Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 563/2022-T
Data da decisão: 2023-05-02  IRC  
Valor do pedido: € 1.010.398,36
Tema: IRC - Benefício fiscal. Fundo de investimento imobiliário não residente. Liberdade de circulação de capitais.
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Sumário:

O artigo 22.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ao circunscrever o regime de tributação constante do n.º 3 aos fundos e sociedades de investimento imobiliário que constituem e operem de acordo com a legislação nacional, estabelece um regime mais gravoso para as entidades equiparáveis que operem no território nacional mas se tenham constituído segundo o direito de um outro Estado-Membro e viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 65.º, n.º 3, do Tratado de Funcionamento da União Europeia.

 

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

     1. A...- SUCURSAL EM PORTUGAL (anteriormente designada B... - SUCURSAL EM PORTUGAL), sucursal portuguesa de uma Société Civile de Placement Immobilier constituída ao abrigo do direito francês, com o número de pessoa coletiva português..., e sede na ..., n.º  ..., ..., ...-... Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do ato de autoliquidação em IRC referente ao ano de 2019, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra esse ato de autoliquidação, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente é a sucursal portuguesa da A..., um organismo de investimento coletivo imobiliário aberto, constituído em França, sob a forma de Société Civile de Placement Immobilier (SPCI) para o exercício da atividade de aquisição e gestão de património imobiliário destinado ao arrendamento.

Nessa qualidade, encontra-se sujeita ao regime previsto nos artigos 1832.º e seguintes do Código Civil Francês e ao regime dos investimentos de organismo coletivo, estabelecido nos artigos L214 e R.214 do Código Monetário e Financeiro Francês e no Regulamento Geral da Authorité des Marchés Financiers francesa, e, na medida em que desenvolve a sua atividade em Portugal, ao Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo consagrado na Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro.

 

Nesse sentido, a Requerente é uma entidade equiparável às sociedades de investimento imobiliário de capital variável heterogeridas constituídas em Portugal nos termos previstos na Lei n.º 16/2015.

 

No exercício de 2019, a Requerente obteve em Portugal rendimentos relacionados com a sua atividade (rendimentos prediais, mais-valias e comissões) no valor global de € 4.089.098,23 e registou um resultado líquido positivo de € 2.744.514,14. E, por outro lado, sofreu retenções na fonte no montante total de € 919.712,92 e fez três pagamentos adicionais por conta no valor total de € 53.726,97.

 

Em 14 de julho de 2020, a Requerente apresentou a sua declaração modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2019, em que inscreveu: como resultado líquido do exercício o montante de € 2.744.514,14; como proveitos isentos de tributação os referidos rendimentos prediais, rendimentos de capitais e comissões no valor global de € 4.089.098,23; como gastos não dedutíveis associados aos rendimentos isentos, o valor de € 908.004,02; como gastos não dedutíveis nos termos previstos no artigo 23.º -A do Código do IRC, a quantia de 3.659,49; e como gastos com comissões de gestão o montante de 380.335,33.

Em consequência, a Requerente apurou um prejuízo fiscal de € 52.585,25

Todavia, a aplicação informática de submissão das declarações modelo 22 de IRC não permitiu à Requerente preencher os campos referentes às retenções na fonte sofridas nem aos pagamentos adicionais por conta feitos em 2019.

 

Por esta razão, na autoliquidação submetida eletronicamente, a Requerente não apurou qualquer valor a receber. Todavia, se a aplicação informática tivesse admitido a inscrição das retenções na fonte e dos pagamentos adicionais por conta, a Requerente teria apurado um montante a reembolsar de € 973.439,89.

 

Nesse sentido, a Requerente apresentou reclamação graciosa por erro na autoliquidação de IRC e de derrama relativos ao exercício de 2019, que foi objeto de decisão de indeferimento.

Como resulta, no entanto, da jurisprudência vertida nos acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 194/2019-T, 256/2019-T e 947/2019-T, a Requerente deve considerar-se abrangida pelo regime especial de apuramento do IRC previsto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais e não devia ter sofrido retenções na fonte nem efetuado os pagamentos adicionais por conta, pelo que o ato de autoliquidação é ilegal, por violação do disposto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais e nos artigos 90.º , n.º 2, alínea e), 105.º e 105.º -A do Código do IRC.

Autoridade Tributária, na sua resposta, refere que a opção legislativa de isentar de tributação os rendimentos de capitais, os rendimentos prediais e as mais-valias, nos termos do n.º 3 do artigo 22.º do EBF, tem como contrapartida a sujeição das entidades abrangidas pela isenção à tributação em imposto do selo, conforme a verba 29 da Tabela Geral do Imposto do Selo, e às taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC.

Encontrando-se os organismos de investimento coletivo residentes e não residentes sujeitos a modalidades diferentes de tributação, não é possível concluir que os regimes fiscais são genericamente comparáveis. E, por outro lado, para avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos rendimentos de capitais obtidos em Portugal por entidades não residentes é menos vantajoso do que o atribuído aos rendimentos abrangidos pelo artigo 22.º do EBF é necessário comparar a carga fiscal que onera uns e outros em relação ao mesmo tipo de investimentos.

E, assim, não pode dizer-se que o regime fiscal dos organismos de investimento colectivo não residentes, que não se contém em exclusivo no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, esteja em desconformidade com as obrigações que decorrem do artigo 63.º do TFUE.

Conclui pela improcedência do pedido arbitral.

2. No seguimento do processo, por despacho arbitral de 14 de abril de 2023, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações por não existirem novos elementos sobre que as partes se devam pronunciar.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 7 de dezembro de 2022.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.

 

A) A Requerente é a sucursal portuguesa da A... (anteriormente designada B...), um organismo de investimento coletivo imobiliário aberto, constituído em França, sob a forma de Société Civile de Placement Immobilier (SPCI) para o exercício da atividade de aquisição e gestão de património imobiliário destinado ao arrendamento (documentos n.ºs 3, 4 e 5 juntos com o pedido arbitral);

B) A Requerente é uma sociedade civil de capital variável que se rege pelos artigos 1832.º e seguintes do Código Civil Francês, pelos artigos L214 e R.214 do Código Monetário e Financeiro Francês e pelo Regulamento Geral da Autoridade dos Mercados Financeiros Francês, e, bem assim, pelo Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo consagrado na Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro (documento n.º 4):

C) A Requerente dedica-se ao investimento coletivo em património imobiliário, através da contribuição de vários investidores, de acordo com a política de investimento definida pela respetiva sociedade gestora e em obediência a um princípio de repartição de riscos (documentos 3 e 5);

D) A Requerente tem a sua atividade sujeita a autorização do regulador competente, a Authorité des Marchés Financiers (AMF), que lhe emitiu o visto S.P.C.I. n.º 12-14, de 24 de julho de 2012 (documento n.º 8);

E) A Requerente é gerida por uma sociedade gestora de fundos de investimento, a C..., matriculada no Registo de Comércio e de Sociedades de Paris sob o n.º..., autorizada e sujeita à supervisão da referida AMF (documentos n.ºs 3 a 8);

F) A Requerente é uma entidade equiparável às sociedades de investimento imobiliário de capital variável heterogeridas constituídas em Portugal nos termos previstos na Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, desempenha o mesmo papel económico que essas entidades, concorrendo com elas pela angariação de investimento da mesma natureza e oferecendo aos seus investidores o mesmo tipo de condições de mercado (documentos 6 e 7);

G) Em 24 de junho de 2020, a Requerente apresentou a sua declaração modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2019 (documento n.º 2);

H) Na autoliquidação, a Requerente inscreveu: como resultado líquido do exercício o montante de € 2.744.514,14; como proveitos isentos de tributação os referidos rendimentos prediais, rendimentos de capitais e comissões no valor global de € 4.089.098,23; como gastos não dedutíveis associados aos rendimentos isentos, o valor de € 908.004,02; como gastos não dedutíveis nos termos previstos no artigo 23.º -A do Código do IRC, a quantia de € 3.659,49; como gastos com comissões de gestão o montante de € 380.335,33 (documento n.º 2).

I) Em consequência, a Requerente apurou um prejuízo fiscal de € 52.585,25.

J) Todavia, a aplicação informática de submissão das declarações modelo 22 de IRC não permitiu à Requerente preencher os campos referentes às retenções na fonte sofridas nem aos pagamentos adicionais por conta feitos em 2019.

L) Por esta razão, na autoliquidação submetida eletronicamente, a Requerente não apurou qualquer valor a receber, como resulta do seguinte quadro:

 

Resultado líquido do período

2 744 514 14 €

Rendimentos isentos (art. 22.º EBF)

4 089 098 23 €

Gastos não dedutíveis (art. 22.º EBF)

 

908 004 02 €

Gastos não dedutíveis            (

art. 23-A.º CIRC)

3 659 49 €

Gastos com comissões de gestão

 380 335 33 €

Prejuízo fiscal

          52 585 25 €

IRC (excluindo derramas)

 

                                   €

Derrama estadual

                                   €

Derrama municipal

                                   €

Coleta total

                                   €

Retenções na fonte

                                   €

Pagamentos por conta

                                    €

Valor a pagar/reembolsar

                                    €

       

 

M) Todavia, se a aplicação informática tivesse admitido a inscrição das retenções na fonte e dos pagamentos adicionais por conta, a Requerente teria apurado um montante a reembolsar de € 973.439,89, conforme o quadro seguinte:

 

Resultado líquido do período

€ 2 744 514,14

Rendimentos isentos (art. 22.º EBF)

€ 4 089 098,23

Gastos não dedutíveis (art. 22.º EBF)

€ 908 004,02

Gastos não dedutíveis (art. 23-A.º CIRC)

         € 3 659,49

Gastos com comissões de gestão

 € 380 335,33

Prejuízo fiscal

       € 52 585,25

IRC (excluindo derramas)

                         €

Derrama estadual

                         €

Derrama municipal

                         €

Coleta total

                       €

Retenções na fonte

               € 919 712,92

Pagamentos por conta

         € 53 726,97          

 

Valor a receber                                                                   € 973 439,89

N) A Requerente apresentou reclamação graciosa contra o ato de autoliquidação, por entender que lhe devia ser aplicado o regime especial consignado no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais;

O) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Diretor de finanças da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 15 de junho de 2022 (documento n.º 1);

P) A reclamação graciosa foi indeferida com os fundamentos que constam do documento n.º 1, que aqui se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

II - Análise e parecer

10. A presente reclamação prende-se com o facto de a Reclamante alegar, que se viu impossibilitada de declarar na Mod. 22 no quadro 10, no campo 359, o valor das quantias retidas na nomeadamente, no valor de €919.712,92, vindo em DA de 07-05-2021, entrada GPS 202 t E0009..., corrigir e indicar que o valor a reembolsar seria de € 1.010.398,36, o que consubstancia uma ampliação do pedido e que mantem neste DA de 05-05-2022 (entrada GPS 2022E001...).

11. Relativamente ao montante dos pagamentos por conta feitos em 2019 no valor de €53.726,97 e solicitados, os mesmos já tinham sido restituídos em janeiro de 2021, conforme indicado em projeto de decisão e na informação complementar com novo DA, concordando a Reclamante quanto a este ponto.

12. Por sua vez, vem nesta sede discordar quanto ao decidido no que diz respeito ao valor das quantias retidas na fonte, a considerar na sua modelo 22 de IRC de 2019, considerando estar enquadrada no art.º 22.º do EBF.

13. Ora conforme referido na Informação complementar com novo DA, foi solicitado sancionamento Superior, quanto ao teor do referido projeto de decisão à DSIRC, tendo esta DS informado de que devem os Serviços proceder como até aqui, aplicando as normas dos n.ºs 1 e 3 do artigo 22.º EBF apenas aos fundos de investimento constituam de acordo com a legislação nacional, por forma a garantir uma atuação coerente da AT (…)”

14. De referir, que do pedido e da resposta à DS de IRC, consta os processos do CAAD n.º 194/2019-T (IRC/2015), n.º 256/2019-T (IRC/2017) e n.º 947/2019-T (IRC/2016), fazendo parte integrante do processo da informação complementar com novo DA e da presente informação.

15. Nesta medida e considerando que a reclamante é uma sucursal portuguesa da A... um organismo de investimento coletivo, constituído em França, e não se enquadrando no âmbito cio regime legal do n.º 1 e n.º 3 do artº 22.º do EBF está obrigada a efetuar a retenção na fonte de IRC nos termos do n.º 10 do art.º 22.º do EBF, a contrario.

16. Acrescenta-se ainda que, por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1 do artigo 43.º Lei Geral Tributária, não assiste à reclamante o direito a juros indemnizatórios.

III - Conclusão

Face ao exposto, atendendo a que a reclamante não apresentou elementos suscetíveis de alterar o da decisão projetada, propõe-se sua convolação em definitiva, no sentido do INDEFERIMENTO do pedido.

Q) A Requerente foi notificada da decisão de indeferimento em 24 de junho de 2022.

 R) A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral em 22 de setembro de 2022.

 

Factos não provados

 

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.

 

            Matéria de direito

 

5. A Requerente considera que o ato de autoliquidação em IRC e a decisão de indeferimento de reclamação graciosa contra ele deduzida é ilegal, por violação do disposto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) e nos artigos 90.º, n.º 2, alínea e), 105.º e 105.º -A do Código do IRC, baseando esse seu entendimento nos acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 194/2019-T, 256/2019-T e 947/2019-T, em que a Requerente deduzira igualmente pedido arbitral relativamente à mesma questão mas com referência a outros períodos de tributação.

A Autoridade Tributária contrapõe que o regime de tributação previsto no artigo 22.º do EBF, no sentido literal do seu n.º 1, não é aplicável a uma pessoa coletiva que opere no território nacional e analisa a questão do ponto de vista do princípio da liberdade de circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE, concluindo que não há desconformidade da norma do EBF com o direito da União Europeia.

 

O citado artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de Janeiro, na parte que mais interessa considerar, dispõe o seguinte:

 

Artigo 22.º

Organismos de Investimento Coletivo

1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

4 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos 12 períodos de tributação posteriores, aplicando -se o disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRC.

5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.

6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.

            (…).

 

Como resulta, em especial, do disposto nos n.ºs 3 e 6, as entidades referidas no n.º 1, beneficiam de um regime consideravelmente mais favorável que o regime geral de tributação em IRC, porquanto não são considerados, para efeitos do apuramento do lucro tributável, os rendimentos de capitais, os rendimentos prediais e mais-valias, além de que essas entidades estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.  Por outro lado, nos termos do transcrito n.º 1, o benefício fiscal assim estabelecido aplica-se aos organismos de investimento coletivo que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, o que conduz a afastar, numa interpretação literal do preceito, os organismos equiparáveis que operem no território nacional segundo o direito interno mas tenham sido constituídos segundo legislação de um outro Estado-Membro da União Europeia.

 

A exigência cumulativa de os organismos de investimento coletivo terem sido constituídos e atuarem de acordo com a legislação nacional, tal como resulta dessa disposição, não permite efetuar uma interpretação conforme ao direito europeu, em termos de se entender que o âmbito de incidência subjetiva da norma poderia abranger os organismos de investimentos coletivo que operem em Portugal ainda que se tenham constituído segundo o direito de um outro Estado-Membro. Isso porque uma interpretação conforme apenas tem lugar se for admissível à luz das regras de hermenêutica jurídica, ou seja, se essa for uma das interpretações plausíveis da norma de direito interno, sob pena de a interpretação se converter em verdadeira modificação do sentido da lei.

 

Não sendo possível interpretar o artigo 22.º do EBF no sentido de que se aplica a entidades não residentes, uma vez que essa norma se refere expressamente a fundos de investimento imobiliário que se “constituam e operem de acordo com a legislação nacional”, também não é possível afirmar que o ato de autoliquidação impugnado e a decisão de indeferimento de reclamação graciosa são ilegais, por violação dessa mesma disposição de direito interno quando interpretada em conformidade com o direito europeu.

 

 A questão carece de ser analisada, por conseguinte, à luz da violação do princípio da liberdade de circulação de capitais e foi com base nesse enquadramento que se pronunciaram os citados acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 194/2019-T, 256/2019-T e 947/2019-T.

 

6. No caso, como resulta da matéria de facto tida como assente, a Requerente é sucursal portuguesa de um organismo de investimento coletivo imobiliário aberto, constituído em França, sob a forma de Société Civile de Placement Immobilier, constituída ao abrigo do direito francês, desempenhando em Portugal o mesmo papel económico que as sociedades de investimento imobiliário de capital variável heterogeridas, efetuando a angariação de investimento da mesma natureza e oferecendo aos seus clientes o mesmo tipo de condições de mercado.

 

Embora a Requerente não alegue diretamente que a norma do artigo 22.º, n.º 1, do EBF se torna incompatível com o princípio da liberdade de circulação de capitais, consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, ao remeter para a jurisprudência arbitral já referida está a admitir a sua aplicação ao caso concreto em análise.

 

O artigo 63.º proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais, bem como todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. O artigo 65.º consigna, todavia, que o artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido (n.º 1), esclarecendo o n.º 3, em todo o caso, que essa possibilidade não deve constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.

 

Em relação à liberdade de circulação de capitais a que se refere o artigo 63.º do TFUE, o TJUE esclareceu já o seu âmbito de aplicação, em caso similar ao dos presentes autos, através do acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Abril de 2014, proferido no Processo n.º C-190/12 de onde se extraem os seguintes considerandos:

 

38. Importa recordar, antes de mais, que, embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C 338/11 a C 347/11, n.º 14 e jurisprudência referida).

39. A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.º, n.º 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são de molde a dissuadir os não residentes de investirem num Estado-Membro ou a dissuadir os residentes desse Estado-Membro de investirem noutros Estados (acórdãos de 18 de dezembro de 2007, A, C-101/05, Colet., p. I-11531, n.º 40; de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C-436/08 e C-437/08, Colet., p. I-305, n.º 50; e Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.º 15).

40. No caso vertente, a isenção fiscal prevista pela legislação fiscal nacional em causa no processo principal era concedida unicamente aos fundos de investimento que exerciam a sua atividade em conformidade com a Lei sobre os fundos de investimento.

41. Resulta igualmente da decisão de reenvio que, nos termos da legislação nacional em causa no processo principal, os fundos de investimento só beneficiam da isenção na condição de a sua sede se situar em território polaco. Por conseguinte, os dividendos pagos a fundos de investimento não residentes não podiam beneficiar, apenas devido ao local de estabelecimento desses fundos, da isenção da retenção na fonte, mesmo que esses dividendos pudessem eventualmente ser objeto de uma redução da taxa de tributação ao abrigo de uma convenção preventiva da dupla tributação.

42. Ora, uma tal diferença de tratamento fiscal dos dividendos entre os fundos de investimento residentes e os fundos de investimento não residentes é suscetível de dissuadir, por um lado, os fundos de investimento estabelecidos num país terceiro de adquirirem participações em sociedades estabelecidas na Polónia e, por outro, os investidores que residem nesse Estado-Membro de adquirirem participações em fundos de investimento não residentes (v., neste sentido, acórdão Santander Asset Management SGIIC e o, já referido, n.º 17).

43. Daqui resulta que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é de molde a conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE.

 

Com base nesta jurisprudência, e em situação em tudo idêntica à do presente caso, ainda que referente a um outro período de tributação, os citados acórdãos arbitrais proferidos nos Processos n.º 194/2019-T, 256/2019-T e 947/2019-T formularam o entendimento segundo o qual o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, ao circunscrever o regime de tributação constante do n.º 3 (que isenta para efeitos do apuramento do lucro tributável os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS  relativamente a fundos e sociedades de investimento imobiliário que constituem e operem de acordo com a legislação nacional) viola o princípio da liberdade de circulação de capitais.

 

A argumentação adotada nessas decisões arbitrais é inteiramente transponível para a situação do presente caso.

 

Como resulta do ponto II e notas explicativas da nomenclatura anexa à Diretiva 88/361/CEE, o conceito de movimentos de capitais, para efeito da liberdade de circulação a que refere o artigo 63.º do TFUE, abrange os investimentos imobiliários (cfr. considerandos 21 e 22 do acórdão do TJUE de 16 de março de 1999, no Processo C-222/97).

 

O artigo 22.º, n.º 1, do EBF, ao circunscrever o regime de tributação constante do n.º 3 aos fundos e sociedades de investimento imobiliário que constituem e operem de acordo com a legislação nacional, estabelece um regime mais gravoso para as entidades equiparáveis que operem no território nacional mas se tenham constituído segundo o direito de um outro Estado-Membro, sem que tenha sido apresentada qualquer justificação para esse tratamento discriminatório.

 

Segundo o disposto no artigo 65.º, n.º 3, do TFUE, os Estados-Membros podem estabelecer distinções em matéria fiscal entre sujeitos passivos que não se encontrem em idêntica situação em função do lugar da nacionalidade ou residência desde que não implique uma discriminação arbitrária ou uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.

 

Havendo de entender-se que a diferença de tratamento na legislação fiscal nacional, em relação à livre circulação de capitais, apenas é compatível com as disposições do Tratado se respeitarem a situações objetivamente não comparáveis ou se se justificar por razões imperiosas de interesse geral (cfr. considerando 58 do acórdão de 10 de fevereiro de 2011, nos Processos C-436/08 e C-437/08).

 

De acordo com o disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições são aplicáveis na ordem interna, e nesse sentido prevalecem sobre as normas do direito nacional, motivo por que os tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que se encontre em desconformidade com o direito europeu (cfr., entre outros, o acórdão do STA de 1 de Julho de 2015).

 

Não se encontrando demonstrada qualquer justificação para a discriminação de tratamento entre entidades residentes e não residentes em território nacional, o ato de autoliquidação em IRC impugnado e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ele apresentado são ilegais por assentarem em disposição legal que viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE.

 

            Juros indemnizatórios

 

7. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

No entanto, em caso de retenção na fonte, o erro imputável aos serviços, que justifica a obrigação de juros indemnizatórios, apenas opera, quando haja lugar a reclamação graciosa, com o indeferimento pela Autoridade Tributária da impugnação administrativa (cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno do STA de 18 de janeiro de 2017, Processo n.º 0890/16, e de 29 de junho de 2022, Processo n.º 093/21). E, assim, o termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios apenas se constitui, na situação do caso, em 15 de junho de 2022.

 

Resta considerar que não tem cabimento a alegação da Requerida no sentido de que o direito a juros indemnizatórios se enquadra no disposto o artigo 43.º, n.º 1, alínea c), da LGT. Esta norma é aplicável quando a revisão oficiosa do ato tributário, por iniciativa do contribuinte, se efetuar mais de um ano após o pedido, caso em que os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada (acórdãos do STA de 27 de fevereiro de 2019, Processo n.º 022/18, de 3 de julho de 2019, Processo n.º 04/19, e de 29 de junho de 2022, Processo n.º 093/21).

 

Não é esse caso - como se deixou exposto -, quando haja lugar a reclamação graciosa e seja declarado, em impugnação judicial, a existência de erro imputável aos serviços.

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos tributários de retenção na fonte ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, desde 15 de junho de 2022, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

III - Decisão

Termos em que se decide:

a)  Julgar procedente o pedido arbitral e anular o ato de autoliquidação de IRC impugnado, referente ao ano de 2019, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra esse ato de liquidação;

b) Condenar a Administração Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e pagamento de juros indemnizatórios desde 15 de junho de 2022 até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Valor da causa

 

Fixa-se o valor da causa no montante de € 1.010.398,36, que corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 14.076,00, que fica a cargo da Requerida.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 2 de maio de 2023,

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

Marcolino Pisão Pedreiro

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

Martins Alfaro