Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 560/2020-T
Data da decisão: 2021-11-12  ISV  
Valor do pedido: € 12.021,00
Tema: ISV - Artigo 11º do CISV – Conformidade com o artigo 110º do TFUE – Veículos usados provenientes de outros Estados-Membros; Prazo de apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral.
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SUMÁRIO:

 

1. Na medida em que sujeita os veículos usados importados de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior ao do imposto residual contido nos veículos usados similares transacionados no mercado nacional, a norma do artigo 11.º do CISV, na redação anterior à conferida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31/12, mostra-se incompatível com o Direito da União Europeia, por violação do artigo 110.º do TFUE.

2. Do princípio do primado do Direito da União Europeia   resulta que a Requerida tem o dever  de recusar a aplicação de normas nacionais contrários àquele ordenamento jurídico, pelo que  se  encontra ferido de ilegalidade um ato tributário praticado ao abrigo da referida  norma do CISV, na medida da sua incompatibilidade com o artigo 110.º do TFUE, constituindo  erro de direito a liquidação efetuada pela Requerida com base no regime nacional em causa,  enquadrável  no conceito de “erro imputável aos serviços”.

3.Do artigo 20.º, n.º 1, do CPPT, aplicável  ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, decorre que o prazo para apresentação  do pedido de constituição de tribunal arbitral é um prazo substantivo,  que segue as regras previstas no artigo 279.º do Código Civil, não se suspendendo durante as férias judiciais.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

1.No dia 19.10.2020, a  Requerente, A... Unipessoal, Lda., pessoa coletiva nº..., com sede na Rua ..., concelho de Guimarães, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à declaração de ilegalidade e anulação parcial das liquidações de imposto sobre veículos (doravante “ISV”), adiante identificadas no ponto 11.3 do probatório.

 

2.Entende a Requerente que as liquidações correspondentes às  Declarações Aduaneiras de Veículo  com os números  2020/...; 2019/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2019/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2019/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2019/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020...; 2019/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/... devem ser anuladas parcialmente nos valores, respetivamente, de 41,20€; 492,00€; 561,28€; 84,31€; 352,21€; 128,88€; 305,25€; 206,17€; 777,49€; 586,72€; 33,33€; 678,76€; 381,56€; 155,57€; 178,68€; 18,02€; 178,68€; 28,91€; 638,22€; 431,72€; 251,40€; 101,30€; 352,21€; 221,53€; 88,86€; 102,20€; 155,17€; 1.214,17€; 1.745,78€; 715,72€; 381,56€; 120,27€; 120,27€; 159,75€ e 31,85€, no total de €12.021,00.

 

 

3- A  Requerente alegando ter pagado o valor das liquidações  em causa, pede também o reembolso da quantia de €12.021,00,  bem como a  condenação da  Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 14 de janeiro de 2021.

Por despacho de 06.09.2021, nos termos previstos no art.º 21.º, nº 2 do  RJAT, foi  prorrogado por dois meses o prazo para emissão e notificação da decisão arbitral.

 

5. O fundamento apresentado pela Requerente para sustentar a ilegalidade das liquidações e peticionar a  anulação parcial das mesmas diz respeito ao cálculo para efeitos de tributação da  componente ambiental ou CO2, porquanto entende que a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – artigo 11º do CISV – , ao não estabelecer, quanto aos veículos usados, uma percentagem de redução pelo tempo de uso, à semelhança do estabelecido para a componente cilindrada,  viola o artigo 110º do TFUE (Tratado de Funcionamento da União Europeia).

 

6. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por exceção e por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

Por exceção,

 

Relativamente às liquidações resultantes das DAV n.ºs 2019/..., n.º 2019/..., 2019/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/... e 2020/..., o presente pedido de pronúncia arbitral foi deduzido extemporaneamente.

 

Isto porque:

- A liquidação n.º 2020/..., de 15.06.2020, foi notificada ao sujeito passivo, ora Requerente, através da DAV n.º 2019/..., de 18.06.2020, cujo termo de prazo para pagamento terminou em 29.06.2020. 

- A liquidação n.º 2020/..., de 09.04.2020, foi notificada ao sujeito passivo através da DAV n.º 2019/..., de 16.04.2020, cujo termo de prazo para pagamento terminou em 27.04.2020.

- A liquidação n.º 2020/..., de 30.05.2020, foi notificada ao sujeito passivo através da DAV n.º 2019/..., de 03.06.2020, cujo termo de prazo para pagamento terminou em 16.06.2020.

-A liquidação n.º 2020/..., de 08.07.2020, foi notificada ao sujeito passivo através da DAV n.º 2020/..., de 10.07.2020, cujo termo de prazo para pagamento terminou em 22.07.2020.

-A liquidação n.º 2020/..., de 29.04.2020, de 15.06.2020, foi notificada ao sujeito passivo através da DAV n.º 2020/..., de 04.05.2020, cujo termo de prazo para pagamento terminou em 14.05.2020.

-A liquidação n.º 2020/..., de 28.05.2020, foi notificada ao sujeito passivo através da DAV n.º 2020/..., de 30.05.2020, cujo termo de prazo para pagamento terminou em 15.06.2020.

- A liquidação n.º 2020/..., de 30.06.2020, foi notificada ao sujeito passivo através da DAV n.º 2020/..., de 02.07.2020, cujo termo de prazo para pagamento terminou em 14.07.2020.

-A liquidação n.º 2020/..., de 29.06.2020, foi notificada ao sujeito passivo através da DAV n.º 2020/..., de 02.07.2020, cujo termo de prazo para pagamento terminou em 13.07.2020.

-A liquidação n.º 2020/..., de 07.05.2020, foi notificada ao sujeito passivo através da DAV n.º 2020/..., de 11.05.2020, cujo termo de prazo para pagamento terminou em 21.05.2020.

-A liquidação n.º 2020/..., de 04.06.2020, foi notificada ao sujeito passivo, ora Requerente, através da n.º DAV 2020/..., de 09.06.2020, cujo termo de prazo para pagamento terminou em 22.06.2020.

- A liquidação n.º 2020/..., de 15.04.2020, foi notificada ao sujeito passivo através da DAV n.º 2020/..., de 04.05.2020, cujo termo de prazo para pagamento terminou em 29.04.2020.

-A liquidação n.º 2020/..., de 19.06.2020, foi notificada ao sujeito passivo, ora Requerente, através da DAV n.º 2020/..., de 01.07.2020, cujo termo de prazo para pagamento terminou em 03.07.2020.

-A  liquidação n.º 2020/..., 31.03.2020, foi notificada ao sujeito passivo através da DAV n.º 2020/..., de 02.04.2020, cujo termo de prazo para pagamento terminou em 15.04.2020.

-A liquidação n.º 2020/..., de 11.05.2020, foi notificada ao sujeito passivo através da DAV n.º 2020/..., de 15.03.2020, cujo termo de prazo para pagamento terminou em 25.05.2020.

-A liquidação n.º 2020/..., de 02.06.2020, foi notificada ao sujeito passivo através da DAV n.º 2020/..., de 09.06.2020, cujo termo de prazo para pagamento terminou em 18.06.2020.

-A A liquidação n.º 2020/..., de 08.06.2020, foi notificada ao sujeito passivo através da DAV n.º 2020/..., de 09.06.2020, cujo termo de prazo para pagamento terminou em 24.06.2020.

-A liquidação n.º 2020/..., de 07.05.2020, foi notificada ao sujeito passivo através da DAV n.º 2020/..., de 11.05.2020, cujo termo de prazo para pagamento terminou em 21.05.2020.

- A liquidação n.º 2020/..., de 12.05.2020, foi notificada ao sujeito passivo através da DAV n.º 2020/..., de 14.05.2020, cujo termo de prazo para pagamento terminou em 26.05.2020.

 

-A liquidação n.º 2020/..., de 23.06.2020, foi notificada ao sujeito passivo através da DAV n.º 2020/..., de 26.06.2020, cujo termo de prazo para pagamento terminou em 07.07.2020.

-A liquidação n.º 2020/..., de 18.06.2020, foi notificada ao sujeito passivo através da DAV n.º 2020/..., de 23.06.2020, cujo termo de prazo para pagamento terminou em 02.07.2020.

 

Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Regime da Arbitragem Tributária, em conjugação com o n.º 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral é de 90 dias, contados a partir do termo do prazo para pagamento da prestação tributária, que, quanto às liquidações em causa, ocorreram nas datas acima indicadas.

 

Face à omissão, no Regime da Arbitragem Tributária, de norma que disponha sobre as regras de contagem dos prazos, haverá que recorrer ao direito subsidiário, conforme o disposto no artigo 29.º, n.º 1, do mesmo regime, designadamente nos termos da alínea a) do mesmo preceito, às normas do código de procedimento e de processo tributário aplicáveis à interposição de impugnação judicial.

 

Assim, dispõe o artigo 20.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que à interposição de impugnação judicial é aplicável o disposto no artigo 279.º do Código Civil.

 

Deste modo, sendo o prazo para dedução de pedido de constituição de tribunal arbitral (prazo de propositura da ação) contínuo, não sofrendo qualquer suspensão ou interrupção em virtude de férias judiciais (o que é corroborado pela jurisprudência do CAAD, designadamente pelo vertido  nas decisões proferidas nos Processos n.ºs 35/2012-T, 9/2014-T e 845/2014-T), no presente caso, quanto às identificadas liquidações o mesmo terminou, respetivamente, em 27.09.2020, 01.09.2020, 14.09.2020, 10.10.2020, 01.09.2020, 13.09.2020, 12.10.2020, 11.10.2020, 01.09.2020, 20.09.2020, 01.09.2020, 01.10.2020, 01.09.2020, 01.09.2020, 16.09.2020, 22.09.2020, 01.09.2020, 01.09.2020, 05.10.2020 e 30.09.2020.

 

Ora, o pedido de constituição de tribunal arbitral só foi apresentado, por transmissão eletrónica de dados, em 19.10.2020, pelo que o mesmo, nesta parte, quanto às liquidações supra referenciadas, é manifestamente extemporâneo, verificando-se, pois, a exceção de caducidade do direito de ação, o que se invoca.

 

Por impugnação,

 

Da interpretação do artigo 110.º do TFUE, em conjugação com a que resulta do artigo 191.º do mesmo tratado, claramente se conclui que o modelo de tributação automóvel português, ao fazer incidir sobre os veículos ligeiros de passageiros, novos e usados, a componente ambiental, não pretende restringir a entrada de veículos em território nacional para proteger a produção nacional mas, tão só, direcionar as escolhas dos consumidores para a aquisição de veículos com menores emissões de dióxido de carbono, tendo  por fim último a proteção do ambiente, no estrito cumprimento dos princípios consagrados no artigo 191.º do TFUE.

 

Acrescendo que a interpretação defendida pela Requerente, posto que defende a aplicação de uma fórmula de cálculo com atribuição de uma redução não prevista na tabela D do artigo 11.º, acrescenta uma redução à componente ambiental que não está consagrada na letra lei, que não foi querida pelo legislador, consubstancia uma violação dos princípios constitucionais da legalidade e da justiça tributária, da igualdade e da certeza e segurança jurídica.

 

Por outro lado, ao defender a ilegalidade da liquidação, por entender que existe uma desconformidade do artigo 11.º do CISV com o artigo 110.º do TFUE, a Requerente, além de violar, por via de tal interpretação, os já referidos princípios, consagrados na nossa Lei Fundamental, viola ainda, por via da desaplicação do artigo 11.º do CISV, na redação em vigor, o princípio do direito à tutela jurisdicional efetiva.

 

De facto, tendo a Requerente recorrido à arbitragem tributária para impugnar a liquidação, a administração encontra-se coartada no seu direito de reação face aos limitados meios de recurso perante a prolação de uma decisão arbitral desfavorável, em geral e, concretamente, quanto ao recurso de decisão que desaplica norma nacional com fundamento em violação de princípio de direito da União Europeia.

 

No que concerne ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, diga-se que, ainda que venha a considerar-se que o pedido arbitral deva proceder, o que só por dever de raciocínio se concebe, não poderá aquele proceder.

 

De facto, o direito a juros indemnizatórios, consagrado no artigo 43.º da Lei Geral Tributária, pressupõe que se apure a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.

 

E, no caso concreto, não se verifica a existência de qualquer erro que possa ser imputável à administração tributária uma vez que a liquidação em causa nos presentes autos decorreu exclusivamente da aplicação da lei em vigor, tendo sido efetuada nos termos das normas aplicáveis previstas no CISV, que determinam a exigibilidade e consequente liquidação do imposto.

 

Estando a AT e os seus órgãos, vinculados, na sua atuação, ao princípio da legalidade, a Requerida AT agiu, sempre, em obediência àquele e em conformidade com o direito em vigor, não podendo ter agido de modo diverso, não devendo, consequentemente, ser-lhe atribuído qualquer erro que lhe seja imputável, nos termos do artigo 43.º da LGT, não assistindo, por conseguinte, à Requerente, o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

7.A Requerente respondeu por escrito à exceção suscitada, em síntese, nos termos seguintes:

Dispõe o artigo 3º-A do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária que “Os prazos para a prática de atos no processo arbitral contam-se nos termos do Código de Processo Civil.”,

Sendo que os prazos processuais se suspendem nas férias judiciais nos termos do artigo 138º, nº 1 do Código de Processo Civil.

Tendo o termo do prazo para pagamento da DAV com a data de vencimento mais antiga terminado a 15.05.2020, o prazo para impugnação da referida DAV terminaria a 19 de outubro de 2020.

Pelo que, salvo o devido respeito, o pedido de pronúncia arbitral apresentado a 19 de outubro de 2020, não pode deixar de ser considerado tempestivo e a invocada exceção de caducidade do direito à ação ser julgada improcedente.

 

Mesmo que assim não se entenda,

Na sua resposta, alega a Requerida que “A liquidação n.º 2020/..., de 08.07.2020, foi notificada ao sujeito passivo através da DAV n.º 2020/..., de 10.07.2020, cujo termo do prazo para pagamento terminou em 22.07.2020 (cf. Informação constante da mesma DAV)”.

Posteriormente é alegado que o prazo para dedução de pedido arbitral quanto a esta liquidação terminou a 10.10.2020.

Assim, contrariamente ao que afirma a Requerida, o termo do prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral relativamente a esta liquidação terminou a 20.10.2020 e não a 10.10.2020.

O pedido da requerente, tendo sido apresentado a 19.09.2020, é por isso temporâneo não se verificando a exceção de caducidade invocada pela Requerida.

 

8.Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada  a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.

Foi ainda dispensada a realização de alegações, nos termos do art. 18º, nº 2, do RJAT, “a contrario”.

 

9. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

 

10. Cumpre solucionar as seguintes questões:

 

a) Exceção de caducidade do direito de ação relativamente às  liquidações resultantes das DAV n.ºs 2019/..., n.º 2019/..., 2019/..., 2020/..., 2020/..., 2020..., 2020/..., 2020/..., 2020..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/... e 2020/....

b) Ilegalidade das liquidações e anulação parcial das mesmas.

c) Em caso de anulação parcial das liquidações, direito à restituição do imposto pago referente à parte  anulada.

E,

d) Direito da Requerente a juros indemnizatórios.

 

II – A matéria de facto relevante

 

11. Consideram-se provados os seguintes factos:

11.1. A Requerente dedica-se à aquisição de veículos automóveis usados provenientes de outros Estados-Membros da União Europeia.

11.2. No âmbito da sua atividade a Requerente adquiriu  vários veículos para revenda, tendo no cumprimento das suas obrigações legais, procedido   às  Declaração Aduaneiras de Veículo com os números: 2020...; 2019/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2019/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2019/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2019/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2019/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/...; 2020/....

11.3. As Declaração Aduaneiras de Veículo referidas deram origem as  liquidações de ISV, nos montantes e com os prazos de pagamento que se seguem:

DAV

Nº LIQUIDAÇÃO

MONTANTE DO IMPOSTO

TERMO DE PRAZO PARA PAGAMENTO

1

2020/...

2020/...

234,65€

2020-04-15

2

2019/...

2020/...

1.812,60€

2020-04-27

3

2020/...

2020/...

2.730,90€

2020-05-14

4

2020/...

2020/...

1.962,86€

2020-04-29

5

2020/...

2020/...

1.309,04€

2020-05-21

6

2020/...

2020/...

827,12€

2020-05-21

7

2020/...

2020/...

 

1.787,51€

2020-05-25

8

2020/...

2020/...

1.065,65€

2020-05-26

9

2020/...

2020/...

4.383,27€

2020-06-15

10

2019/...

2020/...

3.896,19€

2020-06-16

11

2020/...

2020/...

204,89€

2020-06-18

12

2020/...

2020/...

2.505,81€

2020-06-24

13

2020/...

2020/...

1.394,81€

2020-08-22

14

2019/...

2020/...

922,42€

2020-06-29

15

2020/...

2020/...

 

1.210,06€

2020-07-02

16

2020/...

2020/...

185,48€

2020-07-07

17

2020/...

2020/...

1.210,06€

2020-07-03

18

2020/...

2020/...

1.382,80€

2020-07-14

19

2020/...

2020/...

4.580,09€

2020-07-13

20

2020/...

2020/...

2.733,68€

2020-07-22

21

2019/...

2020/...

1.567,84

3.197,10 €

2020-07-21

22

2020/...

2020/...

1.302,64€

2020-07-29

23

2020/...

2020/...

1.587,43€

2020-07-29

24

2020/...

2020/...

1.544,08€

2020-07-31

25

2020/...

2020/...

684,17€

2020-07-30

26

2020/...

2020/...

731,82€

2020-07-31

27

2020/...

2020/...

1.487.87€

2020-08-18

28

2019/...

2020/...

3.830,73€

2020-09-18

29

2020/...

2020/...

 

7.937,73€

2020-09-21

30

2020/...

2020/...

4.239,61€

2020-09-25

31

2020/...

2020/...

1.462,37€

2020-10-06

32

2020/...

2020/...

1.516,92€

2020-10-09

33

2020/...

2020/...

1.516,92€

2020-10-13

34

2020/...

2020/...

1.687,08€

2020-10-13

35

2020/...

2020/...

1.943,05€

2020-10-22

 

11.4. Notificada das liquidações, a Requerente  pagou  os respetivos montantes.

11.5. No Quadro R das referidas Declaração Aduaneiras de Veículo, relativo ao cálculo do ISV, verifica-se que o cálculo deste imposto foi efetuado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, com recurso à aplicação da tabela prevista no art. 7º do Código do ISV aplicável aos veículos ligeiros de passageiros (Tabela A), tendo-se apurado para cada um dos veículos o montante de imposto a pagar.

11.6. Na componente cilindrada foi aplicada uma percentagem de redução pelo número de anos dos veículos, para efeitos dos Escalões da Tabela D, prevista no nº 1, do artigo 11º do Código do ISV.

11.7. À componente ambiental não foi aplicada uma percentagem de redução pelo número de anos dos veículos.

11.8. Caso houvesse sido adotada a percentagem de redução pelo número de anos dos veículos, a mesma seria a que consta da tabela seguinte:

 

 

Nº DAV

Nº LIQUIDAÇÃO

MONTANTE DO IMPOSTO

MONTANTE COMPONENTE AMBIENTAL

PERCENTAGEM DE REDUÇÃO

REDUÇÃO

COMPONENTE AMBIENTAL

1

2020/...

2020/...

234,65€

147,16€

28%

41,20€

2

2019/...

2020/...

1.812,60€

946,16€

52%

492,00€

3

2020/...

2020/...

2.730,90€

1.305,31€

43%

561,28€

4

2020/...

2020/...

1.962,86€

301,10€

28%

84,31€

5

2020/...

2020/...

1.309,04€

587,01€

60%

352,21€

6

2020/...

2020/...

827,12€

460,29€

28%

128,88€

7

2020/...

2020/...

 

1.787,51€

587,01€

52%

305,25€

8

2020/...

2020/...

1.065,65€

343,62€

60%

206,17€

9

2020/...

2020/...

4.383,27€

1.808,12€

43%

777,49€

10

2019/...

2020/...

3.896,19€

2.095,44€

28%

586,72€

11

2020/...

2020/...

204,89€

119,05€

28%

33,33€

12

2020/...

2020/...

2.505,81€

1.305,31€

52%

678,76€

13

2020/...

2020/...

1.394,81€

587,01€

65%

381,56€

14

2019/...

2020/...

922,42€

555,59€

28%

155,57€

15

2020/...

2020/...

 

1.210,06€

343,62€

52%

178,68€

16

2020/...

2020/...

185,48€

90,10€

20%

18,02€

17

2020/...

2020/...

1.210,06€

343,62€

52%

178,68€

18

2020/...

2020/...

1.382,80€

67,24€

43%

28,91€

19

2020/...

2020/...

4.580,09€

2.279,34€

28%

638,22€

20

2020/...

2020/...

2.733,68€

1.233,48€

35%

431,72€

21

2019/...

2020/...

2020/...

 

4.764,94€

2.514,00€

10%

251,40€

22

2020/...

2020/...

1.302,64€

194,80€

52%

101,30€

23

2020/...

2020/...

1.587,43€

587,01€

60%

352,21€

24

2020/...

2020/...

1.544,08€

515,18€

43%

221,53€

25

2020/...

2020/...

684,17€

317,34€

28%

88,86€

26

2020/...

2020/...

731,82€

364,99€

28%

102,20€

27

2020/...

2020/...

1.487.87€

443,35€

35%

155,17€

28

2019/...

2020/...

3.830,73€

2.023,61€

60%

1.214,17€

29

2020/...

2020/...

 

7.937,73€

4.987,95€

35%

1.745,78€

30

2020/...

2020/...

4.239,61€

1.664,46€

43%

715,72€

31

2020/...

2020/...

1.462,37€

587,01€

65%

381,56€

32

2020/...

2020/...

1.516,92€

343,62€

35%

120,27€

33

2020/...

2020/...

1.516,92€

343,62€

35%

120,27€

34

2020/...

2020/...

1.687,08€

371,52€

43%

159,75€

35

2020/...

2020/...

1.943,05€

318,48€

10%

31,85€

 

 

Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados.

 

12. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, que não foram objeto de impugnação por nenhuma das partes, bem como da posição da Requerida relativamente aos factos alegados pela Requerente que não  foram contestados, antes emergindo concordância das partes relativamente à matéria de facto alegada pela Requerente, restringindo-se o desacordo, em exclusivo, a matéria de direito.

 

-III- O Direito aplicável

 

 

13. Da Caducidade do direito de ação.

 

Veio a Requerida alegar a extemporaneidade do pedido no que respeita às liquidações resultantes das DAV(S) n.ºs 2019/..., n.º 2019/..., 2019/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/... e 2020/..., invocando que o pedido de pronuncia  arbitral foi apresentado apara além do prazo de 90 dias  contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das liquidações.

 

A Requerente sustenta a improcedência da exceção alegando que o prazo de propositura da ação arbitral se suspendeu em férias judiciais, invocando, em abono da sua posição, o art. 17º-A do RJAT.

Ao invés, a Requerida considera que o prazo para dedução de pedido de constituição de tribunal arbitral é contínuo, não sofrendo qualquer suspensão ou interrupção em virtude de férias judiciais.

 

Entendemos que a razão está do lado da Requerida.

Com efeito, não constando do Regime da Arbitragem Tributária norma específica sobre a  contagem do prazo de apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral  haverá que recorrer ao direito subsidiário, conforme o disposto no artigo 29.º, n.º 1, do mesmo regime.

Ora, como bem refere a Requerida, decorre do artigo 20.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que à interposição de impugnação judicial é aplicável o disposto no artigo 279.º do Código Civil, pelo que o prazo não se suspendeu durante o período de férias judicias.

 

De resto, é  este o entendimento consensual quer da doutrina, quer da jurisprudência (Cfr. decisões proferidas nos processos arbitrais n.ºs 35/2012-T, de 11 de Dezembro de 2012,  9/2014-T  de 16 de Junho de 2014 845/2014-T, de 30 de Outubro de 2015, n.º165 /2020-T, de 22 de Janeiro de 2021 e  419/2020-T, de 3 de maio de 2021. Na doutrina vide Jorge Lopes de Sousa, Guia da arbitragem tributária, Revisto e atualizado, Almedina, 2ª Ed., 2017, pag. 169 e Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Almedina,  2016, pags. 169-170).

 

Procede, pois a exceção de caducidade do direito de ação relativamente às liquidações apontadas pela Requerida, com exceção da   liquidação n.º 2020/..., de 08.07.2020, cujo termo de prazo para pagamento ocorreu em 22.07.2020 (como a própria Requerida refere). Tendo o pedido sido apresentado em 19.10.2020 é manifesto que, relativamente a esta liquidação,  o pedido foi apresentado no prazo previsto na lei.

Assim sendo verifica-se a caducidade do direito de ação relativamente às liquidações resultantes das DAV n.ºs 2019/..., n.º 2019/..., 2019/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/..., 2020/...e 2020/..., no valor total de 5827,24, absolvendo-se a Requerida da instância, nesta parte (art. 89.º, n.º 2, e n.º 3, al. k), do CPTA, aplicável  ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, tendo em conta a natureza do caso omisso e a especial proximidade de natureza entre a impugnação de atos administrativos em geral e a impugnação de atos tributários de liquidação, categoria especial de atos administrativos).

 

Assim, o Tribunal irá seguidamente debruçar-se sobre a questão da ilegalidade das demais  liquidações objeto do processo.

 

14. Escreveu-se na decisão arbitral proferida no processo 572/2018-T[1], designadamente, o seguinte:

 

“6.47. Em sede de ISV, existe um longo percurso no que diz respeito às questões que a Comissão Europeia tem levantado ao Estado Português em matéria de legalidade das normas nacionais, nomeadamente, quanto à carga fiscal incidente sobre os veículos usados.

6.48. Com efeito, essa legalidade foi muito cedo questionada pela Comissão Europeia, ainda no âmbito do Imposto Automóvel, porquanto esta entendia que as normas portuguesas então vigentes não observavam o disposto no artigo 95º do Tratado de Roma e, sendo necessário que Portugal perdesse o seu carácter protecionista, era imprescindível que o montante de imposto fosse idêntico ao remanescente do imposto incorporado no preço dos veículos usados similares, comercializados no mercado português, remanescente esse a calcular a partir da percentagem da depreciação do valor desses veículos.

(…).

6.66. Não obstante as disposições internas, e como já vimos, o artigo 110º do TFUE (na esteira do artigo 90º do Tratado de Roma), preceitua que “nenhum EM fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente sobre produtos nacionais similares”.

6.67. Sobre a interpretação deste artigo face aos direitos nacionais já o TJUE se pronunciou por diversas vezes precisando o seu alcance dado que a admissão nos mercados nacionais de veículos automóveis portadores de placa de matrícula definitiva de outros Estados membros, isto é de veículos usados, rege-se exclusivamente pelo direito nacional, não podendo, todavia, tal direito contrariar os princípios em que se alicerça o funcionamento da UE.

6.68. Por isso, dentro da liberdade conformadora que o legislador nacional dispõe para modelar o imposto de forma a proceder à sua cobrança de forma exequível e eficaz, é necessário ter em conta, para além da opinião da Comissão Europeia, enquanto entidade a quem cabe zelar pelo respeito pelo Tratado, a jurisprudência comunitária que se vai produzindo.

6.69. E tanto assim é que em conformidade com o documento anexado pela Requerida com as suas alegações escritas se percebe que o Estado Português, interpelado pela Comissão Europeia em 2009/2010, quanto à forma como eram tributados os veículos usados admitidos em Portugal provenientes da UE (porque contrária ao previsto no referido e citado artigo 110º do TFUE), se viu forçado a alterar a legislação em vigor em matéria de ISV, em concreto o artigo 11º, nº 1 do Código do ISV (naquela data vigente), através da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do OE para 2011), no sentido de:

O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objecto de liquidação provisória, com base na aplicação das percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respectiva, as quais estão associadas à desvalorização social média dos veículos no mercado nacional, calculada com referência à desvalorização comercial média corrigida do respectivo custo de impacte ambiental:

6.70. Contudo, como não foi comtemplada, com a referida alteração legislativa, a questão da desvalorização dos veículos usados, oriundos de outro EM, com menos de um anos e mais de cinco, surge então o já citado Acórdão do TJUE nº C–200/15, de 16 de Junho de 2016 (referido e citado pelo Requerente), visando directamente a legislação nacional, consubstanciada no artigo 11º do Código do ISV (na redacção em vigor até 2016), nos termos do qual se veio considerar que “a República Portuguesa ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro EM, introduzidos no território nacional, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110º do TFUE” (sublinhado nosso).

6.71. E assim, o legislador nacional foi forçado a alterar o referido artigo 11º do Código do ISV, no sentido de nele incluir a desvalorização referida no ponto anterior, através da Lei nº 42/2016, de 28 de Dezembro, mas excluindo de novo da redação do artigo a questão da desvalorização incidente sobre a componente ambiental do ISV.

6.72. Assim, os actuais contornos da legislação nacional ignoram, no artigo 11º, nº 1 Tabela D, o previsto no artigo 110º do TFUE e a posição que o TJUE tem assumido (e que já assumia face ao disposto no artigo 90 do Tratado de Roma) de que este artigo visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios.

6.73. A situação descrita levou (de novo) a Comissão Europeia, na sua busca de justiça comunitária, a dar início a um procedimento contra Portugal por este EM não ter em conta a componente ambiental no cálculo do ISV aplicável aos veículos usados “importados” de outros EM, gerando efeitos discriminatórios nestas viaturas face às viaturas usadas adquiridas em território nacional.

6.74. Com efeito, a Comissão volta a entender que a legislação nacional não é compatível com o disposto no artigo 110º do TFUE, na medida em que os veículos usados “importados” de outros EM são sujeitos a uma carga tributária superior em comparação com os veículos usados adquiridos no mercado nacional. “

(…)

 

6.85. Não obstante a Requerida referir que “(…) o conteúdo do artigo 110º deste tratado proveio do artigo 90º do tratado CE, ao qual ainda não estavam subjacentes as preocupações ambientais, com a acuidade que hoje se colocam”, tal afirmação não será de todo correcta porquanto o artigo 191º do TFUE teve origem no artigo 174º daquele Tratado e também a jurisprudência do TJUE se referiu em diversos momentos às questões ambientais na interpretação do referido artigo 90º, nomeadamente, no já citado processo C-290/05.

6.86. E, recorde-se, em conformidade com o que é defendido pelo Requerente, o Acórdão do TJUE (C-200/15), de 16-06-2016, refere que “este artigo (110º do TFUE) é violado sempre que a imposição que incide sobre o artigo importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculados de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam (…) a uma imposição superior do produto importado (…)”, sendo que “(…) um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares, disponíveis no mercado nacional (…)”.[2]

 

(…)

6.87. Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que, o que deverá aqui relevar é que o artigo 11º do Código do ISV está em desconformidade com o disposto no artigo 110º do TFUE porquanto aquele artigo não pode, em conformidade com o que este artigo dispõe, calcular o imposto sobre veículos usados oriundos de outro EM sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, neste caso, o imposto calculado ultrapasse o montante de ISV contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no EM de importação, ou seja, dos veículos usados nacionais.”

 

Esta posição, tem vindo a ser perfilhada em sucessivas decisões arbitrais proferidas, designadamente, nos processos n.º 346/2019-T, 348/2019-T, 350/2019-T, 459/2019-T, 498/2019-T e 660/2019-T, 13/2020-T, 293/2020-T, 474/2020-T, entre outras. Também este Tribunal Arbitral acompanha este entendimento pelas razões expostas na douta decisão arbitral citada.

 

15. Da alegada inconstitucionalidade da interpretação do artigo 11.º do CISV efetuada pela Requerente.

 

Quanto a esta questão, acompanha-se, também, o decidido da decisão arbitral proferida no processo 293/2020-T, onde se pode ler:

 

“12. Veio ainda a Requerida alegar que a desaplicação do artigo 11.º do CISV resulta numa violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 266.º da CRP e do disposto nos artigos 20.º, n.º 1 e n.º 4, 66º, e 266.º, todos da CRP, i.e. violação dos princípios do Estado de Direito ambiental e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.

É manifesto que tal não sucede, sendo de salientar que, nos termos do art. 8º, nº4 da Constituição, "as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático". Não é assim possível aos tribunais, salvo em caso de violação dos princípios fundamentais do Estado de direito democrático, que in casu não se verificam, recusar a aplicação de normas do Direito da União Europeia invocando disposições do Direito Interno Português.

Relativamente à invocação da limitação dos recursos em sede da arbitragem tributária, tal resulta da vinculação da Administração Tributária à jurisdição do CAAD resultante da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, com as alterações resultantes da Portaria 287/2019, de 3 de Outubro, e ao regime instituído no RJAT que este Tribunal tem que observar. É por isso que tem o dever de apreciar a legalidade dos actos tributários de liquidação de ISV aqui em causa, limitado e no âmbito da competência que lhe é conferida pelo artigo 2.º n.º s 1 e 2 do RJAT, não se verificando qualquer inconstitucionalidade nessa sua competência. Na verdade, a existência de tribunais arbitrais é reconhecida pelo art. 209º, nº2, da Constituição.”

 

16. Por último, a controvérsia em questão foi objeto de apreciação do TJUE no recente   acórdão de 2.09.2021, proferido no  processo C‑169/20 (Comissão Europeia contra República Portuguesa), e decidido no sentido perfilhado pela jurisprudência nacional acima referida, podendo ler-se no mesmo, além do mais,  o seguinte:

“39      No caso em apreço, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, na sequência do Acórdão de 16 de junho de 2016, Comissão/Portugal (C‑200/15, não publicado, EU:C:2016:453), a República Portuguesa reformou o seu regime de tributação dos veículos objeto de uma primeira colocação em circulação em Portugal. Segundo o regime resultante da referida reforma, o imposto em causa, cobrado nessa ocasião, inclui duas componentes, uma calculada em função da cilindrada do veículo em questão e a outra, denominada «componente ambiental», em função do nível de emissão de dióxido de carbono desse veículo.

 

40      Diferentemente da componente do imposto em causa calculada em função da cilindrada do veículo, para a qual o artigo 11.º do Código do Imposto sobre Veículos prevê uma percentagem de redução em função da idade do veículo, não está prevista nenhuma redução da componente ambiental do referido imposto que reflita a desvalorização do valor comercial do veículo a esse título.

41      Daqui resulta que a legislação nacional que institui o imposto em causa tem por consequência que o montante do imposto de registo para os veículos usados importados em Portugal de outros Estados-Membros é calculado sem tomar em consideração a desvalorização real desses veículos. Por conseguinte, a referida legislação não garante que os veículos usados importados de outro Estado‑Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares já presentes no mercado nacional, o que é contrário ao artigo 110.º TFUE.

42      A este respeito, não contestando que o Código do Imposto sobre Veículos não prevê nenhuma redução da componente ambiental do imposto em causa relativamente aos veículos usados importados no seu território, a República Portuguesa considera, antes de mais, que esta circunstância se justifica por um objetivo de proteção do ambiente. Com efeito, o pagamento integral da componente ambiental não tem por objetivo restringir a entrada de veículos usados em Portugal, mas subordinar essa entrada a um critério seletivo aplicando exclusivamente critérios ambientais.

43      Ora, importa recordar que, embora os Estados‑Membros sejam, na verdade, livres de estabelecer um sistema de tributação diferenciada para certos produtos e, portanto, de definir as modalidades de cálculo do imposto de registo de modo a ter em conta considerações relacionadas com a proteção do ambiente, não é menos verdade que essas modalidades devem, nomeadamente, ser suscetíveis de evitar qualquer forma de discriminação, direta ou indireta, relativamente às importações provenientes de outros Estados‑Membros, ou de proteção em favor de produções nacionais concorrentes, em conformidade com o artigo 110.º TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de abril de 1998, Outokumpu, C‑213/96, EU:C:1998:155, n.º 30, e de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.º 59).

 

44      A este respeito, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de sublinhar que o artigo 110.º TFUE se opõe a um imposto relativo ao registo dos veículos cujo montante, determinado, nomeadamente, em função da «classificação ambiental» dos veículos, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados‑Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado‑Membro de importação (Acórdão de 5 de outubro de 2006, Nádashi e Németh, C‑290/05 e C‑333/05, EU:C:2006:652, n.os 56 e 57).

45      Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou igualmente que o objetivo de proteção do ambiente poderia ser realizado de forma mais completa e coerente fazendo incidir um imposto anual sobre qualquer veículo que entrasse em circulação num Estado‑Membro, o qual não beneficiaria o mercado nacional dos veículos usados em detrimento da colocação em circulação de veículos usados importados de outros Estados‑Membros e seria, além disso, conforme com o princípio do poluidor‑pagador (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.º 60).”

(…)

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) decide:

1)      Ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado‑Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previsto no Código do Imposto sobre Veículos, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 71/2018, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE.[3]

         (…)”

 

17. Tendo em consideração o exposto, no que respeita às liquidações relativamente às quais não ocorreu  a caducidade do direito de ação,   mostrando-se  o artigo 11.º do CISV, na redação anterior à conferida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31/12, incompatível com o Direito da União Europeia, por violação do artigo 110.º do TFUE, face ao princípio do primado do Direito da União Europeia, os atos tributários  em causa, desconsiderando a redução na vertente relativa à componente ambiental do ISV, encontram-se feridos de ilegalidade, não podendo deixar de ser parcialmente anulados no que respeita  ao excesso de tributação decorrente daquela ausência de redução, totalizando as anulações  parciais o valor de  € 6193,76.

 

18. Veio ainda a Requerente pedir o reembolso das quantias de imposto que considera indevidamente paga no valor total de €12.021,00, bem como o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.

 

19.No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da procedência parcial da pretensão tem a Requerente direito à restituição do valor de € 6193,76 por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para restabelecer a situação que existiria se as liquidações parcialmente anuladas   tivessem sido praticadas em conformidade com a ordem jurídica.

 

20. No que respeita aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária.

Dispõe o nº 1 daquele artigo que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

Por outro lado, consta do  acórdão TJUE de  4 de dezembro de 2018,no processo C‑378/17, em linha com a jurisprudência do mesmo Tribunal aí referida, o seguinte:

“38      Como diversas vezes afirmou o Tribunal de Justiça, a referida obrigação de não aplicar uma legislação nacional contrária ao direito da União incumbe não só aos órgãos jurisdicionais nacionais mas também a todos os órgãos do Estado, incluindo as autoridades administrativas, encarregados de aplicar, no âmbito das respetivas competências, o direito da União (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de junho de 1989, Costanzo, 103/88, EU:C:1989:256, n.o 31; de 9 de setembro de 2003, CIF, C‑198/01, EU:C:2003:430, n.o 49; de 12 de janeiro de 2010, Petersen, C‑341/08, EU:C:2010:4, n.o 80; e de 14 de setembro de 2017, The Trustees of the BT Pension Scheme, C‑628/15, EU:C:2017:687, n.o 54).

39      Daqui resulta que o princípio do primado do direito da União impõe não só aos órgãos jurisdicionais mas a todas as instâncias do Estado‑Membro que confiram plena eficácia às normas da União.”

Na decisão do processo The Trustees of the BT Pension Scheme, C‑628/15, pode também   ler-se que:

 “há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, tanto as autoridades administrativas como os órgãos jurisdicionais nacionais encarregados de aplicar, no âmbito das respetivas competências, as disposições do direito da União têm a obrigação de garantir a plena eficácia dessas disposições e de não aplicar, se necessário pela sua própria autoridade, qualquer disposição nacional contrária, sem pedir nem aguardar pela eliminação prévia dessa disposição nacional por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional (v., neste sentido, relativamente às autoridades administrativas, acórdãos de 22 de junho de 1989, Costanzo, 103/88, EU:C:1989:256, n.o 31, e de 29 de abril de 1999, Ciola, C‑224/97, EU:C:1999:212, n.os 26 e 30, e, relativamente aos órgãos jurisdicionais, acórdãos de 9 de março de 1978, Simmenthal, 106/77, EU:C:1978:49, n.o 24, e de 5 de julho de 2016, Ognyanov, C‑614/14, EU:C:2016:514, n.o 34).[4]

 

Na doutrina nacional, refere  Fausto de Quadros:

“(…) temos a obrigação para a Administração Pública de recusar a aplicação de normas ou actos nacionais contrários ao Direito Comunitário, e de aplicar este mesmo contra Direito nacional de sentido contrário, conforme doutrina acolhida, de forma modelar no caso Factortame, já referido neste livro por diversas vezes. A Administração Pública vai ter, ainda mais do que o legislador, a necessidade de levar essa doutrina em conta no desempenho da sua missão de aplicar o Direito.”[5]

No mesmo sentido, vai Miguel Gorjão-Henriques que, debruçando-se  sobre o princípio do primado do direito comunitário, escreve:

”(…) indubitavelmente, a dimensão clássica do princípio é aquela que, com clareza, nos enuncia Rostane MEHDII, ao salientar que o juiz e a administração têm a obrigação de «excluir as regras internas adoptadas em violação da legalidade comunitária”[6]

 

Acresce que, considerou-se no acórdão do STA de 8 de Março de 2017, proferido no proc. 01019/14,

em sintonia  com jurisprudência constante do mesmo Tribunal, o seguinte:

“Sobre o denominado “erro imputável aos serviços” tem a jurisprudência desta secção uniforme e reiteradamente afirmado que o respectivo conceito compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e que essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro (Vide, entre outros, os seguintes Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 12.02.2001, recurso nº 26.233, de 11.05.2005, recurso 0319/05, de 26.04.2007, recurso 39/07, de 14.03.2012, recurso 01007/11 e de 18.11.2015, recurso 1509/13, todos in www.dgsi.pt.).”

 

Assim, no caso sub judice, à luz da jurisprudência e doutrina referidas, não estando a Requerida exonerada do dever de aplicação do primado do direito europeu, não poderá deixar de proceder o pedido de condenação quanto aos juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

 

-IV- Decisão

 

Assim, nos termos e com os fundamentos supra expostos, decide o Tribunal arbitral:

  1. Julgar extemporâneo o pedido de pronuncia arbitral  no que respeita  atos tributários de liquidação identificados sob os números 1 a 19 da tabela constante do número 11.8 do probatório, por caducidade do direito de ação, absolvendo-se a Requerida da instância, na parte referente a estas liquidações (art. 89.º, n.º 2, e n.º 3, al. k), do CPTA,  ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea c),  do RJAT).
  2.  Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, relativamente aos atos tributários de liquidação identificados sob os números 20 a 35 da tabela constante do número 11.8 do probatório decretando-se a   anulação parcial    dos mesmos, nos valores aí indicados e peticionados pela Requerente relativamente a tais liquidações, que totalizam o valor de € 6193,76, condenando-se a Requerida a restituir à  Requerente tal valor, acrescido de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento de cada liquidação parcialmente anulada até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigo 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

 

Valor da ação:  € 12.021,00 (doze mil e vinte e um euros) nos termos do disposto no artigo 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas no valor de 918.00 € Trezentos e seis euros), a cargo da Requerida na proporção de 51,52 % e a cargo da Requerente na proporção de 48,48 %,  nos termos do nº 4 do artigo 22º do RJAT.

 

 

Notifique-se as partes.

 

 

Nos termos e para efeitos do art. 17º, nº 3 do RJAT, notifique-se, ainda, o Representante do Ministério Público junto do Tribunal competente para o julgamento da impugnação, para efeitos do recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua redação atual.

 

Lisboa, CAAD, 12.11.2021

 

O Árbitro

 

 

Marcolino Pisão Pedreiro

 

 

 

 

 



[1] Todas as decisões arbitrais citadas e referidas nesta decisão podem consultar-se no site  https://caad.org.pt/tributario/decisoes/.

[2] Nesta linha, pode ler-se na decisão arbitral proferida no processo 660/2019-T:

55. Nesta sede, importa referir que decorre da jurisprudência do TJUE e da própria sistemática do TFUE que, ao contrário do que indica a AT, a norma do artigo 110.º do TFUE é imperativa e sobrepõe-se às normas de cariz ambiental do artigo 191.º do TFUE. Assim, ainda que um EM utilize componente ambientais na determinação do cálculo do regime de tributação de veículos, nunca poderá, com base nessa componente, agravar a tributação de veículos usados provenientes de outros EM face aos veículos usados já matriculados em território nacional.

 

56. O que equivale a dizer que não decorre da legislação aplicável que as regras e princípios ambientais constantes do artigo 191.º do TFUE e artigo 66.º da CRP prevaleçam sobre a regra do artigo 110.º do TFUE que é imperativa para os EM.”

 

 

[3]https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=FE3112FADCA4F6774A618B09B6B2EF4B?text=&docid=245564&pageIndex=0&doclang=PT&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=5196996

 

[4] Nosso sublinhado.

[5] DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA, Almedina, 2004, p. 530.

[6] DIREITO DA UNIÃO, Almedina, 8ª edição, 2017, pag. 365.