a revogação parcial “do acto contestado” e o correspondente reembolso com juros compensatórios, requerendo: (i) a condenação em custas da Requerida na parte revogada e (ii) o prosseguimento dos autos quando à parte não revogada, na qual mantêm interesse, bem como quanto aos actos tributários que “venham a ser emitidos em resultado do despacho de revogação”.

 

1.7 A Requerida juntou aos autos cópia do processo administrativo a 30 de Dezembro de 2021 e apresentou a sua resposta a 06 de Janeiro de 2022, na qual se defendeu por impugnação. 

 

Posição da Requerida:

 

1.8 Segundo a posição da AT expendida na Resposta, não procedem os argumentos invocados pelos Requerentes, no sentido da ilegalidade das liquidações contestadas, porquanto: (i) No que concerne à falta de fundamentação, considera a AT que ”Ao contrário do alegado no PPA, as notificações remetidas aos Requerentes expressam a razão, de facto e de direito, para ter sido desconsiderada pela AT uma parte das despesas inscritas na coluna “Despesas e encargos” das declarações Modelo 3 apresentadas” pelo que “A fundamentação dos actos de liquidação ora controvertidos é (...) suficiente, clara e congruente, dando a conhecer o iter cognoscitivo valorativo da decisão em que esses actos assentaram” e “o conhecimento dessa fundamentação está bem evidenciado no PPA onde os Requerentes até identificam as despesas que foram consideradas pela AT”; (ii) Ainda que a AT reconheça que, de acordo com o disposto no artigo 46.º, n.º 3, do CIRS, o valor de um imóvel construído corresponderá ao VPT do prédio ou ao valor do terreno acrescido dos custos de construção, consoante o valor que, entre estes dois, seja superior, entende a AT que tal artigo é apenas aplicável a imóveis construídos e não em construção; (iii) Assim, na medida em que “...no caso dos autos, não existe nenhum prédio construído no terreno alienado portanto não é aplicável aqui a disciplina do n.º 3 do art. 46.º do CIRS.”; Acrescentando ainda a AT (iv) que “...o prédio adquirido pelos Requeridos. é, para efeitos da sua alienação onerosa e consequente tributação de mais-valias, o mesmo prédio que foi posteriormente alienado.”; E, por fim, que (v) também o artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do CIRS não será de aplicar ao caso, já que “... a edificação de um imóvel num terreno destinado a construção não valoriza o terreno, antes altera, com as inerentes consequências (legais e, porventura, económicas), a natureza jurídica do prédio que passa de “terreno para construção” a “prédio para habitação”.

Mais alega a Requerida, que os Requerentes não fizeram prova de que efectivamente procederam ao pagamento dos valores a que se referem as facturas que integram o Doc. n.º 7 do PPA.

 

1.9 A 28 de Janeiro de 2022 foi proferido despacho arbitral designando o dia 11 de Fevereiro para a realização da reunião do Tribunal Arbitral prevista no artigo 18.º, n.º 1, do RJAT, determinando a inquirição da testemunha arrolada pela Requerente nessa reunião e convidando-a a indicar os factos sobre os quais incidiria o requerimento da testemunha. 

 

1.10 A 20 de Fevereiro de 2022, os Requerente vieram aos autos juntar as liquidações de imposto emitidas em consequência do despacho de revogação parcial proferida antes da constituição do Tribunal Arbitral, números º 2021...., no montante total de €45.712,01 (€44.431,43 de imposto e €1.280,58 de juros compensatórios), emitida em nome de A..., titular do número de identificação fiscal..., 2021..., no montante total de €36.602,02 (€35.576,64 de imposto e €1.025,38 de juros compensatórios), emitida em nome de B..., titular do número de identificação fiscal ...; 2021..., no montante total de €36.602,02 (€35.576,64 de imposto e €1.025,38 de juros compensatórios), emitida em nome de C..., titular do número de identificação fiscal ...; e 2021..., no montante total de €36.602,02 (€35.576,64 de imposto e €1.025,38 de juros compensatórios), emitida em nome de B..., titular do número de identificação fiscal ..., e reiterar “o seu interesse quanto ao prosseguimento do presente processo arbitral tendo por objecto as Novas Liquidações que agora juntam, dado que: a) entendem que deverá ser ordenada a anulação integral das Novas Liquidações com todos os fundamentos anteriormente invocados, e que, em consequência, deverá ser a AT condenada a restituir integralmente o imposto indevidamente pago pelos Requerentes, acrescido de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto; b) ou, ainda que assim não entendam, sempre deverão as Novas Liquidações ser anuladas na parte em que são ilegais por desconformidade com o artigo art.º 51.º n.º 1 al. A) do CIRS, já que as despesas comprovadamente suportadas com a construção da Moradia, quando não relevantes nos termos do art.º 46.º n.º 3 do CIRS, sempre teriam de ser consideradas como “encargos com a valorização de bens” que acrescem, nos termos do art.º 51.º n.º 1 al. A) do CIRS, ao valor de aquisição do Terreno para efeitos de determinação das mais-valias.”.

 

1.11 A 8 de Fevereiro de 2022 vieram os Requerentes juntar aos autos requerimento indicando que a testemunha devia ser ouvida aos factos constantes dos artigos 27.º a 57.º do pedido de constituição do tribunal arbitral e requerendo que esta prestasse depoimento a partir do seu domicílio, por WEBEX.

 

 

1.12 A 18 de Fevereiro o Tribunal proferiu despacho deferindo o depoimento por WEBEX, caso não houvesse oposição da Requerida.

 

 

1.13 A 23 de Fevereiro, a Requerida veio aos autos declarar a sua não oposição, desde que “fosse assegurada a liberdade de depoimento”.

 

1.14 No dia 25 de Fevereiro realizou-se por WEBEX a reunião do Tribunal Arbitral, que ficou gravada, e foi inquirida a testemunha indicada pelos Requerentes. 

 

1.15 A 9 de Junho os Requerentes vieram aos autos juntar documentos e declarar que entendiam como útil à boa composição do litígio a apresentação de alegações escritas.

 

 

1.16 A 14 de Junho de 2022, o Tribunal proferiu despacho notificando as partes para apresentarem alegações finais escritas no prazo simultâneo de 10 dias; em substituição do despacho anterior, convidando a Requerida a, no mesmo prazo, se pronunciar sobre os documentos juntos aos autos pelos Requerentes em 8.6.2022 e o pedido de condenação em custas na parte correspondente às liquidações revogadas, contido no requerimento apresentado pelos Requerentes no dia 29.11.2021; fixando o dia 30 de Junho de 2022 como data previsível para a prolação da decisão arbitral.

 

1.18  As partes apresentaram alegações escritas a 28 de Junho de 2022, nas quais reiteraram as posições já antes expendidas.

 

2. SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído.

 

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

 

O processo não sofre de quaisquer vícios que o invalidem.

 

 

 

3. MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:

 

 

1.     Os Requerentes são todos não residentes em Portugal para efeitos fiscais, encontrando-se registados (actualmente e à data dos factos) no cadastro da AT como “residentes no estrangeiro”; 

 

2.     Por escritura pública datada de 27/07/2017, os Requerentes compraram, conjuntamente e em partes iguais, o “prédio urbano composto por talhão de terreno para construção urbana, sito em ..., denominado “Lote número...” - “...”, freguesia de ..., concelho de Loulé, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário correspondente de € 628.776,15

 

3.     O preço total de compra do terreno foi de € 2.500.000 (dois milhões e quinhentos mil Euros), repartido pelos Requerentes em partes iguais, ou seja, 625.000,00€ para cada um dos Requerentes;

 

4.     Os Requerentes procederam ao pagamento do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, no valor global de 162.500,00€, e do Imposto do Selo, no valor global de 20.000,00€, devido pela compra do terreno, nas respectivas proporções, tendo cada um deles suportado respectivamente 40.625,00€ de IMT e 5.000,00€ de Imposto de Selo; 

 

5.     Os Requerentes obrigaram-se a submeter, no prazo de vinte e quatro meses após a data de celebração do Contrato Promessa de Compra e Venda, à prévia apreciação da E..., S.A. todos os elementos que integram o Projecto de Construção da Moradia Unifamiliar a implantar no Lote, por forma a obter o respectivo e competente parecer favorável, antes de apresentar o respectivo projecto à Câmara Municipal de ...;

 

6.     O Lote n.º ... constitui parte integrante do Loteamento ..., sito na ... e destinava-se à construção de uma Moradia Unifamiliar, nos termos e em conformidade com o Regulamento Geral de Construção da ...;

 

7.     Os Requerentes obrigaram-se a construir uma moradia unifamiliar, ficando igualmente sujeitos às várias normas que regem a construção e a utilização de infra-estruturas no empreendimento turístico da ..., num prazo máximo de trinta e seis meses a contar da data da escritura e a requerer a respectiva Licença de Habitabilidade no prazo máximo de dezoito meses a contar da data do início da construção;

 

8.     Os Requerentes celebraram um contrato de empreitada com a sociedade F... Unipessoal, Lda.;

 

9.     Os Requerentes celebraram igualmente um contrato com o arquitecto G... para elaboração do projecto e fiscalização da execução de obra;

 

10.  As obras de construção da Moradia iniciaram-se em Julho de 2017;

 

11.  Além das despesas aceites pela AT no montante de € 46.106,11, correspondente a IMT (€ 40.625) e Imposto do Selo (€ 5.000) devidos pela compra do Terreno; despesas com notário (€ 256,11) e emolumentos pelo Registo Predial (€ 225), o Requerente A... (NIF ...) suportou despesas com a construção da moradia no valor global de € 266.378,17;

 

12.  Além das despesas aceites pela AT no montante de € 45.881,11, correspondente a IMT (€ 40.625) e Imposto do Selo (€ 5.000) devidos pela compra do Terreno e despesas com notário (€ 256,11), a Requerente B... suportou Despesas com a Construção da Moradia no valor global de € 258.878,17;

 

13.  A Requerente C... − além das despesas aceites pela AT no montante de € 45.881,11, correspondente a IMT (€ 40.625) e Imposto do Selo (€ 5.000) devidos pela compra do Terreno e despesas com notário (€ 256,11) −, suportou Despesas com a Construção da Moradia no valor global de € 258.878,17;

 

14.   O Requerente D...− além das despesas aceites pela AT no montante de € 45.881,11, correspondente a IMT (€ 40.625) e Imposto do Selo (€ 5.000) devidos pela compra do Terreno e despesas com notário (€ 256,11) −, suportou Despesas com a Construção da Moradia no valor global de € 258.878,17;

 

15.  Por escritura de compra e venda outorgada em 28 de Janeiro de 2019, os Requerentes venderam à sociedade H..., Unipessoal Lda., com o NIPC..., o Terreno e todo o edificado ainda em fase de construção, não terminado;

 

16.  O preço de compra global do Terreno foi de € 3.700.000 (três milhões e setecentos mil Euros), tendo cada um dos Requerentes recebido 925.000,00€;

 

17.   Em nome da sociedade, compradora do imóvel, mais tarde redenominada sob a firma I... Unipessoal, Lda., veio a ser emitida, em Novembro de 2019, a licença de utilização do edifício descrito como “edifício para habitação, com um único fogo constituído por cave, rés-do-chão e 1º andar sendo a área total de pavimento de 1293,21m2, com piscina no logradouro”;

 

18.  No alvará de licença de utilização está identificado o Arq.º G... como autor do projecto e responsável pela fiscalização da obra; 

 

19.  Os Requerentes apresentaram as declarações Modelo 3 do IRS..., ..., ... e..., referentes ao ano de 2019, tendo declarado, nos respectivos anexos G, o valor de aquisição do imóvel, o valor de realização, o IMT, o IS; os emolumentos de registo e notariais e as despesas com a construção; 

 

20.   Os Requerentes inscreveram as despesas com a construção da Moradia no campo das “Despesas e encargos”; 

 

21.   Na sequência das declarações de IRS submetidas, foram os Requerentes notificados em Julho de 2020 para justificar os montantes declarados no Quadro 4 do Anexo G das respectivas Declarações de IRS Submetidas; 

 

22.   Os Requerentes responderam, juntando documentação;

 

23.  Os Requerentes foram notificados por ofícios datados de 02 de Março de 2021, enviados por cartas registadas a 04 de Março de 2021, da intenção da AT de não aceitar, para efeitos do cálculo da mais-valia com a venda do Terreno, as despesas com a construção da Moradia; bem como, para, querendo, exercerem o seu direito de audiência prévia sobre a projectada correcção ao IRS de 2019 dos Requerentes; 

 

24.  Por ofícios datados de 07 de Abril de 2021, enviados por cartas registadas a 08 do mesmo mês, os Requerentes foram notificados da decisão final de corrigir o IRS liquidado quanto ao ano de 2019, por desconsideração de parte das despesas declaradas, no valor de 267.211,05 €, ao Requerente A..., e de 261.586,07 € a cada um dos Requerentes B..., C... e D...;

 

25.  A AT emitiu e notificou os Requerentes das liquidações adicionais de IRS e juros compensatórios relativas ao ano de 2019, em resultado das correcções efectuadas, das quais resultaram para o Requerente A... 91.424,04 € e para cada um dos outros Requerentes 73.204,40 €, a pagar, todas com prazo de pagamento a terminar em 17 de Junho de 2021;

 

26.  Os Requerentes pagaram aqueles montantes, nos respectivos prazos de pagamento voluntário.

 

Factos não provados

 

Não foram alegados pelas partes quaisquer outros factos, com relevo para a apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.

 

 

 

Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto

 

A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se nas alegações dos Requerentes e da Requerida não contraditadas pela parte contrária, sustentadas na prova documental junta, cuja autenticidade e correspondência à realidade também não foram questionadas, pela inquirição da testemunha apresentada pelos Requerentes, que depôs de forma livre, clara e demonstrando conhecimento directo dos factos, e, bem assim, pelo processo administrativo.

 

 

27.  MATÉRIA DE DIREITO - QUESTÕES DECIDENDAS

 

Operada a revogação parcial do actos de liquidação, são as seguintes as questões sobre as quais o Tribunal continua chamado a pronunciar-se:

 

(i)            Violação da obrigação de fundamentação dos actos lesivos que impende sobre a AT nos termos do art.º 152.º do Código do Procedimento Administrativo, do art.º 77.º da Lei Geral Tributária, e do art.º 268.º da Constituição da República Portuguesa; 

(ii)           Violação ostensiva do art.º 10º e do art.º 46.º n.º 3 do CIRS; 

(iii)         Inconstitucionalidade das normas legais aplicáveis, se interpretadas e aplicadas como o faz a AT; 

(iv)         Procedendo os pedidos dos Requerentes, são devidos juros indemnizatórios?

 

(i)             Da alegada falta de fundamentação dos actos de liquidação em crise:

 

A fundamentação invocada pela Requerida para desconsiderar as despesas submetidas por eles nas respectivas declarações de IRS e que legitima as correcções efectuadas, é constante do documento do ponto 23 dos factos provados, que se transcreve: 

 

Uma vez que se verifica a alienação de terreno para construção apenas serão de aceitar nos termos do art.º 51.º CIRS as despesas com a valorização do terreno, bem como as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação

 

Os Requerente alegam que tal fundamentação é insuficientemente e, por isso, manifestamente ilegal, nos termos do artigo 152.º, n.º 2 do CPA - aplicável ex vi do artigo 2.º, n.º 2, alínea c) da LGT.

 

Alegam os Requerentes, designadamente, que a Requerida não explica: 

 

− Por que razão considera ser aplicável ao caso concreto o regime previsto no art.º 51.º do CIRS; 

− Por que razão não considera a AT ser aplicável ao caso concreto o regime previsto no art.º 46.º n.º 3 do CIRS; 

− Por que razão considera que as facturas apresentadas pelos Requerentes com a construção da moradia não são despesas com a valorização do terreno; 

− Por que razão se permite desconsiderar, sem colocar em causa a veracidade daquelas facturas, as despesas suportadas com a construção da moradia para efeitos do apuramento do rendimento líquido auferido pelos requerentes com a compra do terreno, construção da moradia e venda dos mesmos. 

 

            Concluem os Requerentes que a parca justificação utilizada pela AT nas notificações emitidas aos Requerentes manifestamente não permitiu aos Requerentes, ou a um qualquer destinatário médio colocado na posição daqueles, conhecer as razões que levaram a AT a desconsiderar as despesas em causa para efeitos do apuramento do rendimento líquido obtido pelos Requerentes, com a compra, construção e venda do imóvel, que configura erro na aplicação do direito por preterição de formalidades legais essenciais (exclusivamente imputável à AT e insusceptíveis de serem degradadas em formalidades legais não essenciais). 

 

O referido erro na aplicação do direito inquina, segundo os Requerentes, de ilegalidade e determinam a anulabilidade das referidas liquidações, nos termos e para os efeitos previstos no actual artigo 163.º do CPA, aplicável nos termos previstos no artigo 29.º, alínea d), do RJAT.

 

A AT, nas suas peças, sustenta que as notificações remetidas aos Requerentes expressam a razão, de facto e de direito, para ter sido desconsiderada uma parte das despesas inscritas na coluna “Despesas e encargos” das declarações Modelo 3 apresentadas” pelo que “A fundamentação dos actos de liquidação ora controvertidos é (...) suficiente, clara e congruente, dando a conhecer o iter cognoscitivo valorativo da decisão em que esses actos assentaram” e “o conhecimento dessa fundamentação está bem evidenciado no PPA onde os Requerentes até identificam as despesas que foram consideradas pela AT”.

 

 

Ora, se é verdade que, por detrás da - adiante-se já - parca fundamentação, os Requerentes foram capazes de descortinar que a Requerida considerou que as despesas incorridas não são de aceitar como acréscimo ao valor de aquisição para efeitos de cálculo da mais valia nos termos do artigo 51.º do CIRS, unicamente porque o prédio em causa é um terreno para construção, a verdade é que toda a argumentação dos Requerentes é, de facto, um exercício de adivinhação dos possíveis fundamentos da Requerida, das minimamente viáveis interpretações que esta tenha feito das normas aplicáveis e de rebatimento desses - sempre necessariamente imaginados – argumentos, e em função de diversos quadros de facto possíveis e da eventualidade de aplicação de diversos regimes jurídicos. 

 

Como deixou claro o Supremo Tribunal Administrativo, em decisão proferida a 03.12.2014, no Proc. 01674/13, a Administração Tributária tem o dever de fundamentar os actos de liquidação impugnados de harmonia com o princípio plasmado no art. 268º da CRP e acolhido nos arts. 125º do CPA e 77 º da LGT e o acto só estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

 

O que significa, ainda segundo aquele aresto, que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto[1].

 

Em Acórdão de 07.06.2017, proferido no Proc. 0723/15, o STA esclareceu ainda que a exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa, razão pela qual, no que respeita aos actos tributários de liquidação e nos termos do nº 2 do artº. 77º da LGT, a fundamentação destes actos, ainda que sumária, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

 

No caso sub judice, em que se tratava de uma liquidação de IVA, a Administração Tributária, segundo o aresto, cumpriria o dever de fundamentação dando a conhecer ao sujeito passivo as operações aritméticas a que procedeu para determinar o quantum de imposto em dívida, depois de identificar, individualizar e quantificar os factores que utilizou nessas operações: ratio do sector da actividade exercida, volume de negócios, tributação mínima e declarações periódicas em falta [2].

 

No caso concreto, e uma vez que a AT não colocou em causa a efectiva realização das obras (embora a posterioriponha em causa o seu efectivo pagamento, que os Requerentes provaram), se o artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, determina que devem acrescer ao custo de aquisição "os encargos com a valorização dos bens", a AT teria de ter explicado se considera que as obras não valorizaram o bem, se a valorização dos bens a que se refere o artigo 51.º não abrange obras, ou se o artigo 51.º não abrange terrenos para construção.  E, obviamente, depois de explicar, fundamentar esse seu entendimento com base na lei.

 

 

Por outro lado, o direito à fundamentação dos actos administrativos e tributários reclama que o particular apenas tenha de defender-se dos pressupostos inicialmente enunciados, e dos quais se extraíram os efeitos lesivos, não sendo de admitir qualquer fundamentação a posteriori nem o aproveitamento do acto quando isso implique a valoração de razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação. 

 

Assim decidiu o Supremo Tribunal Administrativo em Acórdãos proferidos em 19.04. 2005, no Proc. 01306/03 [3], em 11.12.2019, no Proc. 0859/04.2BEPRT [4], e em 17.02.2021, no Proc.  02111/14.6 BEPRT 0981/16 [5], entre muitos outros. 

 

Ora, no caso concreto, como bem alegam os Requerentes, a fundamentação que a Requerida aduz na sua Resposta é fundamentação a posteriori, que não tem a virtualidade de sanar o vício do acto.

 

Finalmente, a AT parece defender que os Requerentes deviam ter lançado mão do disposto no artigo 37.º do CPPT se consideravam que a fundamentação era insuficiente. 

 

Ora, por um lado, o expediente do artigo 37.º do CPPT é uma possibilidade ao dispor dos sujeitos passivos e não uma obrigação, cuja não utilização faça precludir o exercício de qualquer direito ou dispense a AT das suas obrigações legais, como a fundamentação do acto, que constituem garantias dos administrados na formação dos actos lesivos. 

Ou seja, como melhor afirmou o Supremo Tribunal Administrativo [6], o art. 37.º do CPPT concede ao contribuinte uma faculdade para os casos em que a comunicação do acto enferme de algumas deficiências; não lhe impõe um comportamento com vista a permitir à AT fundamentar a posteriori um acto que não esteja devidamente fundamentado.

 

 

Por outro lado, e sem prejuízo do que supra se disse, o artigo 37.º do CPPT refere-se a vícios da notificação (i.e., da comunicação dos elementos do acto notificado [7]) e já não ao conteúdo do acto e aos eventuais vícios de que este padeça. A AT não demonstrou – aliás, o processo administrativo prova o contrário – que existisse qualquer outro elemento, capaz de fundamentar o acto, cuja notificação tivesse sido omitida, para além daquela única frase, supratranscrita, que foi notificada aos Requerentes. 

 

 

Termos em que se tem de concluir pela procedência da causa de pedir da falta de fundamentação e, consequentemente, pela ilegalidade e anulabilidade da liquidação.

 

Face a este juízo, fica prejudicado o conhecimento das outras causas de pedir, sendo que a possibilidade do seu conhecimento apenas se revelaria possível na presença de uma decisão de fundamentação que explicitasse, nos termos atrás referidos, o percurso racional cognitivo-valorativo efectivamente prosseguido pela AT.

 

(iv) Quanto aos juros indemnizatórios: 

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido e que se considera também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

Ora, não só a questão da interpretação da expressão erro usada pelo legislador está pacificada [8], no sentido de abranger qualquer erro nos pressupostos de facto ou de direito, que tenha levado a liquidação e pagamento de imposto superior ao devido, como é manifesto que o erro que afecta parte das liquidações efectuadas é indubitavelmente imputável à Administração Tributária.

 

Consequentemente, os Requerentes têm direito a juros indemnizatórios sobre a parte em que lhe assiste razão, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT.

 

Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outras que alterem a taxa legal) e, desde a data do pagamento, até ao integral reembolso.

 

 

Quanto ao valor da causa:

 

 

O princípio em matéria de tributação ou de custas do processo de arbitragem é o da correspondência do valor da causa ao da utilidade económica do pedido – cf. artigo 10.º-2/e), do RJAT.

 

É pela pretensão concreta da tutela jurisdicional – i.e., o pedido formulado pelo Requerente – que se define o valor da causa, e não pelo resultado decisório. 

 

Fixa-se, pois, o valor do processo em 311.036,89€ (trezentos e onze mil e trinta e seis euros e oitenta e nove cêntimos) de harmonia com o disposto nos artigos 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) e 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT.

 

A revogação parcial dos actos de liquidação operada já depois do pedido de constituição do Tribunal arbitral e a emissão de actos de liquidação substitutivos, nos termos dos números 1 e 2 do artigo 13.º do RJAT, são actos de reconhecimento parcial, por parte da Requerida, do pedido dos Requerentes, que deve, portanto, suportar as respectivas custas. 

 

 5. DECISÃO

 

Nestes termos e com a fundamentação supra, decide-se:

 

 - Julgar totalmente procedente o pedido dos Requerente e anular, por ilegal, as liquidações em crise;

 

- Condenar a Requerida no pagamento aos Requerentes de juros indemnizatórios, vencidos, desde as datas dos pagamentos e vincendos, até efectivo e integral reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outras que a venham a alterar);

 

- Fixar o montante das custas em 5.508,00€ (cinco mil quinhentos e oito euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT e condenar a Requerida a suportá-las, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT, 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

            Lisboa e CAAD, aos 26 de Julho de dois mil e vinte e dois.

 

Notifique-se.

 

Os Árbitros,

Rita Correia da Cunha, com voto de vencido em anexo

Jorge Belchior de Campos Laires

Eva Dias Costa

VOTO DE VENCIDO

 

Embora subscreva o sentido da Decisão Arbitral, que julga procedente o pedido de pronúncia arbitral, não posso acompanhar os argumentos que obtiveram vencimento na mesma. Acontece também que a Decisão Arbitral nem sempre identifica os documentos juntos aos autos que foram considerados pelo Tribunal em suporte da matéria de facto dada como provada, e que factos foram considerados como provados pelas declarações da testemunha inquirida na reunião do artigo 18.º do RJAT. Relativamente à fundamentação da Decisão Arbitral, o Tribunal deveria ter julgado improcedente o vício de falta de fundamentação das liquidações contestadas, e ter julgado procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento na ilegalidade das liquidações contestadas à luz do disposto no artigo 51.º do Código do IRS.

 

§1. Da alegada falta de fundamentação dos atos de liquidação em crise

Constitui jurisprudência reiterada do Douto Supremo Tribunal Administrativo que, no contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo arbitral, “o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-10-2020, processo n.º 02887/13.8BEPRT). O mesmo princípio havia já sido reconhecido pelo Supremo Tribunal Administrativo anteriormente:

“A fundamentação dos actos administrativos e tributários a posteriori não é legalmente consentida (...), sendo a validade do acto terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser “aditados”” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22-03-2018, processo n.º 0208/17).

“A decisão em matéria de procedimento tributário, além de dever respeitar os princípios da suficiência, da clareza e da congruência, deve, por outro lado, ser contextual ou contemporânea do acto, não relevando a fundamentação feita a posteriori” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-07-2016, processo n.º 01436/15).

O mesmo entendimento encontra-se refletido na jurisprudência arbitral, conforme resulta das Decisões Arbitrais de 02-02-2015, processo n.º 628/2014-T; de 11-01-2021, processo n.º 411/2020-T; de 21-01-2021, processo n.º 865/2019-T; de 25-01-2021, processo n.º 851/2019-T; de 07-09-2021, processo n.º 646/2020-T; de 21-02-2022, processo n.º 440/2021-T. 

À luz desta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e arbitral, interessa atentar ao contexto e conteúdo das notificações que antecederam as liquidações de IRS contestados pelos Requerentes.

Nas respetivas declarações de IRS Modelo 3 do ano de 2019, os Requerentes inscreveram as despesas que suportaram com a construção da moradia em apreço no campo “despesas e encargos” (quadro 4 do Anexo G), nos termos do artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, ao invés de inscreverem as referidas despesas no campo “valor de aquisição”, a acrescer ao preço de compra do terreno cujo direito de propriedade alienaram, nos termos do artigo 46.º, n.º 3, do Código do IRS (cfr. documento 14 junto ao PPA). 

Em julho de 2020, os Requerentes foram notificados para justificar os montantes declarados no quadro 4 do Anexo G das respetivas declarações de imposto (cfr. documento 15 junto ao PPA). Do processo administrativo constam os seguintes documentos: faturas do Cartório Notarial de Faro, liquidações de IMT e de Imposto de Selo, Escrituras de Compra e de Venda do Terreno de 27-07-2017 e de 28-01-2019. Note-se que, do processo administrativo junto aos autos, não constam faturas ou recibos relativos às despesas com a construção da moradia.

Em março de 2021, foram os Requerentes notificados para exercerem o seu direito de audição prévia, podendo-se ler nas respetivas notificações o seguinte fundamento das correções propostas pela AT: Uma vez que se verifica a alienação de terreno para construção apenas serão de aceitar nos termos do art.º 51.º CIRS as despesas com a valorização do terreno, bem como as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação (cfr. documento 16 junto ao PPA).

Das notificações subsequentes (de abril de 2021) resulta que os Requerentes exerceram o seu direito de audição prévia (documentos não juntos aos autos pelos Requerentes ou pela requerida) e que as correções efetuadas pela AT foram fundamentadas da seguinte forma: Da análise efetuada aos documentos/alegações apresentados em sede de audição prévia, relativamente à notificação da(a) divergência(s) identificada(s) na declaração de rendimentos Modelo 3 do ano de 2019 (...), não foram comprovados os elementos declarados pelo que por minha decisão de 2021-04-07 foi determinada a efetivação da(s) seguintes(s) correção(ões) (...) (cfr. documento 17 junto ao PPA). Na sequência destas notificações foram emitidas declarações oficiosas Modelo 3 de IRS, que geraram as liquidações de imposto controvertidas (cfr. documentos juntos ao processo administrativo).

Das notificações que precederam as liquidações de IRS controvertidas resulta que as mesmas são fundadas (a) num primeiro momento, por nos termos do artigo 51.º do Código do IRS apenas serem de aceitar as despesas com a valorização do terreno e as necessárias e efetivamente praticadas inerentes à aquisição e alienação do mesmo, e (b) num segundo momento, por não terem sido comprovados os elementos declarados.

Nos artigos 77.º a 79.º das Alegações, os Requerentes alegam que as notificações não permitiram aos Requerentes, ou a um qualquer destinatário médio colocado na posição daqueles, conhecer as razões que levaram a AT a desconsiderar as despesas em causa, na medida em que não explicitam:

(i)     por que razão considera a AT ser aplicável ao caso concreto o regime previsto no artigo 51.º do Código do IRS; 

(ii)   por que razão não considera a AT ser aplicável ao caso concreto o regime previsto no artigo 46.º, n.º 3, do Código do IRS; 

(iii)  por que razão considera a AT que as faturas apresentadas pelos Requerentes com a construção da Moradia não são despesas com a valorização do terreno; 

(iv)  por que razão se permite a AT a desconsiderar, sem colocar em causa a veracidade daquelas faturas, as despesas suportadas com a construção da Moradia para efeitos do apuramento do rendimento líquido auferido pelos Requerentes com a compra do Terreno, construção da Moradia, e venda dos mesmos.

Quanto ao primeiro e segundo argumentos dos Requerentes, interessa notar que foram os Requerentes que, quando apresentaram as respetivas declarações de IRS, enquadraram as despesas com a construção da moradia no artigo 51.º do Código do IRS. Não constando os requerimentos apresentados no exercício de audição prévia dos autos, não é possível concluir que os Requerentes levantaram a questão da aplicação do artigo 46.º, n.º 3, do CIRS ao caso sub judice em momento anterior à emissão das liquidações controvertidas. Assim sendo, não se percebe porque motivo teria a AT de considerar a aplicação deste preceito no caso em apreço. Acresce que a AT foi clara quando justificou que o disposto no artigo 51.º do Código do IRS não se aplica às despesas com a construção da moradia por as mesmas despesas não se encontrarem comprovadas.

Quanto ao terceiro e quarto argumentos dos Requerentes, resulta das notificações que precederam as liquidações controvertidas que a AT considerou que os Requerentes não haviam comprovado os elementos declarados, i.e., as despesas com a construção da moradia. Ainda que os Requerentes tivessem junto as faturas comprovativas destas despesas anteriormente à emissão das liquidações de IRS contestadas (o que não resulta dos documentos contidos no processo administrativo junto aos autos), cumpre salientar que o Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que “Facturas e recibos são coisas distintas, e só estes últimos são comprovativos do pagamento ou quitação” (cfr. Acórdão de 29-09-2005, processo n.º 179/05-11). No mesmo sentido: Acórdão de 11-10-2018, processo n.º 02773/11.6BEPRT 0501/18.

Ao contrário do decido pelo Tribunal Arbitral, das notificações anteriores às liquidações controvertidas resulta que a fundamentação contida nas mesmas foi suficiente para os Requerentes, colocados na posição de um destinatário normal,ficarem a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de forma a poderem desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação: (i) nos termos do artigo 51.º do Código do IRS apenas são de aceitar as despesas com a valorização do terreno, e (ii) os Requerentes não comprovaram a realização de despesas com a valorização do terreno. Conclui-se, assim, que a AT cumpriu o seu dever de fundamentar as liquidações de IRS em apreço, nos termos dos artigos 268.º, n.º 3, da CRP, 77.º da LGT e 153.º do CPA. Senão vejamos.

A fundamentação dos atos tributários constitui uma imposição constitucional (cfr. artigo 268.º, n.º 3, da CRP) e legal (cfr. artigos 77.º da LGT e 153.º do CPA). Do artigo 268.º, n.º 3, da CRP resulta que os atos administrativos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos “carecem de fundamentação expressa e acessível”. No artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, da LGT pode ler-se:

“1 — A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 — A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”

No artigo 153.º, n.ºs 1 e 2, do CPA, pode ler-se:

“1 - A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato.

2 - Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.”

É jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo que (i) a fundamentação do ato administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto; (ii) a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação; (iii) um ato tributário encontra-se fundamentado quando o sujeito passivo, colocado na posição de um destinatário normal possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese; (iv) não ocorre o vício de fundamentação deficiente quando o sujeito passivo revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido.

Neste sentido, atente-se aos seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:

- de 10-02-2010, processo n.º 01122/09: “Este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender que a fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.”

- de 30-01-2013, processo n.º 0105/12: “não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido”.

- de 23-04-2014, processo n.º 01690/13: O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

de 27-01-2016, processo n.º 0174/15: “Apesar da não indicação expressa do preceito legal aplicável, a exigível fundamentação de direito do acto tributário será suficiente com a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, desde que, em qualquer caso, se possa concluir que aqueles eram conhecidos ou cognoscíveis por um destinatário normal colocado na posição em concreto do real destinatário.”

- de 29-09-2016, processo n.º 0956/16: “IV - A fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto. Ponto é que a fundamentação responda às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. V - Está suficientemente fundamentado o acto administrativo que, complementado com informação para que remete, permite atingir esse objectivo.”

Da jurisprudência arbitral resulta que a fundamentação de um ato de liquidação é suficiente quando o sujeito passivo mostre compreender os concretos fundamentos usados pela AT, conforme resulta das Decisões Arbitrais:

- de 12-10-2021, processo n.º 97/2020-T: “A fundamentação vertida pela AT mostra-se suficiente desde que sujeito passivo mostre compreender os concretos fundamentos usados pela AT.”

- de 17-01-2022, processo n.º 521/2021-T: “para a fundamentação ser considerada suficiente basta que sejam perceptíveis as razões por que se decidiu no sentido em que se decidiu.”

- de 22-03-2022, processo n.º 730/2021-T: “O dever de fundamentação formal do ato de liquidação, encontra-se preenchido quando se revela a compreensão pelo sujeito passivo do fundamento que permitiu a elaboração da liquidação adicional.”

No caso sub judice, as razões contidas nas notificações que precederam as liquidações controvertidas são claras e percetíveis, pelo que o Tribunal deveria ter concluído pela improcedência do vício de falta de fundamentação invocado pelos Requerentes.

 

§2. Enquadramento das despesas suportadas pelos Requerentes com a construção da moradia no artigo 51.º do Código do IRS

            Tal como ficou provado através dos recibos relativos às despesas de construção da moradia juntos pelos Requerentes no decorrer do processo arbitral e da prova testemunhal produzida reunião do artigo 18.º do RJAT, os Requerentes incorreram efetivamente em despesas com a construção de uma moradia no terreno em apreço, construção essa ainda a decorrer aquando da alienação do mesmo terreno. Ainda que incompletos no momento da alienação do terreno pelos Requerentes, os trabalhos de construção da moradia em causa determinaram uma valorização física e económica do terreno, que foi alienado pelos Requerentes por um valor substancialmente superior ao valor pelo qual foi adquirido.

Assim sendo, tais despesas acrescem ao valor de aquisição do terreno para efeitos da determinação das mais-valias sujeitas a IRS, nos termos do artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS (na redação dada pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, em vigor em 2019). De facto, deste preceito resulta que “ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos (...)”. O mesmo entendimento tem sido perfilhado pela jurisprudência arbitral, conforme as seguintes Decisões Arbitrais:

- de 15-01-2022, processo n.º 8/2021-T: “Encargos com a valorização dos bens” a que se refere o artigo 51.º, n.º 1, alínea), do CIRS, para efeito da determinação da mais-valia imobiliária, abrange os encargos incorridos que se encontrem associados à valorização económica do imóvel e não tenham uma estrita finalidade de preservação dos bens.”

- de 08-03-2021, processo n.º 407/2020-T: “Estão aqui em causa encargos intrinsecamente ligados ao bem alienado, conducentes a uma valorização, quer material ou física, quer económica, do mesmo. Carecem de relevância os encargos destinados à mera preservação do valor do bem, e não à sua valorização.”

            Do exposto supra resulta que são de rejeitar os argumentos da AT segundo os quais (i) as obras de edificação não podem ser subsumidos ao artigo 51.º do Código do IRS porquanto a edificação de um imóvel num terreno destinado a construção não valoriza o terreno, ou (ii) as alegadas despesas não tiveram, do ponto de vista financeiro e económico, impacto no negócio de venda do prédio porquanto o mesmo foi vendido pelo preço correspondente ao valor da compra acrescido do valor desses alegados custos. Ora, evidência clara da valorização económica do terreno para construção em causa é o facto de o mesmo ter sido adquirido pelos Requerentes em julho de 2017 por € 2.500.000, e vendido em janeiro de 2019 por € 3.700.000.

            Nestes termos, deveria o Tribunal ter declarado ilegais e anulado as liquidações de IRS controvertidas, na parte em que desconsideram as despesas de construção da moradia comprovadamente suportadas pelos Requerentes, por violação do artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS.

Neste texto se resume a opinião que tenho sobre o assunto e se justificam as razões que me levam a apoiar o sentido da Decisão Arbitral com fundamentos distintos dos que suportam a mesma.

Rita Correia da Cunha

 

 



[1] Texto integral disponível em https://www.direitoemdia.pt/document/s/711938.

[2] Texto integral disponível em https://www.direitoemdia.pt/document/s/bb55c0.

[3] Texto integral disponível em https://www.direitoemdia.pt/document/s/6fc6f5.

[4] Texto integral disponível em https://www.direitoemdia.pt/document/s/6fc6f5.

[5] Texto integral disponível em https://www.direitoemdia.pt/document/s/1058bf.

[6] Em Acórdão de 30.11.2011, Proc. 0619/11, disponível em https://www.direitoemdia.pt/document/s/f967d2.

[7] Vide, a propósito do regime do artigo 37.º do CPPT, o Acórdão do STA de 22,01.2014, proferido no Proc. 01108/13, disponível em https://www.direitia.pt/document/s/99a291, de onde se retirou a frase em itálico.

[8] Vide, por todos, o acórdão do STA de 11.03.2015, proferido no Proc. 0537/14, disponível em https://www.direitoemdia.pt/document/s/989b5f.