Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 551/2022-T
Data da decisão: 2023-07-24  ISV  
Valor do pedido: € 509,20
Tema: ISV. Veículo automóvel usado “importado” de outro Estado-membro da União Europeia. ISV sobre a componente ambiental.
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SUMÁRIO:

 

  1. O artigo 110.º do TFUE estabelece a impossibilidade de fazer incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente sobre produtos nacionais similares.
  2. O artigo 11.º, n.º 1, do Código do ISV, na redação introduzida pelo artigo 391.º, da Lei 75-B, de 31 de Dezembro, não está em conformidade com o direito da União Europeia, designadamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE (aplicável por força do artigo 8.º, n.º 4 da CRP), porquanto o mesmo padece de ilegalidade na parte em que não considerou aplicável a mesma taxa redução aplicada à componente cilindrada, na taxa redução de ISV relativa à componente ambiental, em violação do disposto no artigo 110.º do TFUE.

 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro do Tribunal Singular Dr. Armando Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 28.11.2022, decide:

  1. RELATÓRIO

A..., UNIPESSOAL LDA, sociedade unipessoal por quotas, titular do NIPC..., com sede social sita na Rua..., n.º ..., ..., ..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de pronuncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa efetuado nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), da liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV), tabela A, n.º 2021/..., resultante da apresentação pela Requerente da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV), n.º 2021/..., no valor total de € 4.944,01 (quatro mil novecentos e quarenta e quatro euros e um cêntimo), mas contestando, a título principal, o valor de € 509,20 (quinhentos e nove euros e vinte cêntimos), referente estritamente à componente ambiental, sendo a Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

  1. O pedido foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 21 de setembro de 2022.
  2. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi designado, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, a 12 de agosto de 2020, o ora signatário como Árbitro a integrar o Tribunal arbitral singular, o qual se constituiu em 2 de agosto de 2022, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
  3. Notificada para o efeito a 28 de novembro de 2022, a Requerida junta aos autos a sua resposta, na qual se defende por exceção, alegando a intempestividade da ação e, por impugnação, pugnando pela improcedência e consequente absolvição do pedido, que se dá por integralmente reproduzida. Juntou também processo administrativo (PA).
  4. Em 25 de janeiro de 2023, a Requerente apresentou resposta à exceção.
  5. Por despacho de 25 de novembro de 2020, o Tribunal Arbitral determinou a dispensa realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por desnecessidade, ao que as Partes não se opuseram e notificou as partes para apresentarem alegações escritas, facultativas e sucessivas e notificou-se a Requerente para efeitos de pagamento da taxa arbitral subsequente.
  6. No mesmo despacho o Tribunal Arbitral determinou a prorrogação sucessiva, por dois meses, do prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 21.º do RJAT.
  7. Em 2 de junho de 2023, a Requerente procedeu à apresentação das suas alegações.
  8. A 5 de junho de 2023, a Requerente procedeu à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente.
  9. Em 15 de junho, a Requerida procedeu à apresentação das suas alegações.
  1. SANEAMENTO
  1. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. alínea a) do nº 1 dos artigos 2.º e 5.º do RJAT).
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  3. O processo não enferma de qualquer ilegalidade.
  1. MATÉRIA DE FACTO
  1. Factos provados
  1. Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
    1. O Requerente introduziu em Portugal, com origem na Alemanha, da marca Volvo, modelo P, com 110.858 quilómetros já percorridos e com a primeira matrícula emitida no país de origem a 16 de novembro de 2016 (cfr. DAV).
    2. No cumprimento das suas obrigações legais, designadamente tributárias, procedeu à Declaração Aduaneira do referido veículo, através apresentação da DAV n.º 2021/..., tendo a Administração Tributária liquidado o ISV (Imposto Sobre Veículos) pelo valor de € 4.944,01 (cfr. DAV).
    3. De acordo com a informação constante da referida DAV, o valor global de ISV liquidação tem como parcelar um montante de € 4.385,72, referente à componente cilindrada e um montante de € 3.394,65, referente à componente ambiental.
    4. No que concerne à componente de cilindrada, foi deduzida uma quantia correspondente a 43% do seu montante, no valor de € 1.885,85 (Cfr. DAV).
    5. Relativamente ao montante de € 3.394,65, respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental, foi deduzida uma quantia correspondente a 28% do seu montante, no valor de € 950,50 (Cfr. DAV).
    6. A liquidação de imposto tem o número 2021/..., de 1 de setembro de 2021 e a data da cobrança é de 9 de setembro de 2021 (cfr. DAV)

 

  1. Factos não provados
  1. Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado
  1. Fundamentação da decisão da matéria de facto
  1. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e n.º 3 do artigo 607.ºdo CPC, aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).
  2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de direito (cfr. n.º 1 do anterior artigo 511.º, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º, do RJAT).
  3. Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º do CPPT, a prova documental apresentada pela Requerente e o processo administrativo junto aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, com base nos elementos documentais aí indicados.
  1. DO DIREITO E DO MÉRITO
  1. Questões a decidir
  1. No caso vertente está em causa a questão de saber se os atos de liquidação de Imposto Sobre Veículos realizados, nos termos do artigo 11.º do Código do Imposto Sobre Veículos, na redação dada pelo artigo 391.º, da Lei 75-B/2020, de 31 de dezembro, tendo em conta distintas percentagens de redução para a componente cilindrada e para a componente ambiental, daí resultando uma menor redução em sede de componente ambiental, que se encontra sujeita a escalões de vetustez mais alargados, padecem, ou não, de ilegalidade determinante da sua anulação, por violação do disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
  2. A Requerente considera que a atual redação do artigo 11.º do CISV, não obstante já permitir a redução da componente ambiental, não elimina a discriminação dos veículos usados provenientes de outros Estados Membros da União Europeia, por prever nessa sede uma desvalorização inferior à aplicada à componente cilindrada. Em sentido oposto, a Requerida considera que “a nova redação do n.º 1 do artigo 11.º, do CISV, dada pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, já incorpora as preocupações levantadas pela Comissão Europeia em matéria de compatibilidade com o direito europeu, refletindo a doutrina que resulta do Acórdão do Tribunal de Justiça prolatado no Processo n.º C-169/20, porquanto já prevê na Tabela D, à semelhança do que já sucedia com a componente cilindrada do ISV, que os veículos usados provenientes de Estados–membros da União Europeia beneficiem de um desconto/redução sobre a componente ambiental do ISV”.
  1. Exceção de caducidade da ação
  1. Segundo a Requerida, o pedido de revisão oficiosa (parcial) dos atos de liquidação de ISV foi deduzido após o prazo de 120 dias previsto para a reclamação graciosa dos atos tributários, sendo enquadrável na primeira parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, pelo que é extemporâneo e implica, numa relação de causalidade necessária, a intempestividade da presente ação arbitral. Preconiza ser inaplicável ao caso em análise o prazo de 4 anos contemplado no segundo segmento desta norma [n.º 1 do artigo 78.º da LGT], por não se verificar o fundamento de “erro imputável aos serviços”.
  2. Para este efeito, a Requerida faz uma interpretação restritiva do conceito de erro imputável aos serviços, de forma a excluir o erro por incompatibilidade com o Direito da União Europeia (em concreto, com o artigo 110.º do TFUE) invocado pela Requerente como vício invalidante dos atos tributários de liquidação de ISV controvertidos, na parte em que tais atos não acolheram uma redução de taxa da componente ambiental.
  3. Contudo, na situação dos autos, é convicção do Tribunal Arbitral que não se verifica a intempestividade do pedido de revisão oficiosa. Saliente-se que o vício que a Requerente imputa aos atos de liquidação de ISV, de violação do Direito da União Europeia, é, ao contrário do que defende a Requerida, um erro de direito imputável aos serviços, na aceção do n.º 1 do artigo 78.º da LGT. Com efeito, a legalidade não se cinge à dimensão dos atos legislativos previstos no artigo 112.º da CRP e inclui o bloco de normas e princípios supraordenados, como a Constituição e o Direito primário e derivado da União Europeia acolhido ex professo pelo artigo 8.º, n.º 4 da CRP.
  4. A subordinação “à Constituição e à lei” que o artigo 266.º, n.º 2 da CRP postula não pode, assim, deixar de compreender o Direito da União Europeia.
  5. Entendimento que é seguido pela jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, como se extrai dos seguintes excertos ilustrativos:

“havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços.”[1]

“Podendo a administração tributária proceder à revisão do ato tributário por iniciativa própria, no prazo que lhe é conferido (4 anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo não tiver sido pago) com fundamento em erro imputável aos serviços, pode igualmente fazê-lo a pedido do sujeito passivo, ainda que após o termo do prazo que a este é concedido para formular o pedido por iniciativa própria (arts.49° n°1 e 78° n°s 1 e 7 LGT/art. 86° n° 4 al. a) CPPT; na doutrina Diogo Leite de Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa Lei Geral Tributária comentada e anotada 4ª edição 2012 pp. 705/706). Esta interpretação, embora permitindo um alargamento do período de instabilidade da situação tributária, com preterição do valor da segurança jurídica, resulta da aplicação dos princípios da decisão, legalidade, justiça, igualdade e imparcialidade (art. 266° n° 2 CRP; art. 56° n°1 LGT) (cf. designadamente, acórdãos STA-SCT 20.03.2002 processo n° 26580; 29.10.2003 processo n° 462/03; 11.05.2005 processo n° 319/05; 22.03.2011 processo n° 1009/10).

Constitui erro imputável aos serviços, determinante da admissibilidade da impugnação judicial deduzida, o indeferimento (expresso ou tácito) do pedido de revisão oficiosa formulado pelo contribuinte, com fundamento em norma de direito nacional que viola norma de direito comunitário, integrante de ordenamento de hierarquia superior.

A vinculação da administração tributária ao cumprimento das normas de direito comunitário ou convencional radica na circunstância de, por imperativo de disposição constitucional, elas integrarem o ordenamento jurídico nacional e vigorarem na ordem interna, estando os órgãos e agentes administrativos subordinados à Constituição e à lei (arts. 8° nºs 2 e 3 e 266° n° 2 CRP).” (sublinhado nosso).

  1. De igual modo, decidiu o Tribunal Arbitral no processo do CAAD n.º 297/2020- T, ao entender, e bem, como erro imputável aos serviços o erro na aplicação do Direito da União Europeia, enquadrável no prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT para a revisão oficiosa dos atos tributários.
  2. Em síntese, a revisão oficiosa exige que, cumulativamente, se verifiquem três requisitos:
  1. O pedido seja formulado no prazo de 4 anos contados a partir do ato cuja revisão se requer (ou a todo o tempo quando o tributo não se encontre pago);
  2. Tenha origem em erro imputável aos serviços e
  3. Proceda da iniciativa do contribuinte ou se realize oficiosamente pela AT.
  1. Todos estes requisitos estão reunidos na situação vertente, pois o erro imputável aos serviços abrange o erro nos pressupostos de iure, por violação do Direito da União Europeia.
  2. Face ao acima exposto, julga-se improcedente a exceção de caducidade do direito de ação, uma vez que o pedido de pronúncia arbitral deu entrada dentro do prazo de 90 dias determinado pelo artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, por remissão para o artigo 102.º, n.º 1, alínea d) do CPPT.
  1. Apreciação
  1. O artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Código do ISV, estabelece a incidência objetiva do imposto sobre “automóveis ligeiros de passageiros, considerando-se como tais os automóveis com peso bruto até 3500 kg e com lotação não superior a nove lugares, incluindo o do condutor, que se destinem ao transporte de pessoas”, sendo sujeitos passivos do mesmo, de acordo com o disposto no artigo 3.º, n.º 1, do mesmo Código, “os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares (…) que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando -se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos”.
  2. De acordo com os números 1 e 3 do artigo 5.º, do Código do ISV, constitui facto gerador do imposto “o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional (...)”, entendendo-se por “admissão”, a “entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-membro da União Europeia em território nacional”.
  3. No que diz respeito ao presente caso, cumpre referir ainda que a coleta do imposto é determinada, nos termos do artigo 7.º, do Código do ISV, e do artigo 11.º, do Código do ISV, para os veículos usados, tendo por referência a componente da cilindrada, por escalão em centímetros cúbicos, e a componente ambiental, por escalão de CO2, em gramas por quilómetro.
  4. Nos termos do n.º 1 do artigo 11.º, estabelece-se que o “imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional”, seguindo-se a tabela em que se encontram associadas percentagens diferenciadas de redução relativamente à componente cilindrada e ambiental, tendo em conta o “tempo de uso” do veículo, considerando-se este o “período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respetivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos”, nos termos do n.º 2..
  5. A referida “Tabela D”, tem a seguinte redação:

 

 

 

  1. O regime acima constitui o reflexo de uma evolução determinada pelo direito da União Europeia. De facto, na origem da redação atual encontra-se a decisão da Nona Secção do Tribunal de Justiça da União Europeia, que, por acórdão de 2 de setembro de 2021, decidiu que “ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado‑Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previsto no Código do Imposto sobre Veículos, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 71/2018, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE”.
  2. Já na vigência da atual redação do artigo 11.º do CISV, este CAAD teve oportunidade de apreciar a questão da compatibilidade desta norma com o disposto no artigo 110.º do TFUE. A título meramente exemplificativo, fê-lo através de várias decisões nos processos n.os 372/2021-T e 607/2021-T, onde se concluiu pela violação do direito comunitário, e nos processos n.os 349/2022-T e 481/2022-T, nos quais se decidiu em sentido oposto, considerando-se inexistir tratamento discriminatório face aos veículos provenientes de outros Estados Membros.
  3. Este tribunal adota, de forma convicta, as decisões que concluem pela violação do direito comunitário. Para o efeito, refere-se a fundamentação apresentada na Decisão n.º 372/2021-T:

“(...) tal como resulta da nova redação passou o sistema de tributação dos veículos usados a contemplar na componente ambiental uma redução, de acordo do tempo de uso. A referida alteração vem sustentada nos termos da proposta de Lei 61/XIV, no sentido que:

“(...) que se procurou salvaguardar os ambiciosos objetivos ambientais do País e a incorporar o essencial das preocupações levantadas pela Comissão Europeia em matéria de compatibilidade com o direito europeu, prevê-se, à semelhança do que já sucede com a componente cilindrada do ISV, que os veículos usados provenientes de Estados –membros da União Europeia passem a beneficiar de um desconto sobre a componente ambiental do ISV, o qual, ao contrário do que sucede com a componente cilindrada, não estará associado à desvalorização comercial dos veículos, mas antes à sua vida útil média remanescente (medida pela idade média dos veículos enviados para abate), por se entender que a mesma é uma boa métrica do horizonte temporal de poluição do veículo, assegurando-se, deste modo, que os carros poluentes serão justamente tributados à entrada em Portugal.”

Posto isto, no âmbito do presente pedido de pronuncia arbitral, e de acordo com a factualidade dada como provada, Portugal passou a contemplar uma redução sobre a componente ambiental do ISV no cálculo do imposto incidente sobre veículos usados “importados” de outros Estados-Membros. Porém, tal redução não está associada à desvalorização comercial dos veículos, mas antes à sua vida útil média remanescente, o que conduz a que as taxas de redução da componente cilindrada e ambiental não sejam similares, bem como os escalões, de acordo com o tempo de uso, sejam diferentes em cada uma das componentes. Esta circunstância conduz ao agravamento deliberado da componente ambiental, por via da menor redução aplicada às viaturas.

No caso em apreço, conduziu a que a taxa de redução da cilindrada fosse de 65%, enquanto a taxa de redução na componente ambiental fosse somente de 43%, o que representa um diferencial de 22%. Esta diferença continua, tal como sucedia nas anteriores redações da norma legal, a ser sustentada nos objetivos ambientais do Estado português, ou seja, que objetivos de natureza ambiental justificam o distinto tratamento, sem que tal implique a violação do artigo 110.º, do TFUE, por o mesmo dever ser interpretado à luz do artigo 191.º do TFUE.

Porém, à revelia do direito da União Europeia, o artigo 11.º, n.º 1, do CISV, na redação dada pelo artigo 391.º, da Lei n.º 75-B/2020 de 31 de dezembro, continua a não se mostrar conforme ao artigo 110.º, do TFUE. Na realidade, conforme referido pela jurisprudência da União Europeia, a referida disposição legal não atende à depreciação real do veículo e não permite garantir sempre que o montante do imposto que fixa não excede o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional. Pois, quando um Estado-membro aplica aos veículos usados importados de outros Estados membros um sistema de tributação em que a depreciação real dos veículos é definida de modo geral e abstrato com base em critérios determinados pelo direito nacional, o disposto no Tratado exige que esse sistema de tributação seja organizado de forma a excluir todo e qualquer efeito discriminatório.

Embora o atual modelo de tributação tenha diminuído significativamente a discriminação que existia entre os veículos usados “importados” e os veículos usados do mercado nacional, a verdade é que não se pode afirmar que tenha sido eliminado qualquer efeito discriminatório. Assim, da aplicação de diferentes metodologias de redução, daquela que se aplica à componente ambiental, resulta a conclusão que não foi excluído todo o efeito discriminatório, que continua a existir à luz da jurisprudência europeia invocada.

Com efeito, haveria que na componente ambiental, calcular a redução nos termos previstos para a componente de cilindrada, de modo a salvaguardar a depreciação dos veículos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados-Membros, não ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado-Membro de importação. A não ser assim, não se vê como se possa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados.

Essa perfeita neutralidade pressupõe, à luz da jurisprudência do TJUE, que não possa, em caso algum, ter efeitos discriminatório. Portanto, ainda que esse efeito discriminatório tenha sido efetivamente reduzido (limitado), a verdade é que ele ainda se mantém, entre os referidos veículos usados “importados” e os veículos usados do mercado interno, atenta a menor redução na componente ambiental aplicada no sistema de tributação portuguesa dos veículos automóveis “importados”. Pois, da referida jurisprudência resulta a necessidade de evitar qualquer forma de discriminação, direta ou indireta, das “importações” provenientes dos outros Estados-membros, ou de proteção em favor de produções nacionais concorrentes.

A Requerida continua a suscitar o princípio da proteção do ambiente consagrado no artigo 191.º do TFUE, no sentido que se deve interpretar o artigo 110.º do TFUE à luz do disposto desse artigo 191.º, sob pena de conflitualidade entre as duas normas. Para além dos preceitos constitucionais referidos, que ficam em crise com uma interpretação discordante com a da Requerida, a verdade é que o artigo 191.º do TFUE teve origem no artigo 174.º daquele Tratado, e também a jurisprudência do TJUE se referiu em diversos momentos às questões ambientais na interpretação do referido artigo 90.º, nomeadamente, no processo C-290/05.

Por seu turno, do Acórdão do TJUE (C-200/15), de 16-06-2016, resulta que o “artigo (110.º do TFUE) é violado sempre que a imposição que incide sobre o artigo importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculados de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam (…) a uma imposição superior do produto importado (…)”, sendo que “(…) um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares, disponíveis no mercado nacional (…)”.

Portanto, a posição da Requerida, no entender deste tribunal arbitral, importa uma violação ao aludido artigo 110.º, do TFUE e, ao contrário do que defende, não é compatível com o modelo de tributação existente, uma vez que a jurisprudência europeia impõe que tais sistemas de tributação sejam expurgados de qualquer efeito discriminatório, por menor que ele seja, não havendo que aceitar uma discriminação menor face à situação anteriormente vigente. Sendo, por isso, que o atual artigo 110.º do TFUE se opõe a que um Estado Membro aplique aos veículos usados importados de outro Estado-membro um sistema de tributação em que o imposto que incide sobre esses veículos não atenda à depreciação real do veículo e não permita garantir sempre que o montante do imposto que fixa não excede o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional. Nestes termos, não pode este Tribunal arbitral deixar de considerar que, o que deverá aqui relevar, é que o artigo 11.º do CISV está em desconformidade com o disposto no artigo 110.º do TFUE, não havendo, de acordo com os fundamentos da Requerida, qualquer interpretação desconforme à Constituição, por parte do Requerente, nem quanto ao direito da União Europeia e direito internacional, porquanto os fins que visam não se podem assegurar com base num sistema tributário discriminatório.

É, que, o artigo 110.º TFUE não permite qualquer derrogação ao princípio da não discriminação, direta ou indireta, no que diz respeito às «importações» de outros Estados‑Membros. Por outro lado, no caso dos veículos registados como novos, a componente ambiental do imposto em causa é coletada apenas uma vez, no momento do registo do veículo em questão, pelo que, consequentemente, o montante a pagar para registar um veículo usado importado excede o aplicável a um veículo usado semelhante já registado em Portugal, o que constitui uma violação do artigo 110.º TFUE.

Igualmente, neste âmbito não há que comparar a tributação de um veículo usado com a de um veículo novo.

Embora sob a análise da anterior redação doa artigo 11.º, n.º 1, do CISV, é sintomático o posicionamento do TJUE no acórdão de 2 de setembro de 2021, no âmbito do processo C-169/20, que opunha a Comissão Europeia e a República Portuguesa, em que se discutia, entre o demais, a componente do imposto de registo calculada com base nas emissões de dióxido de carbono e a não consideração da desvalorização do veículo. Nesse concreto contexto, que é atualmente distinto, decidiu-se que:

“há que declarar que, ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado‑Membro, no âmbito do cálculo do imposto em causa previsto no Código do Imposto sobre Veículos, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE.”.

Se é verdade que, na atualidade se veio passar a considerar a desvalorização do veículo, não se pode deixar de citar no entendimento deste tribunal arbitral várias passagens do referido acórdão, que permitem concluir que se continua a violar o artigo 110.º, do TFUE, no sentido que é entendido pelo TJUE:

“o artigo 110.º TFUE tem por objetivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados‑Membros, em condições normais de concorrência, através da eliminação de qualquer forma de proteção que possa resultar da aplicação de imposições internas que sejam discriminatórias para os produtos originários de outros Estados‑Membros. Este artigo é violado sempre que a imposição que incide sobre o produto importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculadas de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda que apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado” (negrito e sublinhado nosso).

Assim, o acórdão acabado de citar, decidiu que:

“a cobrança, por um Estado‑Membro, de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro é contrária ao artigo 110.º TFUE, quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional”.

Ora, é, pois, entendimento deste tribunal arbitral que a atual redação não tem em consideração a depreciação real do veículo, quando aplica distintas taxas de redução, conforme se está na componente de cilindrada ou na competente ambiental. Sendo a viatura a mesma, não se justifica a existência de diferentes depreciações, por efeito da imposição de objetivos ambientais, porque dessa forma se gera, uma vez mais, um fator discriminativo, ainda que de menor dimensão, por continuar a exceder o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional.

Na realidade, a Requerida nem sequer se esforça por demonstrar o contrário, uma vez que continua a remeter a justificação dessa discriminação para fatores de índole ambiental, nomeadamente, para a defesa do meio ambiente, ao abrigo das disposições do artigo 66.º e 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, bem como, do artigo 191.º, do TFUE.

Com efeito, esta linha argumentativa não permite ultrapassar o entendimento do TJUE sobre o modelo de tributação português dos veículos usados “importados” de outros países da União Europeia, uma vez que defendeu no citado acórdão de 2 de setembro de 2021 que:

“um Estado‑Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional” (negrito nosso).

No caso em apreço, não se pode assim considerar, nem tal vem alegado ou demonstrado pela Requerida, que o valor do veículo usado “importado” utilizado pela AT como base de tributação reflete fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional.

Como bem refere o mencionado acórdão do TJUE (processo C-169/20):

“(...) a legislação nacional que institui o imposto em causa tem por consequência que o montante do imposto de registo para os veículos usados importados em Portugal de outros Estados-Membros é calculado sem tomar em consideração a desvalorização real desses veículos. Por conseguinte, a referida legislação não garante que os veículos usados importados de outro Estado‑Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares já presentes no mercado nacional, o que é contrário ao artigo 110.º TFUE.”.

E a situação analisada pelo referido acórdão, ainda à luz da anterior redação do artigo 11.º, n.º 1, do CISV, não se alterou integralmente com a nova redação, uma vez que não se pode deixar de considerar que não é tomada em consideração em toda a sua amplitude a desvalorização real destes veículos, pelo que não estando garantido que os veículos usados importados de outro Estado‑Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares já presentes no mercado nacional, tal implica a violação do artigo 110.º TFUE.

Sobre a linha argumentativa da Requerida para justificar a existência de uma taxa de redução menor na componente ambiental, que se funda num objetivo de proteção do ambiente, o TJUE entende que, embora os Estados‑Membros sejam livres de estabelecer um sistema de tributação diferenciada para certos produtos e, portanto, de definir as modalidades de cálculo do imposto de registo de modo a ter em conta considerações relacionadas com a proteção do ambiente, não é menos verdade que essas modalidades devem, nomeadamente, ser suscetíveis de evitar qualquer forma de discriminação, direta ou indireta, relativamente às importações provenientes de outros Estados‑Membros, ou de proteção em favor de produções nacionais concorrentes, em conformidade com o artigo 110.º  do TFUE

Por isso, é entendimento do TJUE que:

“(...) se opõe a um imposto relativo ao registo dos veículos cujo montante, determinado, nomeadamente, em função da «classificação ambiental» dos veículos, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados‑Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado‑Membro de importação”.

Ainda que esta decisão se tenha fundado na redação anterior do artigo 11.º, n.º 1, do CISV, que não contemplava nenhuma redução na componente ambiental, a verdade é que a sua atual redação não tem integralmente em consideração, conforme atrás referido, a depreciação dos veículos, pelo que apenas se limita a descriminação, e não se limita de forma plena o  seu efeito discriminatório, o qual não pode ser justificado por razões de política ambiental e de defesa do princípio de defesa ambiental.

Aliás, a referida e citada jurisprudência da União Europeia, avança como uma solução para contabilizar o artigo 110.º, do TFUE, com os princípios e objetivos ambientais referenciados pela Requerida, nomeadamente, quando refere que:

“o objetivo de proteção do ambiente poderia ser realizado de forma mais completa e coerente fazendo incidir um imposto anual sobre qualquer veículo que entrasse em circulação num Estado‑Membro, o qual não beneficiaria o mercado nacional dos veículos usados em detrimento da colocação em circulação de veículos usados importados de outros Estados‑Membros e seria, além disso, conforme com o princípio do poluidor” (negrito nosso).

Porém, ao arrepio das indicações dadas pela jurisprudência comunitária, a atual redação do artigo 11.º, n.º 1, do CISV, mantém, ainda que de forma mais limitada, os mesmos problemas que lhe vinham sendo apontados, em violação do Direito da União Europeia, designadamente do artigo 110.º, do TFUE. Pois, um imposto calculado em função do potencial de poluição de um veículo usado, que, à semelhança do imposto em causa, só é integralmente cobrado no momento da importação e da entrada em circulação de um veículo usado proveniente de outro Estado‑Membro, ao passo que o adquirente de um desses veículos já presente no mercado do Estado‑Membro em causa só tem de suportar o montante do imposto residual incorporado no valor comercial do veículo que adquire, é contrário ao artigo 110.º do TFUE.

Pelo que cai a linha argumentativa das alegações da Requerida nos presentes autos de arbitragem, uma vez que a questão fulcral, tal como reconhece a jurisprudência comunitária, é que “(...) em qualquer caso, (...), tal imposto (...) continuaria a ser discriminatório em relação aos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, uma vez que o referido imposto excederia o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos usados similares comprados e registados no território nacional”. Logo, a nova redação não ultrapassando integralmente a discriminação apontada, conduz a que referida norma interna continue a violar o artigo 110.º, do TFUE, não havendo que ponderar o facto dessa discriminação ser menos extensa, do que aquela que se encontrava na redação anterior, visto que a jurisprudência comunitária exige a inexistência em absoluto de discriminação.

De notar ainda que o acórdão de 2 de setembro de 2021, decidiu que embora “(...) ao abrigo do artigo 11.º, n.º 3, do Código do Imposto sobre Veículos, os contribuintes possam optar por um método alternativo de cálculo do imposto em causa, requerendo ao diretor da alfândega que recalcule o referido imposto com base na avaliação efetiva do veículo, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a existência de um método alternativo de cálculo de um imposto não dispensa um Estado‑Membro da obrigação de respeitar os princípios fundamentais de uma norma essencial do Tratado FUE, nem autoriza esse Estado‑Membro a violar esse Tratado”.

Em conclusão, haverá que continuar a entender, sob a orientação da linha da jurisprudência constante do TJUE, que o Estado português ao desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados, postos em circulação no território português, e adquiridos noutro Estado‑Membro, nomeadamente, por discriminar no âmbito do cálculo do imposto, a taxa de redução que é aplicável à componente ambiental, por confronto à aplicada à componente cilindrada, violou efetivamente o artigo 110.º TFUE.

Em consequência, entende-se que o artigo 11.º, n.º 1, do CISV não está em conformidade com o direito da União Europeia, designadamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE (aplicável por força do artigo 8.º, n.º 4 da CRP), pelo que determina este Tribunal Arbitral que será de anular parcialmente o ato tributário de ISV objeto do pedido, porquanto o mesmo padece de ilegalidade na parte em que não considerou aplicável a mesma taxa redução aplicada à componente cilindrada (65%), na taxa redução de ISV relativa à componente ambiental, onde aplicou apenas a taxa de 43%, em violação do disposto no artigo 110.º do TFUE.

(...)”.

Argumentação a que o presente Tribunal adere sem qualquer reserva, já que a mesma vai ao encontro do já explicitado pela Comissão e da jurisprudência clara e pacífica do TJUE.

À face do exposto, conclui-se pela procedência da ação, por vício material de violação de lei (do artigo 110.º do TFUE).

  1. Juros compensatórios

O direito a juros indemnizatórios é regido pelo artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida.

A jurisprudência arbitral tem reiteradamente afirmado a competência destes tribunais para proferir pronúncias condenatórias derivadas do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que aí sejam impugnados, que, havendo decisão a favor do sujeito passivo, postulam o restabelecimento da situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT.

Na situação vertente, a liquidação parcialmente impugnada padece de erro imputável à Requerida, por aplicação de normas nacionais que violam o Direito da União Europeia (que faz parte do bloco de legalidade constitutivo da ordem jurídica nacional), pois deveria ter sido considerada, nas liquidações de ISV, além da redução da taxa aplicável à componente cilindrada em função dos anos de uso dos veículos prevista no artigo 11.º, n.º 1 do Código do ISV, a redução da taxa aplicável à componente ambiental em função do mesmo critério, aplicável por imperativo do princípio não discriminatório ínsito no artigo 110.º do TFUE.

A não aplicação da mencionada redução na componente ambiental resultou no pagamento de uma prestação tributária em montante superior ao legalmente devido, pelo que se verifica o pressuposto de erro imputável aos serviços e a constituição, na esfera da Requerente, do direito ao recebimento de juros indemnizatórios que a visam ressarcir da ilegal privação desta quantia pelo período de tempo que perdurar, até à sua restituição, conforme preceituado nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

  1. DECISÃO

De harmonia com o exposto, este Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar improcedente a exceção de caducidade do direito de ação suscitada pela Requerida;
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação parcial da liquidação de ISV contestada, ordenando-se o reembolso à Requerente da quantia indevidamente paga;
  3. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios;
  4. Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do processo.
  1. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em 509,20 euros, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

  1. CUSTAS

Ao abrigo do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 306€, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 24 de julho de 2023

 

 

(Armando Oliveira)

 

 



[1] V. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.12.2001, no processo n.º 026233. No mesmo sentido se pronunciam, entre outros, os acórdãos de 06.02.2002, processo n.º 026690, de 05.06.2002, processo n.º 0392/02, de 16.01.2002, processo n.º 026391, de 30.01.2002, processo n.º 026231, de 20.03.2002, processo n.º 026580, e de 10.07.2002, processo n.º 026668