Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 580/2020-T
Data da decisão: 2021-12-09  IVA  
Valor do pedido: € 36.110,27
Tema: IVA – Indemnizações compensatórias – Erro em autoliquidação – Ónus da prova.
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SUMÁRIO

 

1. Os artigos 74.º, n.º 1, da LGT e 342.º, n.º 1, do Código Civil, prescrevem que o ónus da prova sobre os factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque. No presente caso, a Requerente, ao não efetuar prova do alegado em favor da sua pretensão, afasta a possibilidade de se aferir sobre a existência ou não de qualquer montante de IVA liquidado em excesso.

2. Pelo que, não sendo feita prova da ilegalidade dos atos impugnados, não pode deixar de improceder o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

1. A..., E.P.E., com o número de identificação fiscal ..., com sede na ..., n.º ..., ...-..., ..., vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em que figura como Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

2. O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 28-10-2020, tem como objeto imediato a declaração de ilegalidade do indeferimento parcial de reclamação graciosa e, como objeto mediato, a declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial dos atos tributários de autoliquidação de IVA, relativos aos períodos de novembro e dezembro de 2017, no valor global de € 36 110,27.

 

3. A Requerente pede também a devolução da importância acima referida, que considera indevidamente cobrada, acrescida dos correspondentes juros indemnizatório contados nos termos legais.

 

4. Como fundamento do pedido que formula, argumenta a Requerente, em síntese, que os atos tributários impugnados enfermam de erro relativamente ao enquadramento jurídico-tributário das indemnizações compensatórias que foram atribuídas no ano de 2017 de que resultou a entrega ao Estado, em excesso, do montante cuja restituição é pedida.

 

5. Em resposta ao pedido, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) juntou o processo administrativo, tendo-se pronunciado, por impugnação, no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, devendo manter-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados.

 

6. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

7. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.

 

8. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo, oportunamente, notificado as Partes.

 

9. Devidamente notificadas dessa designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

10. Pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral foi constituído em 19-01-2021.

 

11. Por despacho de 15-07-2021 foi notificada a Requerente para, no prazo de 10 dias, demonstrar, com suporte documental, a imputação à base tributável dos diversos períodos do ano de 2017 dos valores da indemnização compensatória efetivamente recebida. Pelo mesmo despacho foi, ainda, decidido prorrogar por dois meses o prazo previsto no artigo 21.º, n.º 1, do RJAT, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

12. Em resposta ao solicitado, a Requerente veio clarificar a forma como considera apurado o imposto que entende ter sido entregue em excesso, no essencial, reafirmando o que alega na petição e remetendo para os documentos com a mesma entregues.

 

13. Após nova prorrogação daquele prazo, foi proferido despacho em 09-11-2021 dispensando a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, concedendo às Partes 15 dias para, querendo, apresentarem, concomitantemente, alegações escritas.

 

14. Pelo mesmo despacho, foi prorrogada por mais um mês a data para prolação da decisão arbitral fixando-se a data-limite para o dia 13-12-2021.

 

15. Dentro do prazo designado, apenas a Requerida apresentou alegações, no essencial reafirmando a posição já anteriormente expressa na respetiva Resposta.

 

 

 

II. Saneamento

 

16. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

 

17. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

 

18. Não se suscitam quaisquer questões que obstem ao conhecimento do mérito do pedido.

 

III. Matéria de facto

 

19. Com base nos elementos documentais que integram o presente processo, designadamente o processo administrativo, destacam-se os seguintes elementos factuais que, não sendo contestados pelas Partes, se consideram inteiramente provados:

 

19.1. A Requerente é uma entidade pública empresarial, com sede em território nacional, exercendo, a título principal, a atividade de “Transporte Interurbano de Passageiros por Caminho-de-Ferro” – CAE 49100;

 

19.2. Para efeitos de IVA encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, nos termos do artigo 41.º, n.º 1, alínea a), do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado;

 

19.3. No âmbito do serviço público que presta, foi atribuído à Requerente, pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 133/2017, publicada no Diário da República 1ª Série n.º 185, de 25.9.2017 (cf. Doc.4) uma comparticipação financeira, com a natureza de indemnização compensatória, pela implementação dos seguintes passes: (i) Passe...; (ii) Passe...; (iii) Passe...; (iv).... O montante atribuído perfaz um total de € 2.280.000,00 a ser atribuído pelo B..., I.P. - com efeitos a 1 de Janeiro de 2017.

 

19.4. Relativamente ao referido ano foi efetivamente transferido para a Requerente pelo B..., IP, em cumprimento do disposto naquela Resolução do Conselho de Ministros, o valor de € 2 103 148,12, não se extraindo da documentação junta ao processo a data da transferência e, caso tenha sido paga em tranches, a data e o montante de cada uma delas (cf.. Doc.6).

 

19.5. A Requerente, conforme declara no ponto 44 da petição, não emitiu faturas pelo (s) montante (s) transferido (s), tendo liquidado o IVA com base (unicamente) em documentos internos, apresentando (cf. Doc 5) os elementos de cálculo do imposto que considera indevidamente  liquidado e pago:

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

19.6. Em 19-12-2019, a Requerente apresentou reclamação graciosa tendo por objeto da apreciação da legalidade das autoliquidações de IVA relativas aos períodos de tributação de janeiro a dezembro de 2017. Alega, como fundamento da reclamação, ter procedido à liquidação de imposto sobre o montante de €3.011.226,60 que incorretamente considerou ser devido pelo B..., IP, a título de compensação pela implementação e venda dos seguintes passes: Passe...; Passe...; Passe...; ..., ao invés de 2 103 146,12, que corresponde ao valor que, efetivamente, lhe veio a ser pago por aquela entidade.

 

19.7. Relativamente aos períodos acima indicadas e em consequência do erro em que incorreu, alega ter liquidado indevidamente IVA no montante total de € 51 400,67, solicitando a anulação e revisão parcial dos atos de liquidação em causa e restituição do imposto indevidamente liquidado.

 

19.8. A Requerente integra o grupo dos contribuintes abrangidos pelo disposto no artigo 68.º-B da LGT – contribuintes de elevada relevância económica e fiscal - cujo acompanhamento permanente e gestão tributária se encontram atribuídos à Unidade dos Grandes Contribuintes, cujo elenco consta do Anexo I do Despacho n.º 977/2019, de 28 de janeiro. Pelo que, face ao preceituado no artigo 75.º do CPPT e na alínea r) do n.º 2, do artigo 34.º da Portaria n-º 320-A/2011, de 30/12, alterada e republicada pela Portaria n.º 155/2018, de 29/05, é competente para a decisão no âmbito do procedimento em causa o Diretor da Unidade dos Grandes Contribuinte (UGC).

 

19.9. Por despacho de 14-07-2020 do Chefe de Divisão do Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes, proferido no uso de subdelegação de competência, foi a reclamação indeferida, após notificação à Reclamante para exercer, querendo, o direito de audição para o que lhe foi remetido cópia do projeto de decisão.

 

19.10. A referida decisão de indeferimento fundamenta-se na extemporaneidade do pedido em relação às autoliquidações respeitantes aos períodos de janeiro a outubro de 2017, matéria que não constitui objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, centrando-se este exclusivamente sobre as autoliquidações relativas aos períodos de novembro e dezembro daquele ano.

 

19.11. Quanto a estas, a decisão de indeferimento da reclamação vem fundamentada nos seguintes termos;

“... 92. No que concerne às declarações periódicas de novembro e dezembro, respetivamente, ... e n.º ..., conforme ficou demonstrado anteriormente, tendo sido enviadas a 12.12.2017 e 19.01.2018, a Reclamação Graciosa mostra.se tempestiva, pelo que, cumpre apreciar a argumentação de fato e direito apresentada pela Reclamante para contestar a sua legalidade.

93. Quanto a este ponto, reitera-se tudo quanto ficou dito relativamente à existência de erro em sede de análise da suscetibilidade de recurso ao procedimento de Revisão Oficiosa como meio para a obtenção da tutela das pretensões formuladas pela Reclamante,

94. Quanto à alegada existência de erro de enquadramento, assente num erro de interpretação das normas ínsitas no CIVA, quanto à incidência e valor tributável, defendida pela Reclamante não se vislumbra qualquer fundamento para a mesma.

95. De facto, os montantes das comparticipações recebidas pela A..., E.P.E. relativas à implementação dos passes encontram-se sujeitas a tributação, sujeição essa que não só decorre do CIVA, como vem, expressamente, mencionada na já citada Resolução do Conselho de Ministros. Aliás é a própria Reclamante que descreve o enquadramento jurídico tributário dos referidos montantes.

96. A existir um eventual lapso, como pretende fazer valer a Reclamante, o mesmo encontrar-se-ia restrito ao valor tributável, montante sobre o qual incidiria a taxa de IVA aplicável.

97. Ora tendo em consideração que a declaração periódica tem por base os valores constantes dos registos contabilísticos dos documentos que lhes serviram de suporte, a admitir-se qualquer erro, o mesmo estaria relacionado com as faturas emitidas, as quais deveriam ser configuradas como faturas inexatas e como tal suscetíveis de regularização nos termos do n.º 3 do artigo 78.º do CIVA, o que não sucedeu.

98. Nesse sentido trazemos à colação a doutrina defendida por João Canelas Duro que refere que “perante a utilização de um conceito vago como “fatura inexata”, o aplicador deve procurar a densificação concetual que mais se adequa à natureza da norma em apreço e à estrutura lógica do sistema jurídico. Ora, pela leitura do n.º 3 do artigo 78.º constata-se que o erro em questão é suscetível de originar tanto imposto liquidado em excesso como imposto liquidado por defeito. Desta forma, não se aceita que seja afastada a possibilidade desse erro na liquidação ter origem numa errada configuração jurídica da operação titulada pela fatura, sendo quase sempre, de direito, precisamente, o erro que origina incorreções de imposto liquidado.”

99. Reiterando esse entendimento, veja-se a fundamentação constante na decisão que recaiu sobre pedido de pronúncia arbitral submetido ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e proferida no âmbito do processo n.º 360/2015-T, onde de forma exemplar se esclarece que: “(...) Assim, sendo correta a ligação – decorrente do próprio texto da norma do artigo 78.º/1 do Código do IVA e do subsequente n-º 3, e o artigo 36.º/5 do Código do IVA, considera-se que o referido regime – dos n.ºs 1 e 3 do artigo 78.º - será aplicável às retificações de inexatidões nas menções impostas por aquele n.º 5. Independentemente da causa de tais inexatidões, ou seja, de estas serem devidas a um errado enquadramento do direito ou dos factos, a dolo de fraude, a negligência, inépcia, desleixo ou qualquer outra causa ou motivação.

Não se vislumbra, efetivamente, qualquer fundamento material para distinguir, como se faz na decisão ora em análise, os casos em que “o sujeito passivo indica uma taxa de IVA incorreta” intencionalmente, por estar errado no enquadramento que faz da operação, de todos os restantes casos em que tal ocorra, sem querer ou propositadamente. Com efeito, como se apontou já, julga-se que a limitação temporal consagrada no artigo 78.º/3 do Código do IVA tem subjacente a necessidade de assegurar à Requerida uma dilação suficiente para, dentro do prazo de caducidade dos tributos, proceder às fiscalizações e correções que, em função das retificações operadas, se tornem necessárias. Ora, a verdade é que tal necessidade se verifica precisamente com a mesma intensidade, quer a retificação se dê porquanto o sujeito passivo procedeu, nas faturas que emitiu, a um errado enquadramento de direito da operação tributável em que interveio, quer aquela se dê por qualquer outro motivo, não se detetando, ao contrário do que alega a Reclamante, qualquer injustiça (...).

100. Pelo que, salvo melhor entendimento, estar-se-á perante uma situação de inexatidão de fatura relevante para efeitos de passível de correção nos termos do n.º 1 e 3 do artigo 78.º do CIVA, quando o valor tributável da operação, ou o respetivo imposto nela mencionado, não forem corretos, face aos factos apurados e ao direito aplicável.

101. Abrangendo não só os casos em que um dos requisitos a que a mesma se encontra adstrita não está observado (por exemplo não haver menção à taxa do IVA aplicável ou ao imposto liquidado), bem como quando um dos tais requisitos estela incorretamente observado, como seja, o imposto liquidado não seja o correto. E isto independentemente de quaisquer motivações subjetivas das partes envolvidas.

102. Ainda que assim não fosse, a verdade é que, a única hipótese plausível para o sucedido seria ter havido um erro de transcrição dos registos contabilísticos para a DP, o que se configuraria como um erro material ou de cálculo, que mais uma vez, deveria ser objeto de regularização nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 78.º do CIVA. Prevendo esta disposição um prazo de dois anos para tal, pelo que, também neste caso, o mesmo já se teria esgotado.

103, Em qualquer destas situações, a Reclamação Graciosa nunca seria meio idóneo para dar execução à pretensão formulada, atendendo ao disposto no n.º 2 do artigo 97.º do CIVA.

104. Sucede que, conforme dito aquando da análise da adequação da revisão oficiosa como meio gracioso para aferir da legalidade das autoliquidações em causa, a Reclamante não logrou fazer qualquer prova dos factos que alega, nomeadamente, da ocorrência de um erro que determinou a liquidação de IVA em excesso, e que o mesmo não se mostra devido.

105. Com efeito, reitera-se que a Reclamante não só não comprova que os valores lhe foram pagos, como não demonstra que os montantes alegadamente liquidados não eram devidos.

106. Importando realçar quanto a este ponto em concreto que, ainda que o IVA tenha sido indevidamente liquidado, tal não exime a Reclamante de entregar o correspondente montante ao Estado, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 27.º , conjugado com a alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º, ambos do CIVA.

107. Dispõe o artigo 74.º da LGT que cabe ao sujeito passivo o ónus da prova da existência dos factos que invoca como fundamento da sua pretensão, não podendo a mesma ser efetuada a partir dos elementos que a AT dispõe.

108. Pelo que, ao não efetuar prova do alegado, fica afastada a possibilidade de se aferir sobre a existência ou não de qualquer montante de IVA liquidado em excesso, não impendendo sobre a AT o dever de corrigir, sem mais, oficiosamente a situação-

109. Demonstra-se, assim, não assistir razão à Reclamante, devendo decidir-se pela improcedência da totalidade das pretensões formuladas na Reclamação Graciosa aqui em análise, porquanto não logrou provar, inequivocamente, a ilegalidade dos atos reclamados.”

 

20. Não se mostrando provado com base na documentação constante do presente processo que a Requerente tenha, indevidamente, liquidado e pago IVA relativamente às indemnizações compensatórias que lhe foram atribuídas no ano de 2017, o Tribunal emitiu, em 15-07-2021, o seguinte despacho:

“Afigura-se que a matéria de facto relevante para a decisão da causa poderá ser fixada com base na prova documental.

Assim, notifique-se a Requerente para, com suporte documental, demonstrar a imputação à base tributável dos diversos períodos do ano de 2017 dos valores da indemnização compensatória efetivamente recebida, por forma a conhecer-se com exatidão qual o montante da mesma que teria sido imputado a cada um dos períodos de novembro e dezembro desse ano.

OU,

Sendo o caso, qual o montante por lapso imputado a esse título à base tributável de cada um desses períodos e, discriminadamente, por cada um deles, o montante de imposto correspondente cuja anulação é pedida.”

 

21. Em resposta, a Requerente limitou-se a acentuar o que havia já alegado na sua petição, remetendo, como meio probatório, uma tabela contendo os cálculos constantes dos documentos 3 e 6 já anteriormente entregues com a petição inicial. Do documento 3 consta uma listagem elaborada em formato excel e do documento 6 um quadro demonstrativo dos valores de IVA liquidados no ano de 2017 tendente a explicitar o procedimento adotado pela Requerente.

 

22. Os factos provados baseiam-se nos elementos constantes dos documentos juntos ao processo, não existindo, com relevo para a decisão quaisquer outros factos que devam considerar-se provados.

 

IV. Matéria de direito

 

23. Considerados os factos dados como provados, importa, assim e antes de mais, proceder-se, ainda que de forma sumária, ao enquadramento legal em sede de IVA das indemnizações compensatórias em causa e, com base nesse enquadramento, analisar-se o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

24. A regra geral de determinação do valor tributável das operações efetuadas a título oneroso, encontra-se formulada no artigo 16.º, n.º 1, do Código do IVA nos seguintes termos: “(...)   o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.”

 

25. Complementando esta regra, dispõe a alínea c), do n.º 5, do mesmo artigo que no valor tributável das operações sujeitas a imposto se incluem “As subvenções directamente conexas com o preço de cada operação, considerando como tais as que são estabelecidas em função do número de unidades transmitidas ou do volume dos serviços prestados e sejam fixadas anteriormente à realização das operações.”

 

26. As normas referidas constituem a transposição para o direito nacional do artigo 73.º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28/11 – Diretiva IVA – que define o âmbito do valor tributável do IVA nos seguintes termos: “ Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.º a 77.º, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções directamente relacionadas com o preço de tais operações”.

 

27. Qualquer que seja a designação atribuída – subsídio, subvenção, indemnização ou incentivo – considera-se incluído no valor tributável da operação os subsídios que determinam uma redução do preço do bem ou do serviço prestado pela entidade que o recebe. Neste sentido, o entendimento perfilhado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em acórdão de 22-11-2001, proferido no Processo  C-184/00 – Office das Produtis Wallons: "14 Assim, compete ao órgão jurisdicional de reenvio provar a existência de um nexo direto entre a subvenção e o bem ou o serviço em causa. Tal exige que se verifique, numa primeira fase, que os compradores do bem ou os destinatários do serviço beneficiam da subvenção concedida ao beneficiário desta. Com efeito, é necessário que o preço a pagar pelo comprador ou pelo destinatário seja fixado de modo que diminua na proporção da subvenção concedida ao vendedor do bem ou ao prestador do serviço, que constitui então um elemento de determinação do preço exigido por estes últimos. O órgão jurisdicional deverá apreciar se, objetivamente, o facto de uma subvenção ser paga ao vendedor ou ao prestador permite a este vender o bem ou fornecer um serviço a um preço inferior ao que exigiria na falta dessa subvenção. (…)17 A fim de verificar se a contrapartida representada pela subvenção é determinável, o órgão jurisdicional de reenvio poderá, por outro lado, comparar o preço a que os bens em causa são vendidos relativamente ao preço normal de custo, ou procurar saber se o montante da subvenção foi diminuído na sequência da falta da produção dos referidos bens. Se os elementos apreciados forem significativos, cabe concluir que a parte da subvenção que foi afetada à produção e à venda do bem constitui uma «subvenção diretamente relacionada com o preço». A este propósito, não é necessário que o montante da subvenção corresponda rigorosamente à diminuição do preço do bem entregue, bastando que a relação entre esta e a referida subvenção, que pode ser fixa, seja significativa.".

 

28. No mesmo sentido, sobre o tratamento das subvenções em sede de IVA, destaca-se, na doutrina, o que escreve Rui Laires, em Ciência e Técnica Fiscal, 2007, n.º 419 “O Tratamento em IVA das Subvenções na Legislação e na Jurisprudência Comunitária”, elencando, para que uma dada subvenção seja tributável, os seguintes elementos:

i) a entidade que concede a subvenção não deve ser considerada, ela própria, a destinatária dos bens ou dos serviços a que a subvenção respeita (caso em que não se trata de uma verdadeira subvenção, mas da normal contraprestação pela aquisição dos bens ou dos serviços);

ii) a subvenção deve ser atribuída na condição de que o sujeito passivo subvencionado realize especificamente determinadas transmissões de bens ou prestações de serviços;

 iii) a subvenção deve ser concedida para que o sujeito passivo subvencionado pratique preços mais baixos, de que sejam beneficiários os adquirentes ou destinatários dos bens ou serviços;

iv) a contrapartida representada pela subvenção deve estar determinada ou ser determinável quando da realização das operações a que respeita.

 

29. Revertendo à situação em análise nenhuma dúvida se suscita, pois, sobre inclusão no valor tributável da importância que a título de indemnização compensatória foi atribuída à Requerente nos termos da Resolução do Conselho de Ministros n.º 133/2017, relativas às operações que visa subvencionar.

 

30. Pelos montantes que lhe foram pagos pelo B..., IP, deveria a Requerente emitir a correspondente fatura na data do respetivo recebimento ainda que estes pagamentos fossem efetuados antes da data da prestação de serviços (cf.. CIVA, arts.29.º. n.º1, al. b) e 36.º, n.º1, al. c).

 

31. O procedimento acima referido não foi observado pela Requerente conforme reconhece na Petição (cf. Ponto 34) optando por seguir outros critérios que procura explicitar na tabela que junta como Documento 6.

 

32. E, assim, não parece poder acompanhar-se o entendimento subjacente à decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa no segmento em que, para efeitos da definição da norma aplicável com vista à regularização da situação considera que “(...) tendo em consideração que a declaração periódica tem por base os valores constantes dos registos contabilísticos dos documentos que lhes serviram de suporte, a admitir-se qualquer erro, o mesmo estaria relacionado com as faturas emitidas, as quais deveriam ser configuradas como faturas inexatas e como tal suscetíveis de regularização nos termos do n.º 3 do artigo 78.º do CIVA, o que não sucedeu.”

 

33. Porém, a referida decisão, que constitui o objeto imediato do presente pedido de pronúncia arbitral, fundamenta-se, ainda, no facto de a reclamante não ter efetuado prova do alegado, ficando assim “... afastada a possibilidade de se aferir sobre a existência ou não de qualquer montante de IVA liquidado em excesso, não impendendo sobre a AT o dever de corrigir, sem mais, oficiosamente a situação.”

 

34. Com efeito, no presente processo, a Requerente, ainda que expressamente notificada para apresentar prova do alegado não o fez limitando-se a apresentar uma tabela de cálculos e cópias de ficheiros excel que, no entender da Requerida - que o Tribunal acompanha - não constituem prova do erro que a Requerente tenha praticado no apuramento do IVA relativo aos períodos de novembro e dezembro de 2017 cuja restituição constitui objeto mediado do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

35. Com efeito, os artigos 74.º, n.º 1, da LGT e 342.º, n.º 1, do Código Civil, prescrevem que o ónus da prova sobre os factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque. No presente caso, a Requerente, ao não efetuar prova do alegado em favor da sua pretensão, afasta a possibilidade de se aferir sobre a existência ou não de qualquer montante de IVA liquidado em excesso.

 

36. Pelo que, não sendo feita prova da ilegalidade dos atos impugnados, não pode deixar de improceder o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

V. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronuncia arbitral.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 36 110,27, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 1 836,00, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 9 de dezembro de 2021,

O árbitro, Álvaro Caneira.