Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 551/2019-T
Data da decisão: 2019-12-16  IRS  
Valor do pedido: € 13.540,05
Tema: IRS – artigo 46.º, n.ºs 1 e 2 – Cálculo das mais-valias. IMT e sisa.
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Nuno Cunha Rodrigues, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 28.10.2019, decide nos termos que seguem:

 

I. RELATÓRIO:

1. A..., contribuinte número ..., residente em ... – ..., Reino Unido, (doravante designado por “Requerente”), apresentou, em 20/08/2019, um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com a alínea a) do art. 99.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida AT).

2. O Requerente pede a anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2017 ... do ano de 2013, no valor de 13.540,05 (treze mil quinhentos e quarenta euros e cinco cêntimos), bem como do despacho de indeferimento que recaiu sob o pedido de revisão que apresentou sob o n.º ...2018...

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD a 21-08-2019 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nessa mesma data.

4. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o ora signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

5. Em 07-10-2019 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 28-10-2019.

7. Atendendo a que não existia necessidade de produção de prova adicional, para lá da prova documental já incorporada nos autos, nem matéria de excepção sobre as quais as partes carecessem de se pronunciar, e que, no processo arbitral, vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º do RJAT, dispensou-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT bem como a apresentação de alegações escritas pelas partes.

8. Foi fixado o dia 28 de janeiro de 2020 (por lapso referiu-se o ano de 2019 no despacho arbitral em causa) para a prolação de decisão final.

9. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

10. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

11. O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

II. DO PEDIDO DO REQUERENTE:

O Requerente solicita a anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2017 ... do ano de 2013, no valor de 13.540,05 (treze mil quinhentos e quarenta euros e cinco cêntimos), bem como do despacho de indeferimento que recaiu sob o pedido de revisão que apresentou sob o n.º ...2018...

Entende, em síntese, que a liquidação de IRS emitida pela Requerida AT, no montante de 13.540,05€, e que teve como fundamento a alegada mais-valia resultante da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição do imóvel sub judice não foi corretamente calculada pela Requerida AT, uma vez que esta última atendeu ao valor patrimonial tributário (VPT) do imóvel, desconsiderando o valor de aquisição constante da escritura pública celebrada em nove de janeiro de mil novecentos e noventa e oito.

Alega ainda o Requerente que a Requerida AT não o notificou em sede de IRS para que submetesse a declaração respetiva em 2014 e relativa ao ano de 2013, tendo daí resultado a declaração oficiosa de rendimentos do ano de 2013, efetuada em 2017, no valor de 13.540,05€ (treze mil quinhentos e quarenta euros e cinco cêntimos).

Por fim, e face à emissão da declaração oficiosa, o Requerente deduziu a revisão oficiosa n.º ...2018..., a qual foi indeferida, dando origem à emissão da liquidação oficiosa de IRS n.º 2017..., que o Requerente impugna nos presentes autos.

 

III. DA RESPOSTA DA REQUERIDA AT:

Em resposta, a Requerida AT considera que a matéria tributável sub judice resultou diretamente da lei, pois, face à não entrega de declaração de IRS por parte do Requerente, foi efetuada declaração oficiosa de acordo com os elementos disponíveis na AT, da qual resultou a liquidação controvertida, de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 76.º do Código do Imposto Sobre o Rendimentos de pessoas Singulares (doravante Código do IRS).

Mais entende a Requerida AT ter sido o comportamento do Requerente, ao não entregar a declaração de rendimentos a que está obrigado (artigo 57.º do Código do IRS), que originou que a AT procedesse à fixação do rendimento coletável, com base nos elementos disponíveis referentes à compra e venda do imóvel em causa e que deu origem à liquidação n.º 2017..., objeto da presente impugnação.

Acrescenta ainda a AT que, na situação em apreço, a aquisição do imóvel por parte do Requerente, em 1998, efetuou-se com isenção de sisa, devido ao preço do imóvel destinado a habitação própria e permanente ser inferior a 10.950 contos, pelo que não foi emitido o “Conhecimento de Sisa”, motivo pelo qual o mesmo não foi mencionado na escritura de compra e venda.

A Requerida AT entende ainda que, como inexistiu o denominado “Conhecimento de Sisa”, a AT, quando elaborou a declaração oficiosa, para o apuramento do valor de aquisição, que seria inscrito no campo 401 do quadro 4 do anexo G, inscreveu o valor conhecido, que corresponde ao valor patrimonial tributário.

Conclui a Requerida AT que, no tocante à alegada falta de notificação bem como do ónus da prova relativamente às mesmas, relativamente a um contribuinte faltoso não tem de ser efetuada qualquer notificação porquanto a obrigatoriedade da entrega da declaração de rendimentos IRS, modelo 3, decorre do artigo 57.º do CIRS, isto é, decorre diretamente da lei.

 

IV. MATÉRIA DE FACTO:

A. Factos provados:

Consideram-se provados os seguintes factos:

1.            O Requerente reside, desde 2009, em ...–..., Reino Unido;

2.            Em 9 de janeiro de 1998 foi celebrada escritura pública de compra e venda do imóvel sito na Rua ..., segundo andar direito, em ..., ..., destinado a habitação própria permanente e correspondente à fracção “F”, descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n.º..., nos termos da qual o Requerente adquiriu o imóvel pelo valor de 10.300.000$00 (dez milhões e trezentos mil escudos);

3.            A transmissão do imóvel descrito no número anterior esteve isenta de sisa, nos termos do n.º 22 do artigo 11.º do Código de Sisa vigente à data, conforme consta a páginas 6 da escritura junta como documento n.º 2 da petição inicial;

4.            O valor do imóvel descrito no ponto 2. supra corresponde ao valor de 51.376,18€ (cinquenta e um mil trezentos e setenta e seis euros e dezoito cêntimos), o qual, multiplicado pelo coeficiente de desvalorização para o ano de 1998 - de 1,44 -, perfaz o total de 73.981,70€;

5.            Em 30 de março de 2017, o Requerente foi notificado, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...2009... que correu contra este, da decisão de verificação e graduação de créditos, no qual consta o valor de venda do imóvel sub judice e descrito no ponto 2. supra, em 51.000,00€.

6.            Para efeitos de cálculo de mais-valias em sede de IRS a Requerida AT considerou como valor de aquisição do imóvel a quantia de 6.250,29€, correspondente ao VPT (valor patrimonial tributário) deste;

7.            O Requerente não auferiu, em 2013, qualquer outro rendimento em Portugal, para além do decorrente da venda judicial supra descrita no ponto 5.;

8.            A AT enviou uma notificação com o registo RY...PT, em 30/10/2014, cujo resultado foi “em distribuição nos CTT”;

9.            A Autoridade Tributária (AT) emitiu a liquidação n.º 2017..., referente ao ano de 2013, no montante de € 13.540,05;

10.          Em 18 de outubro de 2018 o Requerente deduziu o pedido de revisão oficiosa n.º ...2018..., o qual foi indeferido;

B. Factos não provados:

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.

C. Fundamentação da matéria de facto:

O Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (n.º 2 do artigo 123.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal atendeu à prova documental junta aos autos pelas partes, concretamente aos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e ao teor do processo administrativo junto pela AT, bem assim como aos factos reconhecidos pelas partes.

 

V. DO DIREITO:

A questão decidenda prende-se com o pedido do Requerente, através do qual pretende que seja efectuada a revisão da liquidação do IRS do ano de 2013, com os fundamentos constantes naquele, estribando-se no n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (doravante LGT).

O Requerente invoca erro imputável aos serviços da AT, quer na elaboração da declaração oficiosa, quer na liquidação, quer na apreciação e decisão do pedido de revisão uma vez que a Requerida AT entendeu que, como inexistiu o denominado “Conhecimento de Sisa” na escritura celebrada em 9 de janeiro de mil 1998, quando elaborou a declaração oficiosa para o apuramento do valor de aquisição, no campo 401 do quadro 4 do anexo G, terá inscrito o valor conhecido pela Requerida AT, que - alega esta - correspondia ao valor patrimonial tributário.

Em sentido oposto, entende o Requerente que a liquidação de IRS emitida pela Requerida AT, no montante de 13.540,05€, e que teve como fundamento a alegada mais-valia resultante da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição do imóvel, não foi corretamente calculada pela Requerida AT, uma vez que esta última atendeu ao valor patrimonial tributário (VPT) do imóvel no momento da aquisição, desconsiderando o valor de aquisição constante da escritura pública celebrada em nove de janeiro de mil novecentos e noventa e oito.

Cumpre decidir.

Os pedidos de revisão previstos no artigo 78.º, n.ºs 1 e 4 da LGT constituem o meio próprio para pedir, excepcionalmente, a reformulação dos atos praticados pela AT, relativos à liquidação de IRS no ano de 2013.

A 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT consagra o prazo da reclamação administrativa para o Requerente exercer o direito que, no caso, já foi ultrapassado.

Porém, o Requerente invoca a existência de erro imputável aos serviços, pelo que se considera o prazo previsto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, de quatro anos após a liquidação, ou a todo o tempo, se o tributo ainda não tiver sido pago, razão pela qual o pedido realizado foi considerado tempestivo.

Analisemos, assim, se houve erro imputável aos serviços.

No caso sub judice, e em ordem a proceder ao cálculo das mais-valias, não estando verificado o pressuposto previsto no n.º 1 do artigo 46.º do Código do IRS, tornou-se necessário o recurso, pela AT, ao critério secundário e subsidiário constante do n.º 2.

Alega a Requerida AT que, para efeitos de cálculo da mais-valia eventualmente obtida pelo Requerente, inscreveu o valor conhecido que, no entender desta, correspondia ao valor patrimonial tributário (VPT) uma vez que desconhecia, na data em que procedeu à liquidação, o valor de aquisição do imóvel constante da escritura de compra e venda celebrada em 1998.

Com efeito, foi apenas mais tarde que, no âmbito do pedido de revisão efetuado pelo Requerente, foi junta escritura pública de compra e venda, realizada em 9 de janeiro de 1998, através da qual se comprova que o valor de aquisição do imóvel foi de 10.300.000$00 (dez milhões e trezentos mil escudos), correspondente a 51.376,18€ (cinquenta e um mil trezentos e setenta e seis euros e dezoito cêntimos), valor que, multiplicado pelo coeficiente de desvalorização para o ano de 1998 (1,44), perfaz o total de 73.981,70€.

Não pode, por isso, considerar-se que tenha havido erro imputável aos serviços.

Porém, a circunstância de não ser aplicável o disposto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT, não afasta a possibilidade de aplicação do disposto no artigo 78.º, n.º 4 da LGT ao presente caso.

De harmonia com este preceito legal, a revisão do ato tributário pode ser autorizada, excecionalmente, com fundamento em injustiça grave ou notória, se o erro não for imputável a conduta negligente do contribuinte.

Nos presentes autos, está em causa um pedido de revisão apresentado pelo Requerente, atendendo à circunstância de a Requerida AT não ter considerado o valor de aquisição constante da escritura pública de compra e venda realizada em 1998 não contabilizando, de forma consequente, este valor de aquisição para efeitos de apuramento de eventuais mais-valias.

Devemos, pois, considerar os factos dados como provados, subsumindo-os ao disposto no artigo 78.º, n.º 4 da LGT.

Nesta análise, convém ter em conta o facto de que o n.º 4 (anterior n.º 3) do artigo 78.º ter sido alterado pela Lei n.º 60-A/2005, de 30/12 (com entrada em vigor em 1/1/2006) que lhe aditou a expressão “desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”.

A alteração não é despicienda porque, se até aí bastava a verificação de injustiça grave ou notória no apuramento da matéria coletável, desde então passou a exigir-se, cumulativamente, que o erro gerador da comprovada injustiça grave ou notória não seja devido a uma condição subjetiva relacionada com o comportamento do contribuinte.

Adicionada essa condição, passou a ter fulcral importância a matéria respeitante ao ónus da prova dos direitos, dado que está em causa um comportamento subjetivo, e daí que o direito do contribuinte à decisão favorável só pode ser aceite mediante prova, isto é, de conformidade com o artigo 74.º da LGT, “o ónus da prova de factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

O instituto jurídico da revisão consagrado no artigo 78.º da LGT, mais não é do que o dever da administração de concretizar a revisão de atos tributários a favor do contribuinte, uma vez que os princípios da justiça, igualdade e legalidade que a administração tributária tem que observar, na globalidade da sua atividade, impõem que sejam oficiosamente corrigidos erros praticados nas liquidações sempre que sejam ou tenham sido arrecadados tributos superiores aos devidos.

Há, assim, um reconhecimento no âmbito do direito tributário do dever de revogar atos ilegais.

Contudo, este dever sofre de limitações, justificadas por necessidade de segurança jurídica, pelo que, além do quadro de pressupostos e requisitos fixados na lei, houve necessidade de introduzir limites temporais que, no caso do artigo 78.º, n.º 4 da LGT, correspondem aos três anos posteriores ao do ato tributário os quais não foram esgotados no presente caso, considerando que a liquidação foi emitida pela AT em 2017.

Cumpre, por isso, verificar os dois pressupostos de aplicação do artigo 78.º, n.º 4 da LGT.

Comecemos pelo primeiro: verificar se o Requerente sofreu um caso de injustiça grave ou notória no apuramento da matéria coletável.

A aquisição do imóvel por parte do Requerente, em 1998, efetuou-se com isenção de sisa, devido à circunstância de o preço do imóvel, destinado a habitação própria e permanente, ser inferior a 10.950 contos, pelo que não foi emitido o “Conhecimento de Sisa”.

Tal circunstância consta, de forma expressa e clara, da escritura de compra e venda realizada em nove de janeiro de 1998 – a qual foi dada como facto provado -, e onde expressamente se refere, a páginas 6, que “a presente transmissão está isenta de sisa nos termos do n.º 22 do art.º 11 do CIMSISD”.

Sucede que a Requerida AT alega que, “como inexistiu o denominado “Conhecimento de Sisa”, quando elaborou a declaração oficiosa, para o apuramento do valor de aquisição, que seria inscrito no campo 401 do quadro 4 do anexo G, inscreveu o valor conhecido, que corresponde ao valor patrimonial tributário.”

Ao proceder dessa forma, os serviços da AT procuravam apurar o valor de aquisição do imóvel, para efeitos do disposto nos números 1 e 2 do artigo 46.º do CIRS, e cálculo das (eventuais) mais-valias obtidas pelo Requerente em sede de IRS.

O artigo 46.º, n.ºs 1 e 2, então vigente, dispunha o seguinte:

“Artigo 46.º

Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis

1 - No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT).

2 - Não havendo lugar à liquidação de IMT, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto.” (sublinhado nosso)

Como já foi reconhecido pelo CAAD na decisão n.º 25/2018-T, o critério prioritário e preponderante para apuramento de mais-valias é o do valor que tiver servido para efeitos de liquidação de IMT, ou de Sisa no caso de transações realizadas até 31 de dezembro de 2003 (cfr. artigo 46.º, n.º 1).

Na hipótese de não haver lugar à liquidação de IMT (ou Sisa) a lei prevê um critério suplementar, o qual remete, de igual forma, para as regras específicas que regem o imposto sobre transações onerosas de imóveis (cfr. artigo 46.º, n.º 2), o que se compreende, por forma a não deixar ao arbítrio dos contribuintes e da AT a escolha da fórmula de avaliação que mais lhes convenha, garantindo o princípio da igualdade e acautelando contenciosos desnecessários.

No caso sub judice, e não estando verificado o pressuposto previsto no n.º 1 do citado artigo 46.º do Código do IRS, torna-se necessário o recurso ao critério secundário e subsidiário constante do n.º 2.

Alega a Requerida AT que, para efeitos de cálculo da mais-valia eventualmente obtida pelo Requerente, inscreveu o valor conhecido que, no entender da Requerida AT, correspondia ao valor patrimonial tributário (VPT).

Sucede que, no âmbito do pedido de revisão efetuado pelo Requerente, foi junta escritura pública de compra e venda, realizada em 9 de janeiro de 1998, através da qual se comprova que o valor de aquisição do imóvel foi de 10.300.000$00 (dez milhões e trezentos mil escudos), correspondente a 51.376,18€ (cinquenta e um mil trezentos e setenta e seis euros e dezoito cêntimos), valor que, multiplicado pelo coeficiente de desvalorização para o ano de 1998 (1,44) perfaz o total de 73.981,70€.

Ora a diferença entre a consideração do valor de aquisição constante da escritura – 10.300.000$00 – ou do VPT (6.250,29€) - para efeitos de cálculo de eventuais mais-valias em sede de IRS implica, para o Requerente, no primeiro caso, o não-pagamento de qualquer valor, atenta a existência de menos-valias (diferença entre o valor de aquisição constante da escritura e o valor de realização) ou, no segundo caso, o pagamento de 13.540,05€ a título de mais-valias (caso se considere o VPT como valor de aquisição).

No primeiro cenário (em que se considera como valor de aquisição o constante da escritura) nada haveria a pagar em sede de IRS, em virtude de terem ocorrido menos-valias.

No último cenário (considerar o VPT como valor de aquisição), como pretende a Requerida AT, o montante a pagar a título de mais-valias em sede de IRS equivaleria a cerca de 27% do valor de realização do imóvel (13.540,05€ por reporte a 51.000€).

Não podem, por isso, restar dúvidas que se está perante um caso de injustiça grave ou notória que resulta de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade (tributação equivalente a cerca de 27% do valor de realização do imóvel (51.000€)) (cfr. artigo 78.º, n.ºs 4 e 5 da LGT).

Fica, todavia, por ponderar o segundo pressuposto de aplicação do artigo 78.º, n.º 4 da LGT: saber se o erro não foi imputável a comportamento negligente do Requerente.

Vejamos.

Conforme foi dado como provado, o Requerente reside, desde 2009, no Reino Unido, considerando-se que aí tem o centro da sua atividade.

No caso sub judice, a alienação do imóvel que deu origem à tributação em apreço não ocorreu por vontade própria do Requerente, mas no âmbito de um processo de execução fiscal que foi interposto contra este.

Na verdade, nenhum processo de execução fiscal corre na sequência de impulso processual determinado pelo executado. Surge na sequência da iniciativa do exequente e decorre nos termos determinados pelo tribunal judicial competente. Não pode, por isso, o executado apurar, com antecipação e rigor, o ano civil em que irá ser concluída a venda judicial.

Dito de outra forma, o executado não tem, num processo de venda judicial, a opção de decidir ou até de conhecer o específico ano civil em que esta irá ocorrer.

É igualmente certo que os contribuintes não podem ignorar que estão obrigados a submeter a declaração de IRS correspondente aos rendimentos que auferem, nomeadamente rendimentos provenientes do trabalho realizado.

Porém, é também aceitável entender que muitos contribuintes desconhecem a necessidade de submeter uma declaração de IRS referente à venda judicial realizada de um imóvel, da sua propriedade, ainda que não venham a auferir qualquer valor em resultado dessa venda, na medida em que, para efeitos de eventual tributação em sede de IRS, os proveitos resultantes dessa venda são considerados rendimentos do executado, mesmo que não entrem efetivamente na esfera patrimonial deste.

É partindo deste último entendimento que se pode entender inexistir, no processo em análise, comportamento negligente do Requerente.

Em rigor, é legítimo considerar que o Requerente desconhecia a necessidade de apresentar a declaração de IRS, de forma consequente à venda judicial realizada no âmbito de um processo de execução fiscal, sendo tal desconhecimento desculpável.

Observe-se que estava em causa um contribuinte que residia há mais de cinco anos fora do país e que não tinha auferido, em Portugal, e no ano civil em causa – 2013 -, quaisquer outros rendimentos, para além do decorrente de uma venda judicial de um bem imóvel do qual era proprietário, rendimento esse que, de facto, nunca entrou na esfera patrimonial respetiva.

Pese embora a ignorância da lei não aproveite a ninguém e sendo certo que a declaração de IRS deve ser apresentada pelos sujeitos passivos, nos termos do artigo 57.º do CIRS, há que ter presente a situação concreta do Requerente. Para além de residir há mais de cinco anos no Reino Unido, o suposto rendimento auferido no ano de 2013 decorreu exclusivamente de um processo de execução fiscal. Ora não pode deixar de se considerar a não apresentação da declaração de IRS, nas específicas condições do Requerente, não equivale a uma atuação negligente, sendo este comportamento omissivo desculpável.

A tudo isto acresce a circunstância de não ter sido dado como provado que o contribuinte tenha sido notificado, em 2014, da liquidação oficiosamente realizada.

É certo que a AT juntou o registo RY...PT, emitido em 30/10/2014.

Porém a AT não indicou, no presente processo, para que morada foi enviada a referida notificação. Da análise do registo verifica-se apenas a referência “em distribuição nos CTT” e nada mais. Acresce ainda que a consulta, feita oficiosamente, aos registos dos CTT – através da plataforma informática desta empresa - também não permitiu apurar da efetiva entrega do registo assinalado.

A propósito do registo simples, e como aliás observou o STA no acórdão n.º 0830/17, proferido em 30-05-2018, pode afirmar-se que “o registo simples, em que a única certeza que existe é que a expedição terá ocorrido em determinada data, não oferece suficientes garantias de assegurar que o acto de notificação foi colocado na esfera de cognoscibilidade do destinatário e acarreta um ónus desproporcionado por impossibilidade de ilisão da presunção de depósito da carta no receptáculo, quando existe risco de extravio, não podendo servir para fundar a presunção estabelecida no nº 1 do art. 39º do CPPT.”

Em síntese, considerando que o Requerente residia há mais de cinco anos fora do país; não tinha auferido, em Portugal, e no ano civil em causa – 2013-, qualquer outro rendimento para além do decorrente de uma venda judicial de um bem imóvel do qual era proprietário, rendimento esse que, de facto, nunca entrou na esfera patrimonial respetiva e não se podendo asseverar que foi notificado da liquidação oficiosa operada, entende-se que não houve erro imputável a comportamento negligente do contribuinte.

Estão, consequentemente, verificados os dois pressupostos de aplicação do artigo 78.º, n.º 4 da LGT, devendo ser anulada a liquidação de IRS n.º 2017..., no valor de 13.540,05 (treze mil quinhentos e quarenta euros e cinco cêntimos), bem como o despacho de indeferimento que recaiu sob o pedido de revisão apresentado pelo Requerente sob o n.º ...2018... .

Observe-se, por fim, que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outra ou, em qualquer caso, cuja apreciação seria inútil – cf. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

Dos juros indemnizatórios:

Face à procedência do pedido anulatório, deverá ser restituída a quantia paga indevidamente, pelo Requerente, relativamente ao ato tributário anulado.

No caso em apreço, a ilegalidade do ato de liquidação é imputável à AT.

Consequentemente, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT. Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data dos pagamentos que se mostrem efetuados, e calculados com base no respetivo valor do excesso de imposto liquidado e pago, até à sua integral devolução aos Requerentes, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil, à taxa legal em vigor.

Acresce que, de harmonia com o disposto na alínea b) do art.º 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária, a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art.º 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT), que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que nas suas competências se compreendem os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT e em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

Ao que acresce, ainda, que o processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art.º 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art.º 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

A esta luz, o n.º 5 do art.º 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação impugnado, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que foi considerada ilegal.

Assim, deverá a AT dar execução à presente decisão arbitral, nos termos do art.º 24.º, n.º 1, do RJAT, restituindo ao Requerente o montante pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, os quais são devidos desde a data do pagamento efetuado até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art.º 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

VI. DECISÃO

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular a liquidação de IRS n.º 2017..., no valor de 13.540,05 (treze mil quinhentos e quarenta euros e cinco cêntimos), bem como o despacho de indeferimento que recaiu sob o pedido de revisão apresentado pelo Requerente sob o n.º ...2018...;

c)            Condenar a Requerida AT a restituir ao Requerente o valor de imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, a contar da data em que foi efetuado o pagamento;

d)           Condenar a Requerida AT nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

VII. Valor do processo:

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 13.540,05 (treze mil quinhentos e quarenta euros e cinco cêntimos).

 

VIII. Custas:

Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida AT.

Registe-se e notifique-se.

Lisboa, 16 de dezembro de 2019

 

O Árbitro Singular

 

Nuno Cunha Rodrigues