Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 540/2017-T
Data da decisão: 2018-03-23  IVA  
Valor do pedido: € 264.053,49
Tema: IVA - Falta de prova de notificação.
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Decisão Arbitral

 

          Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Paulo Lourenço e Dr. António Pragal Colaço (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 20-12-2017, acordam no seguinte:

 

         

          1. Relatório

 

A…, LDA., com sede no …, n.º…, … - … Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, com o número único de matrícula e de identificação fiscal … (doravante designada como “Requerente”), veio, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou ”RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral visando a impugnação do indeferimento tácito que se formou sobre a reclamação graciosa apresentada em 07-03-2017, em que impugnou as liquidações adicionais de IVA referente aos períodos de 2012/01 a 2012/12 e respetivos juros compensatórios para o ano fiscal de 2012.

A Requerente pede que se aprecie a legalidade das liquidações adicionais de IVA para os períodos de IVA de 2012/01 a 2012/12, no montante global de 209.407,65€, e respectivas liquidações de juros compensatórios, no valor de 54.645,84 €e declare a sua anulação, ou nulidade, tudo com as devidas consequências legais.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 09-10-2017.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 28-11-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 20-12-2017.

Em 01-02-2018, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 22-02-2018 foi dispensada reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

 

  1. A Requerente A…, LDA., consta no cadastro com o CAE principal (Código de Atividade Económica) 47 915, encontrando-se enquadrada, em sede de IVA, no regime normal com periodicidade mensal desde 01-04-1987;
  2. A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente em que elaborou o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

No âmbito do presente procedimento inspetivo foi o contribuinte notificado através do ofício n°…, datado de 2015/09/21, com o registo CTT n° RD … PT, para proceder à entrega de diversos documentos e esclarecimentos. Nomeadamente: quais os valores declarados no Campo 40 das DP's de IVA do ano em análise (conf. Anexo I de 2 fIs.).

Como O SP não respondeu a esta notificação, foi-lhe remetido o ofício n°…, datado de 2016/02/11, com o registo CTT n° RD … PT (conf. Anexo II de 2 fls.).

Ficou assim o contribuinte notificado, novamente, do conteúdo da notificação supra referida, e ainda de comprovar os valores declarados como IVA dedutível (campos 20, 21, 22, 23 e 24) nas mesmas DP's Também esta notificação não foi respondida.

1. CORREÇÕES EM SEDE DE IVA

O Contribuinte durante o exercício de 2012 procedeu à entrega das DP's de IVA conforme se encontrava obrigado nos termos da al. c) do n° 1 do art.° 29° e da al. b) do n° 1 do art.° 41°, ambos do CIVA.

Nas DP's declarou os seguintes valores:

Estes valores seriam dedutíveis nos termos dos arts. 19° a 26° do CIVA, desde que devidamente documentados.

Notificado O SP para apresentar os comprovativos de dedução destes valores, conforme explicado anteriormente, não apresentou o mesmo até à presente data qualquer justificação.

Pelo que se consideram estes valores como dedução indevida de IVA.

Propõe-se a desconsideração destes valores.

 

  1. Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações de IVA, que constam dos documentos n.ºs 3 a 14 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos:

 

 

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu ainda as correspondentes liquidações de juros compensatórios, que constam dos documentos n.ºs 15 a 27 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos:

 

  1. Em 07-03-2017, a Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações referidas, nos termos que constam do documento n.º 29 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, acompanhada de documentos relativos à prova dos valores declarados como IVA dedutível;
  2. A Autoridade Tributária e Aduaneira expediu as notificações referidas no Relatório da Inspecção Tributária;
  3. A reclamação graciosa não foi decidida até 06-10-2017, data em que a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que a Requerente tivesse recebido as notificações que no Relatório da Inspecção Tributária se refere terem sido efectuadas com os registos RD … PT e RD … PT.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou cópias dos registos postais, mas não se provou que a Requerente tivesse recebido qualquer das cartas, pois no documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, que é cópia da consulta da entrega de documentos, referem-se tais registos como «Objecto não encontrado».

Por outro lado, alegando a própria Autoridade Tributária e Aduaneira que, passado um ano, já não são mantidos pelos serviços dos correios os registos da entrega de documentos, não se justifica qualquer diligência adicional para apurar se a entrega foi efectuada.

 

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

3. Matéria de direito

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira considerou no Relatório da Inspecção Tributária que os valores de IVA que constam das declarações apresentadas pela Requerente no ano de 2012 «seriam dedutíveis nos termos dos arts. 19° a 26° do CIVA, desde que devidamente documentados».

Segundo se refere no Relatório da Inspecção Tributária, a Requerente foi notificada por duas vezes para «comprovar os valores declarados como IVA dedutível» e, não tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira recebido qualquer resposta, considerou «estes valores como dedução indevida de IVA».

Assim, a falta de resposta da Requerente às notificações e a não apresentação de documentação que pudesse comprovar os valores declarados foram os fundamentos das liquidações. Isto é, a Autoridade Tributária e Aduaneira não considerou o IVA dedutível «por não ter sido apresentada a respectiva documentação de suporte», como a Autoridade Tributária e Aduaneira sintetiza no artigo 12.º da sua Resposta.

A Requerente diz que não foi notificada e, na reclamação graciosa, apresentou inúmeros documentos (que voltou a apresentar no presente processo arbitral), sobre que não houve qualquer apreciação da Autoridade Tributária e Aduaneira, quer na reclamação graciosa quer no presente processo.

No entanto, como resulta da matéria de facto fixada, não se provou que as notificações tivessem sido recebidas.

Nos termos do artigo 74.º, n.º1, da LGT, «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».

Por isso, sendo a Autoridade Tributária e Aduaneira quem invoca que efetuou as notificações, que são o pressuposto de facto das liquidações, a dúvida sobre a recepção daquelas notificações tem de ser processualmente valorada contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, o que equivale processualmente a considerar que elas não foram efectuadas.

O facto alegado pela Autoridade Tributária e Aduaneira de os serviços de correios não manterem registos das entregas após o período de um ano não dispensa a Autoridade Tributária e Aduaneira de efectuar essa prova, pois deveria ter obtido cópia do registo da entrega enquanto ele era disponibilizado por aqueles serviços.

Neste contexto, sendo a falta de resposta às notificações referidas o facto em que a Autoridade Tributária e Aduaneira baseou as liquidações, a falta de correspondência à realidade desse facto implica que as liquidações enfermem de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto.

Para além disso, no caso de indeferimento tácito de impugnação administrativa de actos expressos, como é o do indeferimento tácito da reclamação graciosa das liquidações, é de considerar transferida para o acto silente de indeferimento da reclamação a fundamentação expressa dos actos impugnados, por ser de entender que o acto de segundo grau manteve os actos primários, pelas mesmas razões. ( [1] ) Isto é, ficciona-se que a reclamação graciosa foi indeferida «por não ter sido apresentada a respectiva documentação de suporte».

Tendo a Requerente apresentando inúmeros documentos com a sua reclamação graciosa, a falta da sua apresentação também já não tem correspondência à realidade, pelo que não pode justificar a manutenção das liquidações.

Pelo exposto, as liquidações impugnadas enfermam de vício por erro sobre os pressupostos de facto, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

 

         

4. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios:

 

 

 

 

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 264.053,49.

 

 

 

6. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.896,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 23-03-2018

 

Os Árbitros

 

 

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

 

(Paulo Lourenço)

 

 

 

 

(António Pragal Colaço)

 

 



( [1] )         Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:

 

  • do Pleno, de 29-10-97, proferido no recurso n.º 22267, publicado no Boletim do Ministério da Justiça  n.°470, página 305, e em Apêndice ao Diário da República de 11-1-2001, página 1932;
  • da Secção do Contencioso Administrativo, de 26-9-1996, proferido no recurso n.º 39810, publicado em Apêndice ao Diário da República de 15-3-99, página 6309;
  • da Secção do Contencioso Administrativo de 23-3-2000, proferido no recurso n.º 40827;
  • da Secção do Contencioso Administrativo de 14-3-2001, processo n.º 38225, publicado em Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, n.º 479, página 1401, e em Apêndice ao Diário da República de  21-7-2003, página 2067.

           

      No mesmo sentido, pode ver-se VIEIRA DE ANDRADE, O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, página 162.