Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 574/2022-T
Data da decisão: 2023-05-24  IRC  
Valor do pedido: € 332.033,54
Tema: IRC - Tributações autónomas - Presunção legal - Motociclos e viaturas ligeiras de passageiros - Abonos quilométricos.
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Sumário:

Os preceitos legais que estabelecem a tributação autónoma objeto dos ns. 3 e 9 do artigo 88.º do Código do IRC constituem normas de incidência tributária não consagrando qualquer presunção passível de prova em contrário, incidindo, portanto, indiscriminadamente, sobre os gastos do sujeito passivo.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Prof. Doutor Victor Calvete (presidente), Dra. Ana Rita do Livramento Chacim e Dr. Ricardo Marques Candeias, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 13 de dezembro de 2022, acordam no seguinte:

 

 

I – RELATÓRIO

 

A. Dinâmica processual

 

  1. A..., S.A., sociedade aberta, com sede social na ..., n. ..., ...-... Lisboa, pessoa coletiva n.º ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa  (Requerente), apresentou pedido de pronúncia arbitral ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, abreviadamente designado RJAT), de modo a que seja declarada a ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022... e, consequentemente, do ato de autoliquidação de IRC n.º ... referente ao exercício de 2019, na parte relativa à tributação autónoma sobre veículos e abonos quilométricos, quanto ao montante de € 332.033,54, por violação da lei e do princípio da legalidade,  pelo que o mesmo deve ser parcialmente anulado e restituído o valor referido, acrescido de juros indemnizatórios contados desde 11 de julho de 2022 até integral reembolso.
  2. No dia 29 de setembro de 2022 o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à Requerente e à AT.
  3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, 1, e artigo 11.º, 1, b), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
  4. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído a 13 de dezembro de 2022.
  5. No dia 1 de fevereiro de 2023, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação, e juntou o processo administrativo (PA).
  6. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do artigo 16.º, e n.º 2 do artigo 29.º, ambos do RJAT, a 29 de junho de 2022 foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, assim como dispensada a apresentação de alegações escritas. Mais foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT.

 

B. Posição das partes

 

            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que é a concessionária do serviço postal universal em Portugal, prestando serviços de logística e transporte (o core business do grupo).

            Para cumprir o seu desiderato social, carece de uma frota de veículos diversificada, em particular de veículos motorizados, dadas as especificidades do serviço que presta, que exigem a recolha, distribuição e entrega de correspondência, organizada por giros, sendo afetos a esses giros os apropriados meios de locomoção, estabelecidos de acordo com critérios de gestão que consideram a distância a percorrer e o peso/dimensão dos objetos postais.

            Além dos motociclos pertencentes à sua própria frota, a Requerente ainda utiliza motociclos próprios dos carteiros desde que tenham certas caraterísticas e quando critérios de racionalidade económica o justificam, sendo aqueles compensados com um "abono quilométrico" determinado com base nos quilómetros previstos para os giros alocados àquele funcionário.

            Ainda se encontram afetas à atividade acima descrita da Requerente algumas Viaturas Ligeiras de Passageiros (“VLP”), mais concretamente as VLP pertencentes ao grupo das Viaturas de Serviço Geral (“VSG”), por sua vez, sujeitas ao regime interno destas.

            Ora, para a Requerente, não se verificam preenchidos os pressupostos da tributação autónoma relativamente tanto quanto aos motociclos referidos (os pertencentes à sua frota como os pertencentes aos carteiros) como quanto aos VLP sujeitos ao regime dos VSG.

            Com efeito, entende que o comando legal em causa fundante do ato de liquidação da tributação autónoma — o artigo 88.º, 3, 9, CIRC —, pode e deve ser afastado desde que seja ilidida a presunção da ausência da empresarialidade dessas despesas e encargos e dos abonos quilométricos.

            In casu, considera que, efetivamente, essa presunção de ausência de empresarialidade não se verifica e, entre outras, por uma razão essencial: porque as decisões que são tomadas sobre a gestão do veículos referidos seguem única e exclusivamente um critério de boa gestão, de racionalidade económica, despido de qualquer objetivo fiscal (portanto, razões que se sustentam em diversos parâmetros, quantificáveis, nomeadamente, rapidez da conclusão do giro, custo de aquisição, consumos, manutenção, condições do piso, volume do correio a distribuir, entre outras).

            Esta racionalidade económica é exequível e corresponde à realidade, impedindo que se retire dos veículos referidos uma vantagem particular, seja porque são veículos adaptados especificamente para o efeito, terem determinadas especificações técnicas e estéticas, dotados de uma caixa de carga, inamovível (motociclos), com os sinais identitários dos A..., seja porque se encontram implementadas estritas regras internas de controlo de utilização (v.g., a afetação do carteiro a um determinado giro, o preenchimento do boletim da viatura, o abastecimento, com recurso, exclusivamente, ao cartão do programa de frota, parqueamento obrigatório nas instalações da Requerente, o controlo da documentação legal e da chave, a utilização limitada ao horário de funcionamento daquela, a utilização da viatura de segunda a sexta feira, preferencialmente para distâncias longas e a proibição de utilização por mais de cinco dias seguidos (VSG), a parametrização do giro vs. quilómetro, de forma objetiva e quantificável, através da aplicação DOL).

            Considerando estas particularidades, de modo algum se deve sujeitar a tributação autónoma estas despesas e encargos bem como a componente de abono quilométrico não submetido a IRS, pois a ratio do preceito que a prevê é a de tributar situações cinzentas de interseção da esfera pessoal e da esfera patrimonial, de modo a combater o risco de abuso que elas geram.

            Se a norma de tributação autónoma é de natureza presuntiva e ilidível, e se o SP demonstrar a inexistência da esfera pessoal na componente em causa, então não há justificação legal para a aplicar. Admitir isso seria violar a Constituição, por violação do princípio da igualdade e    do princípio da capacidade contributiva, bem como dos princípios da tributação segundo o rendimento real e da proporcionalidade (artigos 2.º, 13.º, 18.º, 2, 3, 103.º,  1, e 104.º, 2 , todos da CRP).

            Por sua vez, a AT defende posição diametralmente oposta à da Requerente.

            Considera que a particular ênfase que o SP apresenta quanto à natureza da sustentação que justifica a utilização dos referidos veículos — única e exclusivamente uma utilização empresarial — colide frontalmente com o teor literal do disposto no artigo 88.º, 3, 7, e 9, CIRC.

            Ora, o SP não retirou quaisquer conclusões que tivessem na letra da lei o mínimo de conforto. Como o Tribunal não pode decidir com base na equidade (justiça do caso concreto), por força do princípio da legalidade, então inexiste qualquer fundamento para anular os atos tributários que estão a ser discutidos porque nenhuma razão existe para afastar a incidência de tributação autónoma com base numa presunção de empresarialidade.

            Para além disso, não é possível tratar os citados comandos legais no âmbito das cláusulas especiais anti-abuso desde logo porque não existe qualquer similitude entre os dois regimes, bem como as preocupações e finalidades são distintas. Isto é, não é por se admitir a possibilidade de se elidir presunções no âmbito das regras anti-abuso que agora se permite interpretação idêntica quanto ao regime das tributações autónomas. A tributação prevista no artigo 88.º é uma norma de incidência objetiva, por isso, a sua aplicação não depende da verificação ou não verificação de uma demonstração de afetação exclusiva dos veículos à atividade empresarial do SP (não se verifica qualquer presunção, porquanto, desde logo, os encargos tributados no citado preceito são os "efetuados ou suportados pelos sujeito passivos").

            Assim, além de não ter qualquer cabimento a interpretação defendida pelo SP, a AT considera ainda que a prova carreada para os autos pela Requerente é absolutamente inverosímil por ser da autoria do próprio SP (meros documentos internos, formulários sem utilidade probatória para o caso e que, inclusive, admitem exceções que contrariam a posição defendida nos autos pelo SP).

            Conclui a AT referindo que a interpretação defendida pela Requerente é contrária à CRP na medida em que viola o princípio constitucional da legalidade (artigo 103.º, 2) ­— reserva de lei parlamentar e da tipicidade — e o princípio da segurança jurídica e proteção da confiança.

            Posto isto, para a AT, o pedido formulado não pode ser declarado procedente.

 

 

II. SANEAMENTO

            O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, 1, a), 5.º, 6.º, 1, e 10.º, 1, RJAT.

            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. arts. 4.º e 10.º, 2, RJAT, e art. 1.º, Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

            O processo não enferma de nulidades.

 

III FUNDAMENTAÇÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

A) A Requerente é a sociedade dominante do grupo designado por "Grupo Fiscal B..." sujeito desde 2010 ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades, integrada pelas seguintes entidades:

 

B) É a concessionária do serviço postal universal em Portugal, prestando serviços de envio de correspondência, de catálogos, livros, jornais e outras publicações periódicas até 2 kg de peso, e de encomendas postais até 10 kg de peso, e ainda de envios registados e envios com valor declarado.

C) Ainda são prestados pelas sociedades que fazem parte do Grupo serviços relacionados com o correio publicitário, o correio expresso e de encomendas, soluções de correio empresarial, bem como alguns tipos de serviços financeiros.

D) As lojas da Requerente estão dispersas por todo o país, exigindo uma organização logística que permita manter permanentemente o contacto entre os vários pontos da organização.

E) Para prestar os seus serviços, a Requerente dispõe de um conjunto alargado de meios de transporte que permitam levar os objetos postais transportados até ao seu destino final.

F) Para o efeito, gere a recolha e a entrega desses objetos através de três Centros de Produção e Logística (CPL) e de 225 Centros de Distribuição Postal (CDP), a partir de onde se inicia, na maioria dos casos, a entrega diretamente no destino pelos carteiros, em percursos pré-definidos (giros).

G) A definição dos giros exige a ponderação de múltiplos factores, como o tipo de correio a ser transportado (incluindo a sua volumetria e peso), o número e frequência de paragens, o tipo de zona geográfica (urbana ou rural), o tipo de construção predominante (prédios ou moradias), entre outros.

H) Em 2019 existiam 4.660 giros, categorizados considerando os meios de transporte conforme segue:

 

I) Regra geral, o critério a considerar é o da distância a percorrer: para giros até 10 km os carteiros deslocam-se a pé ou de bicicleta, para giros entre 10 km e 40 km utilizam motociclos até 50cc e para giros a partir de 40 km utilizam motociclos até 125cc ou viaturas automóveis.

J) Os motociclos são a opção mais utilizada pois são ágeis no trânsito, fáceis de estacionar e parquear, têm custos de aquisição e de consumos reduzidos, e a manutenção é simples e menos dispendiosa.

K) O carteiro pode utilizar nos seus giros o motociclo próprio, auferindo em contrapartida um “abono quilométrico” quando a Requerente, mediante avaliação prévia, considera esse meio de transporte o economicamente mais adequado.

L) Os motociclos utilizados nos giros da Requerente encontram-se devidamente adaptados e equipados para a distribuição de correio, nomeadamente com o reforço da sua estrutura e adaptação para transporte de correio (pintura na cor dos A...— vermelha —, bagageira A..., caixa de carga inamovível, logotipo da Requerente nas respetivas caixas de carga).

M) As viaturas, incluindo motociclos, encontram-se devidamente catalogadas/numeradas, sendo que, no caso dos motociclos, são alocados a determinado CDP e, subsequentemente, na generalidade dos casos, a um giro em particular.

N) A alocação de motociclos é feita em função dos CDP e não dos carteiros, sendo que estes, por sua vez, não estão sempre afetos ao mesmo giro – trocam de giro em média de 15 em 15 dias.

O) Existem regras estabelecidas que permitem controlar a utilização dos veículos, nomeadamente, o Manual de Procedimentos para veículos de produção, do qual resulta que: i) "É expressamente proibido o transporte de colaboradores em deslocações de sua conveniência, fora de serviço, em veículos da empresa"; ii) está limitada ao horário de funcionamento daquela; iii) há obrigatoriedade de preenchimento diário de documento de controlo de utilização dos motociclos (ou “Boletim da Viatura”) no qual são identificados os utilizadores, o giro percorrido e respetivos quilómetros, ficando posteriormente arquivado; iv) O abastecimento deve ser realizado em exclusivo com recurso ao programa de combustível de frota, o qual identifica expressamente a viatura que lhe está associada; v) Parqueamento obrigatório dos motociclos nas instalações da requerente; vi) Cabe a cada utilizador (o carteiro alocado ao giro) a responsabilidade pela recolha e estacionamento, sendo a documentação legal do motociclo e a chave entregues no final de cada dia de trabalho à chefia do CDP.

P) A Requerente ainda dispõe de uma frota de VSG (viaturas de serviço geral) que são utilizadas pelas várias Direções da Requerente diretamente ligadas às áreas de negócio, ou ligadas a backoffice, que exigem a deslocação frequente dos colaboradores que lhe estão afetos.

Q) As VSG são VLP (viaturas ligeiras de passageiros), porque têm: i) capacidade de transportar equipas constituídas por várias pessoas (pelo menos 4); ii) deslocação em grandes distâncias e em todas as condições atmosféricas; iii) transportar algum equipamento.

R) Por regra, as VSG são caracterizadas, i.e. possuem as cores da Requerente (vermelhas e/ou brancas) e/ou estão identificadas com o seu logotipo.

S) Para cada uma das Direções é atribuída uma dotação de VSG, de acordo com uma organização em pool (a VSG, não está afeta ao uso por algum funcionário em particular).

T) A utilização das VSG por parte dos colaboradores do Grupo Fiscal B... obedece a regras constantes da Ordem de Serviço (OS) n.º .../2013, do qual resulta: i) são utilizadas exclusivamente ao serviço da empresa e cada concreta utilização requer o preenchimento de Boletim de Viatura, dele passando a constar o nome do condutor e respetivo número de funcionário, o dia, o local de partida, o destino, os quilómetros à partida e à chegada e a  hora de partida e de chegada; ii) entrega da viatura e das respetivas chaves, após a sua utilização, nas instalações da Requerente; ii) só podendo ser utilizadas de segunda a sexta-feira, e no máximo 5 dias consecutivos pelo mesmo colaborador.

U) Resulta também da citada OS que, mensalmente, a Direção de Recursos Físicos e Segurança/Gestão de Frota (RS/GEF) dará conhecimento a todas as Direções de todas as despesas resultantes da utilização das VSG, incluindo consumo de combustível e portagens, devendo cada Direção proceder à análise e justificação dos desvios verificados.

V) As Direções ainda verificam os níveis de óleo, água e pressão dos pneus da VSG, anotando a mesma no referido Boletim da Viatura.

W) A informação recolhida é depois remetida à área de Recursos Físicos e Segurança da Requerente, que a analisa, assim como outra (como extratos de “via verde”) por forma controlar eventuais desvios, tais como: i) utilização das viaturas fora do horário normal de trabalho (identificado, por exemplo, com base no detalhe da via verde); ii) consumos médios de combustíveis superiores aos expectáveis em face dos destinos das deslocações; iii) distâncias percorridas não justificadas face aos destinos das deslocações.

X) Caso algum desvio não seja devidamente justificado é instaurado processo interno de inquérito, o qual pode culminar em processos disciplinares.

Y) A Requerente faz constar por acordo escrito a utilização pessoal das viaturas (Viaturas de Utilização Pessoal — VUP) quando confere aos seus colaboradores essa possibilidade, sendo essa utilização tributada na esfera dos seus colaboradores.

Z) A 31 de dezembro de 2019 existiam 371 VUP, em que os veículos foram entregues aos utilizadores mediante celebração de acordo de utilização que expressava o valor patrimonial do veículo para efeitos de tributação em sede de IRS.

AA) A utilização do motociclo do carteiro em alternativa à utilização de motociclos dos A..., resulta do interesse das partes e de uma ponderação cuidada de vários factores. dos quais resultam vantagens para a Requerente, nomeadamente, porque o total de encargos com esta opção (i.e. os abonos quilométricos), é inferior ao total de encargos que resultam da utilização de motociclo dos A... .

BB) A 29 de julho de 2020, a Requerente apresentou a declaração de IRC Modelo 22, com data de receção de 29 de julho de 2020, do seu Grupo Fiscal referente ao exercício de 2019, tendo apesentado ainda declarações de substituição, datadas de 28 de junho de 2021, 9 de novembro de 2021 e 3 de dezembro de 2021.

CC) A totalidade das despesas e encargos com veículos do Grupo Fiscal B... e com abonos quilométricos pelo uso de viatura própria do trabalhador, sujeitas a tributação autónoma em 2019, ascendeu a um total de € 6.502.386,14.

DD) Foi apurado nas declarações identificadas em BB) de IRC Modelo 22, um montante de tributação autónoma em IRC de € 498.597,57.

 

EE) Estes autos circunscrevem-se à tributação autónoma do exercício de 2019 que diz respeito a despesas e encargos com motociclos de distribuição postal e algumas VLP, pertencentes ao grupo das e sujeitas ao regime interno das VSG e aos encargos com abonos quilométricos respeitantes a motociclos dos carteiros utilizados na atividade de distribuição postal do Grupo.

FF) A tributação autónoma em causa incidiu sobre as despesas e encargos no montante de € 4.273.228,43, tributação autónoma esta que ascendeu ao montante de € 332.033,54, dos quais € 151.146,27 referentes a encargos com motociclos para distribuição postal, € 83.977,42 referentes a encargos com VSG, e € 96.909,85 referentes a abonos quilométricos a carteiros pela utilização dos seus motociclos ao serviço da distribuição postal dos A..., conforme quadro:

 

GG) A Requerente apresentou reclamação graciosa contra a referida autoliquidação respeitante ao exercício de 2019, tendo sido autuado com o n.º ...2022..., alegando que os encargos com motociclos próprios e VSG, bem como com abonos quilométricos, são dotados de total empresarialidade, devendo considerar-se ilidida a presunção que determina a tributação autónoma nos termos do artigo 88.º, CIRC.

HH) A referida reclamação mereceu decisão de indeferimento por parte da AT, decisão essa de que a Requerente foi notificada a 12 de julho de 2023.

II) A 27 de setembro de 2022 a Requerente apresentou junto do CAAD o PPA que iniciou estes autos.

 

A.2. Factos dados como não provados

            Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

            Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, 2, CPPT, e artigo 607.º, 3, CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, 1, a) e e), RJAT).

            Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior artigo 511.º, 1, CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, 1, e), RJAT).

            Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, 7, CPPT, e a prova documental aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

            Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DE DIREITO

            B.1 - Mérito de direito

            A questão que constitui o thema decidendum consiste em aferir da legalidade de parte da liquidação das tributações autónomas, à luz do art. 88.º, CIRC, sobre as despesas e encargos com veículos exclusivamente afetos à atividade da Requerente e das empresas do Grupo Fiscal B..., e sobre a compensação (abonos quilométricos) pela deslocação em viaturas (motociclos) próprias do trabalhador (carteiro), que originou um montante de imposto liquidado no valor de € 332.033,54.

            Para a Requerente, resulta do artigo 88.º, CIRC, uma presunção implícita que pode ser ilidida, ao abrigo do disposto no artigo 73.º, LGT, fazendo-se uso do procedimento de ilisão de presunções previsto no artigo 64.º, CPPT. Essa presunção encontra-se ilidida in casu, dado o caráter empresarial dos gastos identificados, conforme foi descrito e documentado no PPA. Daí que sobre os gastos mencionados nada é devido a título de tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º, 3, 6, 9, CIRC.

            Por sua vez, a AT considera que o artigo 88.º, idem, constitui uma norma de incidência que não admite qualquer presunção, seja ela de que natureza for.

            Esta questão da admissibilidade ou não admissibilidade de presunção (implícita) decorrente do disposto no artigo 88.º, 3, 6, 9, CIRC, já foi longamente debatida, inclusive, no CAAD.

            As mais recentes decisões, e que consideram os mesmos factos ou semelhantes aos aqui apreciados, no sentido de pugnar pela inexistência de qualquer presunção são, pelo que descortinamos, as prolatadas nos acórdãos 512/2020-T, 306/2020-T, 448/2018-T e 516/2018-T, estas duas últimas relativas à liquidação autónoma em IRC relativas aos anos fiscais de 2015 e de 2016.

            Por sua vez, em sentido inverso, no sentido de que os citados preceitos escondem uma presunção implícita, encontramos os acórdãos 187/2013-T, 59/2014-T, 80/2014-T, entre outros.

            Ora, pensamos que este dissenso interpretativo deixou, atualmente, de ter a relevância problemática que tinha, face à decisão prolatada pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do Processo 21/20.7BALSB, que uniformizou jurisprudência, no sentido de que "as disposições legais que estabelecem a tributação autónoma objeto dos ns. 3 e 9 do artigo 88.º do Código do IRC constituem normas de incidência tributária que não consagram qualquer presunção que seja passível de prova em contrário."

            Com efeito, o preceito em análise tem o seguinte teor, com a redação em vigor à data de 2019:

Artigo 88.º
Taxas de tributação autónoma

 

(...)

3 - São tributados autonomamente os encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos que não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia elétrica, às seguintes taxas:

a) 10 % no caso de viaturas com um custo de aquisição inferior a (euro) 25 000;

b) 27,5 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a (euro) 25 000 e inferior a (euro) 35000;

c) 35 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a (euro) 35 000.

(...)

5 - Consideram -se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.

6 - Excluem-se do disposto no n.º 3 os encargos relacionados com:

a) Viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, afetos à exploração de serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da atividade normal do sujeito passivo; e

b) Viaturas automóveis relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no n.º 9) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.

(...)

9 - São ainda tributados autonomamente, à taxa de 5 %, os encargos efetuados ou suportados relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes, escriturados a qualquer título, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário.

(...)

14 - As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores relacionados com o exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC.
15 - As taxas de tributação autónoma previstas nos n.ºs 7, 9, 11 e 13, bem como o disposto no número anterior, não são aplicáveis aos sujeitos passivos a que se aplique o regime simplificado de determinação da matéria coletável

.16 - O disposto no presente artigo não é aplicável relativamente às despesas ou encargos de estabelecimento estável situado fora do território português e relativos à atividade exercida por seu intermédio.

17 - No caso de viaturas ligeiras de passageiros híbridas plug-in, as taxas referidas nas alíneas

a), b) e c) do n.º 3 são, respetivamente, de 5 %, 10 % e 17,5 %.

18 - No caso de viaturas ligeiras de passageiros movidas a GPL ou GNV, as taxas referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 são, respetivamente, de 7,5 %, 15 % e 27,5 %.
19 - No caso de se verificar o incumprimento de qualquer das condições previstas na parte final da alínea b) do n.º 13, o montante correspondente à tributação autónoma que deveria ter sido liquidada é adicionado ao valor do IRC liquidado relativo ao período de tributação em que se verifique aquele incumprimento.

 

            Antes de mais, uma breve nota meramente enquadradora sobre as presunções.

            As presunções são inferências conclusivas que a lei o ou o julgador obtém com base num facto conhecido para chegar a um acto que desconhece (cf. artigo 349.º, CCiv.).

            As presunções legais remetem-nos para o regime do ónus da prova no sentido de inverter o regime geral de repartição que resulta do disposto no artigo 342.º, CCiv., e “cedem perante a prova do contrário, isto é, a prova de que o facto presumido não acompanhou o facto que serve de base à presunção legal” nos termos que resultam do disposto no artigo 350.º, idem — cf. João Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 18.ª reimpressão, 2010, pp. 111 e 112.

            Desta forma, ab initio, não é de rejeitar a possibilidade de presunções legais de incidência tributária. Nesse caso, a verificarem-se essas presunções, elas têm de ser ilidíveis (cf. art 73.º, LGT).  E, quanto às presunções, tanto podem ser explícitas como implícitas (cf. Diogo Leite Campos, Benjamin Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária — Anotada e Comentada, 4.ª edição, 2012, Encontro da Escrita Editora, Lisboa, p. 651).

            Por sua vez, olhando à ratio da norma.

            Na perspetiva do Supremo Tribunal Administrativo, as tributações autónomas obtiveram guarita legal, num primeiro momento, “como meio de combater a evasão e fraude fiscais”.

            Mais tarde, o seu âmbito foi “progressivamente alargado a despesas cuja justificação do ponto de vista empresarial se revela duvidosa e a despesas que podem configurar uma atribuição de rendimentos não tributados a terceiros”.

            No caso de tributações autónomas respeitantes a encargos com viaturas, i.e., a despesas dedutíveis, “a ratio legis parece ser, não só a de obviar à erosão da base tributável e consequente redução da receita fiscal, mas também a de tributar (na esfera de quem distribui) rendimentos que de outro modo não conseguiriam ser tributados na esfera jurídica dos seus beneficiários” (Cf. acórdão de 27 de setembro de 2017, processo n.º 0146/16).

            Sequenciando este entendimento, também nós partilhamos posição em linha com o acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional n.º 197/2016, quando esclarece que “a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas). E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal”. Nesse sentido, como aí se acrescenta, “[a] despesa constitui um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável em IRC no mesmo período de tributação. E, assim, o facto revelador da capacidade contributiva é a própria realização da despesa”.

            Posto isto, parece-nos que, com relação às despesas com viaturas ligeiras de passageiros dos sujeitos passivos de IRC, elas são consideradas como um encargo proveniente do exercício da atividade empresarial do sujeito passivo mas, também, uma despesa que tem ou pode ter justificação considerando a esfera pessoal dos funcionários, pois, para o legislador, estas viaturas podem ser afetadas tanto à atividade empresarial do SP como também à atividade pessoal dos funcionários ou, inclusive, apenas à esfera pessoal destes.

            Desta forma, a tributação autónoma surge como um mecanismo que tem em vista desincentivar despesa com viaturas ligeiras de passageiros e, em simultâneo, aumentar a receita fiscal. Procura assim alcançar-se uma maior igualdade tributária na repartição dos encargos fiscais ao incidir sobre situações que comportam uma provável margem de erosão fiscal.

            Olhando ao disposto no artigo 88.º, CIRC, e face ao enquadramento supra referido, pensamos que não faria sentido considerar a existência de qualquer presunção legal. Com efeito, o que pretende o legislador com o referido preceito é o de, além da recolha de receita fiscal, penalizar os sujeitos passivos que dirigem os seus gastos para este tipo de despesas, evitando o abuso de discricionariedade empresarial decisória, nomeadamente, quando se compagina, em sede de IRS, um rendimento em espécie a favor do funcionário.

            Embora a problemática possa continuar relativamente à existência ou não existência de uma presunção implícita de empresarialidade emergente do artigo 88.º, 3, CIRC, o certo é que essa questão, na nossa opinião, deixou de ter interesse prático.

            Com efeito, de acordo com a posição manifestada pelo citado acórdão do Pleno da Secção, STA, "não obstante todo o esforço argumentativo da Recorrente para demonstrar o contrário, a interpretação que fez a decisão recorrida dos preceitos em causa é a que, por um lado, desde logo, tem assento na letra da lei, a qual não contém de forma expressa ou de algum modo sugestionada, uma qualquer presunção de empresarialidade das despesas (artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil), e, por outro, a que respeita o espírito e a finalidade da criação da tributação autónoma, tal como o acórdão recorrido explanou, sob pena de, na adoção da tese contrária, e usando as palavras da Recorrida, se esvaziar a teleologia das tributações autónomas, retirando-lhe qualquer conteúdo prático-tributário, pois ela conduz a um efeito nulo do regime, seja nas práticas que visa evitar e desincentivar, seja na arrecadação de receita fiscal.

            Em conclusão, tal como a decisão recorrida entendeu, as disposições legais que estabelecem a tributação autónoma objeto dos n.ºs 3 e 9 do artigo 88.º do Código do IRC constituem normas de incidência tributária que não consagram qualquer presunção que seja passível de prova em contrário, pelo que o recurso não merece provimento.

            Não é, no entanto, por isso que deixam de se admitir as presunções legais explícitas, que se revelam pelo uso da expressão «presume-se» ou de expressão de idêntico significado, assim como também podem resultar presunções legais implícitas quando, indiretamente, isso se conclui do "enunciado linguístico da norma, o que sucede quando se considera como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis no pressuposto de que são esses valores que correspondem à realidade, prescindindo-se do apuramento do valor real ou do valor que tiver sido declarado pelo sujeito passivo." (cfr. o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 753/2014).

            Seguindo de perto a retórica argumentativa que se extrai do acórdão 323/2019-T, cujo entendimento foi confirmado pelo citado acórdão do Pleno da Seção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do Processo 21/20.7BALSB, e a que aderimos na integra, "No caso vertente, o mecanismo da tributação autónoma resulta da associação do sujeito passivo à realização de certas despesas. A sujeição a imposto é a consequência jurídica da verificação de um certo facto tributário — a realização da despesa legalmente prevista —, não se descortinando aí uma qualquer condição de aplicação da norma que se prenda com a demonstração, por inferência, de outro facto. A própria realização da despesa determina a aplicação da norma.

            A inexistência de uma qualquer presunção legal relacionada com o carácter empresarial das despesas surge também evidenciada pelo contexto verbal das disposições em causa. Excluem-se da tributação autónoma certo tipo de veículos de acordo com critérios de política fiscal e estabelecem-se taxas diferenciadas com base em características atinentes ao custo de aquisição dos bens (artigo 88.º, n.º 3, do Código do IRC) e à tipologia dos veículos (artigo 88.º, ns. 17 e 18, cfr. Lei n.º 82-D/2014). Também no que concerne aos encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, a que se reporta o n.º 9 do artigo 88.º do Código do IRC, a incidência da tributação autónoma determina-se em função de certos aspectos relacionados com a específica situação tributária que está em causa.

            Acresce ainda o facto de as taxas de tributação autónoma serem elevadas em 10 pontos percentuais relativamente aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem os factos tributários competentes relacionados com o exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC (artigo 88.º, n.º 14, do Código do IRC).

            Em suma, as normas de incidência em apreço não assentam na demonstração, por inferência de certos factos presumidos, que possam ser afastados na base de prova em contrário, mas operam objetivamente em face dos elementos da facti species tidos como pressupostos tributários, apenas dependendo da subsunção jurídica dos factos à previsão normativa.

            E basta notar que a razão de ser das tributações autónomas é complexa e múltipla, podendo ter em vista prevenir, por razões de cobrança de receita fiscal, que seja afetada a receita respeitante à tributação do lucro tributável, desincentivar, por razões de política extra-fiscal, certas despesas que são reputadas socialmente como inconvenientes e desincentivar despesas normalmente associadas a comportamentos evasivos ou mesmo fraudulentos (v., entre o mais, o n.º 14 do artigo 88.º)."

            Pelo que, e sem mais delongas, em particular tendo por base o entendimento de uniformização de jurisprudência prolatado pelo acórdão proferido no processo 21/20.7BALSB do Pleno da Seção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, importa concluir no mesmo sentido, isto é, que os preceitos legais que estabelecem tributações autónomas objeto pelo artigo 88.º, 3, 9, CIRC, são normas de incidência tributária que não consagram qualquer presunção que seja passível de prova em contrário.

 

            B.2 - Inconstitucionalidades alegadas

            A Requerente vem ainda alegar questões de inconstitucionalidade, sustentando que a "interpretação da norma do n.º 3, do artigo 88.º, do CIRC (no segmento da tributação autónoma sobre encargos com veículos ligeiros de passageiros e motociclos) no sentido de que a presunção implícita de empresarialidade apenas parcial das despesas e encargos com veículos não seria elidível (presunção-ficção), e da norma do n.º 9, do artigo 88.º, do CIRC (no segmento da tributação autónoma sobre encargos dedutíveis com compensação ao trabalhador pelo uso de viatura própria ao serviço da entidade patronal, não facturados a cliente, vulgo “abonos quilométricos”) no sentido de que não seria igualmente elidível a presunção implícita de que os abonos quilométricos atribuídos estariam acima do custo incorrido pelo trabalhador ao serviço da empresa, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, que manda tratar o desigual desigualmente (salvo impraticabilidade, o que não é a priori o caso) e, pela mesma razão, por violação do princípio da capacidade contributiva, da tributação fundamentalmente do rendimento real e da proporcionalidade, que implicam igualmente o tratamento desigual do que é desigual, o que é impedido por ficções. Impedimento este que não é constitucionalmente aceitável salvo impraticabilidade, o que não é a priori o caso. Violação, pois, do artigo 2.º (Estado de Direito), 13.º, 18.º, ns. 2 e 3, 103.º, n.º 1 (repartição justa) e 104.º, n.º 2, da Constituição."

            E entende ainda que "Padecerá também de inconstitucionalidade a norma constante do n.º 2, do artigo 350.º, do Código Civil, interpretada como dela se extraindo o critério normativo de que a intensidade da prova exigida para efeitos de elisão da presunção implícita nos ns. 3 e 9, do artigo 88.º, do CIRC, qual seja a elisão de presunção de empresarialidade parcial dos gastos ou, na outra face da mesma moeda, de utilização pessoal dos gastos, seria o de que (i) não ocorra em caso algum utilização pessoal e/ou (ii) que se verifique que a utilização das viaturas seja, em termos permanentes e de modo exclusivo, para finalidades próprias da atividade empresarial do requerente,  por violação do princípio da igualdade, do princípio da capacidade contributiva, do princípio da tributação fundamentalmente do rendimento real e do princípio da proporcionalidade, em especial na vertente da proibição de excesso e da justa medida. Violação, pois, dos artigos 2.º (Estado de Direito), 13.º, 18.º, ns. 2 e 3, 103.º, n.º 1 (repartição justa) e 104.º, n.º 2, da Constituição."

            Também reafirma uma situação de inconstitucionalidade "das normas constantes do n.º 3 (no segmento da tributação autónoma sobre encargos com veículos ligeiros de passageiros e motociclos) e do n.º 9 (no segmento da tributação autónoma sobre encargos dedutíveis com compensação ao trabalhador pelo uso de viatura própria ao serviço da entidade patronal, não facturados a cliente, vulgo “abonos quilométricos”), do artigo 88.º, do CIRC, interpretadas no sentido de que não integram presunção (i) de uso pessoal ou privado, maxime pelos trabalhadores e colaboradores da empresa, dos veículos a que se referem os encargos tributados, e de abonos quilométricos acima do custo incorrido pelo trabalhador ao serviço da empresa, cuja prova em contrário deva ser admitida, ou, dito de outro modo, (ii) interpretadas no sentido de estar o sujeito passivo do imposto impedido de afastar a tributação aí prevista quando se comprove que as despesas e encargos aí em causa não são efectivamente desviados para consumos/utilizações alheias à actividade da empresa,  por violação do princípio da igualdade, que manda tratar o desigual desigualmente (salvo impraticabilidade, o que não é a priori o caso) e, pela mesma razão, por violação do princípio da capacidade contributiva, do princípio da tributação fundamentalmente do rendimento real e do princípio da proporcionalidade, que implicam igualmente o tratamento desigual do que é desigual, salvo impraticabilidade, o que não é a priori o caso. Violação, pois, do artigo 2.º (Estado de Direito), 13.º, 18.º, ns. 2 e 3, 103.º, n.º 1 (repartição justa) e 104.º, n.º 2, da Constituição."

            Ora, já vimos, na sequência do citado acórdão de uniformização de jurisprudência, que o referido artigo 88.º, 3, 9, CIRC, não consagra qualquer presunção legal, mesmo que implícita, da natureza empresarial das despesas e encargos. Portanto, a questão da possibilidade ou não da ilisão não se coloca.

            Dito de outra maneira, a questão central de afastar ou não afastar os preceitos referidos não se coloca ao nível da presunção, mas ao de se verificar ou não preenchida a hipótese normativa que ali é contemplada.

            Sigamos de novo, de perto, o acórdão 323/2019-T, que também se debruçou sobre a questão da alegada inconstitucionalidade, movida num quadro fáctico em todo idêntico ao dos presentes autos: "Ainda que se entenda que se pretende pôr em causa a constitucionalidade das tributações autónomas em si consideradas, cabe recordar que o Tribunal Constitucional se pronunciou já sobre essa matéria no referido acórdão n.º 197/2016, concluindo no sentido da sua conformidade constitucional.

            Aí se concluiu, no tocante ao princípio da tributação segundo o rendimento real, que “a tributação autónoma, embora prevista no Código do IRC e liquidada conjuntamente com o IRC para efeitos de cobrança, nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros imputáveis ao exercício económico da empresa, uma vez que incidem sobre certas despesas que constituem  factos tributários autónomos que o legislador, por razões de política fiscal, quis tributar separadamente mediante a sujeição a uma taxa predeterminada que não tem qualquer relação com o volume de negócios da empresa”. E, nesse contexto, a “tributação autónoma não interfere no método destinado a determinar os resultados empresariais, nem implica que a matéria coletável que servirá base à tributação em IRC passe a incluir lucros ou rendimentos que a empresa não tenha efetivamente auferido”.

            Por identidade de razão, o Tribunal considerou que as disposições impugnadas não põem em causa o princípio da capacidade contributiva enquanto corolário, no domínio dos impostos, dos princípios da igualdade e da justiça fiscal. A esse propósito, o acórdão salienta que “a tributação autónoma incide sobre certas despesas tipificadas na lei fiscal que tenham sido efetuadas pela empresa, e apenas sobre essas despesas, e não visa a tributação dos rendimentos empresariais que tenham sido auferidos no respetivo exercício económico”, e, nesse sentido, “a despesa constitui um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável em IRC no mesmo período de tributação”. E, assim, o facto revelador da capacidade contributiva é a própria realização da despesa.

            No que respeita à adequação do meio usado para a prossecução dos fins que são visados pela lei, sublinha-se que o princípio da idoneidade ou da aptidão significa que as medidas legislativas devem ser aptas a realizar o fim prosseguido ou contribuir para o alcançar. No entanto, “o controlo da idoneidade ou adequação da medida, enquanto vertente do princípio da proporcionalidade, refere-se exclusivamente à aptidão objetiva e formal de um meio para realizar um fim e não a qualquer avaliação substancial da bondade intrínseca ou da oportunidade da medida. Ou seja, uma medida é idónea quando é útil para a consecução de um fim, quando permite a aproximação do resultado pretendido, quaisquer que sejam a medida e o fim e independentemente dos méritos correspondentes. E, assim, a medida só será suscetível de ser invalidada por inidoneidade ou inaptidão quando os seus efeitos sejam ou venham a revelar-se indiferentes, inócuos ou até negativos tomando como referência a aproximação do fim visado” (ainda neste sentido, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 188/2009).

            Aderimos, na integra, ao citado entendimento.

            Posto isto, entendemos que não se verifica qualquer inconstitucionalidade que fira os atos impugnados respeitantes a tributação autónoma objeto de apreciação. Daí que, face ao exposto, o pedido formulado pela Requerente tem de ser decidido como improcedente.

           

            B.3 - Do direito ao reembolso e a juros indemnizatórios peticionados

            Como resulta do exposto, foi julgado improcedente o pedido de declaração de ilegalidade da autoliquidação de IRC e, subsequentemente, da reclamação graciosa. Sendo assim, ficam prejudicados os restantes pedidos, nomeadamente, o de reembolso das quantias pagas a este título e correspondentes juros indemnizatórios. 

 

* * *

 

C. DECISÃO

            Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar improcedente o pedido arbitral formulado de declaração de ilegalidade de autoliquidação de IRC, conforme formulado, nos seus limites, relativa ao exercício de 2019, bem como da decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa deduzido contra o ato de autoliquidação, e consequentemente, julgar prejudicados os pedidos de reembolso das quantias pagas e do pagamento de juros indemnizatórios.

 

D. Valor do processo

            Fixa-se o valor do processo em 332.033,54 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

       Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 5.814,00 € nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, conforme o disposto no artigo 22.º, n.º 4, RJAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 24 de maio de 2023

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

 

(Prof. Doutor Victor Calvete)

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Dr.ª Ana Rita do Livramento Chacim)

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Dr. Ricardo Marques Candeias)