Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 557/2017-T
Data da decisão: 2018-03-19  ISP  
Valor do pedido: € 51.784,52
Tema: ISP – Gasóleo Colorido e Marcado.
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Decisão Arbitral

 

 

I. Relatório

 

1. A…, S.A., pessoa coletiva n.º…, com sede na Rua…, nº … –…-… …, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária suscitando pedido de pronúncia arbitral contra o ato de liquidação de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e juros compensatórios, objeto do registo de liquidação n.º…, de 28-06-2017, da Alfândega de…, relativo a vendas, efetuadas nos anos de 2015 e de 2016, de 80 429,67 litros e 80 862,25 litros de gasóleo colorido e marcado (GMC), respetivamente, sem emissão das correspondentes em nome do titular do cartão. Peticionando a anulação parcial do referido ato e consequente reembolso das importâncias indevidamente pagas, a Requerente solicita, ainda, o reconhecimento do direito aos correspondentes juros indemnizatórios, contados nos termos legais.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

3. Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo, no prazo regularmente aplicável.

 

4. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral singular foi constituído em 28-12-2017.

 

5. Como fundamento do pedido que formula, a Requerente alega, no essencial, não existir base legal que suporte a liquidação adicional de ISP, e de CSR, relativos à diferença de taxas aplicáveis às transações de gasóleo rodoviário e gasóleo colorido e marcado nos casos em que não sejam cumpridas as formalidades de comercialização deste último produto previstas no Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC). Concretamente, refere-se a Requerente aos casos em que os abastecimentos de GMC sejam documentados com a emissão de faturas com a designação de “consumidor final”, isto é, sem que das mesmas conste a identificação, do nome e número fiscal de contribuinte, do titular do cartão utilizado no respetivo fornecimento. Segundo a Requerente, a liquidação efetuada, na parte em que respeita às situações mencionadas, deve ser objeto de anulação em virtude de a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) ter incorrido em erro de interpretação e aplicação do artigo 93.º, n.º 5, do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC).

 

6. Em resposta ao solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados e, em conformidade, pela absolvição da entidade Requerida.

 

7. Regularmente constituído o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

8. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

9. Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas questões prévias ou exceções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito, encontrando-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

 

10. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas partes, designadamente do processo administrativo, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

II. Matéria de facto

 

11. Com relevância para a apreciação do pedido de pronúncia arbitral, destacam-se os seguintes elementos factuais, que, com base nos elementos documentais juntos aos autos, designadamente do processo administrativo, se consideram provados:

 

11.1. A Requerente é uma sociedade anónima, com sede na Rua …, …, em …, cujo objeto social é o comércio de veículos automóveis ligeiros, a par de outras atividades, em que se inclui o comércio a retalho de combustível para veículos a motor.

 

11.2. Esta atividade é exercida através de dois postos de abastecimento, sendo um localizado no local da sede da empresa e outro na Avenida da …, em …, sendo este último, que funciona em regime de consignação com a B…, o único que comercializa gasóleo colorido e marcado (GMC).

 

11.3. No período que decorreu entre 14-02-2017 e 31-05-2017, foi a Requerente destinatária de uma ação de inspeção desenvolvida pelo Núcleo de Informação e Fiscalização da Alfândega de …, centrada no âmbito da comercialização de gasóleo colorido e marcado no posto de abastecimento da empresa no decurso dos anos de 2014, 2015 e 2016.

 

11.4. No desenvolvimento da referida ação inspetiva foram efetuadas a contagem das existências físicas de GCM armazenado no posto de abastecimento, comparados os registos de compras com os registos das vendas nos TPA/POS (terminal de pagamento automático/ point of sale), verificada a faturação emitida bem como a eventual utilização indevida de cartões de beneficiários.

 

11.5. Na sequência da verificação efetuada foram detetadas irregularidades que implicam a constituição de facto gerador de obrigação de imposto, por incumprimento do previsto no n.º 5 do artigo 93.º do CIEC.

 

11.6. Assim, conforma consta do ponto 7 do relatório de inspeção, foram identificadas, relativamente aos anos de 2014, 2015 e 2016 diversas situações concretas de registos indevidos e falta de registos (vendas irregulares), suscetíveis de liquidação de ISP, conforme evidenciado nos seguintes quadros:

11.7. Constataram assim os serviços de inspeção a existência de irregularidades, relativas à venda de gasóleo colorido e marcado, de que, conforme consta dos quadros supra, constantes do relatório de inspecção (cfr. processo administrativo), se destacam:

 

a) Em todos os anos abrangidos pela da ação inspetiva foram efetuadas vendas que não foram objeto de registo no POS/TPA com o cartão de microcircuito do respetivo titular, violando o previsto no .º 5 do artigo 93.º do CIEC e n.º 5 da Portaria n.º 361-A/2008;

 

b) Foram efetuadas vendas de GCM a diversos clientes que, à data dos abastecimentos, de acordo com informação obtida na Base de Dados da DGADR, não eram titulares de cartão de microcircuito ativo, violando a disposto nas normas supra referidas;

 

c) Foram efetuadas vendas de GCN sem emissão de fatura nominativa ao titular do cartão, usando a designação “consumidor final”, nas quantidades apuradas, em violação do n.º 8 da Portaria n.º 361-A/2008, conjugado com o n.º 5 do artigo 93.º do CIEC.

 

11.8. Relativamente às quantidades de gasóleo colorido e marcado fornecido aos adquirentes sem que fossem observados os procedimentos legais adequados foi considerado em dívida o valor resultante da diferença de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário normal em sede de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) e Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), sendo imputada à ora Requerente a responsabilidade pelo respetivo pagamento.

 

11.9. Nas referidas condições foi apurado o valor total de € 57 637,40 correspondente ao imposto (ISP e CSR)  e a que acrescem os correspondentes juros compensatórios, conforme consta do seguinte quadro resumo:

 

11.10. Foi, oportunamente, observado o disposto no artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária sendo a ora Requerente notificada do projeto de conclusões do Relatório através do ofício n.º…, da Alfândega de …, de 26-04-2017. 

 

11.11. Não foi exercido o direito de audição no prazo de 15 dias notificados ao Requerente, sendo este notificado, do conteúdo do Relatório final e decisão que sobre o mesmo foi proferida.

 

11.12. Através do Ofício n.º…, de 05-07-2017, recebido em 6 do mesmo mês, foi a Requerente notificada das liquidações efetuadas, bem como do respetivo prazo de 15 dias, contados da receção da notificação, para efetuar o seu pagamento voluntário.

 

11.13. A Requerente efetuou o pagamento voluntário da dívida na Tesouraria da Alfândega de … em 20-07-2017 (Doc.3)

 

12. Não existem outros factos relevantes para a decisão de mérito que não se tenham provado.

III. Matéria de direito

 

13. Está em causa decidir, com base no factos acima sumariamente descritos, sobre a legalidade das questionadas liquidações adicionais de ISP, CSR e correspondentes juros compensatórios incidentes, com referência a transmissões de gasóleo colorido e marcado efetuadas em violação das regras de comercialização deste produto, mas tão somente no que concerne a vendas sem emissão de fatura nominativa emitida ao titular do cartão microcircuito, ou seja, no que respeita a vendas faturadas a “consumidor final”, a que, no total da liquidação de ISP e CSR corresponde um montante de € 51 784,52.

 

Posição da Requerente

 

14. Reconhecendo a legalidade das liquidações relativas ao ano de 2014 bem como, relativamente aos anos de 2015 e de 2016, as que respeitam a vendas efetuadas a não titulares de cartão ativo e sem registo no TPA, a Requerente, no que respeita às vendas de GCM com emissão de documento usando a designação ‘consumidor final’, mas onde não consta o nome e o número de contribuinte do titular do cartão usado no fornecimento, não se conforma com o entendimento da AT.

 

15. Especificando com maior precisão o objeto do presente pedido, diz a Requerente:

 

“ 33º.- O pedido de pronúncia arbitral reconduz-se especificamente à anulação da liquidação na parte respeitante ao ISP liquidado relativamente às quantidades apuradas das vendas realizadas em 2015 e 2016 com a emissão de documento de venda do qual consta a designação ‘consumidor final’. Assim,

 

34º.- No relatório final a AT fez consignar (a fls. 192) que, durante o ano de 2015, a requerente procedeu à venda de 80.429,67 litros de GCM a sujeitos (pessoas) titulares de cartão de microcircuito ativo, emitindo fatura simplificada, ou se se preferir, emitindo documento ao titular do cartão usando a designação ‘consumidor final’, sem especificar o nome e o número de contribuinte do mesmo (cfr. fls. 178 e 179 do relatório). E que,

 

35º.- No ano de 2016 a requerente procedeu à venda de 80.862,25 litros de GCM a sujeitos (pessoas) titulares de cartão de microcircuito ativo, emitindo documento (fatura simplificada) ao titular do cartão usando a designação ‘consumidor final’, sem especificar o nome e o número de contribuinte do mesmo (cfr. fls. 178 e 179 do relatório).

 

36º.- Como consta do relatório final da AT, o ponto 8 da Portaria nº 361-A/2008, de 12 de Maio, dispõe que “o registo no sistema informático, através dos terminais POS, de cada abastecimento efetuado, não dispensa a emissão da respetiva fatura ou documento equivalente, emitida em nome do titular do respetivo cartão de microcircuito”. Sendo certo que,

 

37º.- Com a modificação/alteração do nº 5 do artº. 93º do C.I.E.C. operada pela Lei do Orçamento do Estado de 2015 (Lei nº 82-B/2014 que no seu artº. 207º alterou, entre outros, tal normativo) com entrada em vigor em 01 de Janeiro de 2015, “o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, passou a ser responsável pelo montante do imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado em relação às quantidades para as quais não sejam emitidas as correspondentes faturas em nome do titular do cartão”. Ora,

 

38º.- A requerente, involuntariamente, não se deu conta da alteração legislativa referida que, a partir de 01 de Janeiro de 2015, passou a exigir a emissão de fatura, com a identificação do titular do cartão e respetivo número de contribuinte, continuando a adotar o mesmo procedimento que adotava até então.

 

39º.- Com efeito, aos titulares do cartão de microcircuito ativo que abasteciam no Posto, o abastecimento era objeto de registo no TPA, sendo em regra emitida uma fatura simplificada, e só era emitida fatura ao titular do cartão que o solicitasse...

 

16. Segundo a Requerente, “a interpretação do nº 5 do artº. 93º do C.I.E.C. nos termos em que é feita  pela AT, além de não ter em conta o elemento racional e teleológico, viola de forma clara e inequívoca o princípio constitucional da proporcionalidade, consagrado nos artºs. 18º, nº 2 e 266º, nº 2, da C.R.P.”.

 

17. Reafirmando que as vendas de GMC, ainda que faturadas a “consumidor final”, tiveram sempre como adquirentes titulares do cartão microcircuito com direito à sua aquisição e, consequentemente, desse facto não resultou qualquer dano para a receita tributária.

 

18. Assim, no entender da Requerente, “A decisão da AT em exigir à requerente o pagamento de um imposto, nas circunstâncias em que o fez, pelo desrespeito de um requisito puramente formal por parte da requerente, em situações em que o imposto não é devido (dado que os fornecimentos realizados nas condições referidas, foram-no a sujeitos passivos que beneficiam da redução do imposto), encerra em si uma sanção manifestamente excessiva e desproporcionada.

Razão pela qual, e salvo melhor opinião, nos deparamos com uma aplicação claramente ilegal e inconstitucional do nº 5 do artº. 93º do C.I.E.C., atento o disposto no nº 2 do artº. 18º e no nº 2 do artº. 266º da C.R.P., que assim resultam violados.”

 

19. Considerando, ainda, com suporte em jurisprudência arbitral que cita, que a norma do n.º 5 do artigo 93.º do CIEC, em cuja violação se apoia a fundamentação da liquidação efetuada pela AT, alega a Requerente que:

 

“ 86º.- O nº 5 do artº. 93º do C.I.E.C. constitui a concretização do artº. 562º do C.C.: “Quem estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.

 

87º.- No caso dos autos não existe qualquer dano para o Estado / para a receita tributária. Com efeito,

 

88º.- Quando a requerente, no ano de 2015, vendeu 80.429,67 litros de GCM emitindo fatura simplificada (em vez de Fatura) e, no ano de 2016, vendeu 80.862,25 litros de GCM emitindo fatura simplificada (em vez de Fatura), todas essas vendas foram efetuadas a sujeitos passivos com direito à sua aquisição (dispondo de cartão de microcircuito ativo, como consta dos registos informáticos da DGADR, dos enviados pela SIBS, e dos da ‘…’). Pelo que,

 

89º.- A circunstância da requerente não ter emitido ‘Fatura’ nas vendas das quantidades de GCM referidas no número anterior, não causou qualquer dano para a receita tributária. E,

 

90º.- Inexistindo tal dano, não se verificam os pressupostos de que depende a responsabilidade tributária da requerente a que alude o nº 5 do artº. 93º do C.I.E.C..

 

91º.- Ao decidir de modo diverso, a AT incorreu em erro de interpretação e aplicação de tal normativo. Pelo que,

 

92º.- Deverá ser (parcialmente) anulada a liquidação que se impugna na parte em que liquida ISP, CSR e Juros Compensatórios em relação à venda de 80.429,67 litros de GCM no ano de 2015, e à venda de 80.862,25 litros do mesmo produto no ano de 2016, com os efeitos daí decorrentes.”

 

20. A par do pedido de declaração de ilegalidade e anulação parcial da liquidação efetuada com o consequente reembolso das importâncias indevidamente pagas, a Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.

 

 

Posição da Requerida

 

21. Por seu lado, entende a Requerida não assistir razão à Requerente, porquanto “A responsabilidade tributária assacada à Requerente relativamente às vendas de GCM efectuadas entre 2015 e 2016 para as quais não foram emitidas facturas em nome do titular do cartão tem total enquadramento legal, de acordo com o princípio da legalidade tributária nos termos dos artigos 165.º, n.º 1, al. i) e 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), na medida em que se encontra claramente plasmada no artigo 93.º, n.º 5 do CIEC (na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro.”

 

22. De acordo com a Requerida, “Contrariamente ao alegado pela Requerente (...) a exigência de emissão de fatura em nome do titular do cartão, nos termos do artigo 93.º, n.º 5, do CIEC, não constitui um requisito puramente formal que só deve sustentar uma liquidação de IEC quando associado à existência de um dano para a receita tributária.

 

23. Ainda segundo a Requerida, “A ausência de emissão de fatura em nome do titular do cartão, constitui, por si só, uma causa de responsabilização do proprietário ou responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, pelo pagamento do IEC relevante, como decorre, de forma clara e inequívoca, da letra da lei.

 

24. Neste sentido, “(...) a exigência de emissão de fatura em nome do titular do cartão introduzida pela já mencionada Lei 82-B/2014 no n.º 5 do artigo 93.º do CIEC destinou-se a complementar o controlo da regularidade das vendas de GCM.

Com efeito, não, não sendo o registo no sistema eletrónico de controlo uma formalidade nem um documento de natureza comercial, a sua confrontação com o documento comercial correspondente – a fatura em nome do titular do cartão afigura-se imprescindível, para efeitos do controlo da afetação do produto, a fim de verificar se a venda foi efectivamente registada através do cartão do adquirente.

 

25. Assim, concluindo, diz a Requerida que “(...) o incumprimento da obrigação de emitir fatura em nome do titular do cartão através do qual foram registados os litros vendidos, inviabiliza o controlo da afetação do produto a entidades habilitadas e impede a confirmação de que o GCM foi vendido ao titular do cartão utilizado no registo.”

 

26. Face às posições expressas pelas Partes, acima sintetizadas, importa, desde já, uma referência ao quadro legislativo aplicável à data da ocorrência dos factos geradores da obrigação de imposto, situados, no tempo, nos anos de 2015 e de 2016.

 

Do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos

 

27. Por razões extrafiscais relevantes, os combustíveis podem ser objeto de transmissão a taxa reduzida. É o caso do gasóleo que se destine a ser utilizado em atividades agrícolas, na pesca, transportes por caminho de ferro e outras utilizações expressamente previstas no artigo 93.º do Código do IEC.

 

28. Com vista a assegurar a utilização deste combustível apenas nos fins que justificam a atribuição do benefício fiscal, e prevenir situações de fraude e evasão, o gasóleo fornecido aos utilizadores a taxa reduzida de ISP ostenta uma coloração e uma marca fiscal específicas.[i]

 

29. A utilização do gasóleo colorido e marcado é, nos termos do n.º 3 do artigo acima referido, condicionada a determinadas atividades económicas, sendo restrita a:

- Motores estacionários utilizados na rega;

- Embarcações de navegação costeira e interior, destinadas a pesca, aquicultura e dragagem;

- Tratores agrícolas, ceifeiras-debulhadoras, moto-cultivadores, moto-enxadas, moto-ceifeiras, colhedores de batata automotrizes, colhedores de ervilha, colhedores de forragem para silagem, colhedores de tomate, gadanheiras-condicionadoras, máquinas de vindimar, vibradores de tronco para colheita de azeitona e outros frutos, bem como outros equipamentos, incluindo os utilizados para a atividade aquícola, aprovados por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da agricultura e do mar;

- Veículos de transporte de passageiros e de mercadorias por caminhos-de-ferro;

-  Motores fixos;

-  Motores frigoríficos autónomos, instalados em veículos pesados de transporte de bens perecíveis, alimentados por depósitos de combustível separados, e que possuam certificação ATP (Acordo de Transportes Perecíveis), nos termos a definir em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da agricultura e dos transportes.

 

30. Além da coloração e marcação e limitações quanto à sua utilização, a comercialização do produto em causa encontra-se subordinada a um conjunto de condicionalismos estabelecidos, não só naquele artigo 93.º do CIEC, como também na Portaria n.º 117-A/2008 de 8/02, e, em especial, na Portaria n.º 361-A/2008, de 12/05. [ii]

 

31. De entre os condicionalismos estabelecidos na referida Portaria 361-A/2008, destacam-se, pela relevância que revestem na situação em análise:

 

" 2.º O gasóleo colorido e marcado é um produto de venda condicionada, cuja disponibilização no mercado nacional só pode ser efectuada pelas empresas petrolíferas que tenham celebrado com o Estado, representado pela Direcção-Geral de Agricultura e do Desenvolvimento Rural (DGADR), um contrato para o efeito, no qual aquelas se comprometam a disponibilizar a venda ao público de gasóleo colorido e marcado, na proporção de, pelo menos, um posto de abastecimento por cada 600 000 l vendidos.

 

3.º O gasóleo colorido e marcado só pode ser fornecido ou vendido a titulares de postos de abastecimento devidamente licenciados que sejam detentores de terminais point of sale (POS).

 

4.º O disposto no número anterior é aplicável aos distribuidores, desde que disponham igualmente de terminais POS.

 

5.º O gasóleo colorido e marcado só pode ser vendido nos postos de abastecimento aos beneficiários de uma isenção ou redução de taxa de ISP que sejam titulares de cartões de microcircuito emitidos para o efeito pela DGADR, através dos quais são registadas todas as transacções de gasóleo colorido e marcado no sistema informático gerido pela Sociedade Interbancária de Serviços (SIBS).

 

6.º As vendas a que se refere o número anterior são obrigatoriamente registadas nos terminais POS no momento em que ocorram.

...

8.º O registo no sistema informático, através dos terminais POS, de cada abastecimento efectuado, não dispensa a emissão da respectiva factura ou documento equivalente, emitida em nome do titular do respectivo cartão de microcircuito.

...

 

32. Por outro lado, e de acordo com o n.º 5 do artigo 93.º do Código dos IEC, na redação em vigor à data da ocorrência dos factos a que se refere o presente processo [iii], "  O gasóleo colorido e marcado só pode ser adquirido pelos titulares do cartão electrónico instituído para efeitos de controlo da sua afectação aos destinos referidos no n.º 3, sendo responsável pelo pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema electrónico de controlo, bem como em relação às quantidades para as quais não sejam emitidas as correspondentes faturas em nome do titular de cartão.

 

33. Na situação em análise, verifica-se que a Requerente, no decurso dos anos de 2015 e de 2016, vendeu, respetivamente, 80 429,67 e 80 862,25 litros de gasóleo colorido e marcado a titulares de cartão eletrónico e emitiu as correspondentes faturas mas sem que das mesmas constasse a identificação do adquirente, conforme decorre da exigência legal, antes referindo tão somente tratar-se de “consumidor final”.

 

34. Esta irregularidade na comercialização do produto afasta o benefício fiscal previsto no n.º 1 do artigo 93.º do Código dos IEC e determina a aplicação da tributação pelo nível normal, definindo-se como sujeito passivo da obrigação de imposto o proprietário ou o responsável legal pela exploração do posto de abastecimento que forneceu o gasóleo colorido e marcado em violação das regras legais aplicáveis (cfr., CIEC, arts. 93.º, n.º 5 e 4.º, n.º 2, al. h)).

 

35. A obrigação que incumbe ao proprietário ou responsável legal pela exploração de posto de abastecimento de combustíveis que proceda à venda ao público de gasóleo colorido e marcado, no que concerne à emissão de fatura em nome do titular do cartão resulta diretamente da lei não se podendo suscitar quaisquer dúvidas. No caso, o sujeito passivo não observou uma prescrição legal que é clara, que tinha obrigação de conhecer e cujas consequências se encontram claramente especificadas na lei.

 

36. Concluindo-se, assim, pela legalidade das liquidações ora impugnadas, fica prejudicado o pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

 

IV - Decisão

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 51 784,52, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n,º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 2 142, 00, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 19 de Março de 2018,

 

O árbitro,

Álvaro Caneira.

 

 



[i]  Cf. Diretiva 95/60/CE, do Conselho, de 6 de Dezembro, Portaria n.º 1509/2002, de 17 de Dezembro e Decisão  de Execução da Comissão n.º 2011/544/UE, de 16 de Setembro de 2011 - substituída pela Decisão de Execução (UE) 2017/74, da Comissão de 25 de Novembro de 2016, atualmente em vigor - relativas a um marcador fiscal comum para o gasóleo.

[ii]  De acordo com o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 73/2010, que aprovou o atual Código dos IEC, “As disposições regulamentares do Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 de Dezembro, constantes de portaria ou de despacho ministerial mantêm-se em vigor até à entrada em vigor da regulamentação prevista no CIEC”.

[iii] Redação dada pela  Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro.