Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 541/2018-T
Data da decisão: 2020-01-10  IRS  
Valor do pedido: € 8.508,81
Tema: IRS – Pagamento de juros; Mais-valias; Informações de Administração Tributária Estrangeira; Diretiva da Poupança; Ónus da prova.
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DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Pedro Miguel Bastos Rosado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:  

 

I.             Relatório

 

1.   A..., com o número de identificação fiscal ..., residente na ... nº..., ...-... Lisboa, doravante designada por Requerente, apresentou, em 31 de outubro de 2018, pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do ano de 2012, com o n.º 2016..., de 18 de novembro de 2016,  no valor de € 9.215,91 (nove mil duzentos e quinze euros e noventa e um cêntimos), que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2016..., bem como da decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado, sendo Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante designada por Requerida ou AT.

 

2. A pretensão objeto do pedido de pronúncia arbitral consiste na declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial do acto tributário de liquidação de IRS referido em 1. (objecto mediato) e da decisão de indeferimento do recurso hierárquico.

 

3. Pede, ainda, a Requerente o reembolso das importâncias indevidamente pagas a título de IRS no valor total de € 7.929,22 (pedido principal), ou de € 4.782,44 (pedido subsidiário), bem como a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em 2 de novembro de 2018, e posteriormente notificado à AT.

 

5. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do prazo legal.

 

6. Em 20 de dezembro de 2018, as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo arguido qualquer impedimento.

 

7. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 10 de janeiro de 2019.

 

8. Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta e remeteu o “processo administrativo”.

 

9. Na sua Resposta, veio a AT defender a improcedência dos pedidos.

 

10. Por despacho de 9 de julho de 2019, o Tribunal decidiu prorrogar o prazo para a prolação da decisão arbitral por um período de dois meses.

 

11. Por despacho de 22 de agosto de 2019, foi designado o dia 11 de Setembro de 2019, pelas 11 horas, para a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

 

12. No mesmo despacho de 22 de agosto de 2019 foi decidido proceder-se à inquirição das testemunhas, a apresentar pelas Partes.

 

13. Por requerimento de 5 de setembro de 2019, as mandatárias da Requerente vieram requerer que fosse dada sem efeito a data designada para a reunião e determinado o seu reagendamento, por se encontrarem impossibilitadas de comparecer de outra audiência judicial já anteriormente agendada, mais tendo requerido a notificação e a inquirição por skype da testemunha B... na Suiça por estar a residir nesse país.

 

14. Por despacho de 9 de setembro de 2019, foi dado sem efeito a data e hora designadas para a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido notificar a AT para o exercício do contraditório relativamente à notificação da testemunha e inquirição via skype.

 

15. Em 18 de setembro de 2019, a AT veio exercer o contraditório, reiterando a dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT. 

 

16. Em 1 de outubro de 2019, a Requerente veio insistir pelo reagendamento da reunião prevista no artigo 18º do RJAT e pela notificação e a inquirição por skype da testemunha B... .

 

17. Por despacho de 10 de novembro de 2019, o Tribunal decidiu prorrogar o prazo para a prolação da decisão arbitral por um período de dois meses.

 

18. Por despacho de 12 de novembro de 2019 foi designado o dia 25 de novembro de 2019, pelas 11 horas, para a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

 

19. No mesmo despacho de 12 de novembro de 2019 foi decidido proceder-se-á à inquirição das testemunhas, a apresentar pelas Partes, sendo que a testemunha B... poderá prestar o seu depoimento por Skype, devendo neste caso a Requerente fornecer ao CAAD, até à véspera da data designada para a reunião, o endereço de Skype da testemunha.

 

20. Em 25 de novembro de 2019, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações sucessivas.

 

21. Na reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi comunicado às partes que a decisão final seria proferida e notificada às partes até 10 de janeiro de 2020, devendo até essa data a Requerente pagar a taxa arbitral subsequente, nos termos do nº 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o pagamento ao CAAD.

 

22. As Partes apresentaram alegações.

 

II. Saneamento

 

1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

 

2. As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

3. O processo não enferma de nulidades.

 

III. Matéria de facto

 

1. Factos provados

 

Dão-se como provados os seguintes factos com potencial relevo para a decisão:

 

A) No ano de 2012, a Requerente tinha residência fiscal em Portugal;

 

B) Em 23 de Maio de 2013, a Requerente apresentou declaração de rendimentos Modelo 3 relativo ao período de tributação de 2012, da qual resultou um valor a restituir de € 236,11 (Cfr. documentos nºs. 1 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

 

C) As autoridades fiscais da Suiça, ao abrigo da Diretiva da Poupança (Diretiva n.º 2003/48/CE), transmitiram à AT que, no ano de 2012, a Requerente auferiu o valor de € 66.664,00 a título de rendimentos de juros, valor este que a Requerente não indicou na declaração modelo 3 de IRS indicada em A). (Cfr. Processo Administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

 

D) A Requerente foi notificada pela AT para vir manifestar em sede de audição prévia ou através de declaração de substituição, a intenção de deduzir imposto suportado no estrangeiro, que esse montante seja objecto de confirmação, mediante a exibição de documento emitido pela autoridade tributária do país onde foi pago, sob pena de não ser considerado para efeitos de dedução á colecta e que, caso a situação não fosse regularizada, nem se pronunciasse no prazo de 15 dias, seria efectuada alteração oficiosa dos elementos constantes da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2012, em conformidade com o projecto de correcção, nos termos do nº 4 do artigo 65º do Código do IRS. (Cfr. Processo Administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

  

E) A Requerente informou a AT que não concordava com as correções propostas tendo por base os seguintes fundamentos: “ junto uma declaração de rendimentos emitida pelo banco para as duas contas, em que se demonstra que o montante de € 56.137,41 da conta 2021613 não é um rendimento mas sim o produto do reembolso das obrigações, em que se apurou uma menos valia de € 5.382,00. Os extractos juntos devem ser considerados em 50%, uma vez que as contas estão em contitularidade.” (Cfr. documento nº. 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o Processo Administrativo, cujo teores se dão como reproduzidos);

 

F) Considerando os esclarecimentos e os elementos comunicados à AT ao abrigo da Diretiva da Poupança, a AT verificou que o valor transmitido à AT pelas Autoridades fiscais da Suíça de € 66.664,00, foi indicado para dois sujeitos passivos, pelo que o deveria ser incluído no campo 442 do anexo J, da declaração de rendimentos modelo 3, seria o valor de € 33.332,00, referente a 50% do rendimento de juros transmitidos à AT pela Suiça, ao abrigo da Diretiva indicada, atendendo a que as duas contas bancárias indicadas estão em contitularidade (Cfr. documento nº. 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o Processo Administrativo, cujo teores se dão como reproduzidos);

 

G) A AT procedeu à á elaboração do Documento Único de Correção com a seguinte inscrição na declaração de rendimentos modelo 3:

  

(Cfr. Processo Administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

 

H) A correção oficiosa por parte da AT deu origem à liquidação de IRS n.º 2016..., referente a 2012, com os fundamentos constantes da Informação n.º.../2016 da Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e a Despesas da Direção de Finanças de Lisboa, da qual foi notificada a Requerente através do oficio n.º ... de 2016-11-21 (Cfr. Processo Administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

 

I) Em novembro de 2016, a Requerente foi notificada do acto de liquidação adicional de IRS n.º 2016 ... bem como incluindo o acerto de contas n.º 2016 ... (Cfr. documentos nºs. 2 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral e o Processo Administrativo, cujo teores se dão como reproduzidos);

 

J) Em Novembro de 2016, a Requerente foi notificada para proceder ao pagamento voluntário, até 3 de Janeiro de 2017, da quantia de 9.452,02 € (9.215,91€ apurados no acto de liquidação, acrescido do valor de 236,11€ restituído à Requerente aquando da liquidação inicial) (Cfr. documentos nºs. 2 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral e o Processo Administrativo, cujo teores se dão como reproduzidos);

 

L) Em 2 de janeiro de 2017, a Requerente procedeu ao pagamento voluntário da quantia de 9.452,02 € (Cfr. documento nº. 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o Processo Administrativo, cujo teores se dão como reproduzidos);

 

M) Em 14 de Dezembro de 2016, a Requerente solicitou passagem de certidão que contivesse a fundamentação da liquidação adicional de IRS (Cfr. documento nº. 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o Processo Administrativo, cujo teores se dão como reproduzidos);

 

N) Em 23 de Janeiro de 2017, o Serviço de Finanças de Lisboa ... emitiu certidão que contendo a fundamentação da liquidação adicional de IRS, e, em especial, que a Requerente obteve, na Suíça, os seguintes rendimentos de juro originados em duas contas bancárias: Conta bancária ... – 62.441,00€; Conta bancária ... – 4.223,00€, surgindo como Agente Pagador o C... (Cfr. documento nº. 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o Processo Administrativo, cujo teores se dão como reproduzidos);

 

O) Em 28 de abril de 2017, a Requerente deduziu junto da AT reclamação graciosa contra o acto de liquidação de IRS de 2012 nº 2016 ..., que veio a corresponder ao procedimento de reclamação graciosa nº. ...2017... (Cfr. documento nº. 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o Processo Administrativo, cujo teores se dão como reproduzidos);

 

P) Em 6 de dezembro de 2017, a Requerente foi notificada de que tal reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão de Direcção de Finanças de Lisboa

(Cfr. documento nº. 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o Processo Administrativo, cujo teores se dão como reproduzidos);

 

Q) Em 5 de janeiro de 2018, a Requerente interpôs recurso hierárquico do ato de indeferimento da reclamação graciosa, que veio a corresponder ao procedimento de recurso hierárquico n.º ...2018... (Cfr. documento nº. 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o Processo Administrativo, cujos teores se dão como reproduzidos);

 

R) Em 6 de Agosto de 2018, a Requerente foi notificada de que o recurso hierárquico foi indeferido por Despacho do Diretor de Serviço Central de Relações Internacionais, ao abrigo de subdelegação de competências (Cfr. documento nº 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o Processo Administrativo, cujos teores se dão como reproduzidos);

 

S) Em 13 de Agosto de 2009, a Requerente subscreveu, conjuntamente com D..., 18.000 unidades de participação no Fundo Especial de Investimento Fechado “E...”, gerido por F...– SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO MOBILIÁRIO S.A., ao valor nominal de € 5,00, no valor total de 90.000,00€ (Cfr. documentos nºs 12 e 13 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

 

T) Em 13 de dezembro de 2012, a Requerente, conjuntamente com D..., procedeu ao resgate das 18.000 unidades de participação no Fundo Especial de Investimento Fechado “E...”, ao valor unitário de € 6,23749, no valor total de 112.274,82€, valor este que foi creditado na conta bancária ... EUR01 (Cfr. documentos nºs 11 e 15 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

 

U) Nos rendimentos imputados à conta ... incluía-se o valor da Requerente de 56.137,41€ (112.274,82€ : 2 titulares), relativo ao resgate das unidades de participação do Fundo Especial de Investimento Fechado “E...” (Cfr. documentos nºs 11 e 15 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

 

V) No ano de 2012, a Requerente auferiu, no estrangeiro, o valor de 5.263,30 € de rendimento de juros, relativamente a “Rendimentos da Diretiva da Poupança nº 2003/48/CE” (cfr. Artºs 64º e segs. da p.i) (Cfr. documento nº 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teor se dá como reproduzidos).

 

X) O C... Ltd. declarou às autoridades fiscais suíças a totalidade do valor de resgate das unidades de participação como rendimento de juros, nos termos da Directiva Poupança, (Cfr. documento nº 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

 

Z) Em 31 de outubro de 2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral, atrás identificados, e no processo administrativo, cuja autenticidade não foi colocada em causa. 

 

A testemunha aparentou depor com isenção e mostrou ter conhecimento dos factos dos autos, por terem ligações profissionais ao G... e ter sido gestor de conta da Requerente aquando da subscrição das unidades de participação do Fundo Especial de Investimento Fechado “E...”.

 

Não se provou que o valor 66.664,00 € declarado à AT pelas autoridades fiscais suíças corresponde a rendimentos de juros (“Rendimentos da Diretiva da Poupança nº 2003/48/CE”) obtidos pela Requerente no ano de 2012.

 

Não se provou que a Requerente, no ano de 2012, tenha auferido o valor de 33.332,00€ de rendimento de juros, que devessem ser declarados no Campo 422 do Quadro 4 do anexo J, da declaração de IRS modelo 3, relativamente a “Rendimentos da Diretiva da Poupança nº 2003/48/CE”.

A Requerente não impugna o valor de Euro 5.263,30 € de rendimento de juros relativamente a “Rendimentos da Diretiva da Poupança nº 2003/48/CE”, aceitando as correções efetuadas pela AT nesta sede (cfr. Artºs 64º e 65º da p.i.).

 Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

IV. Matéria de Direito

 

1. Apreciação do mérito do pedido de pronúncia arbitral

1.1 Posições das Partes

 

A Requerente defende, em suma:

 

a) que a AT entendeu que a Requerente, no ano de 2012, obteve rendimentos de juros na Suíça, sobre os quais pretensamente incidia IRS à taxa de tributação autónoma de 25%;

 

b) que as declarações apresentadas pelos contribuintes presumem-se verdadeira e de boa fé, até prova em contrário;

 

c) que o ónus da prova dos factos constitutivos de direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque;

 

d) que foi a AT quem invocou a falta de veracidade da declaração modelo 3 de rendimentos de IRS do ano de 2012 apresentada pelos Requerentes, por omissão de rendimentos, pelo que recai sobre a AT a obrigação de ilidir a presunção de veracidade da referida declaração;

 

e) que a AT não ilidiu a presunção de veracidade da declaração da Requerente;

 

f) que a Requerente demonstrou, perante a AT, que os “pretensos rendimentos a que esta se reporta não estão sujeitos a tributação em sede de IRS”;

 

g) que “os “rendimentos” alegadamente reportados à AT ao abrigo da denominada “Diretiva da Poupança”, pelo C... (Suisse) integram, preponderantemente, o valor do resgate de Unidades de Participação”;

 

h) que “nos rendimentos imputados à conta ... incluía-se o valor de 56.137,41€ relativo ao resgate das unidades de participação do Fundo Especial de Investimento Fechado “E...”;

 

i ) que o “documento “Capital Gains  Losses and Income Statement 2012 se refere ao sujeito passivo D... porquanto a conta bancária ... encontra-se em contitularidade da Requerente e de D...”;

 

j) que assim “se está perante unidades de participação de um fundo de investimento (organismo de investimento coletivo) em valores mobiliários (FIM)”;

 

l) que “a tal fundo de investimento em valores mobiliários é aplicável o regime fiscal previsto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais na redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011 de 30/12”; 

m) que “independentemente de a operação de resgate das UP ter ocorrido da Suíça, de harmonia com o disposto na al. g) do n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRS, tais rendimentos consideram-se obtidos em território português”;

 

n) que a diretiva da poupança não afeta as normas internas de cada Estado quanto ao enquadramento fiscal dos rendimentos auferidos;

 

o) que, no caso da Requerente, a titularidade das unidades de participação Fundo Especial de Investimento Fechado “E...” foi efectuada fora do âmbito de uma actividade comercial, industrial ou agrícola;

 

p) que, consequentemente, “os rendimentos” obtidos no resgate das unidades de participação do Fundo Especial de Investimento Fechado “E...” estão abrangidos na isenção prevista no artigo 22.º n.º2 do EBF, e não estão sujeitos a tributação;

 

q) que “ao invés de ter tributado rendimentos no valor de 33.332,00€, a ATA apenas poderia ter tributado rendimento no valor de 5.263,00€”;

 

r) pelo que apenas está sujeito a tributação o valor de 5.263,30€ (33.332,00€ - 28.068,70€);

 

s) que “assiste também à Requerente o direito de exigir juros indemnizatórios, por se determinar, em impugnação judicial, que se verificou um erro de facto, imputável aos serviços, do qual resultou o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”;

 

t) e a título subsidiário, que “o acto de liquidação 2016 ... é (também) ilegal porque, conjuntamente com rendimento, tributa capital, o que constitui, face ao conceito de rendimento adotado pelo Código do IRS, um desvio intolerável.”, por incluir “o valor de 56.137,41€ relativo ao resgate das unidades de participação do Fundo Especial de Investimento Fechado “E...”.

 

A AT defende o seguinte, em suma:

 

a) que com base na Diretiva da Poupança e no Decreto-Lei n.º 62/2005, de 11/03, verifica-se que foi transmitida a informação pelas autoridades fiscais da Suíça que foram pagos rendimentos sob a forma de juros, na quantia de € € 33.332,00, reportados à Requerente.

                b) que o Decreto-Lei nº 62/2005, de 11/03, estabelece o regime de obtenção e prestação de informações pelos agentes pagadores relativamente aos rendimentos da poupança sob a forma de juros de que sejam beneficiárias efetivas pessoas singulares residentes noutro Estado-Membro da União Europeia;

                c) que com base na informação prestada pelas autoridades fiscais suíças, resultante do mecanismo de troca automática previsto na Diretiva da Poupança, foi desencadeado o processo referente à correção da declaração mod. 3 de IRS do ano de 2012, referente à Requerente;

 

                d) que a “Requerente, não tendo declarado as importâncias recebidas na sua declaração modelo 3, referente ao ano de 2012, concordou com a necessidade da substituição da declaração, mas não com os valores transmitidos pelas autoridades fiscais suíças”;

e) que são de aplicar os artº 5º nº 1 e 7º nº 1 do CIRS;

                f) que sobre a declaração da Requerente existe a presunção de veracidade e de boa-fé, nos termos do artigo 75º da LGT, cujo afastamento ocorre nos termos respetivo n.º 2 alíneas a) e b), cabendo-lhe, dada a omissão na sua declaração, a responsabilidade da prova e o dever de esclarecimento da sua situação tributária, face à informação recebida pelas autoridades fiscais suíças;

                g) que cabe à Requerente comprovar e documentar, nos termos do artigo 74º, nº 1 da LGT, as operações em causa, podendo recorrer à prova documental ou testemunhal, estando obrigado a proceder à entrega da respetiva declaração de rendimentos, da qual devem constar todos os rendimentos obtidos, quer no território nacional, quer no estrangeiro, por força do disposto no artigo 15.º do CIRS, devendo fazer prova, no caso de ter sido suportado imposto no estrangeiro relativamente aos rendimentos aí obtidos, do respetivo pagamento;

                h) que os rendimentos em causa no presente processo, “não foram auferidos no território nacional, como resulta da interpretação a contrário do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 18.º do CIRS, uma vez que foram pagos no âmbito de uma conta suíça, por uma entidade suíça (C... Suisse), devendo, por isso, considerar-se obtidos na Suíça;

                i) que os rendimentos “cuja tributação é contestada pela Requerente foram comunicados pela autoridade fiscal suíça, por encontrarem cabimento no âmbito da aplicação da Diretiva da Poupança e do Acordo celebrado entre a Comunidade Europeia e a Confederação suíça que prevê medidas equivalentes às estabelecidas na referida Diretiva;

               

                j) que a Diretiva tem por objetivo final permitir que os rendimentos da poupança sob a forma de juros pagos num Estado-Membro a beneficiários efetivos que sejam pessoas singulares residentes noutro Estado-Membro, sejam sujeitos a uma tributação efetiva em conformidade com a legislação deste último Estado-Membro;

 

                l) que “sempre que o beneficiário efetivo dos juros seja residente num Estado-Membro distinto daquele em que se encontre estabelecido o agente pagador, o conteúdo mínimo das informações a comunicar pelo agente pagador à autoridade competente do seu Estado-Membro de estabelecimento, deverão conter os elementos constantes das varias alíneas do n.º 1 do artigo 8.º da referida Diretiva”, devendo esta autoridade comunicar essas informações, de forma automática, à autoridade competente do Estado-Membro de residência do beneficiário efetivo;

                m) que na Diretiva estabelece-se que, para os respetivos efeitos, se devem entender por “pagamento de juros”, nomeadamente e de acordo com o preceituado na alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º da Diretiva, “os rendimentos realizados na altura da cessão, do reembolso ou do resgate de partes ou unidades de participação nos organismos e entidades seguintes, caso tenham investido, direta ou indiretamente, por intermédio de outros organismos de investimento coletivo ou autoridades abaixo referidas, mais de 40% do seu ativo em créditos referidos na alínea a) “. Idêntica disposição consta da alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º do Acordo celebrado com a Confederação Suíça;

                n) que no n.º 3 do referido artigo dispõe-se que “no que se refere à alínea d) do n.º 1, caso um agente pagador não tenha qualquer informação relativa à percentagem do ativo investido em créditos ou em partes ou unidades de participação tal como definidos nessa alínea, essa percentagem deve ser considerada como superior a 40%. Quando o agente pagador não possa determinar o montante do rendimento realizado pelo benefício efetivo, considera-se que o rendimento é o produto da cessão, do reembolso ou do resgate das partes ou unidades de participação”;

                o) que resulta que, nos termos da Diretiva bem como do Acordo celebrado com a Confederação Suíça, a operação que o Requerente refere estar subjacente aos rendimentos em causa é qualificada como “pagamentos de juros”;

p) que “nos termos da Diretiva bem como do Acordo celebrado com a Confederação Suiça, a operação que a Requerente refere estar subjacente aos rendimentos em causa é qualificada como “pagamentos de juros”, não sendo de considerar a isenção prevista no n.º 2 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redação à data dos factos.”

               

                q) que, por conseguinte, face à primazia das diretivas na ordem jurídica interna e aos elementos que foram comunicados pelas autoridades fiscais da Suíça, só poderão considerar-se os rendimentos aqui em causa como rendimentos relativos a pagamentos de juros, sujeitos a tributação nos termos previstos no Código de IRS, na redação á data dos factos, não padecendo a liquidação de IRS em análise de qualquer ilegalidade;

                r) que se conclui da documentação junta pela Requerente, que o valor dos rendimentos de capitais (categoria E do IRS), é globalmente consistente com o valor que foi comunicado pela entidade fiscal suíça, não permitindo afastar a qualificação dos rendimentos como juros da Diretiva da Poupança;

               

                s) que a AT se limitou a tributar em Portugal, no estrito cumprimento da lei, os rendimentos sujeitos a imposto, em conformidade com informação prestada pelas autoridades suíças e que a Requerente não logrou contrariar, pelo que, é de manter na ordem jurídica a liquidação de IRS ora impugnada.

 

1.2 Apreciação das questões suscitadas pela Requerente

 

Os argumentos trazidos aos autos centram-se nas exigências sobre o conteúdo das informações transmitidas pelas autoridades fiscais suíças à AT para efeitos de qualificação jurídico-fiscal dos rendimentos efetivamente auferidos pela Requerente e com a questão do ónus da prova.

 

Resulta do artigo 74.º n.º 1 da LGT que:

"o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.", em consonância com o artigo 342.º n.º 1 do CC, " Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado." 

 

Sobre a questão do ónus da prova, existe ampla jurisprudência sustentando que cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e que cabe ao sujeito passivo provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca. (vide Decisão do Processo Arbitral nº 236/1014-T de 4 de maio de 2015 e Decisão do Processo Arbitral nº 64/2018-T de 22 de agosto de 2018).

 

Nesse mesmo sentido, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.2.2014, proc. n.º 0951/11:

“Nos casos em que a correcção da matéria tributável declarada decorra do facto de a AT ter considerado que determinadas despesas não podem integrar o valor de aquisição a considerar no apuramento das mais-valias porque respeitam a activos que não foram transmitidos (motivo por que, mediante o processo geralmente denominado de “correcções aritméticas”, expurgou tais despesas do valor de aquisição), à AT compete fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção do lucro tributável (ou seja, de demonstrar os factos que a levaram a concluir que aquelas despesas não se referem aos activos transmitidos), só depois competindo ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no apuramento das mais-valias.”

 

Com efeito, o referido acórdão é bastante esclarecedor quanto à distribuição do ónus da prova, para o qual se remete:

“Cumpre, pois, responder à questão – meramente de direito, como deixámos já dito, e, por isso, compreendida no âmbito dos poderes de cognição deste Supremo Tribunal – de saber sobre quem recai o ónus da prova de tal facto, contra quem deve ser decidida a questão de saber se as referidas benfeitorias foram ou não transmitidas.(…) Assim, há que recordar, de forma breve e sintética, as regras da distribuição do ónus da prova: em princípio, à AT cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) e, em contrapartida, cabe ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos, solução hoje fixada pelo art. 74.º, n.º 1 («O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».), da LGT e que à data se devia já considerar aplicável porque correspondente à regra geral do art. 342.º do Código Civil (CC), de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos, cabendo à contra-parte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos. Mas nem sempre será assim. O ónus da prova variará consoante o tipo de acto administrativo em causa, havendo de ser decidida a questão da respectiva repartição «de acordo com a posição que as partes ocupam no processo e com o tipo de relação jurídica que constitui o seu objecto e, decorrentemente, no domínio do contencioso de anulação, com o tipo de acto anulando, tal qual a lei o caracteriza ou define os seus elementos constitutivos» (Cfr., por todos, o seguinte acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: – de 17 de Abril de 2002, proferido no processo com o n.º 26.635, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Março de 2004. (…) Para proceder à rectificação das declarações (e consequente liquidação adicional do imposto considerado em falta), a AT, designadamente quando entender que foram declarados custos ou proveitos que não correspondem à realidade (aqueles porque inexistentes ou superiores aos reais, estes porque inferiores aos reais), haverá de fundamentar o seu juízo formal e substancialmente, podendo a sindicância judicial recair sobre ambas as vertentes da fundamentação (a formal e a material). (…)Assim, no caso dos autos, podemos avançar as seguintes conclusões, de acordo com a jurisprudência há muito firmada nos tribunais tributários: porque a liquidação adicional de IRC tem por fundamento o não reconhecimento pela AT de uma parcela do valor de aquisição (a respeitante às despesas declaradas com a realização das benfeitorias), compete à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, demonstrar a existência de indícios sérios de que a transmissão das benfeitorias cujo valor integra o valor de aquisição não ocorreu; feita essa prova, recai sobre o Contribuinte o ónus da prova da existência dessa transmissão, que alegou como fundamento do seu direito de ver tais custos relevados negativamente no apuramento das mais-valias e, consequentemente, na sua matéria tributável; neste caso, não bastará ao Contribuinte criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o art. 121.º do CPT não tem aplicação; na verdade, o ónus consagrado nesse preceito legal contra a AT (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a AT: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é ao Contribuinte que compete demonstrar a existência dos factos em que se funda o seu direito de ver determinados custos relevados negativamente no apuramento das mais-valias e, consequentemente, do seu lucro tributável. Daí que tenhamos dito que à AT basta demonstrar a verificação dos “factos-índice” (indícios objectivos e credíveis) que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitiram concluir que a transmissão em causa não ocorreu, Se o fizer, estará materialmente fundamentada a decisão administrativa de desconsiderar as despesas em causa como parte integrante do valor de aquisição a utilizar no apuramento das mais-valias e, consequentemente, estará ilidida a presunção de veracidade da escrita, consagrada à data no art. 78.º da CPT. É este mesmo artigo que refere que a presunção nele consagrada pode ser afastada, designadamente, pela verificação de «outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte» (Ou seja, apesar de estarmos perante uma presunção legal, para ela ser ilidida não é necessária prova em contrário – diversamente do que, geralmente, se exige relativamente às presunções deste tipo (cfr. art. 350.º, n.º 2, do CC), pois o art. 78.º, in fine, do CPT estabelece, com carácter especial, regime diverso de ilisão da presunção.).”

 

E conclui o Acórdão que:

“Nos casos em que a correcção da matéria tributável declarada decorra do facto de a AT ter considerado que determinadas despesas não podem integrar o valor de aquisição a considerar no apuramento das mais-valias porque respeitam a activos que não foram transmitidos (motivo por que, mediante o processo geralmente denominado de “correcções aritméticas”, expurgou tais despesas do valor de aquisição), à AT compete fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção do lucro tributável (ou seja, de demonstrar os factos que a levaram a concluir que aquelas despesas não se referem aos activos transmitidos), só depois competindo ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no apuramento das mais-valias. À AT basta demonstrar a verificação dos “factos-índice” (indícios objectivos e credíveis) que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitiram concluir que os activos a que respeitam as despesas em causa não foram transmitidos e, assim, que está materialmente fundamentada a decisão administrativa de desconsiderar aquelas despesas no apuramento das mais-valias e de afastar a presunção de veracidade da escrita (à data prevista no art. 78.º do CPT). Feita essa demonstração, compete então ao contribuinte demonstrar que esses activos foram realmente transmitidos, não lhe bastando criar dúvida a esse propósito (o art. 121.º do CPT não logra aqui aplicação) pois não é a AT quem está a invocar a existência de um facto tributário não declarado ou a atribuir a um facto tributário uma dimensão diferente da declarada, caso em que seria de decidir contra ela a dúvida, mas antes é o contribuinte quem invoca o seu direito a ver relevados negativamente no apuramento das mais-valias as despesas que diz respeitarem a activos transmitidos, motivo porque a dúvida a esse propósito lhe é desfavorável.”

 

Ainda no âmbito da mesma jurisprudência, embora sobre um tema diferente, mas de relevo para a fundamentação da presente decisão arbitral, decidiu-se no Acórdão Arbitral relativo ao Processo 236/1014-T de 4 de Maio de 2015, o seguinte:

“Em consequência, cabe à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua actuação, para o que deve provar os factos constitutivos de que legalmente depende a decisão administrativo-tributária com certo conteúdo e com certo sentido. Pelo seu lado, cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca..” (…) “Como tal, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT, cabe à Requerente a demonstração das bases e situações fácticas em que se sustentam os ajustamentos, desconhecimentos e regularizações que, por ela, foram promovidos e cuja relevância e consistência tributárias afirma, recaindo, pois, sobre a Requerente o ónus de esclarecer, comprovar e documentar as operações em causa e sua justificação.”. (nosso negrito)

(…) Nesta sequência, deve, ainda, assinalar-se que resulta do artigo 75.º, n.º 1 da LGT que as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, se presumem verdadeiras. Porém, esta presunção cessa nomeadamente se essas declarações, contabilidade ou escrita, ou os respectivos dados de suporte, apresentarem omissões, erros e inexactidões ou forem recolhidos indícios fundados de que não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (art. 75.º, n.º 2, al. a) da LGT). Recorde-se ainda que, nos termos do n.º 3 do art. 75.º da LGT, “[a] força probatória dos dados informáticos dos contribuintes depende, salvo o disposto em lei especial, do fornecimento da documentação relativa à sua análise, programação e execução e da possibilidade de a administração tributária os confirmar”. (…) Ora, sempre que se aplique a al. a) do n.º 2 do art. 75.º da LGT, “será sobre o contribuinte que recai o ónus de prova dos factos declarados ou inscritos na sua contabilidade ou escrita sobre que existam dúvidas probatórias”, pelo que “as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas” para os efeitos do n.º 1 do art. 100.º do CPPT (vd. assim Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, vol. II, 6ª ed, 2011, p. 133).

Daí que incida sobre a Requerente o ónus da demonstração efectiva dos factos inscritos e das razões na base dos ajustamentos realizados na contabilidade, não bastando ficar a dúvida sobre a viabilidade da respectiva justificação, porquanto o disposto no n.º 1 do art. 110.º do CPPT tem a sua aplicação fulcral quando é a Administração Tributária a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação (cfr., assim, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.2.2014, proc. n.º 0951/11). Deste modo, a prova produzida deve assegurar, com a certeza exigível, que as regularizações e ajustamentos realizados possuem consistência e materialidade bastante em face das justificações que lhe presidem.”

 

Em qualquer caso, sobre as declarações do Requerente, existe a presunção de veracidade e de boa-fé, princípio base consagrado no artigo 75.º da LGT, o qual estabelece:

"Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos. (Redação da Lei n.º 80-C/2013 de 31 de Dezembro)".

 

Sendo que o afastamento da presunção ocorre quando:

“as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões (artigo 75.º n.º 2 alínea a) e quando o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária (artigo 75.º n.º 2 alínea b).

 

Assim sendo, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT, impende sobre a Requerente o ónus de esclarecer, comprovar e documentar as operações em causa, inclusive demonstrar e justificar a sua relevância e consistência tributárias, recorrendo a meios de prova documental e se necessário complementar com prova testemunhal os elementos fáticos que sustentam a sua correcção.

 

Por sua vez, cabe à AT o ónus da prova sobre a verificação dos pressupostos legais (vinculativos) legitimadores da sua atuação, ou seja, compete-lhe a prova do facto por si invocado respeitante à omissão pela Requerente na declaração de rendimentos de 2012 do montante de 33.332,00€.

 

Ou seja, cabia à AT, nos termos artigos 74.º n.º 1 da LGT e 342.º n.º 1 do Código Civil (CC) fazer a prova de que a declaração da Requerente não corresponde à verdade.

 

Todavia, entende o Tribunal que a Requerida não produziu a prova que permita afastar a presunção estipulada no artigo 75.º n. 1 e n.º 2 alínea a) e b) da LGT.

 

                Pelo que se conclui-se que compete à AT (artigos 74.º n.º 1 da LGT e 342.º n.º 1 do CC), que invoca que a Requerente omitiu o valor de 33.332,00 €, respeitante às conta bancárias suíças, o respetivo ónus da prova do facto invocado, e compete à Requerente prestar o esclarecimento da sua situação tributária (artigo 75.º n.º 2 al.b) e comprovar por recurso a elementos de prova os rendimentos por si declarados nas suas declarações de rendimentos.

 

Sendo que, caso existam dúvidas quanto à natureza e montantes de rendimentos que são comunicados pela informação transmitida à AT, ao abrigo da Diretiva da Poupança, cabe à AT nos termos do princípio do inquisitório, previsto no artigo 58.º da LGT realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, incluindo averiguar o tipo de rendimentos declarados na respetiva declaração e ao sujeito passivo cabe-lhe o dever de colaboração nos termos do artigo 59º da LGT.

Ora, a AT alegou para fundamentar a sua pretensão, a comunicação transmitida à Autoridade Tributária a Aduaneira, ao abrigo da Diretiva da Poupança (Diretiva n.º 2003/48/CE), pelas autoridades fiscais suíças, relativo às contas bancárias da Requerente na Suíça.

 

Nos termos do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 62/2005, a comunicação efetuada nesses termos consiste nos seguintes elementos: a) Identidade e residência do beneficiário efetivo, determinadas em conformidade com o disposto nos artigos 6.º e 7.º; b) Nome ou denominação e endereço do agente pagador; c) Número de conta do beneficiário efetivo ou, na sua falta, identificação do crédito ou de outras aplicações geradoras dos rendimentos referidos no n.º 1 do artigo 4.º; d) Os montantes dos rendimentos abrangidos pelo artigo 4.º.

 

A complementar o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 62/2005, remetemos para a Diretiva da Poupança n.º 2003/48/CE, que quanto à questão da comunicação de informações, no seu artigo 8.º n.º 2 estipula que:

 “No entanto, os Estados-Membros podem limitar o conteúdo mínimo das informações que o agente pagador deve comunicar no que se refere ao pagamento de juros, ao montante total dos juros ou dos rendimentos e ao montante total do produto da cessão, do resgate ou do reembolso.”

 

Parece assim resultar de ambos os diplomas, a existência de uma diferenciação na comunicação do pagamento dos juros e na comunicação no pagamento dos produtos da cessão, do resgate ou do reembolso. E isto uma vez que os juros concorrem para o cálculo dos juros e os produtos da cessão, do resgate ou do reembolso concorrem na jurisdição nacional para o cálculo das mais-valias mobiliárias, que são tratados de forma distinta de acordo com a legislação em vigor à data.

 

                Pelo que, ao não existir uma diferenciação na comunicação feita nos termos exigido pelo conteúdo mínimo do artigo 8.º Diretiva da Poupança n.º 2003/48/CE, induziria ao erro, uma vez que estar-se-ia a considerar rendimentos produto da cessão, do resgate ou do reembolso como juros, desconsiderando o regime próprio do produto da cessão, do resgate ou do reembolso, ou seja, o regime das mais-valias mobiliárias.

 

Perante o exposto, é crucial, de modo a cumprir com o princípio da verdade material e de modo a salvaguardar dos direitos do sujeito passivo, que a comunicação tenha o conteúdo mínimo da informação e a respetiva diferenciação.

 

Ora, a AT não juntou a informação transmitida à Autoridade Tributária e Aduaneira, recebida pela Suíça ao abrigo da Diretiva da Poupança (Diretiva n.º 2003/48/CE).

 

                Nas suas alegações escritas, vem a AT alegar que:

“Os ficheiros informáticos são recebidos de forma massificada pelo Núcleo Antifraude e Datawarehouse (NADW) através da caixa de correio eletrónico “CCN-mail2” no formato XML, sendo posteriormente sujeitos a um conjunto de procedimentos informáticos      compreendendo diversas fases que envolvem quer o Núcleo de Identificação e Gestão de Contribuintes (NIGC), quer a DSRI, com vista ao tratamento da informação;”

 

E que “Deste processo resultam ficheiros em formato Excel com a informação dos sujeitos passivos potencialmente incumpridores, por omissão destes rendimentos, que são remetidos à Direção de Finanças do domicílio fiscal dos sujeitos passivos”.

 

E, ainda, que “não existe qualquer outro documento físico de suporte referente à comunicação efetuada pela Autoridade Fiscal da Suíça à Direção de Serviços de Relações Internacionais, no âmbito do Acordo entre a União Europeia e a Confederação Suíça que prevê medidas equivalentes às previstas na Diretiva da Poupança, relativa ao ano de 2012”.

 

A AT basta-se com a informação pelas autoridades fiscais da Suíça de que foram pagos rendimentos sob a forma de juros, na quantia de 33.332,00 €, reportados à Requerente.

 

                E que com base na informação prestada pelas autoridades fiscais suíças, resultante do mecanismo de troca automática previsto na Diretiva da Poupança, foi desencadeado o processo referente à correção da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2012, referente à Requerente.

 

Perante a reação da Requerente à natureza e montante dos rendimentos omissos, a AT poderia ter solicitado às autoridades suíças esclarecimentos sobre a informação prestada. E não o fez.

 

                Como poderia, no âmbito do princípio e dever de colaboração, ter solicitado esclarecimentos ao F...– SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO MOBILIÁRIO S.A., empresa gestora do Fundo Especial de Investimento Fechado “E...”. E também não o fez.

 

Desde logo, porque, como se viu, o montante comunicado pelas autoridades suíças foi até de 66.664,00 €, como correspondendo a rendimentos de juros (“Rendimentos da Diretiva da Poupança nº 2003/48/CE”) obtidos pela Requerente no ano de 2012.

 

                Sem terem atendido ao fato de as contas bancárias em causa terem duas titulares.

 

Sendo certo, ainda, que o C..., como agente pagador, declarou às autoridades fiscais suíças a totalidade do valor de resgate das unidades de participação como rendimento de juros, nos termos da Directiva Poupança.

 

                Portanto, se é certo que o Tribunal reconhece a importância do mecanismo de troca automática previsto na Diretiva da Poupança para fazer face a situações de evasão fiscal, também é seguro que a fiabilidade das informações prestadas pelas autoridades fiscais estrangeiras não é total, e não foi seguramente no caso dos autos. 

 

                Aliás, a própria Requerente procurou demonstrar, e consegui-o, que o valor de 66.664,00 € declarado à AT pelas autoridades fiscais suíças, como correspondente a rendimentos de juros (“Rendimentos da Diretiva da Poupança nº 2003/48/CE”) não foi por si obtido no ano de 2012.

 

E também logrou trazer aos autos elementos relevantes que permitiram não ter ficado provado que auferiu o valor de 33.332,00 € de rendimento de juros, que devessem ser declarados no Campo 422 do Quadro 4 do anexo J, da declaração de IRS modelo 3, relativamente a “Rendimentos da Diretiva da Poupança nº 2003/48/CE”.

 

A Requerente juntou documentos bancários vários que permitem sustentar que algumas operações mencionadas na comunicação das autoridades fiscais suíças não podem legitimamente ser consideradas juros, passíveis de tributação como rendimentos da Categoria E no CIRS.

 

                Permitindo ao Tribunal ficar com a convicção de que parte significativa do valor corrigido de 33.332,00€ corresponde, diversamente, a valores de resgate de unidades de um fundo de investimento mobiliário, e, consequentemente, geradora de rendimentos de mais-valias ou menos-valias mobiliárias, nos termos gerais, facto que remete a sua tributação para a Categoria G, de acordo com as normas legais correspondentes vigentes à data.

 

E tudo isto perante uma atitude deveras passiva da AT que pouco mais não fez do que vir dizer a sua atuação se encontra devidamente fundamentada, tendo na sua base os dados que foram comunicados pelas autoridades fiscais Suiças, ao abrigo da Diretiva da Poupança e do Acordo celebrado com a Confederação Suiça, não conseguindo a Requerente com os elementos que juntou comprovar cabalmente que não estão em causa rendimento abrangidos pela Diretiva da Poupança.

 

                Na linha do que vem sendo dito, não pode o Tribunal deixar de referir a decisão recente no âmbito do Processo Arbitral nº 68/2019 T, de 2/7/2019:

“o conceito amplo de “pagamento de juros” utilizado pela Diretiva Poupança e pelo Acordo não pretende fazer corresponder uma única definição de juros, de alcance europeu, ao conceito de juros que os Estados-Membros utilizem internamente nas suas próprias normas legais de incidência fiscal. Aquele conceito serve, acima de tudo, para delimitar e conformar positivamente o regime de obtenção e prestação de informações pelos agentes pagadores no quadro da comunicação de informação que deve existir entre o Estado da residência do agente pagador e o Estado da residência do beneficiário efetivo.”

 

E que “Com base nestes instrumentos normativos, as autoridades fiscais suíças comunicaram à AT a informação de que foram pagos rendimentos sob a forma de juros, na quantia de € ……., reportados ao Requerente. Fizeram-no, desde logo, porque os mesmos se enquadram no conceito amplo de “pagamento de juros” relevante para efeitos de obrigação de comunicação de informação. No entanto, a comunicação foi feita de forma sintética, pela totalidade, sem desagregar a informação relativamente às várias subcategorias de rendimento”.

               

Sendo que “Este aspeto reveste-se de grande importância prática, na medida em que, se é certo que, nos termos e para efeitos do regime de comunicação da informação da Diretiva e do Acordo, as operações subjacentes aos rendimentos em causa devem ser qualificadas como “pagamentos de juros”, daí não decorre necessariamente que, uma vez desagregadas, as mesmas devam sempre ser consideradas como “juros” para efeitos de tributação em sede de Categoria E.”

 

E na mesma Decisão, com a qual concordamos, é ainda dito:

“A tributação dos rendimentos das diferentes categorias depende da verificação do correspondente facto tributário, constitutivo da relação jurídico-tributária (art. 36.º, n.º1, da LGT). Os princípios da justiça e da verdade material obrigam a que sejam tomados em conta os elementos probatórios adequados e necessários à respetiva comprovação. À AT incumbe, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido. Nos termos do artigo 100.º, n.º1, do CPPT, “[s]empre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado.”

 

Consequentemente, e atendendo ao supra exposto sobre o ónus da prova sobre os rendimentos alegadamente omitidos pela Requerente, no valor de 33.332,00 €, de acordo com os artigos 74.º n.º 1 da LGT e 342.º n.º 1 do CC, cabia à AT a prova da omissão dos referidos rendimentos.

 

Deste modo, procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão, sendo ilegais a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do ano de 2012, com o n.º 2016..., no valor de € 9.215,91, que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2016..., com o valor a pagar, após compensação, de 9.452,02 €, que inclui juros compensatórios, bem como a  decisão de indeferimento do recurso hierárquico, devendo, como tal, serem anulados.

 

Todavia, a anulação do ato de liquidação adicional de IRS não é total.

 

Como se viu, não se provou que a Requerente, no ano de 2012, tenha auferido o valor de 33.332,00€ de rendimento de juros, que devessem ser declarados no Campo 422 do Quadro 4 do anexo J, da declaração de IRS modelo 3, relativamente a “Rendimentos da Diretiva da Poupança nº 2003/48/CE”.

Todavia, a Requerente não impugna o valor de 5.263,30 € de rendimento de juros relativamente a “Rendimentos da Diretiva da Poupança nº 2003/48/CE”, aceitando as correções efetuadas pela AT nesta sede (cfr. Artºs 64º e 65º da p.i.).

A Requerente impugnou correções no valor de 33.332,00 € e o pedido de pronúncia arbitral procede quanto a correções no valor de 28.068,70 €.

Assim, deve ser anulado o ato de liquidação adicional de IRS na parte em considerou ter a Requerente auferido um valor acima de 5.263,30 € de rendimento de juros relativamente a “Rendimentos da Diretiva da Poupança nº 2003/48/CE”, que devessem ser declarados no Campo 422 do Quadro 4 do anexo J, da declaração de IRS modelo 3.

 

O Tribunal Arbitral, os termos dos arts. 608º, n.º 2, 663º, n.º 2 e 679º do Código de Processo Civil por aplicação do artigo 29.º do RJAT, não se encontra obrigado a apreciar todos os argumentos alegados pela Requerente ou pela Requerida, incluindo em atenção à matéria de fato dada como provada, quando a decisão fique prejudicada pela solução já proferida, como é o caso dos autos, motivo pelo qual ficam prejudicadas para a apreciação eventuais outras questões submetidas a pedido de pronúncia.

 

1.3. Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios

 

A Requerente formula pedido de restituição das quantias arrecadadas pela AT em excesso, bem como de pagamento de juros indemnizatórios.

 

                A AT defende, em suma, que o pedido da Requerente não pode, de todo, proceder, porquanto “fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43º da LGT.” (vide artºs 57º a 61º da Resposta).  

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios de direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

 

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso dos montantes indevidamente pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

Pelo que se referiu, o pedido de pronúncia arbitral procede quanto declaração de ilegalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do ano de 2012, com o n.º 2016..., no valor de € 9.215,91, que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2016..., com o valor a pagar, após compensação, de 9.452,02 €, que inclui juros compensatórios, devendo, como tal, ser anulada na parte em considerou ter a Requerente auferido um valor acima de 5.263,30 € de rendimento de juros relativamente a “Rendimentos da Diretiva da Poupança nº 2003/48/CE”, que devessem ser declarados no Campo 422 do Quadro 4 do anexo J, da declaração de IRS modelo 3.

 

Por isso, a Requerente tem o direito de ser reembolsada da quantia paga em excesso, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

 

Pelo exposto, procede o pedido de reembolso da quantia em excesso paga indevidamente pela Requerente em 2 de Janeiro de 2017 e que resulta da diferença de se terem imputado à Requerente rendimentos de juros no montante 33.332,00€ em vez de tão-somente de 5.263,30 € de rendimentos de juros, relativamente a “Rendimentos da Diretiva da Poupança nº 2003/48/CE” a ser declarados no Campo 422 do Quadro 4 do anexo J, da declaração de IRS modelo 3.

 

A ilegalidade desta liquidação é imputável à AT, pois emitiu-a por sua iniciativa, com errada interpretação da lei.

 

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante a reembolsar.

 

Os juros indemnizatórios serão pagos desde a data em que a Requerente efectuou o pagamento (02/01/2017) até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

V. Decisão

 

Em face do exposto, o Tribunal Arbitral decide:

 

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade do indeferimento do recurso hierárquico ...2018..., e anular o respectivo despacho de indeferimento;

 

b)           Julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade e a consequente anulação parcial do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do ano de 2012, com o n.º 2016..., que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2016..., que inclui juros compensatórios, na parte em considerou ter a Requerente auferido um valor acima de 5.263,30 € de rendimento de juros relativamente a “Rendimentos da Diretiva da Poupança nº 2003/48/CE”;

 

c)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao reembolso e ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da Requerente, em virtude do imposto indevidamente pago em excesso, e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia que for liquidada em execução do presente acórdão, desde a data em que a Requerente efectuou o pagamento (02/01/2017) até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal;

 

d)           Condenar as partes nas custas nos termos do decidido em VII.

 

VI. Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 8.508,81€ (oito mil quinhentos e oito euros e oitenta e um cêntimos).

 

VII. Custas

 

De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 918,00 (novecentos e dezoito euros).

A Requerente impugnou correções no valor de 33.332,00 € e o pedido de pronúncia arbitral procede quanto a correções no valor de 28.068,70 €. Assim, condena-se a Requerente a pagar 15,80% dos encargos do processo e condena-se a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar os restantes 84,20% desses encargos.

 

 

Lisboa, 10 de janeiro de 2020

 

O Árbitro,

                                                                 

Pedro Miguel Bastos Rosado