Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 577/2015-T
Data da decisão: 2016-03-03  IMT  
Valor do pedido: € 2.019,89
Tema: Imposto Municipal sobre Imóveis - Utilidade turística; empreendimento turístico em propriedade plural; isenção IMI; artigo 47.º EBF
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DECISÃO ARBITRAL

 

I.       Relatório

 

1.             A…, contribuinte fiscal n.º…, divorciado, residente em…, n.º…, … …, …, …, , República Popular da China;

2.             B…, contribuinte fiscal n.º…, casado, residente em…, …, …, distrito de…, Pequim, República Popular da China;

3.             C…, contribuinte fiscal n.º…, casada, residente em…, …, …, …, …, …, distrito de…, Xiamen, República Popular da China;

4.             D…, contribuinte fiscal n.º…, casado, residente em … …, …, …, …, República Popular da China;

5.             E…, contribuinte fiscal n.º…, casada, residente em … …, …, …, …, Hangzhou, República Popular da China;

6.             F… UNIPESSOAL, LDA., sociedade com sede na Rua…, n.º…, … andar…, Alfeizerão, matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e pessoa coletiva…;

7.             G…, contribuinte fiscal n.º…, casado, residente em…, …, África do Sul; e

8.             H…, contribuinte fiscal n.º…, casada, residente em…, …, …, Província de Henan, República Popular da China;

(doravante, os “Requerentes”)

requereram ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em 1 de setembro de 2015, a constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos seguintes atos de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), referentes ao ano de 2014, a que correspondem os documentos n.º:

i.               2014…, de 28.02.2015, no valor de €211,88 (duzentos e onze euros e oitenta e oito cêntimos), emitido em nome do Requerente A…;

ii.             2014…, de 28.02.2015, no valor de €207,84 (duzentos e sete euros e oitenta e quatro cêntimos), emitido em nome do Requerente B…;

iii.           2014…, de 28.02.2015, no valor de €207,84 (duzentos e sete euros e oitenta e quatro cêntimos), emitido em nome da Requerente C…;

iv.           2014…, de 28.02.2015, no valor de €219,95 (duzentos e dezanove euros e noventa e cinco cêntimos), emitido em nome do Requerente D…;

v.             2014…, de 28.02.2015, no valor de €171,86 (cento e setenta e um euros e oitenta e seis cêntimos), emitido em nome da Requerente E…;

vi.           2014…, de 28.02.2015, no valor de €171,86 (cento e setenta e um euros e oitenta e seis cêntimos), emitido em nome da Requerente E…

vii.         2014…, de 08.04.2015, no valor de €173,21 (cento e setenta e três euros e vinte e um cêntimos), emitido em nome da Requerente F… Unipessoal Lda.;

viii.       2014…, de 26.05.2015, no valor de €435,66 (quatrocentos e trinta e cinco euros e sessenta e seis cêntimos), emitido em nome do Requerente G…; e

ix.           2014…, de 09.04.2015, no valor de €219,79 (duzentos e dezanove euros e setenta e nove cêntimos), emitido em nome da Requerente H…;

no valor global de €2.019,89 (dois mil e dezanove euros e oitenta e nove cêntimos).

 

Os Requerentes optaram por não designar árbitro.

 

O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 3 de setembro de 2015 e automaticamente notificado à AT na mesma data.

 

A Signatária foi designada pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro de tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, tendo comunicado a aceitação do encargo, no prazo legal, nos termos do disposto no artigo 4.º do Código Deontológico do CAAD.

 

As Partes foram notificadas da designação da Signatária, em 3 de novembro de 2015, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) do RJAT, não se tendo oposto à mesma.

 

O tribunal arbitral singular ficou, assim, regularmente constituído em 17 de novembro de 2015, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º1 do artigo 11.º do RJAT.

 

A AT foi notificada, por despacho arbitral de 20 de novembro de 2015, para apresentar resposta no prazo de 30 (trinta) dias.

 

A AT apresentou a sua resposta em 1 de fevereiro de 2016.

 

Os Requerentes apresentaram, em 11 de fevereiro de 2016, requerimento aos autos, o qual foi, por despacho de 13 de fevereiro de 2016, junto aos mesmos, por se tratar de exercício de contraditório a matéria de exceção invocada pela Requerida com a sua Resposta.

 

Por despacho de 20 de fevereiro de 2016, o Tribunal Arbitral considerou, nos termos do artigo 16.º, alíneas c) e e) do RJAT, ser dispensável a reunião do artigo 18.º do RJAT e que o processo estava pronto para decisão. Foi, ainda, fixada a data de 14 de março de 2016 para a prolação da decisão arbitral.

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

É admissível a coligação de autores, bem como a cumulação de pedidos, por se encontrarem verificados os pressupostos estabelecidos no artigo 3º, n.º 1 do RJAT.

 

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

II.      Pedido dos Requerentes

 

Os Requerentes apresentaram pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação de IMI referentes ao ano de 2014, identificados supra, o reembolso dos montantes de imposto pagos ao abrigo de tais atos de liquidação e o pagamento de juros indemnizatórios.

 

Alegam, sucintamente, que:

 

i.               Adquiriram frações autónomas em empreendimento turístico em propriedade plural ao qual foi atribuída utilidade turística;

 

ii.             Tal qualificação permite a obtenção de alguns benefícios fiscais, nomeadamente a isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) por um período de 7 (sete) anos, de acordo com o artigo 47.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF);

 

iii.           O reconhecimento da isenção em apreço foi requerido pela proprietária do empreendimento turístico (e vendedora das frações autónomas do mesmo aos Requerentes), na sequência da atribuição de utilidade turística, ao Serviço de Finanças de…, que deferiu tal requerimento;

 

iv.           A isenção de IMI assim definida é uma isenção objetiva e não subjetiva, ou seja, acompanha o prédio e não se reporta ao respetivo sujeito passivo;

 

v.             Não foi revogada a utilidade turística do empreendimento nem existe qualquer causa que possa determinar a sua revogação;

 

vi.           As frações autónomas dos Requerentes não foram subtraídas à exploração turística;

 

vii.         A mera compra e venda de frações autónomas integrantes de empreendimentos turísticos não consubstancia uma subtração à exploração turística unitária;

 

viii.       A isenção de IMI deve assim ser reconhecida às frações autónomas em questão, não tendo a compra e venda operada qualquer impacto em tal isenção;

 

ix.           Não obstante o exposto, os Requerentes foram notificados das liquidações de IMI em crise, que pagaram, mas que consideram ilegais, solicitando a sua anulação;

 

x.             Mais solicitam o reembolso dos montantes pagos e o pagamento de juros indemnizatórios.

 

III.    Resposta da Requerida

 

Na sua resposta, a Requerida alega sucintamente que:

 

i.               O Tribunal Arbitral não tem competência para conhecer de matéria relativa ao reconhecimento de isenções, indicando tratar-se de uma exceção dilatória de conhecimento oficioso;

 

ii.             Os Requeridos adquiriram frações autónomas num empreendimento turístico que já estava instalado. As frações foram, assim, adquiridas com vista à exploração e não à instalação de um empreendimento turístico;

 

iii.           O reconhecimento da isenção constante do artigo 47.º do EBF depende de reconhecimento condicionado à apresentação de um requerimento em determinado prazo (o qual não pode ser dissociado da instalação do empreendimento);

 

iv.           Não se prevê a existência para além deste prazo de outros prazos para ser requerida isenção, donde resulta o entendimento que esta isenção está associada à instalação dos empreendimentos;

 

v.             Nos termos do Decreto-Lei n.º 423/83 de 5 de dezembro, o acento tónico das isenções tributárias tem a ver com a finalidade com que as frações foram adquiridas;

 

vi.           Conforme constante do Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013 de 23 de janeiro, do Supremo Tribunal Administrativo, o legislador pretendeu conferir incentivo apenas às aquisições de imóveis com o objetivo de neles instalar empreendimentos qualificados de utilidade turística;

 

vii.         Nos empreendimentos turísticos em propriedade plural há que distinguir dois procedimentos: o da instalação e o da exploração, em que se insere a venda de frações autónomas;

 

viii.       Assim, a isenção de IMI não tem justificação para todos os que utilizam e exploram o empreendimento turístico, designadamente através da compra de frações autónomas no mesmo;

 

ix.           Adicionalmente, nos termos do artigo 15.º do EBF, os benefícios fiscais não são transmissíveis entre vivos, pelo que a isenção concedida ao promotor do empreendimento não pode ser transmissível para os Requerentes;

 

x.             Por fim, só seriam devidos juros indemnizatórios se do ato impugnado resultasse imposto superior ao devido, o que não é o caso;

 

xi.           Deve ser considerada procedente a exceção de incompetência invocada, e caso assim não se considere, deverá ser desentranhada toda a matéria do pedido referente ao reconhecimento da isenção.

 

IV.    Questões a decidir

 

Considerando os factos e a matéria de direito constantes do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente e a resposta da Requerida, as questões a decidir pelo Tribunal Arbitral são:

 

1.             Saber se as frações autónomas em empreendimento turístico em propriedade plural adquiridas pelos Requerentes podem beneficiar da isenção de IMI decorrente da classificação de utilidade turística atribuída ao empreendimento e requerida pelo seu promotor;

 

2.             Em caso afirmativo, ou seja, se se julgar procedente o pedido arbitral, saber se os Requerentes terão direito a juros indemnizatórios sobre o montante de imposto já pago.

 

Sem prejuízo do exposto, e antes de conhecer das questões supra indicadas, cumpre ao Tribunal Arbitral conhecer da exceção de incompetência material suscitada pela Requerida, o que se fará de seguida.

 

A exceção de incompetência material

 

Dispõe o artigo 2.º n.º1 do RJAT que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

 

a.              A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; e

b.             a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.

 

Ora, dúvidas não se colocam, no caso em apreço, que o que está a ser discutido são os atos de liquidação de IMI. Ou seja, atos de liquidação de tributos.

 

Não existe, na verdade, qualquer ato administrativo de reconhecimento ou revogação de isenções ou outros benefícios fiscais que seja contestado – atos esses que estão fora da competência dos tribunais arbitrais. Não se apreciará um ato de reconhecimento de benefícios fiscais. Esses atos existem já no ordenamento jurídico (o despacho de atribuição de utilidade turística do Secretário de Estado do Turismo e o reconhecimento da isenção por parte do Chefe do Serviço de Finanças de …) e não são discutidos.

 

O cerne da questão a decidir é outro – é o de saber se a liquidação de IMI notificada aos Requerentes é ou não legal, em face das disposições legais aplicáveis, as quais estabelecem um benefício fiscal, neste caso, isenção de IMI.

 

Assim, reitera-se, não se apreciará um qualquer ato de reconhecimento ou revogação de benefícios fiscais. Apreciar-se-á, sim, na esteira de tantos outros casos já decididos em tribunal arbitral, um ato de liquidação de imposto que pressupõe a interpretação de normas respeitantes a benefícios fiscais.

 

Este Tribunal Arbitral entende, consequentemente, ser competente para apreciar o pedido arbitral.

 

V.      Matéria de Facto

 

Com relevância para a apreciação do pedido dos Requerentes, são os seguintes os factos que se dão por provados, com base nos documentos juntos ao processo, e não contestados pela Requerida:

 

1.             Entre novembro de 2013 e setembro de 2014, os Requerentes adquiriram frações autónomas que se destinam a alojamento turístico e que integram o empreendimento turístico “I…”, nos seguintes termos:

 

 

Requerente

Data de aquisição

Fracção Autónoma

A…

26 de Novembro de 2013

"AS"

B…

23 de Dezembro de 2013

"AX" e "X"

C…

23 de Dezembro de 2013

"AX" e "X"

D…

29 de Abril de 2014

"G"

E…

1 de Abril de 2014

"Y"

F…, Unipessoal, Lda

18 de Setembro de 2014

"D"

G…

19 de Setembro de 2014

"AF"

H…

17 de Outubro de 2014

"H"

 

 

2.             A entidade vendedora de tais frações autónomas foi J…, S.A. (doravante, “J”), proprietária do empreendimento turístico em questão;

 

3.             Ao empreendimento turístico foi atribuída utilidade turística a título definitivo, por despacho do Secretário de Estado do Turismo n.º …/2010, de … de dezembro de 2010, publicado no Diário da República, 2.ª série, de … de dezembro de 2010;

 

4.             A utilidade turística foi atribuída por 7 (sete) anos, entre 19 de julho de 2010 e 19 de julho de 2017;

 

5.             A utilidade turística foi requerida pela J…;

 

6.             A J… requereu ao Serviço de Finanças de…, em 7 de janeiro de 2011, o reconhecimento da isenção de IMI decorrente da atribuição da utilidade turística;

 

7.             Tal requerimento foi deferido por despacho de 10 de janeiro de 2011, pelo período de 7 (sete) anos, entre 2010 e 2016 (inclusive);

 

8.             O empreendimento turístico é explorado pela J...;

 

9.             As frações autónomas adquiridas não foram subtraídas à exploração turística, na medida em que continuam afetas a fim turístico e, segundo consta das escrituras públicas de compra e venda das mesmas e demais elementos juntos ao processo, é paga uma prestação periódica à entidade exploradora e administradora do empreendimento;

 

10.         A Requerente H… comunicou em 26 de fevereiro de 2015 ao Turismo de Portugal, IP, a alteração de titularidade da fração H, que adquiriu em 17 de outubro de 2014;

 

11.         O Turismo de Portugal IP remeteu cópia da comunicação e do despacho sobre a mesma incidente ao Serviço de Finanças de…;

 

12.         O Serviço de Finanças de … concedeu a isenção de IMI relativamente à fração autónoma H adquirida pela Requerente H… para os anos de 2015 e 2016, considerando que não tinha sido cumprido o prazo de comunicação ao Turismo de Portugal IP estabelecido no Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro;

 

13.         Os Requerentes foram notificados, respetivamente, dos seguintes atos de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), referentes ao ano de 2014, a que correspondem os documentos n.º, e que foram por cada Requerente pagos:

 

i.                               2014…, de 28.02.2015, no valor de €211,88 (duzentos e onze euros e oitenta e oito cêntimos), emitido em nome do Requerente A… já pago;

ii.             2014…, de 28.02.2015, no valor de €207,84 (duzentos e sete euros e oitenta e quatro cêntimos), emitido em nome do Requerente B… já pago;

iii.           2014…, de 28.02.2015, no valor de €207,84 (duzentos e sete euros e oitenta e quatro cêntimos), emitido em nome da Requerente C… já pago;

iv.           2014…, de 28.02.2015, no valor de €219,95 (duzentos e dezanove euros e noventa e cinco cêntimos), emitido em nome do Requerente D… já pago;

v.             2014…, de 28.02.2015, no valor de €171,86 (cento e setenta e um euros e oitenta e seis cêntimos), emitido em nome da Requerente E… já pago;

vi.           2014…, de 28.02.2015, no valor de €171,86 (cento e setenta e um euros e oitenta e seis cêntimos), emitido em nome da Requerente E… já pago;

vii.         2014…, de 08.04.2015, no valor de €173,21 (cento e setenta e três euros e vinte e um cêntimos), emitido em nome da Requerente F… Unipessoal Lda. já pago;

viii.       2014…, de 26.05.2015, no valor de €435,66 (quatrocentos e trinta e cinco euros e sessenta e seis cêntimos), emitido em nome do Requerente G… já pago; e

ix.           2014…, de 09.04.2015, no valor de €219,79 (duzentos e dezanove euros e setenta e nove cêntimos), emitido em nome da Requerente H…, já pago.

 

A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental junta pelas Partes, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas.

 

Não existem, com relevância para o processo, outros factos que não se considerem provados.

 

 

VI.    Matéria de Direito

 

Para a apreciação das questões a decidir, dever-se-á atentar, em primeiro lugar, ao disposto no artigo 47.º do EBF, o qual, sob a epígrafe “Prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística”, estabelece que:

 

1.       Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis, por um período de sete anos, os prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística.

2.       Os prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística a título prévio beneficiam da isenção prevista no número anterior, a partir da data da atribuição da utilidade turística, desde que tenha sido observado o prazo fixado para a abertura ou reabertura ao público do empreendimento ou para o termo das obras.

3.       Os prédios urbanos afectos ao turismo de habitação beneficiam de isenção de imposto municipal sobre imóveis, por um período de sete anos contado a partir do termo das respectivas obras.

4.       Nos casos previstos neste artigo, a isenção é reconhecida pelo chefe de finanças da área da situação do prédio, em requerimento devidamente documentado, que deve ser apresentado pelos sujeitos passivos no prazo de 60 dias contados da data da publicação do despacho de atribuição da utilidade turística.

5.       Se o pedido for apresentado para além do prazo referido no número anterior, a isenção inicia-se a partir do ano imediato, inclusive, ao da sua apresentação, cessando, porém, no ano em que findaria, caso o pedido tivesse sido apresentado em tempo.

6.       Em todos os aspectos que não estejam regulados no presente artigo ou no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro. 

 

Assim, parece resultar da norma indicada, e com relevância para o caso em apreço, que:

 

a.              Os prédios integrados em empreendimento a que tenha sido atribuída utilidade turística ficam isentos de IMI por 7 (sete) anos;

 

b.             A isenção tem que ser reconhecida pelo chefe de finanças da área da situação do prédio;

 

c.              O reconhecimento é despoletado por requerimento apresentado pelos sujeitos passivos no prazo de 60 dias a contar da publicação do despacho de atribuição da utilidade turística.

 

Tal procedimento foi, como se retira dos factos provados, cumprido pela J…, não existindo assim qualquer dúvida quanto ao mesmo e aos seus pressupostos.

 

A questão coloca-se, então, na posterior transmissão de frações autónomas integrantes de empreendimento turístico em propriedade plural. Mantém-se ou não o benefício diretamente resultante da utilidade turística quando há uma alteração do proprietário de frações autónomas do empreendimento, sempre que tal não consubstancie uma subtração das mesmas à exploração turística?

 

Para a resposta à questão colocada, afigura-se-nos necessário conhecer o Decreto-Lei n.º 423/83 de 5 de dezembro (como manda o n.º 6 do artigo 47.º do EBF). E tal deve ser feito considerando também o disposto no Decreto-Lei n.º 485/88, de 30 de dezembro, que veio revogar os benefícios fiscais respeitantes à contribuição industrial e ao imposto complementar (secções A e B) consagrados naquele Decreto-Lei n.º 423/83 (e não todos os benefícios constantes dos artigos 16.º a 27.º do mesmo, tal como confirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 16.12.2009). 

 

Aquele diploma, já antigo face aos padrões da legislação nacional, carente de atualização e adaptação ao contexto e normativo atual, permite-nos conhecer o instituto da utilidade turística. De acordo com o mesmo, “a utilidade turística consiste na qualificação atribuída aos empreendimentos de carácter turístico que satisfaçam aos princípios e requisitos definidos no presente diploma e suas disposições regulamentares”.

 

Daqui se retira desde já um primeiro elemento fundamental: a utilidade turística é atribuída a empreendimentos turísticos – não a pessoas (físicas ou jurídicas). O artigo 47.º n.º1 do EBF, entende o Tribunal, reafirma este princípio quando define a isenção de IMI para prédios integrados em empreendimentos que tenham esta qualificação. Ou seja, os benefícios são, aparentemente, objetivos.

 

Quem requer a qualificação de utilidade turística? Nos termos do artigo 32.º n.º1 do Decreto-Lei n.º 423/83 de 5 de dezembro, a empresa proprietária do empreendimento e/ou a empresa exploradora. Tal foi cumprido no caso, quem requereu a utilidade turística foi a J…, entidade proprietária e exploradora do empreendimento.

 

Quais são os benefícios resultantes desta qualificação? Compulsados os benefícios fiscais definidos no Decreto-Lei n.º 423/83 de 5 de dezembro, constata-se que os mesmos podem ser, essencialmente, divididos em dois grupos, a saber:

 

a.              Benefícios referentes à propriedade e exploração do empreendimento turístico;

 

b.             Benefícios referentes à instalação do empreendimento turístico.

 

No primeiro grupo inserir-se-á a isenção ou redução das taxas devidas por licenças, aos governos civis e à Direção-Geral dos Espetáculos (artigo 16.º n.º1 alínea b), cuja extensão e prazo dependem do que for fixado no despacho de atribuição de utilidade turística, por força do n.º4 do mesmo artigo).

 

No segundo grupo, insere-se a isenção de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (“IMT”) e a redução a um quinto do Imposto do Selo, em ambos os casos, quando devidos na aquisição de prédios com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, atribuídos de forma automática.

 

A resposta à questão em apreciação pelo Tribunal Arbitral dependerá, assim, do grupo em que se considerar estar inserido o benefício constante do artigo 47.º do EBF - o qual, reitera-se, decorre necessariamente da utilidade turística.

 

Para este Tribunal a resposta é clara: o benefício é aplicável aos prédios integrados em empreendimentos turísticos. Ora, se os prédios já estão, como expressamente refere a letra da lei, integrados nos empreendimentos, tal significa, a contrario, que já foi ultrapassada a fase de instalação de tais empreendimentos. O benefício constante do artigo 47.º do EBF enquadra-se, assim, indubitavelmente, no primeiro grupo supra identificado, ou seja, reporta-se à propriedade e exploração do empreendimento.

 

O mesmo é dizer que não colhe a argumentação apresentada pela Requerida quanto à indissociabilidade do benefício de isenção de IMI da instalação do empreendimento.

 

A lei confere um prazo perentório para ser apresentado o pedido de utilidade turística (6 meses contados da data da abertura ao público do empreendimento - artigo 13.º n.º1 do Decreto-Lei n.º 423/83 de 5 de dezembro). Se esta qualificação for, consequentemente, atribuída ao empreendimento, tal determinará a aplicação direta dos benefícios à mesma inerentes, sejam eles respeitantes à instalação do empreendimento (em sede de IMT e Imposto do Selo) ou à propriedade e exploração (taxas devidas por licenças e IMI).

 

Logo, os benefícios resultantes da utilidade turística, como o IMI, são imediatos, embora sujeitos a pedido de reconhecimento junto do serviço de finanças competente. Tal facto não lhes retira este caráter imediato, já que este reconhecimento é isso mesmo, uma mera comunicação formal, não sujeita a qualquer apreciação discricionária e, portanto, quase automaticamente conferido, como foi no caso concreto. O reconhecimento está, assim, apenas sujeito a um pedido apresentado num determinado prazo - 60 dias a contar da publicação do despacho de atribuição de utilidade turística. Se o reconhecimento for solicitado fora desse prazo, a lei não determina sequer a perda dos benefícios: apenas estabelece que só serão aplicáveis a partir do ano seguinte, caducando o benefício no ano do requerimento apresentado fora do prazo.

 

Assim, a citação, pela Requerida, do Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013 de 23 de janeiro, do Supremo Tribunal Administrativo, não tem aplicação ao caso em apreço – este Acórdão debruça-se clara e manifestamente, exclusivamente, sobre a isenção de IMT, a qual, como a própria norma indica, é aplicável somente à aquisição de imóveis para instalação de empreendimentos turísticos e não a qualquer posterior transmissão, interpretação que, naturalmente, se acompanha.

 

Em conclusão, o benefício de isenção de IMI concedido aos prédios integrados em empreendimentos turísticos reporta-se, claramente, à propriedade e exploração do empreendimento, e não apenas à sua instalação.

 

Não existindo no caso qualquer dúvida de que (i) este benefício existe e foi atribuído à entidade proprietária e exploradora do empreendimento, (ii) o benefício se refere à propriedade e exploração do empreendimento, sendo perfeitamente dissociável da sua instalação, a próxima questão a ponderar é a de saber se é possível um terceiro adquirente de fração autónoma integrante de empreendimento turístico poder do mesmo beneficiar.

 

E é aqui que se encontra o dissídio entre Requerentes e Requerida. Segundo os Requerentes, terceiros adquirentes de frações autónomas integradas em empreendimentos turísticos podem beneficiar da isenção de IMI; para a Requerida (embora não o indicando expressamente, mas resultando da sua argumentação) apenas a entidade que inicialmente requer a utilidade turística pode beneficiar desta isenção.

 

Uma primeira análise à questão levar-nos-ia, sem mais, a considerar que a resposta é positiva. Se o benefício de isenção de IMI foi reconhecido pelo serviço de finanças competente, e se é atribuído aos prédios integrantes de empreendimentos turísticos, independentemente do seu proprietário - a norma constante do artigo 47.º do EBF não releva, em qualquer momento, a propriedade do bem - então dir-se-á que não restariam dúvidas quanto ao facto de a posterior transmissão de fração autónoma de empreendimento turístico em propriedade plural não importar qualquer alteração ao benefício vigente.

 

Mais, tal facto não consubstancia qualquer transmissão inter vivos de benefícios fiscais, não permitida, como pretende a Requerida. O benefício fiscal em apreço não se transmite, ele está sim associado ao próprio empreendimento e aos prédios em que o mesmo se insere. O benefício acompanha o prédio, é objetivo, não sendo, portanto, intuitu personae. Logo, não é necessária a prática de qualquer ato para que o novo proprietário do mesmo beneficie.

 

Restará, por fim, considerar o disposto no artigo 31.º n.º1 do Decreto-Lei n.º 423/83 de 5 de dezembro, o qual estabelece que "No caso de se verificar a substituição da empresa proprietária ou exploradora do empreendimento a quem tenha sido atribuída a utilidade turística deve a mesma ser comunicada à Direcção-Geral do Turismo, no prazo de 2 meses, a contar da verificação de tal facto, sob pena de o novo titular não poder prevalecer-se dos efeitos da atribuição da utilidade turística".

 

Poderá a transmissão da propriedade de uma fração autónoma integrante de empreendimento turístico caber na previsão daquela disposição legal? O Tribunal entende que não. A norma refere-se ao empreendimento e não aos proprietários dos prédios em que o mesmo se insere.

 

Como se retira do artigo 2.º n.º1 do Regime Jurídico dos Empreendimentos Turísticos, constante do Decreto-Lei n.º 39/2008 de 7 de março, "Consideram-se empreendimentos turísticos os estabelecimentos que se destinam a prestar serviços de alojamento, mediante remuneração, dispondo, para o seu funcionamento, de um adequado conjunto de estruturas, equipamentos e serviços complementares."

 

Tal significa que, em relação a um estabelecimento deste tipo (considerado como universalidade de bens e direitos, o conjunto de coisas, corpóreas e incorpóreas, devidamente organizado para a prestação de serviços de alojamento), podemos encontrar três tipos de entidades:

 

a. A entidade proprietária do estabelecimento;

b. A entidade exploradora do estabelecimento;

c. A(s) entidade(s) proprietária(s) de prédio(s) em que se insere o estabelecimento.

 

Esta multiplicidade existe há décadas no nosso ordenamento jurídico, bastando para tal atentar, a título meramente exemplificativo, no Decreto-lei n.º 435/82, de 30 de outubro, que estabelecia as normas de gestão e classificação de aldeamentos turísticos, anterior mesmo ao Decreto-Lei n.º 423/83 de 5 de dezembro. Nesse diploma "garantem-se os direitos individuais dos proprietários das várias unidades de alojamento, prevendo-se a respectiva desafectação de uma gestão turística integrada, sem prejuízo de uma correcta repartição dos encargos globais das infra-estruturas e serviços básicos de uso necessário, a definir por critérios supletivos fixados na lei, na falta de acordo entre os interessados". O seu artigo 4.º estabelecia já que:

1.     A unidade de gestão do aldeamento turístico não é impeditiva da propriedade das várias unidades de alojamento nele existentes por uma pluralidade de pessoas jurídicas.

2.       Quando as unidades de alojamento não forem propriedade da entidade exploradora, deve o direito à exploração turística dessas unidades constar de contrato escrito.

3.       A desafectação de uma ou mais unidades de alojamento da exploração e comercialização do aldeamento não prejudica a sua qualificação como tal, salvo se, por esse facto, deixar de existir o número mínimo de 100 camas em exploração.”

 

Verifica-se, assim, que o legislador sempre assumiu esta possibilidade, nunca tendo obrigado a que a propriedade do(s) prédio(s) em que se insere o empreendimento fosse coincidente com a propriedade do estabelecimento (leia-se, universalidade de bens e direitos) empreendimento turístico.

 

Aliás, se se atentar nos modelos de requerimento para atribuição de utilidade turística disponíveis no site do Turismo de Portugal, IP[1], poder-se-á confirmar isto mesmo, na medida em que é solicitada informação sobre estas três entidades, se não forem coincidentes.

 

Perante o exposto, a transmissão da propriedade de uma fração autónoma integrante de empreendimento turístico não cabe na previsão do artigo 31.º n.º1 do Decreto-Lei n.º 423/83 de 5 de dezembro, pelo que não é necessário comunicar ao Turismo de Portugal, IP, para os efeitos em apreço, a transmissão de propriedade de frações autónomas integradas em empreendimentos turísticos.

 

Em conclusão, consideram-se ilegais os atos de liquidação de IMI, que desconsideram a isenção de que os prédios beneficiam até 2016.

 

VII.     Juros Indemnizatórios

 

Verificada a ilegalidade das liquidações de IMI de 2014 em apreço, e tendo os Requerentes pago o imposto respetivo, nos termos juntos aos autos, têm os Requerentes direito, em conformidade com os artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

Quanto aos juros indemnizatórios, o artigo 43.º da LGT estipula que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Quanto à existência, no caso, de erro imputável aos serviços, este erro considera-se verificado, na medida em que procede a alegação da ilegalidade das liquidações. Quanto ao montante pago, é sem dúvida superior ao que seria devido nesta situação.

 

Por conseguinte, têm os Requerentes direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do CPPT, sobre todas as quantias pagas, contados desde a data do pagamento indevido até ao seu integral reembolso.

 

VIII.   Decisão

 

Nestes termos, e com base nos fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

A.      Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação dos atos de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), referentes ao ano de 2014, a que correspondem os documentos n.º:

 

i.               2014…, de 28.02.2015, no valor de €211,88 (duzentos e onze euros e oitenta e oito cêntimos), emitido em nome do Requerente A…;

ii.             2014…, de 28.02.2015, no valor de €207,84 (duzentos e sete euros e oitenta e quatro cêntimos), emitido em nome do Requerente B…;

iii.           2014…, de 28.02.2015, no valor de €207,84 (duzentos e sete euros e oitenta e quatro cêntimos), emitido em nome da Requerente C…;

iv.           2014…, de 28.02.2015, no valor de €219,95 (duzentos e dezanove euros e noventa e cinco cêntimos), emitido em nome do Requerente D…;

v.             2014…, de 28.02.2015, no valor de €171,86 (cento e setenta e um euros e oitenta e seis cêntimos), emitido em nome da Requerente E…;

vi.           2014…, de 28.02.2015, no valor de €171,86 (cento e setenta e um euros e oitenta e seis cêntimos), emitido em nome da Requerente E…;

vii.         2014…, de 08.04.2015, no valor de €173,21 (cento e setenta e três euros e vinte e um cêntimos), emitido em nome da Requerente F… Unipessoal Lda.;

viii.       2014…, de 26.05.2015, no valor de €435,66 (quatrocentos e trinta e cinco euros e sessenta e seis cêntimos), emitido em nome do Requerente G…; e

ix.           2014…, de 09.04.2015, no valor de €219,79 (duzentos e dezanove euros e setenta e nove cêntimos), emitido em nome da Requerente H…;

no valor global de €2.019,89 (dois mil e dezanove euros e oitenta e nove cêntimos).

 

B.      Condenar a Requerida, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, a restabelecer a situação que existiria se os atos de liquidação anulados não tivessem sido praticados, adotando os atos e operações necessários para o efeito, através da restituição dos montantes de imposto indevidamente pagos e do pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido até ao seu integral reembolso.

 

Valor do processo: €2.019,89 (dois mil e dezanove euros e oitenta e nove cêntimos)

 

Custas: Ao abrigo do disposto no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas em €612,00 (seiscentos e doze euros), a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 3 de março de 2016

 

O árbitro

 

 

Ana Pedrosa Augusto



[1] http://www.turismodeportugal.pt/portugu%C3%AAs/areasatividade/dvo/utilidade-turistica/pages/utilidade-turistica-efetuar-pedidos.aspx