Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 548/2014-T
Data da decisão: 2014-12-08  Selo  
Valor do pedido: € 11.126,60
Tema: IS - Terrenos para construção; Verba 28 da TGIS
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CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º 548/2014-T

Tema: Imposto do Selo - Terrenos para construção - Verba 28 da TGIS

 

 

AS PARTES

 

Requerente:  «A», NIPC …, com sede social na … (concelho de ...)

Requerida:    Autoridade Tributária e Aduaneira

Tema:            Terreno para construção - Imposto do Selo - Verba 28 da TGIS

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I -      Objecto do pedido e tramitação processual

Em 28 de Julho de 2014, a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral, requerendo:

i)          A declaração de ilegalidade de um acto tributário de liquidação de Imposto do Selo referente ao ano de 2013 (n.º 2014 ...), no valor de 11.126,60 €;

ii)        Consequente devolução do imposto pago; e

iii)      Pagamento de juros indemnizatórios.

A referida nota de liquidação de Imposto do Selo reporta-se a um prédio urbano, descrito na respectiva caderneta predial como “terreno para construção” (U-..., sito na freguesia de ..., concelho do ...).

 

O referido Imposto do Selo incide, nos termos da verba 28.1 da respectiva Tabela Geral, sobre “prédios urbanos com afectação habitacional” cujo “valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a 1.000.000 €”. A norma de incidência subjectiva faz recair o imposto sobre o proprietário, usufrutuário ou superficiário (à data de 31 de Dezembro do ano a que o imposto respeitar).

 

Por decisão do Presidente do Conselho Deontológico (n.º 1 do artigo 6.º do RJAT) foi designado como árbitro único o signatário. O tribunal arbitral foi constituído em 1 de Outubro de 2014.

 

A Administração Tributária e Aduaneira (doravante a designar, abreviadamente, por AT) apresentou a sua Resposta em 4 de Novembro. Adicionalmente, a AT requereu a dispensa da primeira reunião arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, na medida em que não foram alegadas excepções e a questão controvertida assenta exclusivamente em matéria de direito.

 

Acresce que a matéria de facto, que suporta o pedido da Requerente, não foi contestada pela AT. E não existem quaisquer factos não provados.

 

Razão pela qual o tribunal arbitral entendeu estarem reunidas as condições para a apreciação imediata do mérito da causa. Tendo, em 10 de Novembro, notificado as partes da dispensa tanto da reunião arbitral prevista no artigo 18.º, como da realização de alegações finais.

 

A decisão arbitral foi agendada para 5 de Dezembro.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

O processo não padece de qualquer nulidade. Conforme referido, as partes não suscitaram quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

II -    Enquadramento fáctico e síntese dos fundamentos de direito alegados pelas partes

a)        A Requerente é proprietária de um terreno para construção (localizado no concelho do ..., freguesia de ...), o qual configura um prédio urbano na acepção do Código do IMI;

b)        Em Junho de 2008 o prédio urbano foi avaliado nos termos do regime de avaliação previsto no Código do IMI;

c)        Dessa avaliação resultou um valor patrimonial tributário de 1.112.660 €. Ou seja, um valor superior ao limite mínimo de 1.000.000 € previsto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo;

d)       O terreno encontra-se dividido em 9 lotes, cuja área bruta de construção se destina a habitação (os lotes 3 a 6 prevêem, parcialmente, áreas brutas de construção para comércio);

e)        Em 2014 a AT emitiu a consequente nota de liquidação do Imposto do Selo (referente ao ano de 2013), à taxa de 1%, no valor de 11.126,60 €

f)         O pagamento do imposto é, por remissão para o Código do IMI, fraccionado em 3 momentos, devendo realizar-se nos meses de Abril, Julho e Novembro;

g)        A Requerente pagou a primeira prestação;

h)        A Requerente juntou cópia das cadernetas prediais e liquidação do Imposto do Selo, a qual inclui o documento de pagamento da primeira parcela (Abril 2014).

Estes factos mostram-se provados, conforme documentação anexa ao pedido de pronúncia arbitral. A AT não contestou a matéria de facto. Conforme supra constatado, não subsistem factos controvertidos ou por provar.

 

 

 

A Requerente sustenta que:

·           A liquidação de Imposto do Selo emitida em 2014 (referente ao exercício de 2013) não pode senão sustentar-se na redacção da verba 28 vigente à data a que se reporta o facto tributário (31 de Dezembro de 2013);

·           Sob pena de violação do princípio da irretroactividade da norma tributária, o qual beneficia de tutela constitucional (artigo 103.º) e legal (artigo 12.º da Lei Geral Tributária);

·           Pelo que a liquidação controvertida se funda na redacção da verba 28, nos termos em que a mesma foi criada pela Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, i. e. à data de 31 de Dezembro de 2013;

·           É manifesto que a liquidação padece de erro sobre os pressupostos de facto, porquanto um terreno para construção não integra a situação fáctica susceptível de enquadramento na norma de incidência constante do Código do Imposto do Selo e respectiva Tabela Geral;

·           O terreno em apreço foi adquirido tendo em vista uma futura operação de promoção imobiliária;

·           Em 2013, ano a que se reporta o facto tributário, não há qualquer construção no referido terreno;

·           Esta espécie de prédio urbano - terreno para construção – não se confunde com o conceito acolhido pela norma tributária habilitante (prédio urbano com afectação habitacional);

·           O conceito de prédio urbano com “afectação habitacional” carece de ser interpretado e integrado de harmonia com as regras consagradas no Código do IMI;

·           O artigo 6.º do Código do IMI classifica os prédios urbanos em “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços”, “terrenos para construção” e “outros”;

·           O legislador, em cumprimento do princípio da tipicidade (no preenchimento dos elementos essenciais constitutivos do facto tributário), estabeleceu que «habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins»;

·           O conceito de prédio habitacional está claramente recortado, por referência a “licença camarária para fim habitacional” ou a “utilização ou destino normal como habitação”;

·           Na falta de disposição legal que a concretize, a expressão “afectação habitacional” terá de ser interpretada em consonância com o direito vigente;

·           O qual exige que “afectação habitacional” represente os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, os que tenham como destino normal a habitação;

·           Com efeito, a verba 28 da Tabela Geral não consagrou um “terceiro género de prédio urbano”, nem autonomizou os conceitos de prédio do Código do IMI (para o qual remete subsidiariamente);

·           Pelo que a natureza habitacional se funda, exclusivamente, no Código do IMI;

·           A Requerente refere um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (de 15 de Novembro de 2011), o qual acolhe o licenciamento ou, na sua ausência, a actividade económica efectivamente exercida, enquanto únicos critérios de aferição da natureza habitacional (ou comercial, industrial ou para serviços) de um dado prédio urbano;

·           A descrição matricial e certidão predial coincidem com a realidade física, todas confluindo na inexistência de quaisquer edificações ou construções. Não havendo licenciamento ou actividade económica;

·           Em suma, um terreno para construção não integra o elenco de factos tributários geradores da obrigação tributária. Pelo que a liquidação de Imposto do Selo controvertida é ilegal;

·           Em defesa desta sua argumentação, a Requerente enumera diversos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo;

·           Considera ainda que o espírito legislativo se dirige à tributação de “imóveis de luxo”, enquanto meios reveladores de uma dada capacidade contributiva;

·           Um terreno para construção falha o enquadramento neste conceito, na medida em que a ausência de uma edificação ou construção não permite a concretização do valor patrimonial que subjaz ao terreno;

·           Acresce que uma parte do terreno, para além de poder não ser afecto a qualquer construção, poderá ser repartido entre diversas fracções autónomas (cada uma das quais apresentará um valor patrimonial inferior ao do terreno);

·           Por fim, a Requerente entende que a liquidação de Imposto do Selo padece do vício de falta de fundamentação;

·           Desde logo, porque “esta nota de liquidação tem uma configuração em tudo idêntica às do IMI, estando afectadas pelo mesmo vício”. A AT teria de “invocar que no terreno existe uma edificação licenciada para habitação ou uma edificação que tem como destino normal a habitação”;

·           A liquidação do Imposto do Selo deve evidenciar um claro itinerário cognoscitivo e valorativo, obviando a quaisquer dúvidas ou imprecisões. Fixando os fundamentos de facto e de direito, em termos tais que permita ao sujeito passivo decidir pela sua aceitação ou rejeição;

·           Ressalva que o facto de o sujeito passivo contestar o acto tributário e identificar os correspondentes vícios, não altera a falta de fundamentação inerente ao acto tributário subjacente;

·           A AT não explicou “porque razão liquidou IS [Imposto do Selo] sobre um terreno para construção, quando é certo que a norma habilitante encerra a tributação no domínio dos prédios com afectação habitacional”;

·           E termina citando o acórdão n.º 659/12 do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do qual «a fundamentação do acto de fixação do VPT [valor patrimonial tributário], quer resulte de avaliação quer resulte de actualização deve ser comunicada ao sujeito passivo do IMI». E «se não o tiver sido, e também a liquidação de IMI não der a conhecer a forma como foi determinado o VPT, aquela liquidação não pode ter-se por suficientemente fundamentada».

 

 

 

Na sua resposta, a AT começa por entendimento, ao abrigo do qual “o prédio em apreço tem natureza jurídica de prédio com afectação habitacional”.

 

Alegando, subsequentemente, que:

·           Na ausência de definição, no Código do Imposto do Selo, do conceito de prédio urbano, há que recorrer ao Código do IMI (aplicável subsidiariamente mediante remissão expressa do Código do Imposto do Selo);

·           “A noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis”;

·           Isto, porque a determinação do valor patrimonial tributário de um dado prédio (avaliação) funda-se, inter alia, na finalidade a que o mesmo se encontra afecto. Este critério apresenta-se como um factor autónomo no procedimento de avaliação directa;

·           O legislador consagrou, no artigo 45.º do Código do IMI, os critérios específicos de determinação do valor patrimonial dos terrenos para construção. Conforme resulta da expressão «valor das edificações autorizadas», razão pela qual haverá que aplicar o coeficiente de afectação (finalidade) do prédio;

·           Tanto os prédios edificados como os terrenos para construção comungam da aplicação do coeficiente de afectação, enquanto elemento de apuramento dos respectivos valores patrimoniais tributários;

·           Cita uma sentença do TCA Sul (acórdão n.º 4950/11, de 14 de Fevereiro de 2012), na qual se conclui que «o modelo de avaliação [dos terrenos para construção] é igual ao dos edifícios construídos, embora partindo-se do edifício a construir»;

·           Tanto assim que um terreno para construção há-de corresponder a uma expectativa jurídica, mormente a perspectiva de no mesmo erigir um prédio com determinadas características e volumetria;

·           Pelo que «o legislado quis que fosse aplicada a metodologia da avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo levar em consideração todos os coeficientes (…) nomeadamente o coeficiente de afectação»;

·           Ora, sendo clara a utilização do coeficiente de afectação em sede de avaliação, exige-se a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28;

·           Há que valorizar o elemento literal da verba 28, cujo conceito de “afectação habitacional” é mais abrangente que o de “prédios destinados a habitação”. Esta maior abrangência força a necessidade de integração de outras realidades, não se esgotando nas espécies de prédios elencadas no artigo 6.º do Código do IMI;

·           Sendo certo que para qualquer terreno para construção é possível - e legalmente exigível - determinar a correspondente afectação. Tanto mais que esta consta do procedimento de avaliação, conforme sucede in casu;

·           Adicionalmente, é de refutar o alegado vício de falta de fundamentação;

·           Dado que o acto tributário controvertido identifica o imóvel objecto de tributação, a natureza do imposto e a norma habilitante, quantifica a obrigação tributária e enuncia a data de pagamento;

·           E se a fundamentação é adequada e suficiente quando um destinatário normal compreender o trajecto cognoscitivo e valorativo do autor da prática do acto tributário, a Requerente atesta o cumprimento deste parâmetro. Conforme se comprova pelos argumentos por si aduzidos no pedido de pronúncia arbitral;

·           E se dúvidas tivesse, caber-lhe-ia solicitar a certidão prevista no artigo 37.º do CPPT.

 

III -   Do direito

A questão controvertida pode ser encerrada na seguinte pergunta: um terreno para construção pode ser considerado como prédio com afectação habitacional?

 

O que implica um conjunto de questões prévias e concorrentes:

i)     O Código do Imposto do Selo (na redacção vigente a 31 de Dezembro de 2013) apresenta uma espécie autónoma de prédio urbano ou, contrariamente, funda-se nas espécies de prédio urbano constantes do Código do IMI?

ii)    O conceito de “afectação habitacional” há-de ser procurado nos critérios de determinação do valor patrimonial tributário ou na tipologia (espécies) de prédio urbano?

iii)   As normas de incidência de um imposto precedem as regras de quantificação do valor tributável ou, inversamente, podem ver-se afectadas por estas últimas?

 

No caso em apreço, o prédio urbano (terreno para construção) foi avaliado em 2008. De entre os critérios de determinação do valor patrimonial tributário sobressai a afectação habitacional.

O que se afigurou como determinante no cálculo do valor patrimonial, por via da fixação dos coeficientes de localização e de afectação.

 

A avaliação do terreno para construção foi notificada à Requerente. Constituindo um acto destacável. Não apenas em sede de IMI, como, adicionalmente, em todos os impostos que se apoiam no conceito de valor patrimonial tributário.

De entre os quais poderíamos destacar o Código do IRS, o Código do IRC, o Código do IMT e o Código do Imposto do Selo.

 

Basta exemplificar com a transmissão onerosa de um prédio, em que a obrigação tributária se funda no valor contratual ou, se superior, no valor patrimonial tributário. Sendo este determinado, exclusivamente, nos termos das regras constantes do Código do IMI.

Valor este que resulta do acto de avaliação directa, notificado ao interessado. E que este pode contrariar através de um pedido de segunda avaliação (enquanto, regra geral, acto necessário e prévio a uma eventual sindicância judicial).

 

Pelo que o valor patrimonial tributário, determinado com base no regime plasmado no Código do IMI, é plenamente acolhido na verba 1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

 

 

Em suma, a norma de incidência constante da verba 1 da Tabela Geral é integralmente autónoma face ao Código do IMI, mas assenta neste para efeitos de quantificação da obrigação tributária.

 

Poderemos dizer o mesmo da verba 28?

 

Esta norma - na redacção vigente no ano de 2013 a que se reporta a liquidação controvertida de Imposto do Selo - apresenta o seguinte teor:

28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 - Por prédio com afectação habitacional - 1%”;

28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5%.”

 

O Código do Imposto do Selo completa a norma de incidência ao definir a territorialidade (prédios situados em território português) e incidência subjectiva (o proprietário, usufrutuário ou superficiário).

Estabelecendo ainda as regras de liquidação e pagamento (único ou prestacional) do imposto.

 

Retomando o conceito de “prédio com afectação habitacional”, a Requerente e Requerida divergem quanto às espécies de prédio. Bem como quanto à extensão e alcance das regras de determinação do valor patrimonial de um prédio urbano.

 

Para a Requerente, o Código do IMI não contém uma terceira espécie de prédio urbano (o prédio com afectação habitacional), prevendo apenas os prédios habitacionais ou os terrenos para construção. Cuja existência deve ser aferida a partir da correspondente licença ou, na falta desta, do respectivo destino normal.

 

Já para a Requerida os conceitos de terrenos para construção e respectivas regras de determinação do valor patrimonial são indissociáveis. Porquanto qualquer prédio urbano há-de, independentemente da sua categorização, apresentar uma afectação habitacional, industrial ou para comércio ou serviços.

 

Esta questão controvertida já foi objecto de diversas decisões. Tanto do Supremo Tribunal Administrativo [[i]] como do CAAD [[ii]].

 

Decisões essas que são uniformes no seu conteúdo, denotando a existência de uma clara corrente jurisprudencial. A qual propugna que os terrenos para construção não podem ser subsumidos à norma de incidência do Imposto do Selo, conforme a mesma consta da verba 28 da respectiva Tabela Geral (na redacção vigente para os factos tributários verificados antes de 1 de Janeiro de 2014).

 

É essa linha jurisprudencial que a presente decisão arbitral acolhe.

 

E por se tratar de um tema amplamente discutido no plano jurisprudencial, a presente decisão arbitral segue de perto a recente sentença do Supremo Tribunal Administrativo (Processo n.º 0739/14). Da qual são transcritos diversos excertos.

 

Desde logo, «o conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário».

 

Da letra da lei «(…) nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria [utiliza] um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário (…)».

 

Da mens legislatoris «nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais (…) motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer».

 

É especialmente preocupante que esta imprecisão afecte a extensão da norma de incidência desta nova normativa impositiva de Imposto do Selo. Deixando a AT e os sujeitos passivos à mercê da incerteza do alcance literal e sentido legislativo dessa mesma norma de incidência.

 

O que explica a particular litigiosidade deste novo tributo, medido pelo expressivo número de impugnações judiciais e pedidos de pronúncia arbitral. Bem como a subsequente alteração da verba 28 no quadro do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), a que não será alheia a corrente jurisprudencial entretanto firmada quanto à presente questão controvertida.

 

Concretamente, o Imposto do Selo cujo facto gerador ocorra após 1 de Janeiro de 2014 incidirá sobre “prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”.

 

Foi, deste modo, removida a ambiguidade que gravitava em torno da expressão “afectação”. Acresce a referência às construções autorizadas ou previstas, assim se contemplando os terrenos para construção que não apresentem quaisquer edificações.

 

Mas esta lei nova não revestiu a natureza de lei interpretativa, «(…) nada esclarecendo (…) em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013)».

De qualquer modo, ainda que à lei nova fosse atribuído um tal alcance, sempre haveria que determinar se a mesma se apresentaria, ou não, como inovadora. Posto que estamos perante uma norma de incidência objectiva, à qual compete a circunscrição do facto tributário, sem o qual a relação jurídico-fiscal é inexistente.

 

A verdade é que o legislador nem sequer curou de qualificar a lei nova como interpretativa. O que permite afirmar o princípio geral de irretroactividade do direito, nos termos do qual a lei nova apenas dispõe para o futuro. Abrangendo, no caso, os factos tributários nascidos após 1 de Janeiro de 2014.

 

É ainda pacífico concluir que da lei nova não resulta que a intenção ou vontade do legislador «(…) tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais (…)».

 

Pelo que o caso controvertido há-de reger-se pela lei vigente a 31 de Dezembro de 2013.

 

E o que dizer do coeficiente de afectação utilizado como variável de apuramento do valor patrimonial da generalidade dos prédios urbanos?

 

«O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os nºs. 1 e 2 do artigo 45º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional” (…)».

 

Com efeito, «(…) a “afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (…)».

 

Sendo que após a conclusão das obras, o terreno para construção dará origem a um novo prédio urbano de entre as demais tipologias previstas no artigo 6,º do Código do IMI (prédio habitacional, industrial, comercial, para serviços ou outros).

 

Na verdade todo e qualquer prédio urbano apresenta um valor patrimonial tributário, cujas regras de quantificação não se poderiam confundir com a antecedente categorização dos próprios prédios. Sob pena de o facto tributário (sujeição de uma dada realidade económico-jurídica, no caso um prédio urbano, a Imposto do Selo) se confundir com a obrigação tributária (a quantificação de uma obrigação como consequência do facto tributário antecedente).

 

Dito de outra forma, a norma de incidência de um imposto precede sempre as posteriores regras de quantificação da obrigação tributária.

 

Se um determinado prédio urbano não se subsume à regra de incidência de um determinado tributo, não se pode dar por verificado o nascimento de um facto tributário e, logo, de uma subsequente obrigação tributária passível de quantificação. Sob pena de as regras de quantificação dessa obrigação tributária serem valorizadas como verdadeiras normas de incidência.

 

E, como refere o Supremo Tribunal Administrativo, «estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41º do Código do IMI)».

 

Uma interpretação contrária implicaria admitir que qualquer norma de quantificação da obrigação tributária (valor patrimonial) poderia ser utilizada na interpretação do sentido e alcance de uma norma de incidência (a sujeição a Imposto do Selo dos prédios classificados como urbanos).

 

«Atendendo a que um terreno para construção - qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida - não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno».

 

Assim se concluindo pela «(…) clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”». Não podendo estes últimos ser qualificados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (na redacção vigente no ano de 2013, a que se reporta a controvertida liquidação de Imposto do Selo emitida em 2014).

 

Em conclusão, o prédio urbano detido pela Requerente está classificado, no ano de 2013, como terreno para construção. Não configurando um prédio urbano com afectação habitacional. Encontrando-se, consequentemente, excluído da incidência do Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da respectiva Tabela Geral.

 

Razão pela qual a nota de liquidação emitida pela AT viola o princípio da legalidade. Devendo ser anulada. Restituindo-se à Requerente as importâncias por si pagas.

 

 

 

Quanto aos juros indemnizatórios peticionados pela Requerente, como consequência do dano de privação dos recursos económicos canalizados para o pagamento do Imposto do Selo, os mesmos afiguram-se devidos.

 

Com efeito, o direito ao recebimento de um juro indemnizatório resulta, inapelavelmente, do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.

Decidida a questão principal, que se consubstancia na ilegalidade do acto tributário, não oferece dúvidas que houve erro imputável à AT. Do qual resultou o «pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido», tal como consagrado na aludida norma da LGT.

 

O juro indemnizatório, à taxa de 4%, é devido pelo período de tempo que medeia entre o pagamento das notas de cobrança do Imposto do Selo e a data de emissão da nota de crédito, respeitando-se o prazo de 90 dias para a execução voluntária da presente decisão arbitral.

 

Por último, e embora o conhecimento do vício de falta de fundamentação do acto tributário se encontre, necessariamente, prejudicado, importa destacar que à Requerente não assiste razão.

 

Desde logo, porquanto o acto de avaliação do terreno para construção lhe foi oportunamente notificado, aquando do procedimento de avaliação directa do prédio.

Sendo inequívoco que o resultado de avaliação assentou na afectação habitacional do prédio, com o consequente impacto ao nível dos coeficientes de localização (que podem variar consoante a afectação) e de afectação.

 

Acresce que o procedimento de avaliação de terrenos para construção assenta – conforme o loteamento - no prédio susceptível de construção. Pelo que à Requerente não será alheio que o alvará de loteamento prevê, maioritariamente, a construção de edifícios habitacionais.

 

Se assim não fosse, à Requerente assistia a faculdade de - à data - contestar o acto de avaliação, mediante pedido de segunda avaliação e posterior impugnação judicial.

 

Sendo que poderia ainda, após os mais de 3 anos que já decorreram, ter solicitado nova avaliação, no sentido de corrigir, se aplicável, as edificações previstas para o terreno ou a área de implantação ou ainda a percentagem da área de implantação.

Corrigindo a avaliação antecedente e/ou ajustando-a, por exemplo, para reflectir as áreas brutas de construção destinadas a comércio e estacionamento (conforme previsto no alvará de loteamento).

 

Em suma, a Requerente não pode ser alheia à fundamentação que levou a AT a liquidar Imposto do Selo sobre este terreno para construção. Porquanto a antecedente avaliação é clara, ao ter assentado na afectação habitacional das construções susceptíveis de edificação.

 

Existe, outrossim, uma divergência de entendimento entre as partes, quanto ao sentido e alcance da verba 28 da TGIS. Que a Requerente bem compreendeu e soube contestar.

 

Uma nota final para a citação, pela Requerente, do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (processo n.º 0659/12), que foi acompanhado de outras decisões do mesmo tribunal (processos n.º 036/12, n.º 0822/12 e n.º 668/13).

 

Une estes acórdãos o facto de estarmos perante notas de liquidações de IMI resultantes da actualização de valores patrimoniais tributários. Que decorreu da aplicação de factores de correcção monetária aos prédios urbanos não arrendados, como parte do regime transitório inerente à entrada em vigor do Código do IMI (em Novembro de 2003).

 

Isto, atenta a necessidade de proceder à actualização do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos anteriores à data da vigência do IMI. Cuja marcada discrepância (mantida inalterada nos anos posteriores à avaliação nos termos do CCPIIA) foi introduzindo um facto de discriminação no plano da capacidade contributiva dos titulares dos prédios.

 

Esta actualização seria transitória e temporária, na pendência da avaliação dos prédios urbanos. A qual operaria aquando da primeira transmissão onerosa ou gratuita após a vigência do CIMI ou no procedimento de avaliação geral.

 

Essa actualização transitória dos valores patrimoniais não foi notificada aos sujeitos passivos. Que assim se viram impedidos de conhecer o fundamento da actualização e os critérios em que a mesma assentou.

Essa notificação foi postergada para a nota de liquidação do IMI. Que, mais uma vez, não deu a conhecer todos elementos de cálculo da actualização do valor patrimonial.

O que levou o Supremo Tribunal Administrativo a concluir pela manifesta falta de fundamentação da nota de liquidação do IMI.

 

Nada disto sucede no caso em apreço, dado que, conforme supra referido, a Requerente teve pleno conhecimento dos critérios utilizados no apuramento do valor patrimonial tributário. Tendo disposto de todos os meios para, querendo-o, contestar o procedimento e/ou resultado da avaliação.

 

IV - Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

i)     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação da nota de liquidação de Imposto do Selo referente ao exercício de 2013;

ii)    Restituição das importâncias pagas pela Requerente; e

iii)   Pagamento de juros indemnizatórios sobre a quantia total a restituir pela AT.

 

 

 

O valor económico do pedido é fixado em 11.126,60 €.

Custas pela Requerida.

 

 

Notifique-se as partes.

 

Lisboa, 8 de Dezembro 2014

 

 

Tribunal Arbitral Singular

José Luís Ferreira

 



[i]      Acórdãos do STA de 9 de Abril (processos n.º 1870/13 e n.º 48/14), 23 de Abril (processos n.º 270/14 e n.º 272/14), 14 de Maio (processos n.º 055/14, n.º 01871/13 e n.º 0317/14), 28 de Maio (processos n.º 425/14, n.º 0396/14 e n.º 0395/14), 2 de Julho (processo n.º 0467/14), 9 de Julho (processo n.º 0676/14), 10 de Setembro (processo n.º 0740/14) e 24 de Setembro (processo n.º 739/14).

[ii]     Decisões arbitrais do CAAD nos processos n.º 42/2013-T, n.º 48/2013-T, n.º 49/2013-T, n.º 53/2013-T, n.º 75/2013-T, n.º 144/2013-T, n.º 158/2013-T, n.º 180/2013-T, n.º 189/2013-T, n.º 191/2013-T, n.º 215/2013-T, n.º 231/2013-T, n.º 288/2013-T e n.º 310/2013-T.