Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 574/2023-T
Data da decisão: 2024-03-04  IRS  
Valor do pedido: € 16.620,02
Tema: IRS – Residente Não Habitual; Registo;
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SUMÁRIO:

1-A inscrição no registo de “residentes não habituais”, tem natureza exclusivamente declarativa, e não tem efeitos constitutivos do direito de ser tributado nos termos do respetivo regime.

 

DECISÃO ARBITRAL

I-RELATÓRIO

 

1.No dia 08 de Março de 2023, A..., titular do Número de Identificação Fiscal ..., e B..., titular do Número de Identificação Fiscal ..., casados e ambos residentes  na Avenida ... nº..., ...-... Estoril, doravante “Requerentes” apresentaram pedido de constituição de tribunal e pronúncia arbitral ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), em conjugação com o disposto no artigo 99.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”), respeitante à liquidação de IRS nº 2023 ...  e respetiva liquidação de Juros Compensatórios n.º 2023 ..., ambas relativas ao ano de 2019, no  montante global a pagar de € 16.620,02 (dezasseis mil, seiscentos e vinte euros e dois cêntimos) por entender por ilegal as supra identificadas liquidações, por erro sobre os pressupostos de direito, pela não aplicação das regras de tributação na qualidade de residente não habitual, requerendo a anulação das liquidações e o consequente reembolso, acrescido de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal e a emissão de novo ato tributário apurado com base na aplicação do regime dos residentes não habituais, com a aplicação do método de isenção ao rendimentos de Hong-Kong.

 

2.No dia 04 de Agosto de foi aceite o pedido de constituição de Tribunal Arbitral.

 

3.No dia 11 de Outubro de 2023 foi constituído o Tribunal Arbitral.

 

4. Em 12 de Outubro de 2023, foi a Requerida notificada nos termos e para os efeitos do n.ºs 1 e 2 do art. 17.º do RJAT para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, solicitar a produção de prova adicional, e para remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo.

 

5. Em 09 de Novembro de 2023 a Requerida juntou aos autos o processo administrativo e a sua resposta. Na resposta, a Requerida  defendeu-se por exceção e impugnação. Para o efeito deduziu duas exceções: incompetência material do Tribunal Arbitral e a impugnabilidade do ato de liquidação com fundamento no estatuto de residente não habitual, e  simultaneamente defendeu-se por impugnação, onde contesta os vícios alegados pelos Requerentes. Concluindo que devem proceder as exceções invocadas, devendo em consequência a Requerida  ser absolvida da instância. Ou na hipótese de assim não se entender, ser a ação improcedente por não provada, com a consequente absolvição do pedido.

 

6. Tribunal Arbitral por despacho de 13 de Novembro de 2023,  dispensou a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, dado que as questões que subsistem nos autos são essencialmente de direito,  e que  se trata, no caso, de processo não passível duma definição de trâmites processuais específicos, diferentes dos habitualmente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais. Mais concedeu aos Requerentes no estrito cumprimento do princípio do contraditório a possibilidade de poderem responder às exceções invocadas pela Requerida.

 

7. Em 23 de Novembro de 2023 os  Requerentes apresentaram resposta às exceções levantadas pela Requerida.

 

8.O Tribunal Arbitral por despacho de 27 de Novembro de 2023, determinou a notificação das partes, para, querendo, apresentarem alegações escritas finais, no prazo simultâneo de 15 contando da notificação do despacho.

 

9. As partes não juntaram aos autos alegações escritas

 

II. Descrição Sumária dos Factos

II.1 Posição dos Requerentes

 

Os Requerentes fundamentam o seu pedido nos seguintes termos:

  1. Os Requerentes indicam que no final  de 2018 decidiram estabelecer a sua residência em Portugal. Não tendo nos cinco anos anteriores àquele ano residência em território português, estavam convictos que reuniam os requisitos necessários para, enquanto contribuintes já devidamente registados como residentes fiscais em Portugal, beneficiar do regime especial de Residente Não Habitual (“RNH”), com a aplicação do regime de isenção aplicável  nos termos do art.º 81.º, n.º 5, do Código do IRS. (artigos 7º e 8º do PPA)
  2. Os Requerentes defendem que  em conformidade com o  n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS, os requisitos legais para que se possa ser considerado RNH são os seguintes:

              (i) O sujeito passivo de IRS tornar-se residente fiscal em Portugal, nos termos do n.º 1ou n.º 2 do artigo  16.º do Código do IRS;

             (ii) O sujeito passivo de IRS, por referência ao ano da sua inscrição como residente, não ter sido residente fiscal em território português em qualquer um dos cinco anos anteriores. (artigo 18º do PPA)

  1. Entendendo os Requerentes que verificadas as condições supra mencionadas  o “(…) residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.” — cfr. n.º 9 do artigo 16.º do Código do IRS, direito este que “(…) depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.” — cfr. n.º 11 do artigo 16.º do Código do IRS. (artigos 18º e 20º do PPA)
  2. Pelo que no entendimento dos Requerentes verificados os requisitos materiais previstos no n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS, a atribuição do direito a ser tributado como RNH opera ope legis da inscrição como residente em território português, não dependendo, nos termos da lei, de qualquer ato posterior nem de reconhecimento ou registo pela Administração tributária. (artigo 29º do PPA)
  3. Nestes termos entendem os Requerentes, que a apesar da necessidade de solicitação de inscrição no regime do RNH prevista  nº8 do artigo 16º do CIRS, o benefício em causa, consiste num benefício automático, visto que, nos termos da lei, o mesmo não depende já de prévio reconhecimento por parte da Administração tributária, na justa medida que a qualificação do benefício fiscal em apreço resulta direta e claramente da lei. (artigo 40º do PPA)
  4. Alegando os Requerentes que por um lado, que o  direito a ser tributado como RNH constitui-se no momento em que, nos termos do n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS, o contribuinte interessado reúne ambas as condições materiais nele previstas: (i) registar-se como residente em Portugal e (ii) não ter sido residente em Portugal em nenhum dos cinco anos anteriores, e por outro lado, a natureza automática, ope legis, do benefício em causa resulta do disposto no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, que determina que o sujeito passivo tem o ónus de solicitar a sua inscrição como RNH, mas não o dever de requerer qualquer reconhecimento desse benefício. Não dependendo, assim, de prévio reconhecimento formal, por parte da Administração tributária, para que tal direito produza efeitos. (artigo 42º do PPA)
  5. Concluído os Requerentes  que o  direito a ser tributado como RNH  é atribuído ope legis — verificados os requisitos materiais do regime e a inscrição do sujeito passivo como residente em território português (cfr. n.º 8 e n.º 9 do artigo 16.º do Código do IRS). A solicitação da inscrição dessa qualidade em cadastro mais não consiste que um dever acessório do contribuinte, o qual deverá por este ser cumprido de forma a possibilitar ab initio um correto processamento do IRS aplicável. (artigo 63º do PPA)
  6. Assim, concluindo os Requerentes  que a inscrição em cadastro corresponde a um mero dever acessório e de natureza instrumental, de que resulta que a ausência daquela inscrição não pode determinar o afastamento do direito de vir a ser tributado, nem de ser reconhecido, como tal. (artigo 70º do PPA)
  7. Pelo que na posição dos Requerentes estes preenchem os requisitos materiais necessários para serem considerados RNH em território português desde 19 de dezembro de 2018, sem prejuízo de, formalmente, não terem realizado o procedimento de inscrição nessa qualidade, até ao dia 31 de março de 2019, em conformidade com o disposto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS. (artigo 79º do PPA)
  8. Defendendo os Requerentes que o indicado dever  declarativo do nº8 do artigo 16º do CIRS não é constitutivo do direito a serem tributados como RNH, razão pela qual não pode o seu incumprimento, ou cumprimento tardio, obstar ao reconhecimento daquele direito, nem à inscrição do mesmo em sede de cadastro fiscal. (artigo 85º do PPA).
  9.  Sendo certo que o Requerente A... auferiu, durante o ano de 2019,rendimentos de capitais, sobre a forma de juros e dividendos, provenientes de Hong Kong no valor € 42.526,74 (quarente e dois mil, quinhentos e vinte e seis euros e setenta e quatro cêntimos), estes nos termos do n.º 5, do artigo 81.º do Código do IRS, face ao regime do RHN aplicável aos Requerentes, ficam sujeitos ao método de isenção desde que tais rendimentos possam ser tributados no outro Estado contratante (Hong Kong), em conformidade com uma convenção de dupla tributação (CDT) celebrada por Portugal e esse Estado. (artigo 88º do PPA)
  10. Defendem os Requerentes que tendo em atenção os n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º (relativo à tributação de dividendos) da CDT celebrada entre Portugal e Hong Kong que, os dividendos pagos por uma sociedade de Hong Kong a um sujeito passivo de IRS, residente fiscal em Portugal, podem ser tributados  em Hong Kong e  os n.ºs 1 e 2 do artigo 11.º (relativo à tributação dos juros) da CDT celebrada entre Portugal e Hong Kong que, os juros provenientes de Hong Kong pagos a um sujeito passivo de IRS, residente fiscal em Portugal, podem ser tributados em Hong Kong. Não resultando assim, na posição dos Requerentes, dúvidas de que estão verificados os pressupostos para a aplicação do método da isenção àqueles rendimentos, nos termos do já mencionado do  artigo 81.º, n.º 5, do Código do IRS. (artigo 89º, 89º e 90º do PPA)
  11. Pelo concluem os Requerentes ser manifesto que a liquidação de IRS  contestada, enferma de erro sobre os pressupostos de direito, pela não aplicação das regras de tributação na qualidade de residente não habitual dos Requerentes. Pelo que em resultado, entendem que o Pedido de Pronúncia Arbitral  deve ser julgado procedente, por provado, com a consequente anulação da liquidação de IRS objeto dos presentes autos, porque praticada com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis. (artigo 92º do PPA).
  12. Ficando assim demonstrado, na posição dos Requerentes que a liquidação ora em apreço decorre de uma errada aplicação da lei, decorrente de erro imputável aos serviços. (artigo 100º do PPA)
  13. Concluído os Requerentes  pela imposição da  anulação do ato tributário de liquidação, com o reembolso do valor indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor. (artigo 104º do PPA)
  14. Com base no exposto os Requerentes formulam como pedido do PPA a anulação do  ato de liquidação de IRS n.º 2023 ... e respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2023 ..., ambas relativas ao ano de 2019, no montante de € 16.620,02 (dezasseis mil, seiscentos e vinte euros e dois cêntimos), tudo com as necessárias consequências legais, designadamente, o reembolso do imposto pago indevidamente pelos Requerentes, acrescido dos competentes juros indemnizatórios calculados à taxa legal, e ainda a emissão, em consequência dessa anulação, de novo ato tributário de liquidação de IRS, apurado com base no entendimento supra vertido, aplicando-se o método da isenção aos rendimentos provenientes de Hong Kong.

 

II.2 Posição da Requerida

Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

 

  1. A Requerida na sua resposta defende-se por exceção e impugnação.
  2. A Requerida inicia a sua Resposta, defendendo a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciação do pedido de aplicação aos Requerentes do regime dos RNH, por entender que da  factualidade aduzida pelos Requerentes, atenta a causa de pedir subjacente ao pedido de pronuncia arbitral (PPA), resulta manifesto, que está em causa um pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual. (artigo 5º da Resposta)
  3. Referindo a Requerida que sem se apreciar se os Requerentes podem ou não estar inscritos como RNH, não há como avançar para a apreciação  da ilegalidade que se imputa ao ato de liquidação de IRS, uma vez que decorre tão só de aplicação deste regime de tributação. (artigo 9º da Resposta)
  4. Entende a Requerida que fixando-se a competência da Arbitragem Tributária no nº1 do artigo 2º do RJAT na sindicância das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e pagamentos por conta, e nas retensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais, tal não admite a apreciação de atos tributários distintos. (artigo 12º da Resposta)
  5. Pelo que na posição da Requerida é um facto notório que os Requerentes pedem, de forma expressa e literal que lhe seja reconhecido o direito a ser tributado ao abrigo de um regime especial em sede de IRS: o regime fiscal dos residentes não habituais. Porém, o  julgamento dessa questão prévia não comporta a apreciação da legalidade de nenhum ato concreto de liquidação de imposto. (artigo 15º da Resposta)
  6. Concluído a Requerida que  o Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de aplicação do regime jurídico-tributário dos RNH, porquanto, como se disse e aqui se repete, se trata de questão tributária que não comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação invocado. (artigo 16º e 17º da Resposta)
  7. A incompetência absoluta em razão da matéria configura uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto ao pedido respetivo, de acordo com o previsto nos artigos 88.º, n.º 2 e 89.º, n.º 3, alínea a) do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea c) do RJAT.  (artigo 19º da Resposta)
  8. Em seguida a Requerida alega a impugnabilidade do ato de liquidação com fundamento no estatuto do RNH, chamando à colação o acórdão do Tribunal Constitucional nº 718/2017, proferido no Processo nº 723/2016, de 2017.11.15. (artigo 21º da Resposta)
  9. Defendendo a Requerida que o princípio da impugnação unitária, ordenado no artigo 54º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), não seria subsumível ao caso em apreço. (artigo 23º da Resposta)
  10. Defende a Requerida que o procedimento da residência fiscal não habitual, não teria uma natureza preparatória do procedimento de liquidação, constituindo um ato administrativo autónomo. (artigos 24 e 25º da Resposta)
  11. Entendendo a Requerida  que  a exigência de impugnação autónoma do reconhecimento da condição de residente não habitual não prejudicaria a possibilidade de contestação contenciosa de atos eventualmente nocivos de direitos e interesses legalmente protegidos.  (artigo 31º da Resposta).
  12. Alegando a Requerida que tendo os Requerentes a possibilidade de obter judicialmente o reconhecimento do Estatuto de RNH, assim como, contra uma eventual decisão de indeferimento tomada pela Administração Fiscal, em sede de procedimento de RNH, que venha a ser tomada, nos termos do artigo 58.º do CPTA, não seria sindicável, na perceção do Acórdão, a violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva. (artigo 28º da Resposta).
  13. Concluído a Requerida pela existência de o erro na forma de processo, assim como, a inimpugnabilidade do ato com fundamento no suposto estatuto de RNH. (artigo 36º da Resposta)
  14. Entendendo a Requerida  que  deve concluir-se que ocorre a exceção dilatória da inimpugnabilidade do ato de liquidação com o fundamento no suposto estatuto de RNH de que os Requerentes se arrogam para se conhecer o pedido arbitral apresentado,  o que determina a absolvição da instância, de acordo com o previsto nos artigos 88.º, n.º 2 e 89.º, n.º 3, alínea i) do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea c) do RJAT. (artigo 38º da Resposta).
  15. Mais se defendendo por impugnação, alegado que os Requerentes não satisfazem o requisito do nº8 do artigo 16º do  CIRS por os estes terem estabelecido residência em Portugal em 2018. (artigos 48, 49º e 50º da Resposta).
  16. Defende a Requerida, que a condição de residente não habitual, em face do sobredito disposto no artigo 16º, nº 10, do CIRS, versa sobre um benefício fiscal, dependente de reconhecimento por parte da administração fiscal, por iniciativa do contribuinte, iniciativa essa que nem sequer ocorreu no caso sub judice. Pedido de reconhecimento este imposto pelo nº 10 do artigo 16º do CIRS, que expressamente prevê que o sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual até 31 de março inclusive do ano seguinte àquele em que se torne residente em Portugal. (artigos 60º e 62º da Resposta)
  17. Alegando que não obstante os Requerentes residirem em Portugal desde o ano de 2018 nunca manifestaram a intenção de requereram, via portal das finanças ou escrito a inscrição como RNH. (artigo 63º da Resposta)
  18. Ato de inscrição dos Requerentes como RNH, que na posição da Requerida tem natureza prejudicial, de modo a beneficiar do correspondente regime, encontrando-se dependente da iniciativa dos contribuintes, o que neste caso particular nem sequer ocorreu. (artigo 75º da Resposta)
  19. Concluído nessa conformidade,  que sendo a inscrição como RNH, um requisito prévio necessário à concessão do estatuto/ benefício de RNH, e não tendo este sido sequer requerido pelos Requerentes, não se verifica qualquer ilegalidade da liquidação contestada. (artigo 95º da Resposta)
  20. Independente das supra alegações e das consequências que a Requerida entende resultarem, esta vem ainda alegar que a aplicação do método de  Isenção ao rendimentos da categoria E, sob o enquadramento da verificação das condições das alíneas a) e b) do nº5 do artigo 81º do CIRS determinam a necessidade de um exame casuístico dos rendimentos de capitais, para verificação das eventuais convenções de dupla tributação (CDT) aplicáveis, ou a averiguação de que estes podem ser tributados no outro país, território ou região, em conformidade com o modelo de convenção fiscal sobre o rendimento e o património da OCDE. (artigo 98º da Resposta)
  21. O que no caso em apreço exige conhecer em pormenor a proveniência dos rendimentos de capitais, em apreço. (artigo 99º da Resposta)
  22. Tendo os rendimentos dos Requerentes proveniência em Hong-Kong, este conforme resultado da lista relativa a regimes de tributação privilegiada, aprovada pela Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro é um território com tributação privilegiada claramente mais favorável (artigo 101º da Resposta).
  23. Alegando a Requerida que atenta a singular circunstância dos rendimentos de capitais auferidos pelo 1.º Requerente serem provenientes de Hong-Kong manifesta-se, por essa via, liminarmente arredada a aplicação do método de isenção pretendido, conforme resulta do segmento normativo  na b) do n.º 5 do artigo 81.º do CIRS “…desde que aqueles não constem de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, relativa a regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis (…), de que resulta o não preenchimento do postulado no nº5 do artigo 81º do CIRS,  pelo que nunca seria aplicável aos Requerentes, o método de isenção. (artigos 104º e 105º da Resposta)
  24. Referindo ainda a Requerida que  os artigos 10.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, da CDT celebrada entre Portugal e a Região Administrativa Especial de Hong-Kong resulta expressamente que os rendimentos de dividendos e juros provenientes de Hong-Kong podem ser tributados em Portugal se o Sujeito Passivo aí residir, o que é o caso dos presentes autos.  Não se verificando assim, também por esta razão o erro sobre os pressupostos de facto e de direito que os Requerentes imputam à liquidação de IRS sindicada. (artigos 104º e 105º da Resposta)
  25. Concluído  a Requerida que devem proceder as exceções invocadas e a Requerida ser absolvida da instância, ou na hipótese de assim não se entender, deverá a presente ação ser julgada improcedente, por não provada, e a Requerida absolvida do pedido.

 

 

 

 

III- Questão Prévia – Da análise da exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral

 

A Requerida em sede de Resposta invoca a exceção de  incompetência material do Tribunal Arbitral. A incompetência material nos termos dos artigo 16º CPPT e 13º do CPTA, aplicável aos presentes autos  ex vi pela alínea c) do nº1 do artigo 29º do RJAT, é matéria de ordem pública, de conhecimento oficioso, precedendo o seu conhecimento sob qualquer outra matéria. Exceção cuja procedência obstaculiza o prosseguimento dos autos, conduzindo à absolvição da instância, de acordo com o previsto nos artigos 576º nº2, 577º, alínea a) e 278º nº1 alínea a) do CPC aplicáveis por efeito da aliena e) do artigo 29º do RJAT. Por conseguinte, o Tribunal Arbitral por força de lei, inicia a sua decisão, pela análise da procedência ou improcedência da invocada exceção de incompetência material.

 

Alega para o efeito a Requerida, ainda que reconhecendo que os Requerentes solicitam a anulação das liquidações de IRS do ano de 2019,  que a causa de pedir subjacente ao PPA reconduz-se em pedido de reconhecimento do estatuto de RNH. Pondo a Requerida a ênfase que no seu entender, os Requerentes pedem, de forma expressa e literal que lhe seja reconhecido o direito a ser tributado ao abrigo de um regime especial em sede de IRS: RNH. Decisão pela aplicabilidade do regime fiscal RNH, que entendem que não comporta a apreciação da legalidade de nenhum ato concreto de liquidação de imposto, e que não integra a competência legal da Arbitragem Tributária prevista no nº1 do artigo 2º do RJAT. Facto, que na posição da Requerente, obsta o prosseguimento dos autos, por incompetência material do Tribunal Arbitral, com a consequente absolvição da instância.

 

No exercício do contraditório os Requerente pugnam pela improcedência da exceção da incompetência material, alegado que o peticionado reconduz-se à anulação das liquidações de IRS, e não ao reconhecimento de um qualquer benefício fiscal.

 

Posto em evidência a argumentação das partes, cumpre ao Tribunal Arbitral apreciar, e decidir a exceção invocada.

 

Principiemos pela identificação da competência legal do Tribunal Arbitral.

 

 O artigo 124.º da  Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, autorizou o Governo a legislar “no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária”, de modo que o processo arbitral tributário constituísse “um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

Autorização legislativa concretizada no Decreto-Lei nº10/2011, que de forma restritiva limitou a arbitragem tributária  à declaração de ilegalidade.

 

Tendo presente o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) na sua versão atual, nos termos do nº1 artigo 2º do RJAT a competência dos Tribunais Arbitrais foi fixada exclusivamente para a  apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais;

 

Ficando a administração tributária vinculada à jurisdição da arbitragem tributária nos termos do  nº1 do artigo 4º do RJAT na dependência de “portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”

 

Vinculação concretizada através da Portaria  nº 112-A/2011 de 20 de abril, onde foi fixado as condições e limites de vinculação, tendo em conta a especificidade das matérias e do valor da causa.

 

Pelo que tendo e conta, a conjugação do  nº1 artigo 2º do RJAT e da Portaria  nº 112-A/2011, o Tribunal Arbitral tem competência material para apreciação nomeadamente da declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos.

 

Veja-se nesse sentido Sérgio Vasques e Carla Castelo Trindade, em Cadernos de Justiça Tributária n.º 00, Abril/Junho de 2013, no artigo “O âmbito material da arbitragem tributária”, em que é referido “nos termos da alínea a) do n.º 1, os tribunais arbitrais têm competência para apreciar as pretensões que se prendam com a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta. O âmbito material da arbitragem tributária, recortado por esta alínea, corresponde ao previsto no artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), estando-se perante questões que podem simultaneamente ser objeto de arbitragem e impugnação judicial. De facto, pode ler-se neste preceito do CPPT que o processo judicial tributário compreende “a impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais e os atos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta”.

 

De que resulta de forma concreta que a competência dos Tribunais Arbitrais prevista no RJAT é taxativa. Pelo que o Tribunal Arbitral é competente para decidir questões relacionadas  com a ilegalidade dos atos identificados nas supra identificadas normas legais.

 

A determinação da competência do tribunal terá de se delimitar pela análise do pedido do autor e pela causa de pedir em que este se apoia na petição inicial. Seguindo a jurisprudência do CAAD no processo 262/2018-T “é à face do pedido ou conjunto de pedidos que formulou o autor que se afere a adequação das formas de processo especiais, designadamente o processo arbitral.”

 

No caso em apreço,  os Requerentes  formulam como pedido do PPA a anulação do  ato de liquidação de IRS n.º 2023 ... e respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2023 ..., ambas relativas ao ano de 2019, e o direito a juros indemnizatórios.

 

Em vista disto, é absolutamente claro e inequívoco, sem margem para quaisquer dúbias interpretações que o pedido do Requerentes fixa-se na declaração de anulação da liquidação de IRS de 2019, com todas as consequências dessa anulação, e no direito a juros indemnizatórios.

Por conseguinte, não se vislumbra que o pedido dos Requerentes possa extravasar o âmbito da competência material do Tribunal Arbitral, na medida em que o pedido se reconduz na declaração de ilegalidade de um ato tributário de liquidação, e não no reconhecimento de qualquer beneficio fiscal.

 

Chama à colação a Requerida em defesa do sua posição a decisão arbitral proferida no processo nº796/2022-T. Porém, a referida decisão arbitral tem como base factualidade distinta. Nesse processo arbitral, o Requerente peticiona entre nomeadamente “A) Que se ordene a inscrição do Requerente no registo de contribuintes da AT como residente não habitual, com efeitos a partir do ano de 2020, com anulação do ato de indeferimento do pedido que havia formulado nesse sentido; e ainda em consequência;  B) A anulação desse ato administrativo em matéria tributária, assente na anulação dos atos tributários de liquidação de IRS para os anos em crise (…), que geraram os atos liquidatários em crise; e consequentemente; c) A declaração de ilegalidade e anulação total dos atos de liquidação de IRS de 2020, 2021 e 2022 (…) liquidados pelo Contribuinte;”

 

Ou seja, neste caso o Requerente peticiona o reconhecimento de um benefício fiscal (RHN), matéria excluída da competência da arbitragem tributária, e que justificou a declaração de incompetência material no processo nº796/2022-T. Sucede, que no caso em apreço a factualidade é distinta. O que está em causa, face ao pedido dos Requerentes é de forma inequívoca a declaração de anulação da liquidação de IRS de 2019.

 

Pelo que considerando a formulação do presente pedido arbitral, tal como vem exposta no PPA, o qual versa sobre o pedido de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos (liquidação de IRS de 2019), expressamente prevista na alínea  a) do nº1 do artigo 2º do RJAT, conclui-se pela competência material do Tribunal Arbitral.

 

Vide nesse sentido as decisões arbitrais nº777/2020-T;   nº319/2020-T.

Assim, tendo em conta o exposto, tendo em consideração o estipulado pela alínea a) do nº1 do artigo 2º do RJAT, conclui-se pela improcedência da exceção de incompetência material suscitada pela Requerida.

 

IV. Saneamento

 

O Pedido de Pronúncia Arbitral é tempestivo. O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regulamente constituído, nos termos dos artigos 2.º n.º 1 alínea a), 5º n.º 1 e 2 do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e têm legitimidade.

A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.

Pelo que não há qualquer obstáculo à apreciação da causa, pelo que cumpre proferir decisão.

 

V-Matéria de Facto

V.A- Factos Dados com Provados

 

1.Os Requerentes fixaram residência em Portugal  em 2018.

 

2.Nos cinco anteriores à fixação de residência fiscal em Portugal os Requerentes não residiam em território português.

 

3.Em 05.06.2020 os Requerentes submeteram declaração rendimentos de IRS (modelo 3) relativa ao ano de 2019, que integrava os anexos A e F.

 

4. Através da troca automática de informações fiscais internacionais, foi comunicado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) que o contribuinte A..., titular do NIF...,  obteve em Hong Kong, no ano de 2019, rendimentos de capitais no montante total de € 42.526,74.

 

4. Em 30.05.2023 os Requerentes submeteram declaração rendimentos de IRS (modelo 3)  de substituição, que integrava os anexos A e F e J.

 

5. No anexo J da declaração de IRS de substituição relativa ao ano de 2019, os Requerentes declaram os seguintes rendimentos:

 

 

 

6.Em 12 de junho de 2023, foram os Requerentes notificados de “Declaração de Acerto de Contas” com o ID 2023..., referente ao imposto IRS no período 01-01-2019 a 31-12-2019 no valor de €16.620,02

 

7. Em 14 de junho de 2023, foram os Requerentes notificados de “Declaração de Liquidação de IRS” com o nº de liquidação 2023..., referente ao período 01-01-2019 a 31-12-2019 no valor de €16.620,02.

 

8.Em 15 de junho de 2023, foram os Requerentes notificados de “Demonstração de Liquidação de Juros” com o nº2023..., no valor de €1.735,56

 

9. Os Requerentes em 28 de junho de 2023 efetuaram o pagamento integral do imposto liquidado e juros no valor de €16.620,02.

 

10. O Requerente obteve durante o ano de 2019 rendimentos de capitais sob a forma de juros e dividendos  provenientes de Hong. Kong no valor de €42.526,74.

 

V.B- Factos que não se consideram provados

 

Não existem quaisquer outros factos com relevância  para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados

 

V.C– Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

 

1.Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo (PA).

 

2.Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).

 

3.Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 5, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).

 

4.Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).

 

5.Além disso, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

VI. – Do Direito

 

Tendo em atenção as pretensões e posições dos Requerentes e da Requerida constantes das suas peças processuais, são as seguintes as questões que o Tribunal Arbitral deve apreciar (sem prejuízo de a solução dada a certa questão poder prejudicar o conhecimento de outra ou outras questões – cfr. artigo 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT):

 

  1. Conhecimento da exceção invocada pela Requerida da inimpugnabilidade do ato de liquidação;
  2. Verificação se a liquidação encontra-se ferida de erro sobre os pressupostos de direito;
  3. Caso a liquidação deve ser anulada, saber se os Requerentes têm direito a juros indemnizatórios, por “erro imputável aos serviços”;
  4. Pedido dos Requerentes de emissão de novo ato tributário.

 

 

 

 

VI.I – Do conhecimento da exceção invocada pela Requerida da inimpugnabilidade do ato de liquidação

 

Em sede de Resposta, a Requerida deduziu a exceção de inimpugnabilidade do ato de liquidação com fundamento no suposto estatuto de RNH. Para o efeito, a Requerida  entende que o procedimento de residência fiscal não habitual não teria uma natureza preparatória do procedimento de liquidação. Antes configurando um ato administrativo autónomo, e portanto não poderia ser fundamento para impugnabilidade do ato de liquidação. Defendendo que sempre que estejam em causa benefícios fiscais a impugnação do ato, é autónoma em relação à impugnação do ato de liquidação, sendo o meio de reação ao dispor do contribuinte a ação administrativa. Por conseguinte entende a Requerida que a impugnação do ato de reconhecimento da condição de residente não habitual, não encontra sustentação  na discussão da legalidade da liquidação. Concluindo a Requerida pela existência de erro na forma de processo, assim como, a inimputabilidade do ato com fundamento no suposto estatuto de RNH

 

Para a suporte da sua posição a Requerida entende ser  aplicável o decidido no acórdão do Tribunal Constitucional nº 718/2017, proferido no Processo nº 723/2016, de 2017.15.

 

De  facto o acórdão do Tribunal Constitucional nº 718/2017 considerou  como não inconstitucional a interpretação do artigo 54º do CPPT com ”(…) o sentido de que a não impugnação judicial de atos de indeferimento de pedidos de reconhecimento do estatuto de residente não habitual impede a impugnação judicial das decisões finais de liquidação do imposto com fundamento em vícios daqueles.”

 

 

Todavia, não obstante o sentido da não constitucionalidade, importa ter em consideração que  a decisão não foi unânime, existindo voto de  vencido do Juiz Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro, o qual conclui “Se, pelo contrário, e como julgo mais correto, não chegasse a semelhante conclusão ─ aceitando como não manifestamente errada a qualificação do ato acolhida na decisão recorrida ─, cabia-lhe revisitar a questão decidida pelo Acórdão n.º 410/2015. Nessa hipótese, julgo que o Tribunal deveria ter reiterado essa jurisprudência, por me parecer que a convivência de um ónus normal de impugnação unitária com um ónus excecional de impugnação autónoma, delimitada por um conceito de elevado grau de complexidade e imprecisão ─ «ato imediatamente lesivo de direitos» ─, constitui um fator de insegurança jurídica que condiciona o exercício do direito à impugnação contenciosa das decisões tributárias, sem que se consigam discernir quaisquer razões constitucionalmente relevantes que o justifiquem. Como se afirmou naquele aresto: «ao impedir que a impugnação do ato de liquidação do imposto se funde em vícios próprios do ato de cessação do benefício fiscal, a interpretação que a decisão recorrida fez do artigo 54.º do CPPT desprotege gravemente os direitos do contribuinte, assim ofendendo princípio da tutela judicial efetiva e o princípio da justiça, inscritos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP.» Em suma, o Tribunal deveria ter julgado o recurso improcedente.”

 

Sobre semelhante matéria atinente à interpretação do artigo 54º do CPPT quanto à possibilidade de, em sede de impugnação de liquidação, apreciar vícios atinentes a atos interlocutórios ou autónomos entretanto já consolidados na ordem jurídica, se havia já pronunciado o Tribunal Constitucional em 2015 em sentido inverso,  através do acórdão nº 410/2015, de 29-09, que referiu “Julgar inconstitucional a interpretação do artigo 54.º do Código de Procedimento e Processo Tributário que, qualificando como um ónus e não como uma faculdade do contribuinte a impugnação judicial dos atos interlocutórios imediatamente lesivos dos seus direitos, impede a impugnação judicial das decisões finais de liquidação do imposto com fundamento em vícios daqueles, por violação do princípio da tutela judicial efetiva e do princípio da justiça, inscritos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República portuguesa”.

 

Evidenciar contudo, que a factualidade objeto de análise do acórdão do Tribunal Constitucional nº781/2017 e a constante dos presentes autos, é divergente. No acórdão do Tribunal Constitucional estava em causa um contribuinte que não havia reagido, designadamente impugnado a decisão de indeferimento, enquanto nos presentes autos os Requerentes não efetuaram qualquer pedido de inscrição como RNH, entendendo que este opera ope legis, não estando dependente de qualquer procedimento/reconhecimento ou registo pela AT.

 

Ora, não tendo os Requerentes efetuado qualquer pedido de decisão da AT sobre o estatuto do RNH, não existe qualquer ato lesivo descartável que pudesse integrar a interpretação defendida pela AT do artigo 54º CPPT.  Sendo assim, inaplicável o disposto no artigo 54º do CPPT ao caso dos autos, visto no caso presente não existir qualquer ato de natureza autónoma ou interlocutória suscetível de impugnação autónoma pelos Requerentes. Impedir, no caso dos autos, a impugnabilidade do ato de liquidação, com base na interpretação dos Requerentes, num estatuto jurídico fiscal  que resulte diretamente da lei, sem dependência de ato administrativo de reconhecimento, constituiria uma limitação incompreensível da tutela jurisdicional efetiva.

 

Veja-se que a alínea a) do artigo 99º do CPPT estabelece que “constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, designadamente:

a) Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários;”

 

Entendendo o Tribunal Arbitral que a ilegalidade por não aplicação do regime dos RNH integra-se plenamente no fundamento de impugnação previsto na alínea a) do artigo 99º do CPPT.

 

Neste sentido vide a decisão arbitral nº319/2022-T que  refere:

“No que à ilegalidade apontada à liquidação por não aplicação do regime fiscal dos residentes não habituais concerne, tal causa de pedir não poderá deixar de ter como inscrita no leque de fundamentos suscetíveis de, em caso de provimento, determinar a errada quantificação dos rendimentos por esta declarados e consequentemente, a ilegalidade do ato tributário de liquidação.”

“Inexistindo in casu qualquer ato ou decisão interlocutória ou autónoma, suscetível de ser enquadrada no artigo 54º do CPPT e constituindo fundamento da impugnação da liquidação qualquer ilegalidade, designadamente a “Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários” - al. a) do artigo 99º do CPPT - não se vislumbra a existência de qualquer entrave no ordenamento legal tributário, que impeça a apreciação da declaração de ilegalidade da liquidação que se reconduza, no que à causa de pedir concerne, ao direito da Requerente em ver apreciada a questão relativa à apontada ilegalidade tangente à não tributação de acordo com o regime de residentes não habituais, cujo pedido de inscrição, de valor meramente declarativo (como adiante se expenderá), se encontra ainda pendente de decisão.

 

Entendimento que acolhemos na integra.

 

Pelo exposto, entende o Tribunal Arbitral que o pedido dos Requerentes expresso no PPA ao fixar-se na declaração de ilegalidade de ato tributário de liquidação (do IRS de 2019), e não em qualquer pedido de reconhecimento de benefício fiscal, tendo por causa de pedir fundamento  incluído no artigo 99º do CPPT, determina a improcedência da exceção de impugnabilidade do ato de liquidação com fundamento no estatuto jurídico do RNH.

 

Termos em que improcede a exceção  invocada pela Requerida.

 

VI.II Da verificação da existência de erro sobre os pressupostos de direito na liquidação

 

Os Requerentes justificam a procedência do PPA por alegadamente  a  liquidação de IRS nº 2023..., e respetiva liquidação de Juros Compensatórios n.º 2023... relativas ao ano de 2019, estarem feridas  de erro sobre os pressupostos de direito, pela não aplicação das regras de tributação na qualidade de residente não habitual.

Entendem os Requerentes que verificados os requisitos materiais previstos no nº8 do artigo 16º do CIRS, a atribuição do direito a ser tributado como RNH opera ope legis da inscrição como residente em território português, não dependendo, nos termos da lei, de qualquer ato posterior nem de reconhecimento ou registo pela AT. Considerando os Requerentes que preenchem desde 19 de dezembro de 2018, os requisitos materiais necessários à sua tributação em Portugal na qualidade de RNH.

 

Em contraposição a Requerida, entende que à luz do nº10 do artigo 16º do CIRS o regime dos RNH configura-se como um benefício fiscal, dependente de reconhecimento por parte da administração fiscal, sob iniciativa do contribuinte, iniciativa essa que nem sequer sucedeu no caso sub judice.

Pelo que na posição da Requerida a aquisição do estatuto de residente não habitual depende de reconhecimento prévio da AT sujeito à condição de cumprimento prevista no nº10 do artigo 16º do CIRS, do contribuinte solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.

 

Analisemos então o enquadramento jurídico-fiscal do regime RNH, constante do artigo 16º do CIRS.

 

Artigo 16º do CIRS

(Residência)

“(…)

8- Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.

11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.

12 - O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior em um ou mais anos do período referido no n.º 9 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, em que volte a ser considerado residente em território português.”

 

Da análise do artigo 16º do CIRS verifica-se que o regime RNH apresenta como pressupostos de aplicabilidade:

a) sujeito passivo se torne fiscalmente residente em Portugal, em conformidade com qualquer dos critérios estabelecidos nos n.º 1 e 2 do artigo 16º do CIRS;

b) sujeito passivo não tenha sido considerado residente em território nacional em qualquer dos cinco anos anteriores ao ano em que se deva considerar residente nos termos do n.º 1 e 2 da referida norma.

 

Resulta assim, no entendimento do Tribunal Arbitral, da norma supra identificada, que o legislador faz depender a obtenção do estatuto de residente não habitual exclusivamente dos requisitos cumulativos previstos no nº8 do artigo 16º do CIRS.  Veja-se que o nº11 do artigo 16º do CIRS de forma clara faz depender a inscrição como RNH à circunstância factual de o sujeito passivo se ter inscrito (e assim ser considerado) como residente em território português e não da sua inscrição formal enquanto residente não habitual.

 

Consequentemente a obrigação definida no n.º 10 do artigo 16º do CIRS trata-se de uma mera obrigação declarativa, não sendo constitutiva de direito. Pelo que em caso de incumprimento do nº10 do artigo 16º do CIRS a consequência nunca poderá ser a não obtenção do estatuto de RNH, mas tão somente uma infração suscetível de ser punida pelo artigo 116º do RJIT.

 

Neste mesmo sentido encontramos variada jurisprudência arbitral:

 

Decisão arbitral processo nº815/2021:

“O regime dos “residentes não habituais” exige, assim, o cumprimento dos seguintes requisitos:  i) que (o sujeito passivo) se torne fiscalmente residente em  território português, de acordo com qualquer um dos critérios estabelecidos nos números 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS, no ano relativamente ao qual se pretenda a tributação como residente não habitual; e  ii) que não tenha sido considerado residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores (ao ano em que se pretende a tributação como residente não habitual).

O direito à tributação como residente não habitual fica condicionado ao cumprimento dos requisitos descritos no n.º 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS e, concomitantemente, “[d]a inscrição como residente em território português”, e não (da inscrição) como residente não habitual. A inscrição como residente não habitual não é, assim, constitutiva do referido direito (à tributação como residente não habitual), mas reveste uma mera natureza declarativa.

 

Decisão arbitral processo nº777/2020:

“A inscrição no registo de residentes não habituais, tem natureza exclusivamente declarativa, e não efeitos constitutivos do direito a ser tributado nos termos do respetivo regime.”

 

Decisão arbitral processo nº319/2022-T

“No domínio do regime fiscal aplicável aos residentes não habituais, a inscrição a que se refere o n.º 10 do artigo 16º do Código do IRS assume natureza meramente declarativa e não constitutiva do direito a ser tributado nos termos de tal regime.”

 

Decisão arbitral processo nº 188/2020-T:

“…como por regra ocorre, a interpretação da lei fiscal não pode, nem deve, ficar-se pelo teor literal dos normativos imediatamente aplicáveis, devendo, antes, e mais não seja pela imposição da realização dos princípios da tributação da capacidade contributiva e da justiça material, decorrentes dos artigos 4.º, n.º 1, e 5.º, n.º 2, da LGT, identificar-se a finalidade material do regime a aplicar, através da compreensão da natureza das normas convocáveis, das finalidades por si visadas, e do contexto sistemático das mesmas. Sob esta perspetiva, a norma do n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, que disciplina a data limite até à qual os sujeitos passivos que reúnam os pressupostos materiais de que depende a tributação de acordo com o regime dos residentes não habituais podem requerer a inscrição como residente não habitual - até 31 de Março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente em território nacional -, deverá entender-se como uma norma essencialmente procedimental, de organização do sistema operacional de tributação, que visa assegurar sua efetividade e o seu normal funcionamento, sendo, especialmente e desde logo de notar que a norma em causa, não tem subjacentes quaisquer finalidades de evitar a fraude ou a evasão fiscal. E, nem se diga, como faz a AT, que não tendo o Requerente respeitado o prazo previsto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS para requerer a sua inscrição como residente não habitual, não pode beneficiar desse regime em qualquer um dos dez anos a que teria direito se tivesse apresentado o pedido dentro do prazo. Tratando-se a obrigação de apresentar o pedido de inscrição como residente não habitual, de uma obrigação meramente declarativa e, portanto não constitutiva do direito a beneficiar daquele regime, o atraso na entrega de declarações constitui uma contraordenação tributária prevista e punida nos termos do artigo 116.º do RGIT, e não deverá ter como consequência, sem mais, o não enquadramento no regime do residente não habitual. Do exposto resulta – em suma – que o pedido de inscrição como residente não habitual não tem efeito constitutivo, mas meramente, declarativo, tudo o que, como adiante se verá, será de relevar na solução jurídica a formular no caso concreto”

 

Entendimento que perfilhamos e acompanhamos na integra.

 

Pelo que conclui-se que a obtenção do estatuto de residente não habitual fica exclusivamente na dependência cumulativa do preenchimento dos requisitos do nº8 do artigo 16º do CIRS, a saber: inscrição como residente em Portugal, e não ter sido  considerado residente em território nacional em qualquer dos cinco anos anteriores ao ano em que se deva considerar residente.

 

Tendo por base a interpretação que efetuamos à obtenção do estatuto do RHN, importa aferir se no caso dos autos os Requerentes reúnem os pressupostos para aplicação do regime.

 

Como resulta dos factos dados como provados, os Requerentes tornaram-se fiscalmente residentes em Portugal em 2018, não residindo nos cinco anteriores à fixação de residência fiscal em Portugal em território português.

 

Pelo que em face da matéria dada como provada e do direito aplicável,  conclui-se que os Requerentes cumpriam em 2019 os requisitos do nº8 do artigo 16º do CIRS para a aplicabilidade das  regras de tributação do RNH.

 

Pelo que os Requerentes teriam direito no que diz respeito aos rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro a serem tributados nos termos do nº5  do artigo 81º do CIRS, segundo o método de isenção na justa medida em que uma das condições alternativas, no caso a alínea a) do nº5  do artigo 81º do CIRS encontrava-se preenchida.

 

Por conseguinte a liquidação de IRS, enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, pela não aplicação das regras de tributação na qualidade de residente não habitual aos Requerentes.

 

Este vício justifica a anulação da liquidação impugnada, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT. 

A liquidação de juros compensatórios tem como pressuposto a liquidação de IRS, pelo que também se justifica a sua anulação.

 

VI.III.  Dos Juros Indemnizatórios

 

Os Requerentes pedem ainda a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

O direito do sujeito passivo a juros indemnizatórios decorre do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º, n.º 1, da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.

 

Significa isto que, na execução do julgado anulatório, a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

 

Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável à AT de que resulte pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido.

Neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10-07-2012, prolatado no processo 026688, em que foi relator o Sr, Conselheiro Jorge Lopes de Sousa e onde se lê: “ (…) v – Para efeitos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios (…), havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.”

 

No caso em apreço, não pode deixar de se considerar ter havido erro imputável aos serviços, na justa medida em que a liquidação de IRS  objeto dos presentes autos, foi consequência da errónea  interpretação que a AT fez de lei.  AT incorreu em erro de direito, sendo tal erro imputável aos serviços da AT,  pelo que têm  os Requerentes direito aos juros indemnizatórios.

 

Conclui-se, assim, pela procedência da pretensão dos Requerentes a serem ressarcidos através do pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento das liquidações de imposto anuladas, até à data da emissão da nota de crédito, em que são incluídos (nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

VI.III.  Pedido dos Requerentes  de emissão de novo ato tributário

 

Em sede de pedido, para além dos pedidos de anulação das liquidações de IRS e de juros compensatórios, reembolso do imposto pago e condenação da AT em juros indemnizatórios, os Requerentes apresentam como pedido:

A emissão, em consequência dessa anulação, de novo ato tributário de liquidação de IRS, apurado com base no entendimento supra vertido, aplicando-se o método da isenção aos rendimentos provenientes de Hong Kong.”

 

Sucede que o contencioso arbitral do CAAD é um contencioso de mera anulação.

 

Veja nesse sentido a decisão arbitral nº838/2019-T:

“Numa situação deste tipo, em contencioso de mera anulação, como é a arbitragem tributária, em que os poderes dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD se restringem à declaração de ilegalidade de actos (artigo 2.º, n.º 1 do RJAT), o Tribunal deve declarar a ilegalidade (ilegal aplicação do n.º 1 do artigo 43.º) que afecta todo o acto, pois nenhuma parte dele teve por base o n.º 2. Num contencioso deste tipo, não cabe ao Tribunal liquidar o imposto que deveria ser liquidado se fosse aplicada a norma legal em vez da ilegal, sendo essa tarefa que cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira, como, de resto, decorre do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT”

 

Ou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo  Sul, processo nº 9655/16.3BCLSB de 09.07.2020:

Reconhecendo-se algumas limitações na redação deste n.º 1 do art.º 2.º do RJAT, é pacífico que os Tribunais arbitrais têm poderes de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato impugnado. É ainda pacífico que, não obstante este contencioso ser essencialmente de mera anulação, à semelhança do que sucede com o contencioso tributário impugnatório no âmbito dos tribunais tributários estaduais, existem alguns poderes condenatórios, estreitamente ligados com o poder anulatório, relacionados com o direito a juros indemnizatórios ou com o direito a indemnização por prestação indevida de garantia. Abstraindo destes poderes condenatórios, porquanto não são os mesmos que ora estão em causa, a questão sob apreciação prende-se com os poderes do tribunal arbitral quando se depara com um ato impugnado que considera ser ilegal. Sob essa exclusiva perspetiva, como referimos, estamos perante um contencioso tendencialmente de mera anulação. Significa isso que, perante a impugnação de um ato tributário perante um tribunal arbitral (ou perante um tribunal tributário estadual, dado que, ao nível da impugnação judicial, os poderes de uns e outros são idênticos), a este tribunal cabe apenas considerar o ato legal ou ilegal e, em consequência, mantê-lo ou anulá-lo (ou declarar a sua nulidade ou inexistência).

Ao contrário do que sucede no domínio das ações administrativas, quando está em causa a legalidade de atuação da administração, no âmbito das quais o julgador pode emitir injunções e pronúncias condenatórias relativamente à Administração, condenando-a à prática de ato com um conteúdo determinado, tal não sucede no âmbito do contencioso tributário de impugnação de ato de liquidação (quer arbitral quer estadual) com esse alcance, não estando legalmente prevista a possibilidade de condenação à prática de ato devido. Tal não significa que não haja qualquer falta de sindicância da atuação da AT, em termos de cumprimento do julgado anulatório; não obstante, tal deverá ser feito ao nível da execução desse mesmo julgado, alcançando-se, neste todo, o respeito pela tutela jurisdicional efetiva.

Significa, pois, que os tribunais arbitrais tributários não podem emitir injunções condenatórias (para além das situações já referidas supra), nomeadamente nos termos em que sucedeu in casu, em que o Tribunal arbitral anulou a decisão proferida em sede de reclamação graciosa, por considerar padecer a mesma de erro sobre os pressupostos, mas condenou a administração tributária à prática do ato devido, consubstanciado em nova decisão com um conteúdo vinculado em termos de pressupostos de atuação.”

 

Assim, tendo em consideração que o contencioso arbitral do CAAD é um contencioso de mera anulação, não tem o Tribunal Arbitral competência à luz do artigo 2º do RJAT para efetuar a condenação à prática de ato devido nos termos solicitados pelos Requerentes.

Pelo que neste ponto improcede o pedido dos Requerentes.

 

VII- Da Decisão

 

Termos em que se decide julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

  1. Declarar ilegais e anular integralmente a  liquidação de IRS nº 2023... e respetiva liquidação de Juros Compensatórios n.º 2023..., no valor de €16.620,02;
  2. Condenar a AT ao reembolso das quantias pagas no montante  de €16.620,02;
  3. Condenar a AT a pagar juros indemnizatórios aos Requerentes sobre o montante de  €16.620,02 até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos (nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT);
  4. Absolver a AT do pedido dos Requerentes de condenação à pratica de ato, correspondente a novo ato tributário de liquidação de IRS, com base no entendimento  jurídico-fiscal dos Requerentes.

 

 

 

 

VIII. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €16.620,02 (dezasseis mil, seiscentos e vinte euros e dois cêntimos)  nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VIII. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.224,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido de anulação das liquidações e condenação em juros indemnizatórios foi julgado procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 04 de Março de 2024

 

O Árbitro

 

António Cipriano da Silva