Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 547/2017-T
Data da decisão: 2018-03-15  IMT  
Valor do pedido: € 727,35
Tema: IMT – Fundos de Investimento Imobiliário.
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DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

Em 11 de outubro de 2017, A…– SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, SA, com o NIPC … e com sede na Avenida …, n.º…, em Lisboa, na qualidade de sociedade gestora do FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO – B…, com o NIPC … e com sede na mesma morada (doravante designada por Requerente), veio, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 10.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) com o n.º…, de 12/07/2017, no valor de € 727,35 (setecentos e vinte e sete euros e trinta e cinco cêntimos), valor económico que atribui ao pedido.

Mais pede a Requerente a condenação da Requerida na restituição da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento do imposto, até à sua efetiva restituição.

 

Síntese da posição das Partes

  1. Da Requerente:

Como fundamentos do pedido de anulação do ato de liquidação de IMT n.º …, invoca a Requerente, em síntese, as seguintes razões de facto e de direito:

O FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO – B…é um fundo de subscrição pública, constituído com duração indeterminada, que iniciou a sua atividade em 20/12/2007.

Em 2017, no âmbito da sua atividade, o FUNDO adquiriu à Câmara Municipal de Lisboa, por permuta, dois imóveis sitos na Freguesia de …, deste concelho.

Para igualação do valor dos bens permutados, o FUNDO pagou ao Município de Lisboa a quantia de € 11 190,00, sobre o qual foi liquidado e pago IMT no valor total de € 727,35.

A permuta de bens imóveis integra o conceito de transmissão, nos termos do artigo 2.º, n.º 5, alínea b), do Código do IMT, norma ao abrigo da qual foi emitida a liquidação n.º … .

Porém, a Requerente entende que, face à natureza jurídica do adquirente, este beneficia da isenção a que se refere o artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, que se mantém em vigor.

Efetivamente, o referido Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro não foi revogado por nenhuma das vias previstas no artigo 7.º, do Código Civil, apesar da evolução sofrida pela legislação relativa aos benefícios fiscais.

Conclui-se que, tendo a Requerente adquirido dois prédios, por permuta, à Câmara Municipal de Lisboa, com o intuito de que estes integrassem o FUNDO, deveria ter sido aplicada a tal operação a isenção prevista no artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro.

Assim como tem direito à restituição do imposto pago e a ser ressarcida através de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

 

Termos em que a Requerente pede que o pedido de pronúncia arbitral seja julgado procedente, por provado, para todos os efeitos legais.

  1. Da Requerida:

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta em que defende a legalidade e a manutenção da liquidação de IMT objeto do pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:

A liquidação de IMT impugnada foi efetuada com base na declaração do Requerente pela aquisição, em 17/07/2017, à Câmara Municipal de Lisboa, de dois prédios urbanos inscritos na matriz da freguesia de …, concelho de Lisboa, em contrapartida de dois outros prédios urbanos inscritos na mesma freguesia, da propriedade do FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO – B…, tendo o IMT sido liquidado, por força do disposto na alínea b) do n.º 5 do artigo 2.º, do Código do IMT, à taxa de 6,50%.

Contrariamente ao defendido pela Requerente, não se afigura defensável a manutenção em vigor do artigo 1.º, do D.L. nº 1/87, de 3/01, que refere estarem isentas de sisa as aquisições de bens imóveis efetuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respetiva sociedade gestora.

O facto de o artigo 31.º, n.º 3 do DL 287/2003, de 12/11, que revogou o Código de Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações, referir que as referências nos textos legais àqueles impostos consideram-se referidos ao Código do IMT, ao Código do Imposto do Selo e ao IMI, não tem a virtualidade de manter a isenção de IMT para as aquisições de imóveis efetuadas por todos os fundos de investimento, independentemente de se tratar de fundos abertos, fechados e mistos.

Está em causa a interpretação de uma norma de isenção fiscal e estas, como refere Nuno Sá Gomes, “não são delimitações negativas de incidência, pois, pelo contrário são situações sujeitas a tributação, sendo normas que preveem situações complexas, traduzidas, por um lado, por factos impeditivos do nascimento da obrigação tributária, ou, tratando-se de isenções parciais, factos impeditivos, do nascimento daquela obrigação com o conteúdo normal, mas sempre factos que se situam no âmbito genérico da incidência, constituindo ‘exceções’ a esta, por razões não tributárias, que se sobrepõem ao interesse público da perceção do imposto”.

A ser como a Requerente defende, aplicar-se-ia sempre a isenção de IMT a todas as aquisições de imóveis efetuadas por todos os fundos de investimentos, abertos, fechados e mistos, desde 1987 até à presente data, assim como a todas as aquisições de terceiros para os imóveis de todos os fundos de investimento, por força do disposto no artigo 49.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, entretanto revogado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30/03.

Se o artigo 1.º do D.L. n.º 1/87, de 3/01, se mantivesse em vigor, os fundos de investimento imobiliário seriam duplamente beneficiados, em clara posição de vantagem e de desigualdade face aos restantes intervenientes no mercado imobiliário, quer na aquisição de imóveis, quer ainda na alienação de imóveis a terceiros.

Termina a AT por requerer a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, bem como da produção de alegações escritas, por não terem sido invocadas exceções, as posições das Partes se encontrarem fixadas e documentalmente suportadas pelos meios de prova juntos à P. I., e estar em causa matéria exclusivamente de direito.

*

Por despacho arbitral de 29/01/2018, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, convidas as Partes a, querendo, produzirem alegações escritas no prazo sucessivo de dez dias, com início na Requerente, fixando-se a data de 16 de março de 2018 (por lapso, foi indicado o ano de 2017, que agora se corrige) para prolação da decisão arbitral e advertindo-se a Requerente de que, até àquela data, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

As Partes não produziram alegações.

 

 

II. SANEAMENTO

  1. O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 20 de dezembro de 2017, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  3. O processo não padece de vícios que o invalidem.
  4. Não foram invocadas exceções que cumpra apreciar e decidir.

 

III.    FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

A – Factos Provados

            Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. os artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 607.º, n.º 3 do Código do Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Assim, a matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta aos autos, fixa-se como segue:

  1. O Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado – B… (adiante, Fundo), que tem como sociedade gestora a A…– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA, e que atua com o Código CMVM n.º…, é um fundo imobiliário fechado de subscrição pública que iniciou a sua atividade em 20/12/2007, com duração indeterminada – Doc. 2;
  2. Por escritura pública de 17/07/2017, foi efetuada a permuta dos seguintes prédios urbanos, em que o FUNDO levou a mais bens no valor de € 11 190,00:
    1. O Município de Lisboa cedeu ao FUNDO:
      1. O prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de …, concelho de Lisboa, sob o artigo …, com o VPT de € 160,00, a que foi atribuído o valor de € 200,00;
      2. O prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de …, concelho de Lisboa, sob o artigo …, com o VPT de € 25 400,00, a que foi atribuído o valor de € 32 390,00;
    2. Em troca, o FUNDO cedeu ao Município de Lisboa:
      1. O prédio urbano sito na freguesia de …, concelho de Lisboa, omisso na matriz, com o artigo provisório P…, a que foi atribuído o valor de € 7 900,00;
      2.  O prédio urbano sito na freguesia de …, concelho de Lisboa, omisso na matriz, com o artigo provisório P…, a que foi atribuído o valor de € 13 500,00;
  3. Previamente à celebração da escritura de permuta, junto à qual ficou arquivado documento comprovativo do respetivo pagamento, foi emitida em 12/07/2017 e paga em 13/07/2017, a liquidação de IMT n.º…, da quantia de € 727,35 (Docs. 1 e 4);
  4. Do termo da referida liquidação de IMT consta o Fundo como sujeito passivo do imposto, liquidado à taxa de 6,50% sobre o valor global de € 11 190,00, constituindo facto tributário a permuta de imóveis com o Município de Lisboa e identificando-se os bens permutados: os prédios urbanos inscritos sob os artigos … e … da freguesia de …, concelho de Lisboa, bem um e bem dois, respetivamente (Doc. 1).

 

B – Factos não Provados

Não existem factos com relevância para a decisão da causa que devam ser considerados não provados.

C – Fundamentação da fixação da matéria de facto

A fixação da matéria de facto fundou-se na análise crítica da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral, expressamente aceite pela Requerida.

III.2 DO DIREITO

  1. A questão decidenda

A única questão a decidir nos presentes autos é a de saber se a isenção de Imposto Municipal de Sisa, criada pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, para a aquisição de bens imóveis por Sociedades Gestoras de Fundos de Investimento Imobiliário, para integrarem o património dos Fundos por si geridos, se mantém em sede de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), como a Requerente defende ou se, pelo contrário, aquela isenção deixou de subsistir, face à evolução legislativa sofrida com a reforma da tributação do património e das normas atinente aos benefícios fiscais, como propugna a Requerida.

Sendo certo que, a manter-se a vigência da norma do artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, a sua desaplicação na aquisição de bens imóveis para um Fundo de Investimento Imobiliário, pela respetiva sociedade gestora, configura vício de violação de lei da liquidação impugnada, por desconsideração de uma norma de isenção de imposto, que justificará a sua anulação, com as demais consequências legais.

 

Vejamos então:

Diga-se, antes de mais, que a permuta de bens imóveis integra o conceito de transmissão contido na norma de incidência objetiva do artigo 2.º, n.º 5, alínea b), do Código do IMT, sendo sujeito passivo do imposto o permutante que receber os bens de maior valor (artigo 4.º, alínea c), do CIMT) e nascendo a obrigação tributária no momento em que ocorrer a transmissão (artigo 5.º, n.º 2, do CIMT), se não se houver uma isenção que o impeça.

Quanto à vigência, à data da transmissão, da isenção prevista no artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, e à sua aplicação ao caso concreto dos autos, dir-se-á que:

As normas jurídicas, enquanto normas de conduta, participam do princípio da segurança jurídica, garantia de que as expetativas em que cada um baseia as suas decisões são conformes à estabilidade da vida social.

Do ponto de vista da certeza jurídica, cada um deve poder saber que normas se encontram em vigor em cada momento a fim de por elas poder pautar as suas escolhas.

Por isso existem regras sobre a entrada em vigor e sobre o termo de vigência das leis, prevendo o artigo 7.º, do Código Civil, que as mesmas podem deixar de vigorar por caducidade ou por revogação, ao dispor que:

Artigo 7.º - Cessação da vigência da lei

1. Quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei.

2. A revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior.

3. A lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador.

4. A revogação da lei revogatória não importa o renascimento da lei que esta revogara.”.

 

Assim, a lei apenas caducará por facto superveniente nela previsto, se se destinar a ter vigência temporária; caso contrário, a lei cessará a sua vigência se for revogada, expressa ou tacitamente, parcial ou totalmente com a entrada em vigor de uma nova lei.

 

Revertendo para o caso dos autos, verifica-se que o Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, de acordo com o seu preâmbulo, foi emitido na sequência da regulamentação da atividade dos Fundos de Investimento Imobiliário pelo Decreto-Lei n.º 246/85, de 12 de julho, reconhecendo o Governo “o importante contributo que este novo tipo de instituições financeiras poderá trazer à formação das poupanças e à sua mobilização para investimentos no setor imobiliário. Acrescem os efeitos positivos que por essa via se induzirão nas indústrias da construção e no mercado de arrendamento de imóveis para habitação e para escritórios.”.

Sendo aqueles motivos considerados relevantes, justificaram a definição de “um quadro fiscal adequado” que criasse as condições necessárias à criação de fundos de investimento com aquelas caraterísticas.

Tal quadro fiscal incluiu, entre outras medidas, a estabelecida no seu artigo 1.º, do benefício de isenção de Sisa para “as aquisições de bens imóveis efetuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respetiva sociedade gestora”.

O Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, não contém em si qualquer norma que estabeleça a sua vigência temporária, concluindo-se não ter deixado de vigorar, por caducidade.

 

Haverá, pois, que averiguar se o seu artigo 1.º foi expressamente revogado ou objeto de revogação tácita, por “incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior” e apenas há notícia da revogação expressa do seu artigo 7.º, pela Lei n.º 2/88, de 26 de janeiro, que aprovou o Orçamento do Estado para 1988.

Refira-se, a propósito da eventual revogação do artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, que a publicação do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, apenas se reportou a benefícios fiscais em sede dos impostos sobre o rendimento e da contribuição autárquica, deixando intocados os benefícios fiscais em sede de Sisa.

Sobreveio, entretanto, a reforma da tributação do património, tendo o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, aprovado o Código do IMI e o Código do IMT.

Contém o artigo 28.º, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, uma norma de remissão, segundo a qual:

Artigo 28.º - Remissões

1 - Todos os textos legais que mencionam Código da Contribuição Autárquica ou contribuição autárquica consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) ou ao imposto municipal sobre imóveis (IMI).

2 - Todos os textos legais que mencionem Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, imposto municipal de sisa ou imposto sobre as sucessões e doações consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), ao Código do Imposto do Selo, ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e ao imposto do selo, respectivamente.

E, de acordo com o n.º 6 do artigo 31.º, do referido Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, “6 - Mantêm-se em vigor os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI, bem como os respeitantes ao imposto municipal de sisa estabelecidos em legislação extravagante ao Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41969, de 24 de Novembro de 1958, e no Estatuto dos Benefícios Fiscais, que passam a ser reportados ao IMT.” (sublinhado nosso).

 

Conclui-se, do exposto, não ter havido revogação expressa do artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro.

Antes pelo contrário, tanto a norma do artigo 28.º, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, como sobretudo a do n.º 6 do seu artigo 31.º, permitem afirmar, com razoável grau de certeza, que o benefício fiscal em análise se manteve após a reforma da tributação do património operada por aquele diploma legislativo.

 

No que respeita à eventual revogação tácita do artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, haverá que indagar da sua incompatibilidade com as novas disposições do EBF ou se estas vieram regular a mesma matéria anterior, como exige o n.º 2 do artigo 7.º, do Código Civil:

Na sequência da entrada em vigor da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que procedeu à reforma da tributação do rendimento, e da autorização nela concedida ao Governo, o Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de julho, reviu globalmente os articulados do EBF, tendo estabelecido, no seu artigo 46.º, a isenção de contribuição autárquica para “os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário e equiparáveis, em fundos de pensões constituídos de acordo com a legislação nacional e em fundos de poupança-reforma.”.

O artigo 46.º, do EBF, viria a ser alterado pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, aí se estabelecendo a isenção de IMI e de IMT para “os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional” (n.º 1), beneficiando os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular da redução das taxas de IMI e de IMT para metade (n.º 2).

O Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho, procedeu à alteração e republicação do EBF, passando o anterior artigo 46.º a ser renumerado como artigo 49.º, com a mesma redação. Este artigo 49.º, do EBF, após as alterações operadas pelas Leis n.º 3-B/2010, de 28 de abril, n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro e n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, determinado esta última a redução para metade das taxas de IMI e de IMT “aplicáveis aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”, viria a ser revogado pelo artigo 215.º, da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março.

A propósito da evolução legislativa em sede de benefícios fiscais e da eventual revogação tácita do artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, louvamo-nos na decisão arbitral proferida no processo que correu termos pelo CAAD sob o n.º 544/2016-T, à qual aderimos e que com a devida vénia se transcreve:

De incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes, que configura a segunda alternativa do artigo 7.º, n.º 2 do Código Civil, também não se pode falar. Bem pelo contrário, uma leitura conjunta da nova disposição do artigo 46.º do EBF e da regra precedente do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro, permite razoavelmente concluir que a partir da entrada em vigor da nova redação do artigo 46.º do EBF passariam a estar isentas do IMT, não apenas as aquisições de bens imóveis levadas a cabo por sociedades gestoras de fundos de investimento imobiliário com o intuito de as mesmas passarem a integrar esses fundos – tal como estabelecido na regra precedente – como também os prédios integrados nos fundos imobiliários – tal como estabelecido naquele artigo 46.º do EBF. Por outras palavras, a isenção de IMT valeria doravante quer para imóveis adquiridos para virem a integrar fundos imobiliários, como até então se estabelecia, quer para esses mesmos imóveis se e enquanto integrados em fundos imobiliários, nos termos do artigo 46.º do EBF. No primeiro caso, a isenção seria aplicável sempre que o fundo se encontrasse na posição de adquirente do imóvel. No segundo caso a isenção seria aplicável sempre que o fundo se encontrasse na posição de alienante do imóvel. Assim, é forçoso concluir-se pela inexistência de uma incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes.

(…)

Não obstante as diferenças estruturais que separam ambas as isenções, a verdade é que em ambos os casos as sociedades gestoras de fundos de investimento são colocadas numa posição economicamente vantajosa: ou porque não têm que pagar o IMT quando adquirem imóveis para os integrar no respectivo fundo de investimento imobiliário, ou porque os podem colocar no mercado mais facilmente em virtude de o prospetivo adquirente estar isento de IMT. As novas disposições e as regras precedentes não só são inteiramente compatíveis como criam um regime fiscal especialmente apetecível para as sociedades gestoras de fundos imobiliários.

Compreende-se bem a isenção de IMI a favor dos imóveis integrados em fundos imobiliários, na medida em que isso os liberta do pagamento deste imposto anual sobre o património imobiliário, prevista no artigo 46.º do EBF antes da redação que lhe foi dada pela Lei LOE de 2007. No entanto, também não é negligenciável a utilidade de que a isenção de IMT, acrescentada por este diploma, se revista no caso das transações de imóveis integrados em fundos imobiliários.

(…)”.

 

E, tal como na decisão arbitral citada, concluímos que, não tendo o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, caducado ou sido expressa ou tacitamente revogado, assiste razão à Requerente, devendo ser a declarada a ilegalidade da liquidação impugnada, por desaplicação da isenção nele prevista, com a sua consequente anulação.

 

 

  1. Do pedido de juros indemnizatórios

Determina a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

De igual modo, o artigo 100.º da LGT, aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

No caso em apreço, afigura-se manifesto que, declarada a ilegalidade da liquidação de IMT objeto do pedido de pronúncia arbitral, pelos motivos que antecedem, terá de reconhecer-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios sobre os valores indevidamente pagos, conforme se estatui no n.º 5 do artigo 61.º, do Código do Procedimento e do Processo Tributário.

 

  1. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se em, julgando procedente o presente pedido de pronúncia arbitral:

  1.  Declarar a ilegalidade da liquidação de IMT n.º…, de 12/07/2017, por erro nos pressupostos de direito, determinando a sua anulação;
  2.  Condenar a AT à restituição da quantia indevidamente paga pela Requerente, acrescida de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 727,35 (setecentos e vinte e sete euros e trinta e cinco cêntimos).

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 306,00 (trezentos e seis euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Notifique-se.

Lisboa, 15 de março de 2018.

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.