Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 549/2014-T
Data da decisão: 2015-02-04  Selo  
Valor do pedido: € 12.981,80
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS - Terrenos para construção
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Decisão Arbitral

 

Processo n.º 549/2014-T

 

I.                   Relatório

 

1.      A… – PRÉDIOS URBANOS, S.A., com o NIF …, com sede na Rua …, em Lisboa, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), 3.º, 6.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e formular pedido de pronúncia arbitral.

2.      É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

3.      A Requerente pretende a anulação “dos actos de liquidação de IS [Imposto do Selo], referentes à primeira e segunda prestações do ano de 2013 [tituladas pelos documentos com os números 2014… e 2014…], com todas as consequências legais”.

4.      As referidas prestações perfazem o valor de €8.654,54.

5.      A Requerente apresenta uma cumulação de pedidos para a anulação dos referidos “actos de liquidação”.

6.      Sucede, porém, que as prestações mencionadas supra, às quais se referem os documentos números 2014… e 2014…, resultam de um único ato de liquidação (n.º …).

7.      O montante de Imposto do Selo liquidado, referente ao ano de 2013, foi de €12,981,80, a pagar em três prestações.

8.      A impugnação incide sobre um único ato – o ato de liquidação – e não sobre os documentos de cobrança – pelo que não é possível haver cumulação de pedidos no caso vertente.

9.      A Requerente pretende, pois, a anulação do ato de liquidação de IS com o número …, referente ao ano de 2013, no valor de €12,981,80, que originou os documentos de cobrança com os números 2014… e 2014….

10.  Pretende ainda a Requerente a condenação da Requerida ao pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida em processo de execução fiscal, no caso de a sua dispensa não ser aceite pelo respetivo Serviço de Finanças.

11.  A Requerente fundamenta a sua pretensão alegando, em síntese, que o conceito de terreno para construção, para efeitos fiscais, não pode ser considerado “prédio com afetação habitacional”, ao abrigo do disposto no art. 1.º, n.º 1, do Código de Imposto do Selo (CIS) e da Verba 28 da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS), pelo que, “não estando consagrada na lei a tributação dos “terrenos para construção”, não pode a AT de forma legítima incluí-los no escopo da norma que prevê a tributação dos prédios com fins habitacionais”.

12.  Sustenta ainda a Requerente que, em virtude de existir “evidente erro imputável aos serviços na liquidação do tributo que deu origem à instauração do processo de execução fiscal”, e com fundamento no disposto nos números 1 e 3 do artigo 53.º da Lei Geral Tributária (LGT), deve o Tribunal reconhecer o seu direito a “indemnização pelo valor correspondente aos encargos suportados com a (eventual) garantia a prestar, sendo certo que tais encargos só poderão ser apurados no momento em que a referida alegada garantia for levantada”.

13.  A Requerente optou pela não designação de árbitro.

14.  Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou o árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação da designação no prazo aplicável.

15.  As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

16.  Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 30/09/2014.

17.  A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, não tendo suscitado qualquer exceção.

18.  A Autoridade Tributária e Aduaneira sustenta na sua Reposta que

17.º

Conforme resulta da expressão “valor das edificações autorizadas”, constante do art. 45º, nº 2, do CIMI, o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art. 41º do CIMI.

 

[…]

 

 

 

20.º

Ao contrário do propugnado pela Requerente, a AT entende que o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados, quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma.

 

21.º

Note-se que o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afectação habitacional”. Expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6º, nº 1, alínea a), do CIMI.

 

22.º

Para além de que a mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, daí a regra constante do art. 45º do CIMI que manda separar as duas partes do terreno.”

 

19.  Sustenta a Autoridade Tributária e Aduaneira, em síntese, que “o prédio em questão tem natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, pelo que o acto de liquidação, objecto da presente pedido de pronúncia arbitral, deve ser mantido, por consubstanciar uma correcta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral, aditada pela Lei 55-A/2012, de 29/12”.

20.  Por Despacho de 09/12/2014, o Tribunal decidiu dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

21.  As Partes não apresentaram alegações.

22.  O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

23.  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

24.  Não se vislumbra qualquer nulidade.

 

II.                Matéria de facto

a.      Factos provados

25.  Consideram-se provados os seguintes factos:

25.1.A Requerente é proprietária do prédio urbano sito na Avenida …, freguesia de Avenidas Novas, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia, sob o artigo n.º …;

25.2.O prédio identificado supra encontra-se descrito na Caderneta Predial Urbana como “terreno para construção”, e tem o Valor Patrimonial Tributário (VPT) de € 1.298.180,00;

25.3.Não existe no prédio descrito qualquer edificação ou construção;

25.4.Com base no VPT indicado supra, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à liquidação de Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS, referente ao ano de 2013, à taxa de 1%, no montante total de € 12.981,80.

b.      Factos não provados

26.  Dos factos com interesse para a decisão da causa, não se provaram os que não constam da factualidade descrita supra.

c.       Fundamentação da decisão da matéria de facto

27.  Os factos foram dados como provados com base na prova documental.

III.             Matéria de direito

28.  Fixada a factualidade relevante, verifica-se estar em causa no presente processo exclusivamente matéria direito.

29.  A questão central a decidir pelo Tribunal é a que se prende com saber se um terreno para construção está sujeito a Imposto do Selo por aplicação da norma contida no art. 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo (CIS) e na Verba 28.1 da TGIS.

30.  Importa, consequentemente, para esse efeito, saber se um “terreno para construção” deve ser considerado “prédio com afetação habitacional”.

31.  A Verba 28 da TGIS foi aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, com o seguinte teor:

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.

 

32.  A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, através do art. 194.º, procedeu à alteração da verba 20.1 da TGIS, a qual passou a ter a seguinte redação:

28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1 %

33.  Contudo, o ato de liquidação ora em apreciação é referente ao ano de 2013, anterior, portanto, à alteração ao texto da verba 28.1 introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, pelo que esta nova redação não deverá ser tida em linha de conta para a decisão do presente litígio.

34.  Ora, o Código do Imposto do Selo (CIS) e a respetiva Tabela Geral, na redação introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, não esclarece qual o sentido da expressão “prédio com afetação habitacional”.

35.  O art. 67.º, n.º 2 do CIS, aditado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, prevê que “[à]s matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.”.

36.  O legislador, no n.º 1 do art. 2.º do CIMI, adota o seguinte conceito de prédio:

“Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.”

37.  O n.º 1 do art. 6.º do CIMI enuncia as diversas espécies de prédios urbanos, em função da respetiva afetação: habitacionais; comerciais, industriais ou para serviços; terrenos para construção; outros.

38.  Decorre da classificação adotada pelo legislador no art. 6.º do CIMI a distinção entre (i) prédios edificados, os quais podem ser afetos a habitação, comércio, indústria ou serviços, sendo esta afetação aferida em função do licenciamento respectivo ou, na falta de licença, do destino normal do imóvel (art. 6.º, n.º 2, do CIMI) e (ii) terrenos para construção, de acordo com a definição constante do n.º 3 do art. 6.º do CIMI.

 

39.  Assim, este Tribunal subscreve a fundamentação expressa pelo STA no seu Acórdão de 23/04/2014, no proc. 0271/14, quando afirma que “[n]ão tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do artigo 6.º do Código do IMI – subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral – uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional”.

40.  No mesmo sentido, este Tribunal acolhe o entendimento, expresso no citado Acórdão do STA, segundo o qual “[o] facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI)”.

41.  Uma interpretação como a adotada pela Requerida, segundo a qual um terreno para construção está abrangido pela expressão “prédio com afectação habitacional” não tem um mínimo de correspondência na letra da lei, levando a uma solução jurídica que configura uma verdadeira aplicação analógica da norma contida no art. 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo (CIS) e da Verba 28.1 da TGIS, em desconformidade com a lei (art. 11.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária), com o princípio da tipicidade da lei fiscal, ínsito no princípio da legalidade tributária (art. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, al. i), da Constituição da República Portuguesa) e com o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos.

42.   Sendo possível interpretar a verba 28.1 da TGIS em conformidade com a Constituição, é, contudo, de afastar o julgamento da inconstitucionalidade da norma nela contida.

43.  Neste caso, uma interpretação conforme com a Constituição implica a não sujeição a Imposto do Selo, por aplicação da Verba 28.1 da TGIS, dos terrenos para construção, relativamente ao ano de 2013.

44.  A Requerente formula ainda um pedido de condenação da Requerida ao pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida em processo de execução fiscal.

45.  Contudo, a Requerente não fez prova, no decurso do processo, de que essa garantia foi efetivamente prestada, não podendo o Tribunal condenar a Requerida ao pagamento de uma indemnização com base numa mera hipótese de vir a ser prestada uma garantia pela Requerente.

IV.             Decisão

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

i)   Julgar procedente o pedido anulação, com todos os efeitos legais, do ato de liquidação impugnado;

ii)  Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida ao pagamento de indemnização por eventual prestação de garantia indevida em processo de execução fiscal.

 

 

 

 

V.                Valor do processo

O valor do processo é fixado em € € 12.981,80, conforme o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e Processo Tributário e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

VI.             Custas

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 04 de fevereiro de 2015

 

 

O Árbitro,

 

 

  Paulo Nogueira da Costa