Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 552/2015-T
Data da decisão: 2016-01-27  Selo  
Valor do pedido: € 11.730,10
Tema: IS - Verba 28.1, da TGIS; propriedade vertical
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Decisão Arbitral

 

1.      RELATÓRIO

 

A…, sujeito passivo com o NIF … e com domicílio fiscal na Rua …, n.º … – …, em Lisboa, vem, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alínea b), 6.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, alínea a), todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com a intervenção de árbitro singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2013, emitidas nos termos da Verba 28.1, da TGIS, sobre as diversas divisões de utilização independente e destino habitacional do prédio urbano inscrito sob o artigo … da freguesia e concelho de ..., de que é proprietária.

Cumulativamente, pede a Requerente a condenação da Requerida na restituição das quantias indevidamente pagas, acrescidas de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento do imposto indevido, até à data da sua efetiva restituição.

São os seguintes os fundamentos do pedido de anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo:

a.      O prédio em causa compreende 8 pisos e 21 divisões de utilização independente, 19 das quais destinadas a habitação, cujo valor patrimonial tributário (VPT), determinado nos termos do artigo 7.º, n.º 2, alínea b), do CIMI, varia entre € 58 570,00 e € 66 100,00, num valor total de € 1 173 010,00;

b.     Tendo em conta que o VPT de cada divisão com utilização independente, ainda que afeta a habitação é muito inferior ao limite de € 1 000 000,00, previsto na verba 28.1, da TGIS, é entendimento da Requerente que a AT não pode sujeitar estas unidades, nem o prédio no seu todo, a Imposto do Selo ao abrigo da referida norma;

c.      A Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, aditou a verba 28 à TGIS, cuja redação inicial, aplicável às liquidações impugnadas, tinha a seguinte redação: «28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1 %;

28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.»

d.     Donde resulta que o âmbito de incidência abrange a “Propriedade, usufruto ou direito de superfície” de prédios que reúnam cumulativamente os seguintes requisitos: 1. Sejam urbanos; 2. Estejam afetos a habitação e, 3. Tenham um VPT de valor igual ou superior a € 1 000 000,00;

e.      Ao aprovar esta inovação, o legislador pretendeu introduzir um princípio de tributação da riqueza exteriorizada através da propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo, com afetação habitacional, como se conclui da análise da proposta de lei n.º 96/XII na Assembleia da República, disponível no DAR n.º 9/XII/2, de 11/10/2012, segundo a qual, a medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta nos princípios da equidade social e da justiça fiscal, ao onerar as habitações (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente);

f.      Assim, entende a Requerente que a existência em cada prédio de habitações independentes, em regime de propriedade horizontal ou vertical, pode estar abrangido pela incidência do imposto, mas somente se o VPT de cada uma das partes ou fração for igual ou superior a € 1 000 000,00;

g.     Entende que não se poderá enquadrar no âmbito desta norma de incidência prédios urbanos, no seu todo, quando constituídos por unidades independentes, com avaliações de VPT separadas, por não ser essa a intenção do legislador;

h.     Segundo a AT, o somatório dos VPT relativos às 19 divisões com utilização independente, com afetação habitacional, os quais perfazem um VPT global de € 1 173 010,00, dá lugar a incidência de Imposto do Selo;

i.       Segundo a Requerente, tal entendimento é desconforme com a lei, tanto mais que a Lei n.º 55-A/2012, de 19/10, não esclarece o conceito de “prédio com afetação habitacional”; no entanto, a mesma lei aditou ao Código do Imposto do Selo o artigo 67.º, n.º 2, que manda aplicar subsidiariamente o CIMI às matérias não reguladas, respeitantes à verba 28, da TGIS;

j.       O conceito de prédio urbano é o que resulta do artigo 2.º, do CIMI; o seu artigo 6.º indica as diferentes espécies de prédios urbanos, entre os quais os habitacionais (alínea a), do n.º 1), esclarecendo o n.º 2 do mesmo artigo, que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”;

k.     Daqui se conclui que, na ótica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio, mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina e que a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois nenhuma distinção é feita entre uns e outros, com tem vindo a ser decidido por vasta jurisprudência do Tribunal Arbitral;

l.       Assim, não havendo no prédio uma única fração ou divisão com utilização independente, afeta a habitação, de VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, nunca poderia a AT sujeitar a Requerente a imposto, ao abrigo da verba 28.1, da TGIS, o que a Requerente impugna por ser ilegal, inaceitável e desconforme, entre outros, com o princípio da legalidade tributária;

m.   As liquidações que se impugnam violam o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e especificamente o princípio da igualdade fiscal, que se não resume à regra da universalidade dos impostos, segundo o qual estes são devidos por todos os que revelem capacidade contributiva, integrando também a regra da uniformidade, segundo a qual todos devem ficar adstritos ao pagamento de impostos com base no mesmo critério;

n.     Segundo esta regra, o que é igual deve ser tributado igualmente e o que é desigual deve ser tributado desigualmente, na medida dessa desigualdade;

o.     Se o prédio se encontrasse no regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas frações habitacionais estaria sujeita a imposto, porquanto a AT atenderia ao VPT de cada uma das frações autónomas;

p.     Quanto aos prédios não constituídos em propriedade horizontal, dispõe o n.º 3 do artigo 12.º, do CIMI que “cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual discrimina igualmente o respetivo valor patrimonial tributário”, devendo ser esse o princípio aplicável à liquidação do imposto, por uma questão de igualdade;

q.     O próprio legislador tratou no CIMI as duas situações – a propriedade horizontal e a propriedade vertical –, de forma equitativa, aplicando os mesmos critérios, pelo que não pode a AT distinguir onde o legislador entendeu não o fazer, sob pena de violação do princípio da legalidade tributária, ínsito no artigo 103.º, n,º 2, da CRP, e ainda os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade fiscal;

r.       As liquidações impugnadas incorrem em vício de violação do disposto no artigo 1.º, do CIS, conjugado com a Verba 28, da TGIS, porquanto não foi intenção do legislador tributar os prédios em propriedade vertical pelo somatório dos VPT das frações ou divisões de utilização independente afetas a habitação, quando cada uma delas tem um VPT inferior a € 1 000 000,00; a manter-se a interpretação dada pela AT às normas aplicáveis, tal interpretação é manifestamente inconstitucional por violação, entre outros, dos artigos 13.º, 62.º, 103.º e 104.º, da CRP.

Termina a Requerente por pedir a declaração de ilegalidade das liquidações impugnadas, bem como a condenação da AT na restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária (LGT), atribuindo ao pedido o valor de € 11 730,10 (onze mil, setecentos e trinta euros e dez cêntimos).

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta, defendendo-se por exceção e por impugnação, nos termos seguintes:

Por exceção

1.      Da incompetência do Tribunal Arbitral

a.      A Requerente é proprietária do prédio urbano identificado no pedido de pronúncia arbitral, constituído em regime de propriedade vertical, composto por um total de 8 pisos e 21 divisões susceptíveis de utilização independente, sendo que, destas 19 são afectas à habitação;

b.      O valor patrimonial tributário foi determinado separadamente, nos termos do artigo 7º, nº 2, alínea b), do CIMI, sendo o valor patrimonial tributário total da quantia de € 1 559 220,00, do qual € 244 700,00 é referente a uma divisão destinada a comércio, € 141 510,00 é respeitante a uma divisão destinada a serviços e € 1 173 010,00 é referente às 19 divisões destinadas a habitação (cf. fls. 62 e 63 do PA);

c.      Foi sobre este valor que a AT liquidou, nos termos dos artigos 6º, nº 1, alínea f), subalínea i), o imposto de selo da verba 28.1. da TGIS, na redação dada pelo artigo 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29/10, à taxa de 1 por cento;

d.     No entanto, as notas de cobrança a que a Requerente se refere no seu pedido de pronúncia arbitral e cuja anulação requer a final, referentes à 1.ª 2.ª e 3.ª prestações do imposto do selo do ano de 2013, não constituem qualquer ato de liquidação; a Requerente não impugna o ato tributário de liquidação, mas sim o pagamento das prestações do ato de liquidação constantes de notas de cobrança;

e.      Assim, o objecto do processo é a anulação não de um ato tributário (ou de 2/3 de um ato tributário, o que não seria legalmente possível), mas sim de notas de cobrança para o pagamento das prestações de um imposto, matéria que não consta, em absoluto, do conjunto da norma que delimita a competência dos tribunais arbitrais tributários, constante do art.º 2.º do RJAT;

f.       Ou seja, o Tribunal Arbitral é incompetente para a apreciação do pedido formulado, qual seja o da legalidade de uma mera nota de cobrança;

g.      Ora, a incompetência do tribunal constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso nos termos do artigo 576.º e alínea a) do art.º 577.º do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, o que desde já se requer.

2.      Da inimpugnabilidade dos atos

h.      A Requerente impugna as prestações relativas ao pagamento de um valor unitário de imposto, como se retira da conjugação dos artigos 120.º e 113.º, n.º 1, ambos do Código do IMI, para além do n.º 7 do artigo 23.º, do Código do Imposto de Selo, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10;

i.        O Imposto do Selo a que se refere a verba 28 da TGIS é liquidado anualmente, não sendo o pagamento em prestações mais do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um seu pagamento parcial, razão pela qual o pagamento de uma das prestações da liquidação efetuada ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS não é um pagamento parcial daquela liquidação, mas tão só uma técnica de cobrança do imposto liquidado;

j.        Assim, verifica-se que existe uma única liquidação e o seu pagamento é concretizado em prestações, o que não permite a impugnação de uma só prestação ou documento de cobrança nesse valor parcelar;

k.      Por tudo o que ficou exposto, entende a AT que os presentes documentos de cobrança não são impugnáveis de per si, razão pela qual deve a exceção invocada ser procedente e a AT ser absolvida do pedido;

Por impugnação

l.        A sujeição ao imposto de selo da verba 28.1. da TGIS resulta da conjugação de dois fatores, a saber, a afetação habitacional e o valor patrimonial de cada prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00;

m.    A situação do prédio em apreço subsume-se, linearmente, o que quer dizer, literalmente, na previsão da verba em causa;

n.      A ora requerente é proprietária de um prédio em regime de propriedade total ou vertical. Da noção de prédio do artigo 2.º do CIMI, só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios - n.º 4 do citado artigo 2.º do CIMI; encontrando-se o prédio de que é proprietária em regime de propriedade total, não possui fracções autónomas, às quais a lei fiscal atribui a qualificação de prédio;

o.      Assim, para efeitos de IMI e também de Imposto do Selo, por força da redação da referida verba, não é proprietária de frações autónomas, mas sim de um único prédio;

p.      O que a requerente pretende é que a AT considere que, para efeitos de liquidação do presente imposto, exista analogia entre o regime da propriedade total e o da propriedade horizontal, já que não deve existir discriminação no tratamento jurídico-fiscal destes dois regimes de propriedade, por ser ilegal;

q.      Ora, pretender que o intérprete e aplicador da lei fiscal aplique, por analogia, ao regime da propriedade total o regime da propriedade horizontal, é que é abusivo e ilegal;

r.       Estes dois regimes de propriedade são regimes do direito civil, os quais foram importados para o direito tributário, designadamente nos termos referidos pelo artigo 2.º do CIMI, e o intérprete da lei fiscal não os pode equiparar, em consonância com a regra segundo a qual os conceitos dos outros ramos de direito têm o sentido no direito tributário que lhes é dado nesses ramos de direito (cfr. o artigo 11.º, n.º 2 da LGT);

s.       Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, conforme artigo 11.º, n.º 1 da LGT, que remete, assim, para o artigo 10.º do Código Civil, sobre a aplicação da analogia, que determina que esta só será aplicável em caso de lacunas da lei;

t.       Ora a lei fiscal não comporta qualquer lacuna. Determina o CIMI, para o qual a citada verba remete, que no regime da propriedade horizontal as frações constituem prédios; não podemos, pois, aceitar que se considere que, para efeitos da verba 28.1 da TGIS, as partes suscetíveis de utilização independente tenham o mesmo regime fiscal das frações autónomas do regime da propriedade horizontal;

u.      Os andares ou divisões independentes, avaliados nos termos do artigo 12.º, nº 3, do CIMI, são considerados separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina igualmente o respetivo VPT sobre o qual é liquidado IMI; no entanto a unidade do prédio urbano em propriedade vertical, composto por vários andares ou divisões, não é afetada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem suscetíveis de utilização económica independente;

v.      O facto de o IMI ter sido apurado em função do VPT de cada parte de prédio com utilização económica independente não afeta igualmente a aplicação da verba 28, nº 1, da TGIS, como resulta de o facto determinante da aplicação dessa verba ser o VPT total do prédio e não separadamente o de cada uma das suas parcelas;

w.    Outra interpretação violaria, isso sim, a letra e o espírito da verba 28.1. da TGIS e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto, previsto no artigo 103º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP);

x.      O legislador pode submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, os prédios em regimes de propriedade horizontal e vertical, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada arbitrária;

y.      Tudo visto, temos, necessariamente, de concluir que os atos tributários em causa, em termos de substância, não violaram qualquer preceito legal ou constitucional, devendo ser mantidos na ordem jurídica;

z.      No que respeita ao pedido de juros indemnizatórios, visando o processo arbitral, nos termos definidos no RJAT, um mero controlo de legalidade da liquidação impugnada, não pode determinar que houve “erro imputável aos serviços”; aliás, no caso em apreço, não se verifica a situação que a lei configura como sendo de “erro imputável aos serviços”, pelo que improcede, por infundado, o pedido de juros indemnizatórios.

Conclui a AT que, a não serem julgadas procedentes as exceções invocadas, deve a presente ação arbitral ser julgada improcedente, absolvendo-se a entidade Requerida do pedido.

A AT requereu ainda a dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, considerando que o processo deveria prosseguir com alegações escritas, no prazo a indicar pelo Tribunal.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no CAAD em 24 de agosto de 2015, tendo sido aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, em 14 de setembro de 2015.

Não pretendendo a Requerente utilizar a faculdade de designar árbitro, foi a signatária nomeada árbitro pelo Exm.º Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º, do RJAT, encargo que aceitou no prazo legalmente previsto, sem oposição das Partes.

O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 11 de novembro de 2015.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). O processo não enferma de nulidades.

Nos termos do despacho arbitral de 15 de dezembro de 2015, notificado às Partes na mesma data, foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, determinando-se que o processo prosseguisse com a produção de alegações escritas sucessivas, iniciando-se com a sua notificação o prazo de 10 dias para alegações da Requerente e, com a notificação da apresentação das alegações da Requerente, o prazo de 10 dias para alegações da AT. Fixou-se a data de 27 de janeiro de 2016 para prolação da decisão arbitral.

Por requerimento de 16 de dezembro de 2015, complementado pelas alegações escritas remetidas aos autos em 28 de dezembro de 2015, veio a Requerente responder às exceções invocadas pela AT na resposta, esclarecendo que não pretendia impugnar nenhuma das prestações em que se subdividiram as liquidações impugnadas, mas sim as liquidações de Imposto do Selo do ano de 2013, na sua totalidade, que já haviam sido objeto de reclamação graciosa, mantendo, no mais, a argumentação expendida em sede do pedido de pronúncia arbitral.

A AT não apresentou alegações.

 

2.      MATÉRIA DE FACTO

2.1. Factos que se consideram provados:

2.1.1. Em 31 de dezembro de 2013, data da produção do facto tributário, a Requerente era proprietária do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia e concelho de ..., então caraterizado como prédio em propriedade total, constituído por 8 pisos e 21 andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, 19 dos quais com afetação habitacional;

2.1.2. O VPT total do prédio era, àquela data, de € 1 559 220,00, enquanto o somatório dos VPT atribuídos aos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente e afetação habitacional era da quantia de € 1 173 010,00, sendo esse o valor indicado em cada uma das notas de cobrança do IS como “Valor Patrimonial do prédio – total sujeito a imposto”;

2.1.3. O VPT atribuído a cada andar ou divisão suscetível de arrendamento separado e afetação habitacional, tal como consta das notas de cobrança emitidas, variava entre € 58 570,00 e € 66 100,00;

2.1.4. O prédio identificado viria a ser constituído sob o regime de propriedade horizontal, por escritura pública de 14 de maio de 2014;

2.1.5. Em nome da Requerente foram emitidas, em 17 de março de 2014, para pagamento voluntário em três prestações anuais, as liquidações de IS do ano de 2013, cujas primeiras prestações constam das notas de cobrança identificadas no quadro que segue, tendo por base o VPT de cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente e a taxa de 1%:

Identificação do Documento

Identificação do Prédio

VPT

Coleta

2014 …

… U-…- RC E

€ 58 570,00

€ 585,70

2014 …

… U-…- 1.º E

€ 66 100,00

€ 661,00

2014 …

… U-…- 1.º D

€ 66 100,00

€ 661,00

2014 …

… U-…- 1.º F

€ 64 090,00

€ 640,90

2014 …

… U-…- 2.º F

€ 61 580,00

€ 615,80

2014 …

… U-…- 2.º E

€ 61 580,00

€ 615,80

2014 …

… U-…- 2.º D

€ 59 550,00

€ 595,50

2014 …

… U-…- 3.º E

€ 61 580,00

€ 615,80

2014 …

… U-…- 3.º D

€ 60 700,00

€ 607,00

2014 …

… U-…- 3.º F

€ 61 580,00

€ 615,80

2014 …

… U-…- 4.º F

€ 61 580,00

€ 615,80

2014 …

… U-…- 4.º D

€ 60 700,00

€ 607,00

2014 …

… U-…- 4.º E

€ 61 580,00

€ 615,80

2014 …

… U-…- 5.º F

€ 61 580,00

€ 615,80

2014 …

… U-…- 5.º D

€ 60 700,00

€ 607,00

2014 …

… U-…- 5.º E

€ 61 580,00

€ 615,80

2014 …

… U-…- 6.º D

€ 60 700,00

€ 607,00

2014 …

… U-…- 6.º F

€ 61 580,00

€ 615,80

2014 …

… U-…- 6.º E

€ 61 580,00

€ 615,80

 

2.1.6. Em 25 de agosto de 2014, a Requerente apresentou reclamação graciosa, no Serviço de Finanças de Lisboa …, em cuja petição referiu que “tendo sido notificada da liquidação do imposto do selo, relativo ao ano de 2013, no valor de € 11 730,66 (onze mil setecentos e trinta euros e sessenta e seis cêntimos) efetuada ao abrigo do disposto da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, e para efetuar o pagamento das prestações de Abril e Julho de 2014, vem, ao abrigo do disposto no artigo 49.º do Código do Imposto do Selo (CIS) e artigos 70.º e 102.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentar reclamação da liquidação daquela quantia (…)”;

2.1.7. A referida reclamação graciosa, autuada sob o n.º …2014…, viria a ser indeferida por despacho de 29 de maio de 2015, da Senhora Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, notificado à Requerente, na pessoa do seu Mandatário, através do ofício n.º …, do mencionado Serviço da AT, datado de 1 de junho de 2015 (Registado com A/R – RD … PT);

2.1.8. As liquidações do Imposto do Selo do ano de 2013, objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, no valor global de € 11 730,10, foram integralmente pagas, em 22 de abril de 2014, 21 de julho de 2014 e 26 de novembro de 2014, a primeira, segunda e terceira prestações, respetivamente.

 

2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:

A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada resultou da análise da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral e ao PA (cópias da caderneta predial do imóvel identificado, do comprovativo do pagamento das notas de cobrança emitidas em nome da Requerente, bem como da decisão da reclamação graciosa e da notificação do respetivo indeferimento).

2.3. Factos não provados

Não existem factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

3.      MATÉRIA DE DIREITO – FUNDAMENTAÇÃO

3.1.Das exceções invocadas pela AT: a incompetência do tribunal arbitral e a inimpugnabilidade dos atos.

A verificação de qualquer das exceções invocadas pela AT determinará a absolvição da instância, obstando ao conhecimento do mérito da causa, sendo, por isso, de apreciação prioritária, nos termos do n.º 1 do artigo 608.º, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, ex vi do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

No que respeita à exceção da incompetência, estabelece o n.º 1 do artigo 16.º, do CPPT, de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, que “A infração das regras de competência em razão da hierarquia e da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal”; quanto à inimpugnabilidade do ato impugnado, vem esta classificada como exceção dilatória pela alínea i) do n.º 4 do artigo 89.º, do CPTA, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10.

Trata-se, no entanto, de duas exceções intimamente ligadas, atendendo às competências atribuídas aos tribunais arbitrais tributários pelo artigo 2.º, do RJAT, em especial e para o caso dos autos, pela alínea a) do n.º 1 do preceito citado, segundo a qual aquela competência compreende a apreciação dos pedidos de “(…) declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e ao facto de, quer a doutrina, quer a jurisprudência, acordarem em que uma prestação de uma liquidação que haja, por determinação legal, de ser paga em prestações, não consubstanciar um ato tributário de liquidação, traduzindo-se tão somente uma técnica de arrecadação do imposto.

Efetivamente, quer no caso do IMI, quer no caso do Imposto do Selo da verba 28.1, da TGIS, face à remissão estabelecida pelo n.º 7 do artigo 23.º, do Código do Imposto do Selo, existe uma única liquidação anual, que poderá ser paga em uma, duas ou três prestações, nos termos do n.º 1, alíneas a), b) e c), respetivamente, do artigo 120.º, do Código do IMI.

Porém, como resulta do probatório supra (ponto 2.1.6.), já no requerimento da reclamação graciosa a Requerente pediu a anulação da liquidação, na sua totalidade, dizendo que, “tendo sido notificada da liquidação do imposto do selo, relativo ao ano de 2013 (…),vem, ao abrigo do disposto no artigo 49.º do Código do Imposto do Selo (CIS) e artigos 70.º e 102.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentar reclamação da liquidação (…)”.

Assim, tendo a Requerente peticionado, quer em sede administrativa, quer em sede arbitral, a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2013, na sua totalidade, e não de qualquer das prestações em que aquelas liquidações se subdividem, têm-se por não verificadas as exceções invocadas pela AT, nada impedido o conhecimento do mérito da causa.

 

3.2.A questão decidenda:

A principal questão trazida aos autos pela Requerente é a de saber se a sujeição a Imposto do Selo (verba 28, da TGIS) de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal é determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das divisões de utilização independente e com afetação habitacional, como defende, ou se é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia ao somatório de todos os VPT dos andares ou divisões de utilização independente e com afetação habitacional que o integram, conforme a interpretação dada pela AT à referida norma.

 

3.3.Do conceito de prédio urbano com afetação habitacional

Na sua redação inicial, aplicável à situação em análise, a verba 28, da TGIS, dispunha que se encontravam sujeitas a imposto do selo as seguintes situações:

«28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 — Por prédio com afetação habitacional — 1 %;

28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.»

Constituem requisitos cumulativos de aplicação desta norma, que o imóvel a tributar seja um prédio urbano “com afetação habitacional”, e que o seu valor patrimonial tributário, para efeito de IMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00.

Por outro lado, estabelece o n.º 1 do artigo 11.º, da Lei Geral Tributária (LGT), que “1 - Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”.

Assim, o ponto de partida para a interpretação da norma é o elemento gramatical, ou seja, o texto da lei, muito embora, na determinação do sentido e valor da norma, não possa o intérprete deixar de considerar o elemento lógico ou, de acordo com o n.º 1 do artigo 9.º, do Código Civil, deixar de “reconstituir (…) o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”

A norma de incidência contida na verba 28.1, da TGIS, utiliza a expressão “prédio de afetação habitacional”, cujo conceito se não encontra definido no Código em que se insere, nem em qualquer outra legislação de natureza tributária.

Porém, tendo em conta as normas do Código do IMI, para cuja aplicação subsidiária remete, em bloco, o n.º 2 do artigo 67.º, do Código do IS, aditado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, pode concluir-se que a espécie de prédio urbano que melhor corresponde ao conceito de “prédio com afetação habitacional” é a dos prédios habitacionais, enquanto edifícios ou construções licenciados para habitação ou que, na falta de licença, tenham como destino normal a habitação (cfr. o artigo 6.º, n.º1, alínea a) e n.º 2, do CIMI).

Contudo, o prédio urbano de que a Requerente é proprietária, integrando andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, umas destinadas a comércio e serviços e outras destinadas a habitação, não poderá, globalmente, ser considerado prédio urbano de afetação habitacional, porquanto tem uma afetação enquadrável em mais do que uma das classificações estabelecidas pelo n.º 1 do artigo 6.º, do Código do IMI.

Nem se afigura que os andares ou divisões afetos a habitação que dele fazem parte possam ser segregados do todo, para, no seu conjunto, integrarem a noção de prédio de afetação habitacional prevista na norma de incidência da verba 28.1, da TGIS.

 

3.4.Da distinção entre andares ou divisões suscetíveis de utilização independente e frações autónomas, para efeitos tributários

Não obstante a norma do n.º 3 do artigo 12.º, do CIMI dispor que “Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário”, que também é discriminado no documento de cobrança (cfr. o n.º 1, do artigo 119.º, do CIMI), vem a AT defender que o VPT relevante para efeitos da norma de incidência da verba 28.1, da TGIS, é o valor patrimonial global do prédio e não o valor de cada uma das divisões de utilização independente.

E fá-lo pretendendo que, caso o VPT relevante para aplicação daquela norma de incidência fosse o de cada divisão de utilização independente, estar-se-ia a aplicar, por analogia, aos prédios em propriedade vertical o regime da propriedade horizontal, em que, nos termos do n.º 4 do artigo 2.º, do CIMI, cada fração autónoma é havida como constituindo um prédio.

Efetivamente, do ponto de vista formal, bem anda a AT ao referir que um prédio constituído em propriedade horizontal é uma realidade jurídico-tributária distinta de um prédio urbano em propriedade vertical ou total.

Porém, se o n.º 4 do artigo 2.º, do CIMI, estabelece a ficção legal de que cada uma das frações autónomas de um prédio constituído em propriedade horizontal consubstancia um prédio, daí não decorre, necessariamente, que uma parte de utilização independente de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal seja considerada prédio.

Se o legislador utilizou, na norma da verba 28.1, da TGIS, a expressão “prédio urbano de afetação habitacional”, não se afigura legítimo que AT nela pretenda incluir os andares ou divisões de utilização independente de prédios não constituídos em propriedade horizontal que, como a própria reconhece, não são prédios, nem podendo, por isso, ser equiparadas às frações autónomas de prédios constituídos em regime da propriedade horizontal.

 

3.5.Do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos em propriedade total

No que respeita à determinação do valor patrimonial tributário dos prédios não constituídos em propriedade horizontal, rege o artigo 7.º, n.º 2, do CIMI, mas apenas quanto aos “prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações do n.º 1 do artigo anterior”, caso em que, de acordo com a sua alínea b) “(…) cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes”.

E é esta a única norma do CIMI em que se faz referência ao “valor [global] do prédio”, sem que, contudo, este tenha qualquer relevância ao nível da liquidação do imposto.

Assim, da conjugação das normas do n.º 2 do artigo 7.º e do n.º 1 do artigo 6.º, ambos do CIMI, resulta que, se um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal integrar exclusivamente partes ou divisões destinadas a habitação, o valor [global] do prédio não equivale à soma das suas partes.

 

3.6.Do VPT relevante para efeitos da verba 28.1, da TGIS

Tal como se referiu no ponto precedente, o VPT de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, que integre exclusivamente partes ou divisões de afetação habitacional, não equivale ao somatório dos VPT atribuídos indivualizadamente a cada uma dessas partes ou divisões, pois o n.º 2 do artigo 7.º, do CIMI, apenas tem aplicação aos prédios urbanos que tenham mais do que uma classificação, das previstas no artigo anterior.

O que equivale a dizer-se que cada uma dessas partes é autónoma e que, não lhe tendo sido atribuído um VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, ficará excluída da incidência do Imposto de Selo – verba 28.1, da TGIS.

Aqui chegados, caberá questionar da sujeição a Imposto do Selo de uma parte ou divisão de utilização independente, com afetação habitacional, de um prédio não constituído em propriedade horizontal, em que se integrem partes ou divisões de utilização independente, enquadráveis em mais do que uma das classificações do n.º 1 do artigo 6.º, do CIMI, como é o caso em apreço.

Ora, a resposta há de ser negativa, não obstante a previsão da alínea b) do n.º 2, do artigo 7.º, do CIMI, segundo a qual o valor do prédio é a soma dos valores das suas partes ou divisões de utilização independente, enquadráveis em mais do que uma das classificações do n.º 1, do artigo 6.º, do mesmo Código.

É que, aqui, não estamos a cotejar duas realidades juridicamente distintas, como seriam as partes ou divisões de utilização independente de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, por um lado, e as frações autónomas de prédios submetidos àquele regime, que, para efeitos de IMI, são elas próprias prédios, por outro.

O que aqui se compara são realidades em tudo idênticas, ou seja, partes ou divisões de utilização independente e afetação habitacional, integradas em prédios urbanos não constituídos em propriedade horizontal.

E a resposta à questão há de ser negativa, pois nada justificaria que o legislador pretendesse tributar divisões de utilização independente e afetação habitacional de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, integrado por outras partes ou divisões de utilização independente destinadas a outros fins, e não tributasse partes ou divisões de utilização independente e afetação habitacional de um outro prédio urbano em propriedade total, integrado exclusivamente por andares ou divisões de utilização independente, destinadas a habitação.

Não se afigurando ser essa a intenção legislativa, não se poderá aceitar que a AT formule uma norma de incidência ex novo, diversa da que foi criada pelo legislador, pretendendo tributar partes de prédios, ainda que económica e funcionalmente independentes e, como tal, separadamente inscritas na matriz, pois a lei é clara ao sujeitar a imposto de selo da verba 28.1, da TGIS, os prédios urbanos (e não partes dos mesmos) de afetação habitacional, cujo VPT, para efeitos de IMI, seja superior a € 1 000 000,00.

Efetivamente, tal como refere a Requerente nas suas alegações e já serviu de fundamento a outras decisões arbitrais, nomeadamente a proferida no processo n.º 50/2013-T, “A ratio legis subjacente à regra da verba 28 da TGIS, introduzida pela Lei nº 55-A/2012 de 29 de outubro, em obediência ao disposto no artigo 9º do Código Civil, segundo o qual a interpretação da norma jurídica não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos e dos restantes elementos de interpretação o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

O legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor, mais rigorosamente, de valor igual ou superior a € 1 000 000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. O critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a € 1000 000,00.

Tal lógica parece fazer sentido quando aplicada a “habitação”, seja ela “casa”, “fração autónoma” ou “parte de prédio com utilização independente” “unidade autónoma”, porque se supõe uma capacidade contributiva acima da média e, nessa medida, se justifica a necessidade de realização de um esforço contributivo adicional, pouco sentido faria passar a desconsiderar os apuramentos "unidade a unidade" quando só através do somatório dos VPTs das mesmas, porque detidas pelo mesmo indivíduo, é que se superaria o milhão de euros.

Tal conclui-se da análise da discussão da proposta de Lei n.º 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2.ª, de 11 de outubro de 2012.”.

Temos pois que, para além dos elementos gramatical e sistemático de interpretação da norma de incidência contida na verba 28.1, da TGIS, também o elemento racional ou teleológico, a ratio legis ou fim visado pelo legislador ao elaborar aquela norma, aponta no sentido de a tributação incidir sobre prédios urbanos e não sobre partes de prédios urbanos, ainda que de utilização independente e com afetação habitacional.

Pelos motivos expostos, não pode deixar de considerar-se verificado o vício de violação de lei, por erro na aplicação do direito, decorrente da errada interpretação da norma de incidência contida na verba n.º 28.1, da TGIS.

 

3.7.Do pedido de juros indemnizatórios

O processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 – primeira parte –, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010).

Deste modo, embora o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, utilize a expressão “declaração de ilegalidade” como delimitativa da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, deverá entender-se que essa competência abrange os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, como seja o de apreciar o erro imputável aos serviços.

Por outro lado, um dos efeitos da decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, é a vinculação da administração tributária a “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que incluiu “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.” (cfr. o artigo 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5, do RJAT).

De igual modo, o artigo 100.º, da LGT, aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.

E, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

O erro imputável aos serviços pode consistir em erro sobre os pressupostos de facto, que ocorre sempre que haja “uma divergência entre a realidade e a matéria de facto utilizada como pressuposto na prática do ato”[1], ou em erro sobre os pressupostos de direito, quando “na prática do ato tenha sido feita errada interpretação ou aplicação das normas legais, como as normas de incidência objetiva e subjetiva (…)”[2] e “fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte”[3].

No caso em apreço, afigura-se manifesto que, declarada a ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo, por ter ficado demonstrada a errada aplicação da norma de incidência objetiva contida na verba 28.1, da TGIS, o que justifica a sua anulação, terá de reconhecer-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios sobre os valores indevidamente pagos, desde a data do respetivo pagamento, conforme se estatui no n.º 5 do artigo 61.º, do CPPT, já que tal ilegalidade é exclusivamente imputável à Administração Tributária, que praticou aqueles atos tributários sem o necessário suporte legal.

 

3.8.Questões de conhecimento prejudicado

Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

Em face da solução dada às questões relativas à determinação do VPT relevante para aplicação da norma de incidência contida na verba 28.1, da TGIS e ao pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões, nomeadamente as da inconstitucionalidade da referida norma, por a mesma não ser passível da interpretação que, no caso, foi feita pela AT.

 

4.      DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2º do RJAT, decide-se em, julgando inteiramente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral:

4.1.Declarar a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo impugnadas, por erro nos pressupostos de direito, determinando a sua anulação;

4.2.Condenar a AT à restituição das quantias indevidamente pagas pela Requerente a título de Imposto do Selo de 2013, acrescidas de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido até à da emissão da respetiva nota de crédito;

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 11 730,10 (onze mil, setecentos e trinta euros e dez cêntimos).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 27 de janeiro de 2016.

 

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990. 

 



[1] SOUSA, Jorge Lopes de, “Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado e comentado”, II Volume, Áreas Editora, 6.ª Edição, 2011, pág. 115.

[2] Idem, ibidem.

4 CAMPOS, Diogo Leite de, RODRIGUES, Benjamim Silva, SOUSA, Jorge Lopes de, “Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada”, Encontro da Escrita, 4.ª Edição, pág. 342.