Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 574/2016-T
Data da decisão: 2017-04-18  IRC  
Valor do pedido: € 901.391,40
Tema: IRC - Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS)
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Decisão Arbitral

 

            Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Eduardo Paz Ferreira e Prof. Doutor Jorge Júlio Landeiro de Vaz (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 03-01-2017, acordam no seguinte:

           

            1. Relatório

 

·         A…, S.A. (doravante designada por "A…"), pessoa colectiva n.º…, com sede na Rua …, n.º…, …, … - … Lisboa;

·         B… S.A. (doravante designada por "B…"), pessoa colectiva n.º…, com sede na …, …, …, …-… Lisboa, e

·         C… Lda. (doravante designada por “C…"), pessoa colectiva n.º…, com sede na Rua …, n.º…, …, … - … Lisboa

 

(doravante designadas em conjunto por “Requerentes”), vieram, ao abrigo do disposto nos arts. 2, n.º 1, al. a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), apresentar pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a apreciação da legalidade as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC") das Requerentes, emitidas em 5 de Junho de 2012 (no caso das sociedades A… e B…) e 6 de Junho de 2012 (no que respeita à sociedade C…), por referência ao período de tributação de 2011, sob os números 2012 … (Documento n.º 1), 2012 … (Documento n.º 2) e 2012 … (Documento n.º 3), a partir das declarações de rendimentos Modelo 22 de IRC, as quais foram identificadas, respectivamente, com os códigos de identificação …-… -… (Documento n.º 4), …-… -… (Documento n.º 5) e …-… -… (Documento n.º 6), documentos estes juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos.

            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 10-10-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 09-12-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 03-01-2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu suscitando a excepção de incompetência do Tribunal Arbitral e defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 13-02-2017 foi dispensada reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Importa apreciar prioritariamente a excepção de incompetência, de harmonia com disposto no artigo 13.º do CPTA, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 

2. Questão da incompetência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a legalidade de actos de autoliquidação não precedidos de reclamação graciosa mas de pedido de revisão do acto tributário

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que o artigo 2.º, alínea a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, através da qual a Autoridade Tributária e Aduaneira ficou vinculada à jurisdição arbitral exclui as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do artigo 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

A questão tem sido objecto de decisões arbitrais contraditórias pelo que importa fazer a sua reapreciação, inclusivamente sob a perspectiva de constitucionalidade com a que Requerente a coloca nas suas alegações.

A arbitragem tributária foi criada pelo Governo através do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), emitido ao abrigo da autorização legislativa que lhe foi concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril.

No n.º 4 desse artigo 124.º estabeleceu-se que o âmbito da autorização prevista no presente artigo compreende, nomeadamente, as seguintes matérias:

a) A delimitação do objecto do processo arbitral tributário, nele podendo incluir-se os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária;

 

A autorização legislativa era indispensável para o Governo legislar validamente sobre esta matéria, uma vez que se está perante matéria atinente às garantias dos contribuintes, inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, e, por isso, o Governo não tem competência legislativa própria, como decorre dos artigos 198.º, n.º 1, alíneas a) e b), da CRP.

 Utilizando essa autorização legislativa, o Governo estabeleceu no artigo 2.º, n.º 1, alínea A), do RJAT que «a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta».

É, assim, inequívoco que o Governo, no exercício dos poderes legislativos que lhe foram concedidos pela autorização legislativa, atribuiu aos tribunais arbitrais competência para a declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, sem qualquer restrição.

No artigo 4.º do RJAT estabeleceu-se, na redacção inicial, que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça», norma esta ao abrigo da qual foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, em que se incluiu a norma invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, através da qual se exceptuam da competência dos tribunais arbitrais as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

Mas, por um lado, é manifesto que se esta norma da Portaria n.º 112-A/2011 for interpretada como redefinindo (restringindo) as competências dos tribunais arbitrais em relação ao legislado, não tem qualquer cobertura na lei de autorização legislativa, pois esta nem sequer faz depender a competência dos tribunais arbitrais de qualquer vinculação.

Da vinculação, a ser constitucionalmente admissível, poderá depender o início e a cessação da possibilidade de os contribuintes demandarem a Autoridade Tributária e Aduaneira nos tribunais arbitrais, mas não a definição das competências destes tribunais.

É certo que, já depois, de a Portaria n.º 112-A/2011 ter sido emitida, a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, veio estabelecer que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

No entanto, esta Portaria sido emitida ao abrigo da redacção inicial do referido artigo que aflora no artigo 2.º do artigo 12.º do Código Civil, a validade dos actos jurídicos é apreciada à face da lei vigente no momento em que eles são praticados.

Por outro lado, por força do disposto no artigo 112.º, n.º 5, da CRP, «nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos».

Por isso, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, na redacção inicial (a que aqui interessa), se interpretado como permitindo aos Ministros da Justiça e das Finanças, através da vinculação (que nem sequer tem suporte na lei de autorização legislativa) redefinirem, através de acto de natureza regulamentar, as competências dos tribunais arbitrais tributários, seria materialmente inconstitucional, por violação deste princípio da hierarquia das fontes normativas, que se consagra neste artigo 112.º, n.º 5, da CRP.

Por seu turno, a Portaria n.º 112-A/2011, se interpretada como restringindo as competências dos tribunais arbitrais em relação à que decorre do artigo 2.º do RJAT e da Lei de autorização legislativa em que este se baseou, para além de ser também materialmente inconstitucional por violação do referido artigo 112.º, n.º 5, seria organicamente inconstitucional, por regular inovatoriamente matéria incluída na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, sobre a qual não é permitido ao Governo emitir normas no uso de competência própria.

É a esta luz que há que apreciar a excepção da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo como objecto a concreta situação que se depara nos autos, pois está fora das competências dos tribunais arbitrais a apreciação abstracta da inconstitucionalidade.

            Na alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles artigos 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (art. 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do art. 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.

Neste artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se faz qualquer referência expressa aos actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os actos de indeferimento total ou parcial de «pedidos de revisão de actos tributários».

            No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de autoliquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de autoliquidação, incorporando a sua ilegalidade.

A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele artigo 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.

Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado, em sintonia com o preceituado nestas normas do CPPT.

Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa. ( [1] )

A referência expressa ao artigo 131.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação.

Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».

Quanto a correspondência entre a interpretação e a letra da lei, basta «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), o que só impedirá que se adoptem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa.

Por isso, a letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação declarativa, que explicite o alcance do teor literal, nem mesmo interpretação extensiva, quando se possa concluir que o legislador disse menos do que o que, em coerência, pretenderia dizer, isto é, quando disse imperfeitamente o que pretendia dizer. Na interpretação extensiva «é a própria valoração da norma (o seu “espírito”) que leva a descobrir a necessidade de estender o texto desta à hipótese que ela não abrange», «a força expansiva da própria valoração legal é capaz de levar o dispositivo da norma a cobrir hipóteses do mesmo tipo não cobertas pelo texto». ( [2] )

A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.

É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos de autoliquidação, prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de actos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.

Na verdade, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para a essa exigência, o facto de estar prevista idêntica reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os actos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos actos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.

Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no n.º 3, do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º». Na verdade, em situações deste tipo, houve uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de autoliquidação e é esse facto que explica que deixe de exigir-se a reclamação graciosa necessária.

Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. ( [3] )

Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de actos de autoliquidação, pois estes foram expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT e, apesar da revogação desta norma pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, a possibilidade de revisão de actos tributários, oficiosa ou por iniciativa dos interessados, continua a ser referida no artigo 54.º, n.º 1, alínea c), da LGT, com expressa referência no seu n.º 2 a que a «as garantias dos contribuintes previstas no presente capítulo aplicam-se também à autoliquidação», na parte não incompatível com a natureza desta figura.

Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.

Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência ao artigo 131.º do CPPT relativamente a pedidos de declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de actos de autoliquidação, acabaram por incluir referência ao artigo 131.º que não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses actos.

Aliás, é de notar que esta interpretação não se cingindo ao teor literal até se justifica especialmente no caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições: uma, é associar a fórmula abrangente «recurso à via administrativa» (que referencia, além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do acto tributário) à «expressão nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa; outra é utilizar a fórmula «precedidos» de recurso à via administrativa, reportando-se às «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos», que, obviamente, se coadunariam muito melhor com a feminina palavra «precedidas».

Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto de a redacção daquela norma ser manifestamente defeituosa.

Para além disso, assegurando a revisão do acto tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.

E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adoptada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do acto tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adopção da interpretação que consagre a soluça mais acertada.

É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.

Aliás, será esta interpretação, no sentido de que a Portaria n.º 112-A/2011 não restringe as competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a única que se compagina com o referido princípio da hierarquia das normas e com a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, isto é, a única interpretação que assegura constitucionalidade daquela Portaria.

A Autoridade Tributária e Aduaneira  defende que é constitucionalmente vedada, por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, a interpretação, ainda que extensiva, que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente, por tal pressupor, necessariamente, a consequente dilatação das situações em que esta obrigatoriamente se submete a tal regime, renunciando nessa mesma medida ao recurso jurisdicional pleno [cf. artigo 124.º, n.º 4, alínea h) da Lei n.º 3-B/2010 e artigo 25.º e 27.º do RJAT, que impõe uma restrição dos recursos da decisão arbitral].

Mas, a Constituição não impõe que a interpretação dos diplomas normativos tenha de cingir-se ao teor literal e, no caso em apreço, como se explicou, devidamente interpretadas as normas do artigo 2.º, n.º 1, do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, conclui-se que a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrange os casos em que actos de autoliquidação foram precedidos de pedidos de revisão oficiosa. Por isso, a interpretação que se fez não aumentou a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira em relação ao que está regulamentado, antes definiu exactamente a vinculação que resulta do diploma regulamentar, devidamente interpretado.

Por outro lado, ao interpretar e aplicar as normas jurídicas, este Tribunal Arbitral está a desempenhar a função que lhe está constitucionalmente atribuída (artigos 202.º, n.º 1, 203.º e 209.º, n.º 2, da CRP), pelo que nem se vislumbra como possa existir violação dos princípios da separação de poderes, do Estado de Direito e da legalidade, pois o decidido por este tribunal evidencia, precisamente, a sua perfeita concretização: a Assembleia da República autorizou o Governo a legislar (artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril); o Governo, no uso de poderes legislativos, emitiu o RJAT; a Administração, através de dois membros do Governo, emitiu a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março; o Tribunal Arbitral interpretou e aplicou os diplomas normativos referidos. É, manifestamente, a concretização do princípio da separação dos poderes.

Quanto à invocação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, definido no artigo 30.º, n.º 2, da LGT, em que se refere que «o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributário», tratar-se-á, decerto, de lapso, já que ao decidir sobre a sua competência o Tribunal Arbitral não está a praticar qualquer acto de disposição de qualquer crédito. Por outro lado, nem se vê a que crédito se referirá a Autoridade Tributária e Aduaneira, já que no presente processo, em que estão em causa actos de autoliquidação de IRC que foi pago, não está em causa a cobrança de qualquer crédito tributário.

Os créditos que existiam, na sequência, das autoliquidações estão já extintos, pelo pagamento, e nem se vislumbra que exista qualquer outro.

Diferente disso, é naturalmente, a eventual anulação de uma cobrança ilegal, mas isso não tem a ver com a disponibilidade de qualquer crédito, mas sim, com o direito a impugnação contenciosa de actos lesivos, que é constitucionalmente assegurado (artigo 268.º, n.º 4, da CRP) e é um direito fundamental dos contribuintes num Estado de Direito (artigos 2.º e 20.º, n.º 1, da CRP).

Assim, a interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 que aqui se adopta, em vez de ser materialmente inconstitucional, é a única que assegura a sua constitucionalidade, à face do preceituado nos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, 165.º, n.º 1, alínea i), e 198.º, alínea b), da CRP, como atrás se referiu. Isto é, é esta a interpretação conforme à Constituição, em que se reconhece na norma «um sentido que, embora não aparente ou não decorrente de outros elementos de interpretação, é o sentido necessário e o que se torna possível por virtude da força conformadora da Lei Fundamental. E são diversas as vias que, para tanto, se seguem e diversos os resultados a que se chega: desde a interpretação extensiva ou restritiva à redução (eliminando os elementos inconstitucionais do preceito ou do acto)» ( [4] )

Improcede, assim, a excepção de incompetência invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

3. Matéria de facto

 

3.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

 

a)      As Requerentes são sociedades de direito português, sujeitas ao regime geral de tributação, em sede de IRC, cujo período de tributação coincide com o ano civil;

b)      Por referência ao período de tributação de 2011, as Requerentes procederam à entrega das correspondentes declarações de rendimentos Modelo 22 de IRC (Documentos n.ºs 4, 5 e 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

c)      A A… e a B… apuraram ambas lucro tributável nos montantes de Euro 3.572.939,78 (três milhões, quinhentos e setenta e dois mil, novecentos e trinta e nove euros e setenta e oito cêntimos) e Euro 55.180,90 (cinquenta e cinco mil, cento e oitenta euros e noventa cêntimos);

d)     A C… apurou prejuízo fiscal no montante de Euro 3.983.664,77 (três milhões, novecentos e oitenta euros e três mil, seiscentos e sessenta e quatro euros e setenta e sete cêntimos);

e)      O capital das Requerentes, no exercício de 2011, era detido indirectamente pela D…, sociedade de direito italiano e residente fiscal em Itália, através da E… S.A., e F…, entidades com residência fiscal em Estados-Membros da União Europeia, nos termos que seguem:

f)       A configuração do grupo mantinha-se inalterada desde 2003 (artigo 30.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionado);

g)      Em 2011, as Requerentes não integravam um grupo tributado em Portugal segundo o regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), não tendo sido apresentado qualquer requerimento nesse sentido, por a D… não ser residente, para efeitos fiscais, em território português;

h)      As Requerentes foram tributadas em IRC como sociedades individuais, relativamente ao exercício de 2011;

i)        Na sequência da entrada em vigor da Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro, e em conformidade com o disposto nos artigos 69.º e 69.º- A do Código do IRC, em 2015, a D… e as ora Requerentes apresentaram a Autoridade Tributária e Aduaneira um requerimento no sentido de serem tributadas com aplicação do RETGS, sendo sociedade dominante do grupo a D… (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

j)        Nos pontos 12.º e 13.º do requerimento referido na alínea anterior as Requerentes disseram o seguinte:

12.º

Adicionalmente, imporia desde já referir que as Requerentes pretendem que lhe venham a ser aplicáveis as disposições do artigo 69.º do Código do IRC para os períodos de tributação anteriores, através de meio processual distinto deste requerimento e a apresentar para o efeito, na medida em que a alteração prevista nos termos do artigo 69,.º-A reitera que, a impossibilidade de consolidação ao nível da sociedade mãe, enquanto sociedade não residente, prevista até então, constituiu uma restrição à liberdade de estabelecimento, resultando numa desvantagem assinalável para as Requerentes.

13.º

Deste modo, não obstante o presente requerimento ser efectuado por referência ao período de tributação de 2015, importa referir que os demais requisitos já se encontravam cumpridos em anos anteriores, pelo que não deve ser desconsiderada a opção pela aplicação do RETGS nesses períodos, nos termos do artigo 69.º do Código do IRC, com a apresentação do presente requerimento.

 

k)      A Autoridade Tributária e Aduaneira pronunciou-se sobre o requerimento referido nas duas alíneas anteriores nos termos que constam do documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que além do mais se refere o seguinte:

6. Por último, no que respeita ao referido nos pontos 12.º e 13 .º do pedido, no sentido de que não seja desconsiderada a opção pela aplicação do RETGS, nos termos do art. 69.º do CIRC relativamente aos períodos de tributação anteriores a 2015, informa-se que esta possibilidade não se pode colocar, urna vez que as opções não foram efetuadas dentro do prazo estabelecido na alínea a) do n.º 7 do art.º 69 .º do CIRC, nem foi apresentado qualquer requerimento, nesse sentido, em tempo oportuno.

 

l)        Em 24-02-2016, as Requerentes apresentaram à Autoridade Tributária e Aduaneira três pedidos de revisão de acto tributário, referentes ao período de tributação de 2011 (Documentos n.ºs 9, 10 e 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

m)    Os pedidos de revisão do acto tributário não foram decididos até 22-09-2016, data em que foi apresentado o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

3.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

 

3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral.

Não há controvérsia sobre os factos invocados pelas Requerentes.

 

4. Matéria de direito

 

4.1. Questões colocadas

 

No ano de 2011, estava em vigor o artigo 69.º do CIRC na redacção do DL n.º 159/2009, de 13 de Julho em que se estabelece, além do mais, o seguinte sobre o âmbito e condições de aplicação do RETGS:

 

1 – Existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo.

2 – Existe um grupo de sociedades quando uma sociedade, dita dominante, detém, directa ou indirectamente, pelo menos 90 % do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50 % dos direitos de voto.

3 – A opção pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades pode ser formulada quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:

a) As sociedades pertencentes ao grupo têm todas sede e direcção efectiva em território português e a totalidade dos seus rendimentos está sujeita ao regime geral de tributação em IRC, à taxa normal mais elevada;

b) A sociedade dominante detém a participação na sociedade dominada mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime;

c) A sociedade dominante não é considerada dominada de nenhuma outra sociedade residente em território português que reúna os requisitos para ser qualificada como dominante.

d) A sociedade dominante não tenha renunciado à aplicação do regime nos três anos anteriores, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime.

4 – Não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, se encontrem nas situações seguintes:

a) Estejam inactivas mais de um ano ou tenham sido dissolvidas;

b) Tenha sido contra elas instaurado processo especial de recuperação ou de falência em que haja sido proferido despacho de prosseguimento da acção;

c) Registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação for detida pela sociedade dominante mais de dois anos;

d) Estejam sujeitas a uma taxa de IRC inferior à taxa normal mais elevada e não renunciem à sua aplicação;

e) Adoptem um período de tributação não coincidente com o da sociedade dominante;

f) O nível de participação exigido de, pelo menos, 90 % seja obtido indirectamente através de uma entidade que não reúna os requisitos legalmente exigidos para fazer parte do grupo;

g) Não assumam a forma jurídica de sociedade por quotas, sociedade anónima ou sociedade em comandita por acções, salvo o disposto no n.º 12.

 

De harmonia com o disposto na alínea a) do n.º 3 e da alínea f) do n.º 4, as Requerentes não podiam optar por serem tributadas segundo este regime, por a sociedade dominante e as detentoras do capital não terem sede nem direcção efectiva em território português.

O TJUE, em acórdão de 12-06-2014, proferido nos processos apensos n.ºs C-39/13, C-40/13 e C-41/13, decidiu o seguinte:

1) Nos processos C‑39/13 e C‑41/13, os artigos 49.º TFUE e 54.º TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação de um Estado‑Membro por força da qual uma sociedade‑mãe residente pode constituir uma unidade fiscal com uma subfilial residente quando a detém por intermédio de uma ou várias sociedades residentes, mas não pode constituir essa unidade fiscal quando detém a subfilial por intermédio de sociedades não residentes que não dispõem de um estabelecimento estável nesse Estado‑Membro.

2) No processo C‑40/13, os artigos 49.º TFUE e 54.º TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação de um Estado‑Membro por força da qual o regime da unidade fiscal pode ser concedido a uma sociedade‑mãe residente que detenha filiais residentes, mas não a sociedades‑irmã residentes cuja sociedade‑mãe comum não tem a sua sede nesse Estado‑Membro, nem dispõe aí de um estabelecimento estável.

Com a redacção dada ao CIRC pela Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro, as normas do artigo 69.º do CIRC passaram a ter as seguintes redacções:

 

1 - Existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria coletável em relação a todas as sociedades do grupo.

2 - Existe um grupo de sociedades quando uma sociedade, dita dominante, detém, direta ou indiretamente, pelo menos, 75 % do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50 % dos direitos de voto.

3 - A opção pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades só pode ser formulada quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:

a) As sociedades pertencentes ao grupo têm todas sede e direção efetiva em território português e a totalidade dos seus rendimentos está sujeita ao regime geral de tributação em IRC, à taxa normal mais elevada;

b) A sociedade dominante detém a participação na sociedade dominada há mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime;

c) A sociedade dominante não é considerada dominada de nenhuma outra sociedade residente em território português que reúna os requisitos para ser qualificada como dominante;

d) A sociedade dominante não tenha renunciado à aplicação do regime nos três anos anteriores, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime.

4 - Não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, se encontrem nas situações seguintes:

a) Estejam inativas há mais de um ano ou tenham sido dissolvidas;

b) Tenha sido contra elas instaurado processo especial de recuperação ou de falência em que haja sido proferido despacho de prosseguimento da ação;

c) Registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos;

d) Estejam sujeitas a uma taxa de IRC inferior à taxa normal mais elevada e não renunciem à sua aplicação;

e) Adotem um período de tributação não coincidente com o da sociedade dominante;

f) (Revogada.)

g) Não assumam a forma jurídica de sociedade por quotas, sociedade anónima ou sociedade em comandita por ações, salvo o disposto no n.º 11. (Rectificada pela Declaração de Rectificação 18/2014, de 13 de Março)

 

 

Para além disso, a mesma Lei n.º 82-C/2014, aditou ao CIRC o artigo 69.º-A, com a seguinte redacção:

 

Artigo 69.º -A

Sociedade dominante com sede ou direção efetiva noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu

 

1 – Pode igualmente optar pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto na presente subsecção a sociedade dominante, como tal qualificada nos termos do n.º 2 do artigo anterior que, não tendo sede ou direção efetiva em território português, preencha cumulativamente as seguintes condições:

a) Seja residente de um Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu que esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia;

b) Detenha a participação nas sociedades dominadas há mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime;

c) Não seja detida, direta ou indiretamente, pelo menos, em 75 % do capital, por uma sociedade residente em território português que reúna os requisitos previstos no artigo anterior para ser qualificada como dominante, desde que tal participação lhe confira mais de 50 % dos direitos de voto, nos termos do n.º 6 do artigo anterior;

d) Não tenha renunciado à aplicação do regime nos três anos anteriores, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime;

e) Esteja sujeita e não isenta de um imposto referido no artigo 2.º da Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro, ou de um imposto de natureza idêntica ou similar ao IRC;

f) Revista a forma de sociedade de responsabilidade limitada;

g) Quando detenha um estabelecimento estável em território português através do qual sejam detidas as participações nas sociedades dominadas e não se verifique relativamente a este qualquer das situações previstas nas alíneas a), c), d) ou e) do n.º 4 do artigo anterior, com as necessárias adaptações.

2 – A opção prevista no número anterior determina a aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades relativamente a todas as sociedades dominadas com sede e direção efetiva em território português relativamente às quais se verifiquem as condições estabelecidas nos n.ºs 3 e 4 do artigo anterior, bem como ao estabelecimento estável da sociedade dominante situado neste território através do qual sejam detidas as participações.

3 – A opção pelo regime nos termos do presente artigo depende da comunicação à Autoridade Tributária e Aduaneira, na declaração a que se refere o n.º 7 do artigo anterior, de qual a sociedade com sede e direção efetiva neste território pertencente ao grupo designada para assumir a responsabilidade pelo cumprimento de todas as obrigações que incumbem à sociedade dominante nos termos do presente Código, sem prejuízo da responsabilidade solidária da sociedade dominante e das demais sociedades pertencentes ao grupo pelo pagamento do imposto, nos termos do artigo 115.º.

4 – Nos casos em que a sociedade dominante possua um estabelecimento estável em território português através do qual sejam detidas as participações nas sociedades dominadas, o disposto no número anterior é obrigatoriamente observado por este.

5 – Em tudo o que não estiver previsto no presente artigo é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo anterior.

 

As Requerentes, à face da jurisprudência citada do TJUE, já reuniam, em 2011, os requisitos para serem tributadas segundo o RETGS.

A questão que as Requerentes colocam é a de saber se as autoliquidações relativas ao exercício de 2011 devem ser declaradas ilegais, por nesse período terem «o direito de optar por integrar um grupo tributado pelo RETGS, em conformidade com a jurisprudência emanada pelo TJUE no âmbito dos referidos processos apensos C-39/13, C-40/13 e C-41/13 e em estrito cumprimento do Direito da União Europeia».

A Autoridade Tributária e Aduaneira, porém, coloca, como questão prévia, a da verificação dos pressupostos da revisão do acto tributário, invocando a inexistência de erro imputável aos serviços.

 

4.2. Questão da verificação dos pressupostos da revisão do acto tributário

 

O regime da revisão dos actos tributários consta do artigo 78.º da LGT que, na redacção vigente em 2011, estabelecia o seguinte, nos seus n.ºs 1 e 2, que aqui interessam;

 

1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 - Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.

 

            No caso em apreço, o pedido de revisão do acto tributário foi apresentado fora do prazo de reclamação graciosa de actos de autoliquidação, fixado em dois anos após a apresentação da declaração, pelo n.º 1 do artigo 131.º do CPPT.         

            Por isso, a revisão do acto tributário apenas é admissível com fundamento em erro imputável aos serviços, como resulta do n.º 1, considerando-se que é imputável aos serviços o erro na autoliquidação.

            No caso em apreço, não é invocado nenhum erro das autoliquidações individuais efectuadas por cada uma das Requerentes, mas sim que, se não existisse uma restrição legal à aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, poderia ter havido uma opção pela sua aplicação, que se reconduziria a uma única autoliquidação com base numa declaração de grupo.

Esta situação não se enquadra no artigo 78.º da LGT, pois não se está perante qualquer erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira para efeitos do n.º 1 nem de qualquer erro de autoliquidações, que se ficcione ser-lhe imputável, ao abrigo do n.º 2.

          Na verdade, «o apuramento da matéria tributável far-se-á com base nas declarações dos contribuintes, desde que estes as apresentem nos termos previstos na lei e forneçam à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária» (artigo 59.º, n.º 2, do CPPT) e foi precisamente isso que ocorreu.

          A aplicação do RETGS ao exercício de 2011 não depende apenas da verificação dos requisitos legais a sua aplicação, pois é um regime facultativo, só aplicável na sequência de uma opção da sociedade dominante, formulada com antecedência em relação ao termo do primeiro exercício em que se pretende a sua aplicação.

          A admissibilidade de opção dos sujeitos passivos de IRC pela aplicação do RETGS, com a possibilidade de obtenção de vantagens fiscais por estes e consequente perda de receitas tributárias, justifica-se por fins extrafiscais, designadamente facilitar «a reestruturação do tecido empresarial e a recuperação dos grupos económicos, através da promoção das sinergias entre empresas integradas num grupo, reforçando e consolidando o tecido empresarial, para assim alcançar maior competitividade e favorecer a concorrência», não sendo justificável para obtenção de «finalidades exclusivamente fiscais» (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29-12-2012, processo n.º 021/12).

          A esta luz, a imposição da obrigação de optar pela aplicação deste regime antes de serem conhecidos os resultados da sua aplicação, harmoniza-se com este desígnio legislativo de dificultar a utilização do regime para finalidades exclusivamente fiscais, que seria viável com a possibilidade de aplicação retroactiva, com apuramento primeiro dos resultados fiscais e só posterior escolha do regime fiscal mais vantajoso.

          Assim, essa opção no prazo previsto tem de ser manifestada pela sociedade dominante (e não por alguma ou algumas ou todas as sociedades dominadas), sendo essa manifestação imprescindível por, além do mais, implicar para aquela a assunção de responsabilidades fiscais (artigo 115.º do CIRC), para além de obrigações declarativas.

          No caso em apreço, não foi apresentado, em 2011, requerimento de opção pela tributação segundo o RETGS nem pela D... sociedade dominante do grupo, nem por qualquer das Requerentes.

          Por outro lado, a A…, S.A. e a B… S.A. poderiam ter optado pela tributação segundo o RETGS, em face da relação de domínio daquela sobre esta, no pressuposto de que se verificavam os restantes requisitos exigidos (como afirmam as Requerentes no presente processo).

          Por isso, não se pode concluir sequer que, em 2011, as Requerentes pretendessem ser tributadas segundo o RETGS e só não o tenham requerido pelo obstáculo legal que invocam, derivado da redacção então vigente do artigo 69.º do CIRC.

          Por outro lado, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua Resposta, «quanto à inclusão da sociedade C… no perímetro do RETGS, se as Requerentes, como agora vêem alegar, estavam convictas de que a legislação nacional era ilegal e desconforme ao direito comunitário, ao não permitir a consolidação fiscal horizontal, entretanto plasmada nos artigos 69.º e 69.º- A do Código do IRC através da Lei n.º 82-C/2014 sempre se dirá que nada impedia as mesmas de suscitar tal inclusão junto da AT, a qual necessariamente teria de se pronunciar acerca da temática» e «em caso de eventual recusa da AT sempre poderiam contestar a mesma junto dos órgãos jurisdicionais nacionais, suscitando o primado do direito comunitário junto de um tribunal português, com fundamento na eventual desconformidade daquela disposição do Código do IRC com os artigos 49.º e 54.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia».

          De qualquer modo, não sendo a aplicação do RETGS automática e não tendo sido efectuada opção no sentido da sua aplicação, as autoliquidações individuais não enfermam de qualquer erro, quer sobre os pressupostos de facto quer sobre os pressupostos de direito, pelo que não se verifica o pressuposto exigido pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 78.º da LGT para a revisão do acto tributário.

          Por outro lado, não podia a Autoridade Tributária e Aduaneira na sequência dos pedidos de revisão do acto tributário, como também não pode este Tribunal Arbitral, ficcionar que tinha sido feita pela sociedade dominante opção pela aplicação do RETGS.

          Finalmente, é claro que o novo regime previsto no artigo 69.º-A do CIRC, introduzido pela Lei n.º 82-C/2014 é aplicável apenas aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 01-10-2015, como está expressamente estabelecido no n.º 1 do seu artigo 5.º, em sintonia com o princípio básico sobre a aplicação no tempo das normas tributárias, enunciado no n.º 1 do artigo 12.º da LGT.

          Pelo exposto, conclui-se que não se verifica um dos pressupostos da revisão do acto tributário requerida fora do prazo da reclamação administrativa, que é a existência de um erro dos actos de liquidação, pelo que tem de improceder o pedido de pronúncia arbitral.

         

 

          4.3. Questões de conhecimento prejudicado

 

          Verificando-se um obstáculo à procedência do pedido, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões de legalidade colocadas pelas Requerentes e pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)      Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)      Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos.

 

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 901.391,40.

 

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 12.852,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo das Requerentes.

 

 

Lisboa, 18-04-2017

 

Os Árbitros

 

 

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(Eduardo Paz Ferreira)

 

 

 

 

(Jorge Júlio Landeiro de Vaz)



[1]Como se entendeu no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-6-2006, proferido no processo n.º 402/06.

[2]BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado, 4.ª edição, página 100.

[3]Essencialmente neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14-11-2007, processo n.º 565/07.

[4]JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, 4ª ed., Coimbra, 2000, páginas 267/268.