Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 557/2015-T
Data da decisão: 2016-02-17  Selo  
Valor do pedido: € 3.583,58
Tema: IS – Verba 28 da TGIS
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – RELATÓRIO

 

1        A…, CF[1] …, com residência no … nº … – … …-… Lisboa e B…, CF …. Residente na Rua … nº … – … …-… Lisboa apresentaram um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[2], sendo requerida a AT[3], com vista à apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação de imposto do selo, referente ao ano de 2014, incidente sobre a propriedade de um imóvel em propriedade vertical, inscrito na matriz sob o artigo urbano nº … da freguesia de ... área do … Serviço de Finanças de Lisboa, conforme documentos de cobrança, juntos com o pedido, respeitante à 2ª prestação.

2        Que foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmo Senhor Presidente do CAAD[4] e automaticamente notificado à AT em 31/08/2015.

3        Nos termos e para efeitos do disposto no nº2 do artigo 6º do RJAT por decisão do Exmo Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicado às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi, em 27/10/2015, designado árbitro do tribunal Arlindo José Francisco, que comunicou a aceitação do encargo, no prazo legalmente estipulado.

4        O tribunal foi constituído em 11/11/2015 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5        Com o seu pedido, visa a requerente, a anulação do ato de liquidação de imposto do selo, referente ao ano de 2014 (segunda prestação) que recaiu sobre o VPT[5] do imóvel já identificado

6        Suporta o seu ponto de vista, em síntese, no entendimento de que o VPT de cada um dos andares independentes varia entre € 154 180.00 e € 234 050,00, bem inferiores ao valor de € 1 000 000,00 que averba 28 da TGIS[6] estipula para haver sujeição a IS[7].

7        Concluindo que tais liquidações enfermam de ilegalidade pelo que não poderão manter-se na ordem jurídica

8        Na resposta, a requerida, em primeira linha, considera que o pedido extravasa a competência do tribunal, uma vez que os requerentes não impugnam um ato tributário, mas o pagamento da 2ª prestação de um ato tributário, matéria que considera em absoluto afastada da competência do tribunal, por força do disposto no artigo 2º do RJAT

9        Cita a decisão já proferida no Pº 736/2014 do CAAD, que vai no sentido por si preconizado, não deixando mesmo assim, de, por impugnação, rebater o ponto de vista dos requerentes para concluir que os atos tributários em causa não violam qualquer norma legal e deverão ser mantidos na ordem jurídica.

 

II - SANEAMENTO

 

O tribunal foi regularmente constituído

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º,nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

As partes acordaram na dispensa da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, tendo a requerente produzido alegações, não tendo, a requerida, usado dessa faculdade, apesar de notificada para o efeito.

Deste modo, não enfermando o processo de nulidades, vai a exceção da incompetência do tribunal, suscitada pela requerida ser apreciada em primeiro lugar.

 

III- FUNDAMENTAÇÃO

 

1 – As questões a dirimir, com interesse para os autos, são as seguintes:

a)      Saber se a apreciação da legalidade das liquidações do IS correspondentes às notas de cobrança da 2ª prestação, do ano de 2014, objeto do presente pedido de pronúncia arbitral extravasa ou não a competência do tribunal fixada no artigo 2º do RJAT

b)      Em caso do tribunal se considerar, competente, apreciar se os atos de liquidação aqui postos em crise são ou não legais

c)      E a confirmar-se a sua ilegalidade, com a consequente anulação, haverá ou não lugar ao reembolso dos montantes indevidamente pagos acrescidos de juros indemnizatórios.

 

2 – Matéria de Facto 

 

A matéria de facto considerada relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:

 

 

 

a)      Os requerentes eram, no ano de 2014, proprietários, na proporção de metade para cada um, do imóvel já identificado, situado na Avª …, concelho de Lisboa.

b)      Foram notificados para proceder ao pagamento do IS (segunda prestação), o que fizeram em 30 de Julho de 2015.

c)      O imóvel no ano de 2014, não se encontrava no regime de propriedade horizontal, sendo o seu VPT total de € 1 075 080,00

d)      O imóvel é constituído por 5 andares ou divisões suscetíveis de utilização independente e nenhum dos andares ou divisões independentes tem VPT igual ou superior a € 1 000 000,00 (variam entre € 154 180,00 e 234 050,00)

e)      O valor económico atribuído pelos requerentes ao processo foi de € 3 583,58 que corresponde ao valor da 2ª prestação aqui impugnada.

Não existe factualidade dada como não provada que seja relevante para a decisão.

 

3        – Matéria de Direito

Quanto à exceção da incompetência do tribunal suscitada pela requerida

Vem a AT, na sua resposta, suscitar a exceção em epígrafe, dizendo, em síntese, que os tribunais arbitrais são competentes para apreciar os atos de liquidação de tributos, ao abrigo do artigo 2º, nº 1 alínea a) do RJAT, mas já não o serão para apreciar o pagamento de uma nota de cobrança respeitante a uma prestação desse ato de liquidação.

No caso concreto o objeto do presente processo, é o pagamento da 2ª prestação do IS respeitante ao ano de 2014 no montante de € 3 583,58, matéria que, em seu entender, extravasa em absoluto da competência estabelecida.

Alega ainda que não tendo os requerentes, questionado em tempo, a liquidação do imposto quando oportunamente notificados para pagamento da 1ª prestação, não o poderão fazer quando paga a 2ª prestação.

Os requerentes consideram que o ponto de vista da AT carece de qualquer fundamento e só se justificará pela tentativa desesperada de se furtar à análise da matéria controvertida, declarando terem na sua posse posições contraditórias da AT quanto ao tempo de interposição das impugnações dos atos de liquidação cuja lei permite o pagamento prestacional.

 

Consideram que o contribuinte é livre de impugnar a prestação que bem entenda, uma vez que, o objeto do processo será sempre a liquidação do imposto, aliás, este ponto de vista, resultará dos próprios documentos de cobrança nos quais se faz referência à possibilidade de reclamar ou impugnar e, vindo a AT procurar afastar essa possibilidade em sede de contestação, quando as notificações expressamente alertam para essa possibilidade, haverá, por parte da requerida, um comportamento violador do princípio da boa-fé.

Citam ainda o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA[8] de 10 de Abril de 2013, no recurso nº 0298/12 que considerou suscetível a anulação parcial do ato tributário, e ainda que são inúmeras as decisões de tribunais superiores e do CAAD que vão no sentido por si preconizado, tal como Jorge Lopes de Sousa em comentários ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina 2013, pagina 105.

Vistas as posições das partes cumpre decidir:

A declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de tributos cai no âmbito da alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT.

Como se alcança da 1ª página do pedido de pronúncia arbitral pretende-se a apreciação da legalidade das liquidações de imposto do Selo, referente ao ano de 2014 (segunda prestação).

Do ponto de vista do tribunal a possibilidade de pagamento em prestações é uma técnica de cobrança de um determinado ato de liquidação que é único e só ele poderá constituir ato lesivo suscetível de impugnação. Qualquer prestação autonomamente considerada não é um ato de liquidação, nem tão pouco uma parte desse ato, é, como já se disse uma técnica de cobrança o que não invalida que um ato de liquidação possa ser parcialmente anulado.

No caso concreto, o ato de liquidação do IS previsto na verba 28 da TGIS é o ato único de apuramento total do tributo a pagar, a possibilidade desse valor apurado, ser pago em prestações não significa que ocorram tantas liquidações quantas as prestações.

Esse ato único de liquidação, poderá ser impugnado, quer após a notificação para pagamento da 1ª, da 2ª ou da 3ª prestação, basta que o pedido se dirija ao ato único de liquidação.

Acompanhamos a posição preconizada no âmbito do processo 736/2014 do CAAD, que, com a devida vénia, se transcreve:

 

“… A fim de darmos resposta à questão que nos ocupa é pertinente ter presente o conceito de liquidação de tributos (art., 97, nº 1,al. a) do CPPT) ou atos de liquidação de tributos (artº 2º,nº1,al.a) do RJAT). Na lição de José Casalta Nabais “a liquidação lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende: 1) O lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídico-fiscal, 2) O lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto e, bem assim, se determina a taxa a aplicar no caso de pluralidade de taxas. 3) A liquidação stricto senso traduzida na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável, e 4) as (eventuais) deduções à colecta. Como decorre da noção de liquidação que nos é dada pelo ilustre professor, para cada facto tributário haverá, em princípio, uma única liquidação, pela qual se determinará a colecta a pagar. Tal é, aliás, o que decorre do art.23º, nº 7, do Código do Imposto de Selo ao dispor que “tratando-se do Imposto devido pelas situações previstas na verba nº 28 da tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente (…)” aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”. Por sua vez, dispõe o art.113º, nº 2 do CIMI, aplicável por remissão daquela norma do Código do Imposto do Selo, que “ a liquidação (…) é efectuada nos meses de fevereiro e março do ano seguinte” Da circunstância de, por força da lei, a mesma poder ser paga em várias prestações, não decorre que tenham ocorrido várias liquidações. A liquidação é só uma e só constitui ato lesivo, suscetível de ser impugnado que só pode, evidentemente, ser objecto de uma única impugnação. Naturalmente, quando a lei prevê o pagamento do valor da liquidação em várias prestações, escalonadas no tempo, a anulação do ato tributário terá consequências relativamente a todas elas, fazendo cessar a obrigação de pagar ou impondo a obrigação de restituição e de juros a cargo da ATA, em caso de pagamento pelo sujeito passivo. O que a lei não prevê, nem em sede arbitral, nem em sede de processo de impugnação judicial é a pretensão anulatória de pagamento de prestações de per si uma vez que tal efeito decorrerá apenas da anulação do ato tributário de liquidação, que como vimos, consiste na quantificação do montante total a pagar e que é apenas e tão só um único ato tributário”

Comungando o tribunal desta perspetiva, verificando-se que o pedido se dirige exclusivamente ao IS pago no âmbito da 2ª prestação e que o valor económico atribuído ao processo é precisamente o valor da 2ª prestação (€ 3 583,58), forçoso é concluir que o objeto do pedido não se dirige ao ato de liquidação do tributo, mas à técnica de cobrança do mesmo, neste caso, à 2ª prestação, sendo certo que a lei não prevê a impugnação de per si de prestações.

Tendo em conta o disposto no artigo 2º nº 1, alínea a) do RJAT que fixa a competência material dos tribunais arbitrais, temos que concluir que a matéria submetida à apreciação não cabe na competência do tribunal arbitral, ocorrendo a exceção dilatória prevista na alínea c) do nº1 do artigo 89º do CPTA[9], aplicável ex vi artigo 29º nº 1 alínea c) do RJAT.

Assim, procede a exceção aduzida pela requerida, ficando, deste modo, prejudicado o conhecimento das restantes questões.

 

IV – DECISÃO

 

Face ao exposto, o tribunal decide o seguinte:

 

a)      Declarar procedente a exceção aduzida pela requerida, absolvendo-a da instância.

b)      Fixar o valor do processo € 3 583,58 de harmonia com as disposições contidas no artigo 299º, nº 1, do CPC[10], artigo 97º-A do CPPT[11], e artigo 3º, nº2, do RCPAT[12].

c)      Fixar as custas, ao abrigo do nº4 do artigo 22º do RJAT, no montante de € 612,00 de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT, que ficam a cargo dos requerentes.

 

Notifique.

 

Lisboa 17 de Fevereiro de 2016

 

Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º,nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º,nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.

 

 

 

O árbitro

 

 Arlindo José Francisco

 

 



[1] Acrónimo de Número de identificação de Pessoa Coletiva

[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária

[3] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira

[4] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa

[5] Acrónimo de Valor Patrimonial Tributário

[6] Acrónimo de Tabela Geral do Imposto do Selo

[7] Acrónimo de Imposto do Selo

[8] Acrónimo de Supremo Tribunal Administrativo

[9] Acrónimo de Código de Processo nos Tribunais Administrativos

[10] Acrónimo de Código de Processo Civil

[11] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário

[12]  Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária