Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 544/2022-T
Data da decisão: 2023-01-19  IRC  
Valor do pedido: € 261.274,22
Tema: IRC - inelegibilidade para efeitos de RFAI da atividade Fabricação de Margarinas e de gorduras alimentares similares - CAE 10420 e verificação da condição de criação e manutenção de postos de trabalho exigida pela alínea f) do n.º 4 do artigo 22.° do CFI
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

            Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos outros Árbitros), Prof. Doutor Tomás Castro Tavares e Prof. Doutor Jónatas Machado, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21-11-2022, acordam no seguinte:

 

         

         1. Relatório

 

            A..., S.A., NIPC ..., com sede no ..., ...-... ... (doravante designada como ”Requerente"), veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a anulação das seguintes liquidações de IRC:

– Liquidação oficiosa de IRC de 2018 n.° 2022 ..., de 27-04-2022, no valor de € 133.669,92 e liquidação oficiosa de juros n.° 2022 ..., de 29-04-2022, no valor de € 13.106,70, a que corresponde o acerto de contas n.º 2022 ..., de 29-04-2022, no valor final de € 133.669,92;

– Liquidação oficiosa de IRC de 2019 n.° 2022 ..., de 05-05-2022, no valor a reembolsar de € 144.317,17 e liquidação oficiosa de juros n.º 2022 ..., de 06-05-2022, no valor de € 94,66, a que corresponde o acerto de contas n.º 2022 ..., de 06-05-2022, no valor final de € 1.607,44;

– Liquidação oficiosa de IRC de 2020 n.° 2022 ..., de 25-05-2022, no valor a pagar de € 125.996,88 e liquidação oficiosa de juros n.° 2022 ..., de 06-06-2022, no valor de € 3.255,17, a que corresponde o acerto de contas n.º 2022 ..., de 06-05-2022, no valor final de € 125.996,86.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 15-09-2022.

Os signatários comunicaram a aceitação do exercício das funções no prazo aplicável.

Em 04-11-2022, as Partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo manifestado vontade de recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1 alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 21-11-2022.

A AT apresentou Resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 06-01-2023, foi decidido dispensar a realização de reunião e alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Não há nulidades.

 

2. Matéria de facto 

 

2.1. Factos provados 

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para apreciação desta questão:

A)   Foi efectuada uma acção inspectiva à Requerente que abrangeu os períodos de 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, tendo por objecto o controlo de benefícios fiscais;

B)   Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

III.1.2.1. Análise das atividades desenvolvidas/CAE para efeitos de concessão dos benefícios fiscais - Regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI) e Dedução de Lucros Retidos e Reinvestidos (DLRR).

O sujeito passivo encontra-se coletado para o exercício da atividade principal de "Fabricação de margarinas e de gorduras alimentares similares - CAE 10420", tendo como atividades secundárias a "Fabricação de sabões, detergentes e glicerina - CAE 20411", a "Cultura de outros frutos em árvores e arbustos - CAE 1252" e o "Comércio por grosso não especializado -- CAE 46900".

 

De acordo com o projeto de investimento apresentado pelo sujeito passivo na sequência da notificação efetuada (ver ponto III.1.1.1 do presente relatório), os investimentos que considerou como elegíveis para efeitos de RFAI e de DLRR estão relacionados com duas das atividades exercidas, ou seja, com a "Fabricação de margarinas e de gorduras alimentares similares" e com a "Cultura de outros frutos em árvores e arbustos".

De acordo com a explicação dos códigos CAE do Instituto Nacional de Estatística, o CAE 10420 compreende a fabricação de margarinas e de gorduras alimentares análogas, assim como a fabricação de pastas para barrar e de gorduras compostas para cozinhar. Por outro lado, este código CAE não inclui a fusão e refinação de gorduras de bovinos, suínos, ovinos e caprinos (10110), nem a fusão e refinação de gorduras de aves de capoeira (10120), nem a produção de óleos e gorduras animais brutos ( 10411).

Quanto à atividade com o "CAE 1252 - Cultura de outros frutos em árvores e arbustos", esta compreende a cultura de frutos de pequena baga (mirtilos, groselhas, framboesas, amoras, etc.), morangos e pequenos frutos similares e de outros frutos de árvore e de arbustos (kiwis, romãs, nêsperas, diospiros, etc.), sendo que este código não inclui a cultura de frutos oleaginosas.

Entre 2014 e 2020, o total do investimento efetuado pelo sujeito passivo e por si considerado como elegível para efeitos dos benefícios fiscais RFAI e DLRR atinge o montante global de 10.971.869,43€, o qual se encontra discriminado nos mapas que juntamos em anexo n.º 9 e que se resumem no quadro seguinte:

(...)

Em anexo n.º 11 encontram-se os quadros do investimento que o sujeito passivo considerou/declarou como sendo elegível para efeitos de RFAI e de DLRR, com a devida imputação das faturas aos respetivos anos, cujos valores globais sintetizamos no quadro seguinte:

(...)

III.1.2.1.2. Inelegibilidade para efeitos de RFAI da atividade "Fabricação de Margarinas e de gorduras alimentares similares- CAE 10420

 

O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), é um benefício fiscal previsto no Decreto-Lei nº 162/2014, de 31 de outubro (CFI), que permite às empresas deduzir à coleta apurada uma percentagem do investimento realizado em ativos não correntes (tangíveis e intangíveis), conforme enumerados no n.º 3 do artigo 8.º e n.º 2 do artigo 22.°, respetivamente, do referido Decreto-Lei.

O RFAI, constante dos artigos 22.º a 26.º do novo Código Fiscal do Investimento (CFI), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 162/2014, de 31 de outubro, aplicável aos períodos de tributação iniciados em ou após 1 de janeiro de 2014, com a ressalva da disposição transitória constante do n.º 3 do art.º 6.º deste decreto-lei relacionada com o apuramento do limite máximo aplicável aos auxílios com finalidade regional, encontra-se regulamentado na Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro.

O n.º 2 do art.º 1.º do CFI estabelece que «O regime de benefícios contratuais ao investimento produtivo e o RFAI constituem regimes de auxílio com finalidade regional aprovados nos termos do Regulamento (UE) n.° 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.° e 108.° do Tratado, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.° L 187, de 26 de junho de 2014 (adiante Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGIC)».

O n.°1 do artigo 22.° do CFI refere que «O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.° 2 do artigo 2.°, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR [Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020] e do RGIC [Regulamento Geral de Isenção por Categoria]».

Do conjunto das atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC

destacamos, como já referimos a produção agrícola primária, mas também a transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

 

A portaria para a qual o n.° 1 do art.° 22.° do CFI remete é a Portaria n.° 282/2014, de 30 de dezembro, que definiu os códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE- Rev. 3) e é, também, aplicável ao RFAI.

O artigo 1.° desta Portaria determina que, em conformidade com as OAR e com o RGIC, não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores, entre outros, da produção agrícola primária e da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do TFUE.

E embora a alínea b) do artigo 2.° da mesma portaria refira que as atividades económicas correspondentes a indústrias transformadoras com o código da CAE compreendido nas divisões 1 a 33 podem beneficiar do RFAI, o corpo do artigo é bem explícito quando refere "Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior''.

Logo, face ao disposto no artigo 1.° da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, não são elegíveis para a concessão do RFAI os projetos de investimento que tenham por objeto, entre outras, as atividades económicas da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado.

Importa, pois, verificar se as atividades exercidas pelo sujeito passivo se identificam com a transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado.

A legislação interna não define «transformação de produtos agrícolas» e «produto agrícola», porém, o n.º 1 do art 2.° da Portaria n.° 297/2015, de 21 de setembro, estabelece que "Para efeitos da determinação do âmbito sectorial estabelecido na Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do n.º 1 do artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento, aplicam-se as definições relativas a atividades económicas estabelecidas no art.° 2.° do RGIC".

Recorrendo, então, ao RGIC, verifica-se que os pontos 10) e 11) do seu art.° 2.°- Definições referem o seguinte:

- «Transformação de produtos agrícolas» é «qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola (...)».

- «Produto agrícola» é «um produto enumerado no anexo I do Tratado, (...)».

 

Por sua vez, o ponto 10. das OAR, que especifica que «A Comissão aplicará os princípios

estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica, com exceção da pesca e da aquicultura, da agricultura e dos transportes, que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações», vem esclarecer que «A Comissão aplicará estas orientações à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas».

Logo, "a contrario", as referidas OAR não são aplicáveis à transformação de produtos agrícolas da qual resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, ou seja, um produto enumerado no Anexo I do Tratado.

A nota de rodapé (11) inserida nas OAR a propósito da agricultura, esclarece que "Os auxílios estatais à produção [agrícola] primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola".

 

Da leitura destes conceitos e da referência expressa à aplicabilidade das OAR exclusivamente «à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas», conclui-se que a transformação de produtos agrícolas apenas pode beneficiar do RFAI se o produto final dela resultante não for um produto agrícola, isto é, não for um dos produtos enumerados no Anexo I do TFUE.

Ora, face ao disposto no artigo 1 .º da Portaria n.º282/2014, de 30 de dezembro e aos conceitos atrás mencionados, não são elegíveis para a concessão do RFAI os projetos de investimento que tenham por objeto, entre outras, a atividade económica da transformação de produtos agrícolas, cujo produto final seja, também ele, um produto agrícola, isto é, um produto enumerado no Anexo I do Tratado.

Conforme já se referiu, a atividade principal do sujeito passivo consiste na "Fabricação de margarinas e de gorduras alimentares similares - CAE 10420" e o Anexo I do Tratado inclui na sua lista os seguintes Capítulos da Nomenclatura de Bruxelas:

 

No quadro seguinte apresentamos a lista dos principais artigos comercializados pelo sujeito passivo, resultantes do processo de transformação associado ao CAE 10420 - Fabricação de margarinas e de gorduras alimentares similares:

Relativamente à atividade de "Fabricação de margarinas e de gorduras alimentares similares – CAE 10420", conclui-se que os produtos comercializados pelo sujeito passivo integram o conceito de "transformação de produtos agrícolas" - em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no Anexo I do Tratado.

E conforme já foi referido, a transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo I do Tratado encontra-se excluída do âmbito do RFAI, por força do disposto no art.° 1.° da Portaria n.° 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do n.° 1 do art.° 22.° do CFI, e do próprio n.° 1 do art.º 22.° deste diploma, que na sua parte final, exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC.

Em resultado da conjugação das disposições constantes do n.º 1 do art.° 22.° do CFI, do art.° 1.° e corpo do 2.° da Portaria n. 282/2014, de 30 de dezembro, do n.º 1 do art.° 2.° da Portaria n.° 297/2015, de 21 de setembro, das definições presentes nos pontos 10) e 11)do art. 2.° do RGIC e do ponto 10. das OAR, estão excluídas do âmbito de aplicação do RFAI as atividades relacionadas com a produção agrícola primária e a transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

No âmbito da atividade desenvolvida pelo sujeito passivo, cada um dos produtos transformados, bem como o produto final resultante da transformação, integram os Capítulos 15.07, 15.12, 15.13 e 15.17 da Nomenclatura de Bruxelas, a que se refere o Anexo I do TFUE, sendo, portanto, considerados produtos agrícolas, de acordo com a definição constante do Regulamento UE n.° 651/2014 da Comissão, de 17 de junho, nos termos do qual o RFAI foi aprovado (RGIC).

Consequentemente, a atividade desenvolvida enquadra-se na definição de «transformação de produtos agrícolas» apresentada no ponto 10) do art.º 2.º do RGIC.

Destinando-se uma parte dos investimentos em causa ao aumento da capacidade da atual fábrica de margarinas, bem como à construção de uma nova fábrica de margarinas, ainda à construção de infraestruturas e equipamentos relacionados com a secção de fracionamento de óleo de palma para diversificação da produção no que se refere a produtos não fabricados anteriormente, além de investimentos para aumento da capacidade da refinaria e investimentos diversos também relacionados com o aumento da capacidade do estabelecimento já existente, forçoso se torna concluir que os mesmos não são elegíveis para efeitos do RFAI, concluindo-se assim que nenhum destes investimentos efetuados entre os anos 2014 e 2020, pode ser considerado elegível para efeitos RFAI.

 

III.1.3. Verificação da condição de criação e manutenção de postos de trabalho

Sendo o RFAI um auxílio com finalidade regional que prevê dotações anuais, faz todo o sentido que a aferição da criação de postos de trabalho seja feita por referência a 31 de dezembro face à "média dos 12 meses anteriores" (dezembro de n-1 a novembro de n) conforme comparativo previsto na secção do RGIC alusiva aos auxílios com finalidade regional (n.º 9 do artigo 14.º do RGIC):

"um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período". 

Deste modo, atendendo ao disposto no RGIC, a posição contida na ficha doutrinária Processo n.° 2010 001800, determina que a condição de "criação de postos de trabalho" se considera "cumprida quando, à data de 31 de dezembro (...) se verifique um aumento líquido do número de trabalhadores relativamente à média dos 12 meses precedentes" (conforme § 2), acrescentado que "pode acontecer com admissão de um único trabalhador" (conforme § 3).

A mesma ficha doutrinária determina que "apenas pode integrar o conceito de "criação de postos de trabalho" a admissão de trabalhadores através da celebração de contrato de trabalho sem termo (ou por tempo indeterminado), abrangendo a admissão de trabalhadores novos e de trabalhadores que já estivessem na empresa, mas ao abrigo de um contrato com termo" (conforme § 1).

Esta posição dá cumprimento à exigência de "criação de emprego num contexto sustentável" (duradouro) imposta pelo § 31 do preâmbulo do RGIC, o que não seria alcançado caso se permitisse, para aferição da criação de postos de trabalho, a inclusão de trabalhadores admitidos ao abrigo de contrato com termo:

"Os auxílios com finalidade regional destinam-se a contribuir para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas, apoiando o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável."

 

Quanto à condição de manutenção, a ficha doutrinária Processo n.° 2010 002853, PIV n.° 1212, com despacho de 2010-10-27, do Diretor-Geral, determina que "tem de manter os postos de trabalho criados nos termos anteriormente referidos" (conforme § 4).

Ora, se a condição de "criação de postos de trabalho" é aferida em função do número de trabalhadores a 31 de dezembro, face à média dos 12 meses anteriores, considera-se que a condição de "manutenção" seja também ela avaliada nos mesmos termos, como aponta a ficha doutrinária Processo n. 2010 002853 atrás citada.

Só assim existe evidência plena de que o investimento realizado num determinado período foi efetivamente proporcionador de criação de postos de trabalho durante um período mínimo igual ao da manutenção dos bens alvo do investimento. Caso contrário, o investimento não foi indutor da criação de postos de trabalho.

Foram pedidos aos representantes do sujeito passivo vários elementos relativos aos postos de trabalho e tipologia de contratos, elementos que nos permitiram elaborar o seguinte quadro, onde são visíveis as datas de entrada de cada colaborador na empresa, assim como o vínculo e datas de efetividade.

 

Partindo desta listagem de colaboradores foi possível a elaboração do quadro que juntamos em anexo n.º 10, através do qual se procedeu ao apuramento do número de colaboradores existente em cada mês com contrato de trabalho sem termo, cuja sintetização por anos apresentamos nos quadros seguintes:

 

Relativamente aos anos sobre os quais incide a presente ação inspetiva (2015 a 2020) conclui-se que apenas em 2017 e 2020 a empresa cumpriu a condição de "criação de postos de trabalho" estabelecida na alínea f) do n.º 4 do art. 22° do CFI.

Quanto à condição da manutenção dos postos de trabalho, essa questão fica prejudicada relativamente aos anos em que não se verificou criação de postos de trabalho, ou seja, só se põe relativamente a 2017 e 2020. 

Assim, relativamente ao ano 2017, verifica-se que a média de trabalhadores foi de 37, 17, valor que, por comparação com o número de trabalhadores nos meses de dezembro dos três anos seguintes (40, 40 e 46, respectivamente para 2018, 2019 e 2020), nos permite concluir que os postos de trabalho criados em 2017 foram mantidos. Quanto a 2020, ainda não decorreu o período dos três anos, sendo, neste momento, impossível aferir se a condição de manutenção dos postos de trabalho criados em 2020 será ou não cumprida.

Importa referir que os cálculos apresentados relativamente à criação e manutenção de postos de trabalho foi efetuado com base na totalidade dos trabalhadores. Contudo, verificando-se que oito dos trabalhadores com contrato de trabalho sem termo foram contratados para a área agrícola primária da produção de kiwis (CAE 1252 -Cultura de outros frutos em árvores e arbustos), atividade que, como vimos, se encontra excluída para efeitos de RFAI e DLRR, importa refazer estes cálculos conforme apresentamos de seguida, elaborados com base no quadro que juntamos em anexo n.º 12:

Conforme se constata, a exclusão dos trabalhadores da área agrícola primária não altera as conclusões já retiradas acerca da condição de criação e manutenção de postos de trabalho, ou seja, a sua exclusão permite concluir, até ao momento, que se mantém o incumprimento desta condição, pelo menos, nos anos 2015, 2016, 2018 e 2019.

 

III.1.4. Resumo das correções efetuadas

 

III.1.4.1. Regime Fiscal de Apoio ao Investimento - RFAI

Face ao exposto, verifica-se que o investimento não elegível para efeitos de RFAI atinge nos anos 2015 a 2020 o montante global de 8.748.693,06€, conforme se resume no quadro seguinte:

Relativamente ao exercício 2014, verifica-se que o investimento efetuado no montante de 2.223. 176,37€ também não é elegível para efeitos de RFAJ, contudo, face à caducidade, não é possível corrigir a dotação de RFAI constituída nesse ano, nem é possível corrigir as deduções efetuadas em 2015, 2016 e 2017 relativas ao investimento de 2014.

Conforme se descreve no ponto VI do presente relatório, no decurso do procedimento inspetivo, o sujeito passivo assumiu que o investimento na área agrícola primária (CAE 1252 - Cultura de outros frutos em árvores e arbustos), efetuado entre os anos 2017 e 2020, no montante global de 1.593.207,86€, não é elegível para efeitos de RFAI nem para efeitos de DLRR, tendo procedido à regularização voluntária desta parte das correções através do envio de declarações Mod. 22 de substituição para os anos 2017, 2018, 2019 e 2020, corrigindo assim os valores das dotações inscritas nos quadros 074 dos respetivos anexos D, da seguinte forma:

No quadro seguinte sintetizamos as correções às dotações de RFAI:

 

Estas correções nas dotações de RFAI implicam retificações nos seguintes campos do anexo D das modelos 22 dos anos 2015 a 2020:

Em consequência destas retificações apuram-se as seguintes correções nas deduções de RFAI, no montante global de 244.817,70€:

Estas correções às deduções em sede de RFAI implicam as seguintes alterações no campo 355 do quadro 10 das Mod. 22 dos anos 2018, 2019 e 2020:

 

III.1.4.2. Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos - DLRR

De acordo com o exposto no ponto III.1.2.1.2 do presente relatório, o investimento considerado na área da "Fabricação de margarinas e de gorduras alimentares análogas - CAE 10420" não é elegível para efeitos de RFAI, mas é elegível para efeitos da DLRR.

Conforme referimos no ponto III.1.2.1.1, o investimento considerado na área da produção agrícola primária (produção de kiwis) não é elegível para efeitos de RFAI e também não é elegível para efeitos da DLRR.

Contudo, conforme passamos a demonstrar, tal facto não implica qualquer correção ou retificação nas modelos 22 dos referidos anos, no que se refere à DLRR.

(...)

 

 

C)   Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu:

– a Liquidação oficiosa de IRC de 2018 n.° 2022 ..., de 27-04-2022, no valor de € 133.669,92 e liquidação oficiosa de juros n.° 2022 ..., de 29-04-2022, no valor de € 13.106,70, a que corresponde o acerto de contas n.º 2022 ..., de 29-04-2022, no valor final de € 133.669,92;

– a Liquidação oficiosa de IRC de 2019 n.° 2022 ..., de 05-05-2022, no valor a reembolsar de € 144.317,17 e liquidação oficiosa de juros n.º 2022 ..., de 06-05-2022, no valor de € 94,66, a que corresponde o acerto de contas n.º 2022..., de 06-05-2022, no valor final de € 1.607,44;

– a Liquidação oficiosa de IRC de 2020 n.° 2022 ..., de 25-05-2022, no valor a pagar de € 125.996,88 e liquidação oficiosa de juros n.° 2022..., de 06-06-2022, no valor de € 3.255,17, a que corresponde o acerto de contas n.º 2022..., de 06-05-2022, no valor final de € 125.996,86;

D)   A Requerente celebrou os contratos de trabalho que constam dos documentos n.ºs 4 a 18 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;

E)   Em 14-09-2022, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto 

 

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e o que constam do processo administrativo.

 

 

3. Matéria de direito 

 

A Requerente efectuou deduções à colecta de IRC dos anos de 2018, 2019 e 2020 considerando elegíveis para efeitos de Regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI) e de Dedução por lucros retidos e reinvestidos (DLRR) investimentos  realizados com duas das actividades exercidas, que são a "Fabricação de margarinas e de gorduras alimentares similares" e a "Cultura de outros frutos em árvores e arbustos".

Em inspecção que efectuou, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que deviam ser efectuadas correcções quanto à dedutibilidade desses investimentos, tendo a Requerente aceitado as relativas a investimentos relativos à actividade de "Cultura de outros frutos em árvores e arbustos" e tendo efectuado a regularização voluntária dessa parte das correções (página 38 do RIT).

Assim, na sequência dessa inspecção, foram efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira correcções relativamente aos investimentos que a Requerente considerou elegíveis para efeitos de RFAI relativos à actividade «Fabricação de Margarinas e de gorduras alimentares similares- CAE 10420» com fundamento em: 

– «inelegibilidade para efeitos de RFAI da atividade "Fabricação de Margarinas e de gorduras alimentares similares- CAE 10420» (ponto III.1.2.1.2 do RIT) ( [1] );

– não «verificação da condição de criação e manutenção de postos de trabalho», exigida pela alínea f) do n.º 4 do artigo 22.° do CFI.

 

3.1. Questão da inelegibilidade para efeitos de RFAI da atividade “Fabricação de Margarinas e de gorduras alimentares similares- CAE 10420”

 

3.1.1. Posições das Partes

 

Quanto ao primeiro fundamento, a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca no RIT o seguinte, em suma:

 

– o n.°1 do artigo 22.° do CFI refere que o RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.° 2 do artigo 2.°, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR [Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020] e do RGIC [Regulamento Geral de Isenção por Categoria];

– face ao disposto no artigo 1.° da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, não são elegíveis para a concessão do RFAI os projetos de investimento que tenham por objeto, entre outras, as atividades económicas da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado;

– em resultado da conjugação das disposições constantes do n.º 1 do art.° 22.° do CFI, do art.° 1.° e corpo do 2.° da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, do n.º 1 do art.° 2.° da Portaria n.° 297/2015, de 21 de setembro, das definições presentes nos pontos 10) e 11)do art. 2.° do RGIC e do ponto 10. das OAR, estão excluídas do âmbito de aplicação do RFAI as atividades relacionadas com a produção agrícola primária e a transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia;

– os produtos comercializados pelo sujeito passivo integram o conceito de "transformação de produtos agrícolas" - em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no Anexo I do Tratado;

– destinando-se uma parte dos investimentos em causa ao aumento da capacidade da atual fábrica de margarinas, bem como à construção de uma nova fábrica de margarinas, ainda à construção de infraestruturas e equipamentos relacionados com a secção de fracionamento de óleo de palma para diversificação da produção no que se refere a produtos não fabricados anteriormente, além de investimentos para aumento da capacidade da refinaria e investimentos diversos também relacionados com o aumento da capacidade do estabelecimento já existente, forçoso se torna concluir que os mesmos não são elegíveis para efeitos do RFAI, concluindo-se assim que nenhum destes investimentos efetuados entre os anos 2014 e 2020, pode ser considerado elegível para efeitos RFAI;

 

 

A Requerente defende no presente processo que a Autoridade Tributária e Aduaneira não tem razão quanto a este fundamento para não aceitação da aplicação do RFAI, pelas seguintes razões, em suma:

– é questionável que os bens produzidos e comercializados pela Requerente possam, após todo o processo de tratamento e transformação a que são submetidos, ser considerados produtos agrícolas ou que esta atividade exercida pela Requerente se enquadre neste âmbito;

– do teor do n.º 3 do artigo 2.° do CFI, o que nele se remeteu para portaria foi apenas a enumeração dos «códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior» e não a definição dessas atividades;

– considerando ainda o disposto no n.º 5 do artigo 112.° da CRP, o n.° 3 do artigo 2.° do CFI não deve ser interpretado como permitindo aos membros do Governo a definição do âmbito de aplicação dos benefícios através de diploma regulamentar;

– não pode basear-se no artigo 1.° da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, o afastamento do referido benefício fiscal, por falta de habilitação legal e validade constitucional para restringir o seu âmbito, que se encontra definido no artigo 2.°, n.° 2, do CFI;

– o RFAI apenas não é aplicável a empresas dos sectores de atividade enumerados no seu artigo 2°, entre os quais se encontra a atividade da Requerente, se existir uma exclusão resultante das OAR ou do RGIC;

– os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola», a que a Autoridade Tributária e Aduaneira não faz qualquer referência no RIT;

– era no âmbito das «orientações para os auxílios estatais no setor agrícola» que a questão devia ser apreciada e só se se concluísse que estas não derrogam, total ou parcialmente, as OAR, se poderia concluir pela exclusão do benefício fiscal com base nestas;

– ao abrigo do disposto referido ponto 10 (e respectiva nota de rodapé 11) das OAR 2014-2020 e dos pontos 33 e 168 das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola, a atividade da Requerente de transformação e comercialização de margarinas e gorduras alimentares similares não está excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR 2014-2020.

 

No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira mantém as posições adoptadas no RIT, dizendo ainda o seguinte, em suma:

– as definições de «produto agrícola» e «Transformação de produtos agrícolas» constam da legislação da União Europeia;

– real delimitação da extensão dos sectores de actividade constantes da lista constante do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, como é o caso das “Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33”, exige que sejam levadas em conta as exclusões do RGIC e das OAR, como resulta da parte inicial deste artigo, ao remeter para as restrições do artigo 1.º; 

– o Ponto 10 das OAR e nota de rodapé (11) explicitam que as Orientações não são aplicáveis aos auxílios estatais à transformação de produtos agrícolas da qual resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, ou seja, um produto enumerado no Anexo I do TFUE, por se tratar de auxílios abrangidos pelas Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos sectores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020; 

– a actividade principal da Requerente consiste na “Fabricação de margarinas e de gorduras alimentares similares” (CAE 20420) e o Anexo I do TFUE inclui na sua lista produtos daquele tipo;

– o que significa que os produtos fabricados e comercializados pela Requerente integram o conceito de "transformação de produtos agrícolas", em que o produto final continua a ser um produto agrícola;

– no respeitante ao RGIC, a concessão de auxílios estatais com finalidade regional às actividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado estão fora do seu âmbito de aplicação, apenas nas situações identificadas nas subalíneas i) e ii) da alínea c) do número 3 do artigo 1° do Regulamento, onde não cabe o RFAI; 

– tanto nas normas relevantes do CFI (n.º 2 do artigo 2.º e n.º 1 e artigo 22.º) como no artigo 1.º da Portaria, apenas é feita referência às Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (OAR), não havendo qualquer menção às  Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos sectores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020, a cujas regras se encontram sujeitos os  auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que dêem  origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado (cfr., nota de rodapé (11) que remete para o Ponto 10 das OAR);

– o legislador nacional acolheu, nos seus exactos termos, a solução plasmada nas OAR (Ponto 10) no tocante ao afastamento da concessão do benefício fiscal do RFAI dos projetos de investimento que tenham por objeto as actividades económicas da transformação e comercialização de produtos agrícolas de que resultem produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia;

– a Portaria n.º 282/2014 nada introduziu de inovador, contendo-se nos limites de um regulamento de execução, efetivação e aplicação dos princípios e regras contidos nas OAR e nos art.º 107.º a 109.º do TFUE e demais actos legislativos relevantes do direito europeu;

– não tem fundamento a alegação da Requerente sobre a inconstitucionalidade da interpretação da Portaria n.º 282/2014, por violação do princípio da legalidade fiscal, por restringir o âmbito de aplicação sectorial do RFAI tal como este se encontra definido pelos artigos 2.º do CFI, pois, a lista de actividades do n.º 2 deste normativo tem uma função meramente indicativa, já que está condicionada pelas exclusões sectoriais das OAR e pelo RGIC e pela definição dos códigos de actividade da CAE;

– o Ponto 33, da Secção 2.3 - Regras horizontais e instrumentos de auxílio aplicáveis aos sectores agrícola e florestal e às zonas rurais, da Parte I) apenas fornece a indicação de que, nos auxílios estatais à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, e (168), da Parte 2, Capítulo 1. Auxílios a favor de empresas ativas na produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas. Medidas de desenvolvimento rural, subsecção 1.1.1.4. Auxílios aos investimentos relacionados com a transformação e a comercialização de produtos agrícolas;

– é admitida a aplicação das OAR mas, condicionada às limitações das Orientações para os Auxílios Estatais no sector Agrícola;

– a melhor interpretação permite extrair do Ponto (168) destas Orientações é que os Estados membros, nas suas legislações nacionais sobre os auxílios estatais a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas, podem optar pelos enquadramentos comunitários referidos nas alíneas (a), (b) ou (c);

–  no domínio da legislação fiscal sobre auxílios estatais aos investimentos, em concreto, sobre o benefício fiscal do RFAI, o enquadramento comunitário está circunscrito ao RGIC e as OAR 2014-2020;

– no âmbito da liberdade de conformação do legislador, na definição dos pressupostos do benefício fiscal do RFAI, a opção legislativa foi a de remeter apenas para as regras que emanam das OAR (e do RGIC)

 

 

3.1.2. Apreciação da questão da inelegibilidade para efeitos de RFAI da actividade de “Fabricação de Margarinas e de gorduras alimentares similares- CAE 10420”

 

 

O Decreto-Lei n.º 162/2014 incluiu no CFI aprovou um novo RFAI, ao abrigo da autorização legislativa concedida pela alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 44/2014, de 11 de Julho, que tinha o seguinte sentido e extensão, definidos no n.º 3 do mesmo artigo 2.º nestes termos:

 

3 - A autorização prevista na alínea c) do n.º 1 tem como sentido e extensão:

a) Adaptar o regime às disposições europeias em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020, nomeadamente:

i) Às disposições constantes do Regulamento geral de isenção por categoria, que define as condições sob as quais certas categorias de auxílios podem ser consideradas compatíveis com o mercado interno;

ii) Às regras previstas no mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional;

b) Prorrogar a vigência do regime até 31 de dezembro de 2020;

c) Definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional;

d) Definir os limites dos benefícios fiscais a conceder, nomeadamente em função das regiões elegíveis ao abrigo da legislação europeia aplicável, e, no caso de empresas recém-constituídas, permitir uma dedução à coleta até à concorrência da mesma relativamente às aplicações relevantes efetuadas no período de tributação do início de atividade e nos dois períodos de tributação seguintes;

e) Prever que a parte da dedução à coleta que não possa ser deduzida por insuficiência de coleta possa ser deduzida até 10 períodos de tributação posteriores;

f) Reforçar os mecanismos de fiscalização e controlo deste regime de benefícios.

 

            As actividades económicas relativamente às quais podem ser concedidos benefícios fiscais no âmbito do RFAI são indicadas no artigo 2.º do CFI, por remissão do seu artigo 22.º que estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 2.º

Âmbito objetivo

1 - Até 31 de dezembro de 2020, podem ser concedidos benefícios fiscais, em regime contratual, com um período de vigência até 10 anos a contar da conclusão do projeto de investimento, aos projetos de investimento, tal como são caracterizados no presente capítulo, cujas aplicações relevantes sejam de montante igual ou superior a (euro) 3 000 000,00.

2 - Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC:

a) Indústria extrativa e indústria transformadora;

b) Turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo;

c) Atividades e serviços informáticos e conexos;

d) Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;

e) Atividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica;

f) Tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia;

g) Defesa, ambiente, energia e telecomunicações;

h) Atividades de centros de serviços partilhados.

3 - Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior.

 

 

Artigo 22.º

Âmbito de aplicação e definições

1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.

(...)

4 - Podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente capítulo os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições: 

(...)

 

f) Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c).

 

 

 

            A portaria para que remete o n.º 3 do artigo 2.º do CFI veio a ser a Portaria n.º 282/2014, de 30 Setembro, que refere no seu Preâmbulo o seguinte:

Atendendo à necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais, nomeadamente as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013 e o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, que aprovou o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de junho de 2014, são também definidos na presente portaria os setores de atividade excluídos da concessão de benefícios fiscais.

 

            Concretizando este desígnio, os artigos 1.º e 2.º desta Portaria estabelecem o seguinte:

 

Artigo 1.º

 

Enquadramento comunitário

 

Em conformidade com as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013 e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria), não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo i do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas.

 

Artigo 2.º

 

Âmbito setorial

 

Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior, as atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro:

 

a) Indústrias extrativas - divisões 05 a 09;

b) Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33;

c) Alojamento - divisão 55;

d) Restauração e similares - divisão 56;

e) Atividades de edição - divisão 58;

f) Atividades cinematográficas, de vídeo e de produção de programas de televisão - grupo 591;

g) Consultoria e programação informática e atividades relacionadas - divisão 62;

h) Atividades de processamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas e portais Web - grupo 631;

i) Atividades de investigação científica e de desenvolvimento - divisão 72;

j) Atividades com interesse para o turismo - subclasses 77210, 90040, 91041, 91042, 93110, 93210, 93292, 93293 e 96040;

k) Atividades de serviços administrativos e de apoio prestados às empresas - classes 82110 e 82910.

 

         Antes de mais, importa ter presente que o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele]. Por isso, os actos impugnados têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. ( [2] )

No caso em apreço, sendo a fundamentação das correcções subjacentes às liquidações impugnadas a que consta do RIT, é à face daquela fundamentação que há que apreciar a legalidade das correcções.

 

 

3.1.2.1. Enquadramento da actividade da Requerente de fabricação de margarinas e gorduras alimentares similares como produtos agrícolas

 

A Requerente diz que é questionável que os bens produzidos e comercializados pela Requerente possam, após todo o processo de tratamento e transformação a que são submetidos, ser considerados produtos agrícolas ou que esta actividade exercida pela Requerente se enquadre neste âmbito.

No entanto, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, no RIT, para efeitos da determinação do âmbito sectorial estabelecido na Portaria 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do n.º 1 do artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento, aplicam-se as definições relativas a actividades económicas estabelecidas no artigo 2.º do RGIC, como se estabelece no n.º 1 do art 2.° da Portaria n.° 297/2015, de 21 de Setembro.

De resto, por forma do disposto no n.º 2 do artigo 2.º do CFI,  a determinação das actividades económicas abrangidas pelo RFAI tem de respeitar «o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC» (Regulamento Geral de Isenção por Categoria, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L 187, de 26 de Junho de 2014), resulta directamente do CFI a aplicação das definições que constam do RGIC, em que se estabelece, no artigo 2.º:

 

10) «Transformação de produtos agrícolas», qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda;

11) «Produto agrícola», um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013;

  

Na lista que consta do anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) incluem-se os seguintes produtos:

15.07 Óleos vegetais fixos, fluidos ou concretos em bruto purificados ou refinados 

 15.12 Óleos e gorduras, animais ou vegetais, hidrogenados, mesmo refinados, mas não preparados 

 15.13 Margarina, imitações de banha e outras gorduras alimentares preparadas 

 15.17 Resíduos provenientes do tratamento das matérias gordas ou das ceras animais ou vegetais   

 

Como resulta desta lista e das definições 10) e 11) referidas, as margarinas e de gorduras alimentares similares constituem «produtos agrícolas», pois são enumerados nesta lista, pelo que os produtos da actividade da Requerente de fabricação de margarinas e gorduras alimentares similares são considerados «produtos agrícolas».

Assim, tem razão a Autoridade Tributária e Aduaneira ao entender que «os produtos comercializados pelo sujeito passivo integram o conceito de "transformação de produtos agrícolas" - em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no Anexo I do Tratado».

 

3.1.2.2. Questão do afastamento do benefício fiscal com fundamento no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro

 

O fundamento do entendimento adoptado pela Administração Tributária é a falta de enquadramento da actividade da Requerente no âmbito sectorial de aplicação do RFAI, por força do preceituado no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, por um lado, e do próprio n.º 1 do artigo 22º do Código Fiscal do Investimento (CFI), que «exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC».

No caso em apreço, a actividade da Requerente de “Fabricação de margarinas e de gorduras alimentares similares – CAE 10420» enquadra-se na alínea b) do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, em que se referem as «Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33».

No entanto, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira no RIT, esta indicação das actividades que podem beneficiar do RFAI é feita «sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior» e no artigo 1.º desta Portaria estabelece-se que «não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores (...) da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo i do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia».

Desta norma decorre que, estando-se perante uma actividade de transformação de produtos agrícolas enumerados no anexo I ao TFUE, a aplicação do RFAI é excluída pelo artigo 1.º desta Portaria n.º 282/2014. 

Porém, como resulta do teor expresso do n.º 3 do artigo 2.º do CFI, o que nele se remeteu para portaria foi apenas a definição dos «códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior» e não a definição dessas actividades, o que se compreende, por nem ser constitucionalmente admissível a definição do âmbito objectivo de benefícios é matéria integrada na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, só podendo ser regulada por lei formal ou decreto-lei autorizado, como decorre do preceituado nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1 alínea i), e 198.º, n.º 1, alínea b) da CRP.

            Na verdade, «como é natural, não pode uma portaria – independentemente de qualquer qualificação jurídico-pedagógica que se lhe dê – excluir um setor de atividade que o legislador fiscal soberano expressamente decidiu dever ser beneficiado e não alterou a sua decisão através de um procedimento legislativo de igual valor (lei ou decreto-lei autorizado). Ao fazê-lo está a derrogar a lei numa matéria central da tipicidade tributária – o que nem mesmo as posições doutrinárias mais flexíveis sobre a teoria da legalidade tributária admitem». ( [3] )

            Por isso, tendo em mente que, por força do disposto no n.º 5 do artigo 112.º da CRP, «nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos», o n.º 3 do artigo 2.º do CFI não deve ser interpretado como permitindo aos membros do Governo a definição do âmbito de aplicação dos benefícios através de diploma regulamentar. Na verdade, «é a Constituição e não a lei que estabelece a hierarquia normativa. São por isso inconstitucionais as normas legais que infrinjam a proibição de delegação, sendo consequentemente ilegais os regulamentos que porventura sejam emitidos ao abrigo dessa delegação. ( [4] )

            Assim, aquele n.º 3 do artigo 2.º do CFI deve ser interpretado com o alcance, que é o que resulta do seu teor literal, de permitir que fossem definidos por portaria os «códigos de atividade económica» que se reportam às actividades que nele se indicam poderem beneficiar do RFAI e não que pudessem ser alteradas, para menos, as actividades abrangidas

            Por isso, «o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional» que o Governo foi autorizado a esclarecer foi definido pelos artigos 2.º, n.ºs 1 e 2, e 22.º, n.º 1, do CFI e o que nele se remeteu para portaria foi apenas a definição dos códigos das actividades que se indicaram incluir-se nesse âmbito.

            Sendo assim, a Portaria n.º 282/2014 não encontra norma habilitante no n.º 3 do artigo 3.º do CFI para estabelecer, restringindo o âmbito definido no n.º 2 do mesmo artigo, que «não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores (...) da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo i do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia», na medida em que esta restrição não esteja incluída no âmbito das que decorrem dos artigos 2.º, n.º 2,  e 22.º, n.º 1, do CFI.

            Na verdade, o estabelecimento destas inelegibilidades, reportadas a determinadas actividades elencadas no artigo 2.º, n.º 2 do CFI e que não sejam excluídas pelo n.º 1 do seu artigo 22.º, que apenas excepciona da aplicação do RFAI a «atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC», reconduz-se ao afastamento da aplicabilidade do benefício fiscal a essas actividades, extravasando a competência objectiva que foi atribuída aos membros do Governo pelo n.º 3 do artigo 2.º do CFI, que se restringia à indicação dos Códigos das actividades definidas no n.º 2 do mesmo artigo.

É certo que os diplomas de Direito da União que são invocados no Preâmbulo da Portaria n.º 282/2014, e a«necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais» aí referida, poderiam constituir «um fundamento constitucional e uma habilitação legal prévia da emanação de regulamentos internos» ( [5] ), mas tal habilitação não é admissível quando «seja incompatível com a ordem material de competências constitucionalmente estabelecida (excluem-se, pois, regulamentos de actuação de directivas em matérias de reserva de lei)» ( [6] ), o que sucede neste caso, pois a definição do âmbito dos benefícios é matéria que a lei constitucional portuguesa integra na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos dos citados artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1 alínea i), da CRP.

            Assim, não pode basear-se no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, o afastamento do benefício fiscal, por falta de habilitação legal e validade constitucional para restringir o âmbito do benefício fiscal definido nos artigos 2.º, n.º 2, e 22.º, n.º 1, do CFI.

            No entanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca também este artigo 22.º, n.º 1, do CFI como fundamento do entendimento que adoptou sobre a inelegibilidade ao efeitos de RFAI dos investimentos em causa.  

            

3.1.2.3. Questão do afastamento do benefício fiscal com fundamento no artigo 22.º n.º 1 do  CFI 

 

            Como resulta da alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 44/2014, de 11 de Julho (autorização legislativa), visou-se com o RFAI «definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional».

            O artigo 2.º do CFI elenca as actividades que podem usufruir de benefícios fiscais, entre as quais inclui a «indústria transformadora»[alínea a) do n.º 2], mas reafirmando o respeito do «âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC».

            O artigo 22.º, n.º 1, do CFI estabelece que «o RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC».

            Resulta destas normas uma intenção legislativa de aplicar o benefício fiscal do RFAI a todas as actividades referidas no artigo 2.º, em que se inclui a indústria transformadora prevista na alínea a) do n.º 2, «com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC», como se refere no n.º 1 do artigo 22.º.

            Não é controvertido que a  actividade em causa se enquadra no artigo 2.º, pelo que o afastamento da aplicação do benefício fiscal só pode resultar de se tratar de actividade excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.

            A Administração Tributária defende que a actividade da Requerente é excluída do âmbito de aplicação do RFAI, porque as actividades de transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo l do Tratado são actividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC, a que se refere a parte final daquele n.º 1 do artigo 22.º do CFI.

            A questão que se coloca, assim, é, em princípio, a de saber se a actividade da Requerente está excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.

            No entanto, examinando o RIT, não se encontra qualquer fundamento para exclusão da actividade da Requerente do âmbito sectorial do RGIC.

            Na verdade, o RFAI constitui um regime de auxílio com finalidade regional aprovado nos termos do RGIC, como decorre do teor expresso do n.º 2 do artigo 1.º do CFI, e não é invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira no RIT que se esteja perante qualquer das situações de exclusão da aplicação do RGIC arroladas nos n.ºs 3 a 5 do artigo 1.º deste diploma.

            Designadamente, no que concerne a «auxílios concedidos no setor da transformação e comercialização de produtos agrícolas», apenas se prevê na alínea c) do n.º 3 do artigo 1.º do RGIC a exclusão do âmbito de aplicação deste diploma nos seguintes casos:

i) sempre que o montante do auxílio for fixado com base no preço ou na quantidade dos

produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa; ou

ii) sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido os produtores primários. 

            

            Não se está perante qualquer situação deste tipo e, aliás, nem sequer é invocado e demonstrado no RIT que se esteja perante uma situação enquadrável nesta alínea c) ou em qualquer das situações de exclusão da aplicação do RGIC.

Por isso, tendo a legalidade das correcções efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira de ser apreciada à face da fundamentação que consta do RIT, como se referiu, tem de concluir-se que não pode afastar-se a aplicação do RFAI por hipotética exclusão da actividade do âmbito de aplicação do RGIC.

Resta, assim, apreciar se se está perante  actividade excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR, sendo isso mesmo que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no RIT.

            

3.1.2.3.1. Questão do afastamento do benefício fiscal por se tratar de actividade excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, tendo em conta as definições que constam dos pontos 10) e 11) do artigo 2.° do RGIC e o ponto 10. das OAR, estão excluídas do âmbito de aplicação do RFAI as atividades relacionadas com a produção agrícola primária e a transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Refere-se no RIT:

«... o ponto 10. das OAR, que especifica que «A Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica, com exceção da pesca e da aquicultura, da agricultura e dos transportes, que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações», vem esclarecer que «A Comissão aplicará estas orientações à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas».

Logo, "a contrario", as referidas OAR não são aplicáveis à transformação de produtos agrícolas da qual resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, ou seja, um produto enumerado no Anexo I do Tratado.

A nota de rodapé (11) inserida nas OAR a propósito da agricultura, esclarece que "Os auxílios estatais à produção [agrícola] primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola".

Da leitura destes conceitos e da referência expressa à aplicabilidade das OAR exclusivamente «à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas», conclui-se que a transformação de produtos agrícolas apenas pode beneficiar do RFAI se o produto final dela resultante não for um produto agrícola, isto é, não for um dos produtos enumerados no Anexo I do TFUE».

 

            No ponto 10. das OAR estabelece-se o seguinte:

 

 10. A Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica ( 9), com exceção da pesca e da aquicultura ( 10 ), da agricultura ( 11) e dos transportes ( 12 ), que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações. A Comissão aplicará estas orientações à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas. As presentes orientações aplicam-se a medidas de auxílio em apoio de atividades fora do âmbito do artigo 42.º do Tratado, mas abrangidas pelo regulamento relativo ao desenvolvimento rural, e cofinanciadas pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural ou concedidas como um financiamento nacional em suplemento dessas medidas cofinanciadas, salvo previsão em contrário das regras setoriais.

 

            Na nota de rodapé (11), relativa à agricultura, refere-se o seguinte:

«Os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola».

 

 

 

            Como decorre daquele ponto 10. das OAR, o sector da agricultura está sujeito «a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações».

Isto significa que as OAR não  deixam, sem mais, de ser aplicáveis ao sector da agricultura, pois isso só sucederia no caso de derrogação total  pelas orientações para os auxílios estatais no sector agrícola.

Ora, quanto ao sector agrícola, essa derrogação total não ocorre e, pelo contrário, quanto à transformação de produtos agrícolas, que aqui está em causa, o ponto 33 das «Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020», publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 204/1, de 01-07-2014, é explícito no sentido da aplicação das OAR:

 

(33) Em virtude das especificidades do setor, não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (27). Aplicam-se, no entanto, à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações.

 

            Como resulta do teor expresso desta ponto (33), as OAR não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários, mas, como se refere na 2.ª parte,  aplicam-se à transformação de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações.

            E, na secção 1.1.1.4., ponto (168), das mesmas «Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020» estabelece-se que 

(168) 

 Os Estados-Membros podem conceder auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas, desde que satisfaçam as condições de um dos seguintes instrumentos de auxílio:

(a)

 Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.o e 108.o do Tratado;

 

(b)

Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020;

 

(c)

As condições estabelecidas na presente secção.

 

            Conclui-se, assim, que a actividade da Requerente, de transformação de produtos agrícolas não é uma das «actividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR's» a que se refere a parte final, do artigo 22.º do CFI, e, pelo contrário, desde que satisfaçam as condições previstas no RGIC [o Regulamento (UE) n.º 651/2014, referido na alínea (a)], ou nas OAR, ou na secção em que se insere este ponto (168), são permitidos os auxílios estatais.

            Por isso, não pode, com o fundamento que foi invocado no RIT, (de a actividade da Requerente, por ser de "transformação de produtos agrícolas", pretensamente estar excluída do âmbito das OAR’s), considerar-se que está excluída do benefício fiscal do RFAI.

            

3.2.2.4. Conclusão sobre a questão da elegibilidade para efeitos de RFAI da actividade de "Fabricação de margarinas e de gorduras alimentares análogas - CAE 10420"

 

            Conclui-se, assim, que as liquidações impugnadas enfermam de vício, por erro sobre os pressupostos de direito, ao terem pressuposto o entendimento de que a actividade da Requerente de "Fabricação de margarinas e de gorduras alimentares análogas - CAE 10420" não era elegível para usufruição do RFAI.

            Na verdade, a indústria transformadora enquadra-se no artigo 2.º, n.º 2 do CFI e não se está perante «atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC», para efeitos do artigo 22.º, n.º 1, do CFI.

            Por outro lado, a Portaria n.º 282/2014, não pode validamente afastar a aplicação de benefícios previstos em diplomas de natureza legislativa, pelo que se referiu.

            De qualquer forma, sendo patente que a intenção legislativa subjacente ao RFAI, na versão do CFI, foi a de «definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional», enunciada na alínea c) do n.º 3 do artigo da Lei de autorização legislativa n.º 44/2014, de 11 de Julho, a Portaria, como instrumento de execução dessas regras, sempre teria de ser interpretada de forma a concretizá-las e não a afastá-las, em face da supremacia do Direito de União sobre o Direito Nacional, que resulta do n.º 4 do artigo 8.º da CRP.

            Pelo exposto, tem de se concluir pela ilegalidade das liquidações impugnadas, por vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

            No entanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira fundamentou a não aplicação do RFAI também na não verificação da condição de criação e manutenção de postos de trabalho, exigida pela alínea f) do n.º 4 do artigo 22.° do CFI, pelo que há que apreciar a legalidade deste fundamento para não aplicação do RFAI.

            Com efeito, quando um acto de tributário tem mais que um fundamento, cada um deles com potencialidade para, só por si, assegurar a sua legalidade, é irrelevante que um deles seja ilegal, pois "o tribunal, para anular ou declarar a nulidade da decisão questionada, emitida no exercício de actividade vinculada da Administração, não se pode bastar com a constatação da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica habilitado a invalidar o acto". ( [7] )

 

            3.2. Questão da não «verificação da condição de criação e manutenção de postos de trabalho», exigida pela alínea f) do n.º 4 do artigo 22.° do CFI

 

3.2.1. Posições das Partes 

 

No RIT refere-se o seguinte, em suma, sobre este fundamento para afastamento da aplicação do RFAI, aplicando doutrina administrativa publicitada em fichas doutrinárias:

  

– sendo o RFAI um auxílio com finalidade regional que prevê dotações anuais, faz todo o sentido que a aferição da criação de postos de trabalho seja feita por referência a 31 de dezembro face à "média dos 12 meses anteriores" (dezembro de n-1 a novembro de n) conforme comparativo previsto na secção do RGIC alusiva aos auxílios com finalidade regional (n.º 9 do artigo 14.º do RGIC):

"um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período". 

– a condição de "criação de postos de trabalho" se considera "cumprida quando, à data de 31 de dezembro (...) se verifique um aumento líquido do número de trabalhadores relativamente à média dos 12 meses precedentes";

– apenas pode integrar o conceito de "criação de postos de trabalho" a admissão de trabalhadores através da celebração de contrato de trabalho sem termo (ou por tempo indeterminado), abrangendo a admissão de trabalhadores novos e de trabalhadores que já estivessem na empresa, mas ao abrigo de um contrato com termo;

– esta posição dá cumprimento à exigência de "criação de emprego num contexto sustentável" (duradouro) imposta pelo § 31 do preâmbulo do RGIC, o que não seria alcançado caso se permitisse, para aferição da criação de postos de trabalho, a inclusão de trabalhadores admitidos ao abrigo de contrato com termo:

"Os auxílios com finalidade regional destinam-se a contribuir para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas, apoiando o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável."

 

– se a condição de "criação de postos de trabalho" é aferida em função do número de trabalhadores a 31 de dezembro, face à média dos 12 meses anteriores, considera-se que a condição de "manutenção" seja também ela avaliada nos mesmos termos;

– só assim existe evidência plena de que o investimento realizado num determinado período foi efetivamente proporcionador de criação de postos de trabalho durante um período mínimo igual ao da manutenção dos bens alvo do investimento. Caso contrário, o investimento não foi indutor da criação de postos de trabalho;

– relativamente aos anos sobre os quais incide a presente ação inspetiva (2015 a 2020) conclui-se que apenas em 2017 e 2020 a empresa cumpriu a condição de "criação de postos de trabalho" estabelecida na alínea f) do n.º 4 do art. 22° do CFI.

– quanto à condição da manutenção dos postos de trabalho, essa questão fica prejudicada relativamente aos anos em que não se verificou criação de postos de trabalho, ou seja, só se põe relativamente a 2017 e 2020;

– assim, relativamente ao ano 2017, verifica-se que a média de trabalhadores foi de 37, 17, valor que, por comparação com o número de trabalhadores nos meses de dezembro dos três anos seguintes (40, 40 e 46, respectivamente para 2018, 2019 e 2020), nos permite concluir que os postos de trabalho criados em 2017 foram mantidos. Quanto a 2020, ainda não decorreu o período dos três anos, sendo, neste momento, impossível aferir se a condição de manutenção dos postos de trabalho criados em 2020 será ou não cumprida.

 

A Requerente defende o seguinte, em suma:

– alínea f) do n.° 4 do artigo 22.° do CFI não faz qualquer referência expressa a um «aumento líquido» de postos de trabalho ou à necessidade de aferir este requisito por comparação com a média dos 12 meses anteriores, pelo que deve ser entendida como reportando-se à criação de postos de trabalho causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço;

– o RFAI visa fomentar o investimento, não se apresentado como uma medida direcionada para a criação de emprego;

– apenas relativamente aos auxílios quantificados com base nos custos relativos aos postos de trabalho diretamente criados por um projeto de investimento se exige o «aumento líquido de postos de trabalho»;

– é à luz do Regulamento (EU) n.° 651/2014 - que determina a criação do RFAI -, que este requisito da «criação de postos de trabalho» de ser considerado para efeitos de aplicação deste benefício calculado com base nos custos de investimentos em ativos corpóreos e/ou incorpóreos;

– a entender-se que o requisito da «criação de postos de trabalho» deve ser considerado para aplicação do RFAI, o mesmo deve ser interpretado no sentido de assegurar que os investimentos efetuados neste âmbito não afetam os postos de trabalho existentes;

– mesmo que se sustente o entendimento de que a aplicação do RFAI, nos termos do disposto al. f) do n.º 4 do artigo 22.° do CFI, pressupõe a efetiva criação de novos postos de emprego, certo é que, tendo a Requerente aumentado, com efetividade, o número de postos de trabalho já existentes, tal requisito encontra-se verificado.

 

No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira mantém as posições adoptadas no RIT, dizendo ainda o seguinte, em suma:

– a definição de aumento líquido do número de trabalhadores consta do § 32 do artigo 2.º do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, no qual se estabelece ter de existir um  "aumento líquido do número de trabalhadores no estabelecimento em causa em comparação com a média durante um determinado período de tempo" e a alínea a) do n.º 9 do artigo 14.º, do mesmo Regulamento, estipula que deve ocorrer  "um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período";

– os postos de trabalho descritos a que se referem não estão associados especificamente ao investimento mas a todo o parque industrial da Requerente.

 

 

3.2.2. Apreciação da questão da não «verificação da condição de criação e manutenção de postos de trabalho», exigida pela alínea f) do n.º 4 do artigo 22.° do CFI

 

O n.º 4 do artigo 22.º do CFI  estabelece requisitos cumulativos para os sujeitos passivos de IRC poderem beneficiar do RFAI, entre os quais que 

f) Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c). 

 

Antes de mais, impõe-se esclarecer que as orientações administrativas invocada ela Autoridade Tributária e Aduaneira não têm relevância como fundamento de direito das correcções efectuadas.

Na verdade, nos termos do artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT, as orientações administrativas vinculam (unicamente) Administração Tributária, surgindo no âmbito do princípio da colaboração recíproca que compreende, designadamente, a publicação de orientações genéricas sobre a interpretação e a aplicação das normas tributárias [art. 59.º, n.º 3, alínea b) da LGT]. 

Deste modo, as circulares e fichas doutrinárias não constituem fontes de direito fiscal, integrando antes o chamado «direito circulatório», composto por orientações genéricas dirigidas aos serviços da administração fiscal relativas à interpretação e aplicação das normas tributárias, mas que não vinculam os Tribunais nem os contribuintes.

À face do princípio da legalidade fiscal, proclamado no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes», pelo que não pode por via de uma orientação administrativa ser regulamentada uma situação de incidência tributária, como é o campo de aplicação de benefícios fiscais.

Apreciando a questão à luz dos diplomas legislativos invocados no RIT, tem de se constatar que não há suporte textual para concluir que o investimento relevante tem de proporcionar um aumento líquido de postos de trabalho.

Na verdade, na alínea f) do n.º 4 do artigo 21.º do CFI não se faz referência a aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento, mas apenas a «criação de postos de trabalho» e sua manutenção, o que constitui um elemento interpretativo de acentuada relevância no âmbito de benefícios fiscais, pois, como é jurisprudência pacífica, as normas sobre benefícios fiscais devem ser interpretadas em termos estritos, o que, se é certo que não afasta a necessidade de interpretação, designadamente teleológica, não viabiliza a exigência de requisitos para que não há qualquer suporte textual.

 

Por outro lado, se é certo que o n.º 9 do artigo 14.º do RGIC, refere que «o projeto de investimento deve conduzir a um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período», também o é que ele apenas aplicável, como nele se refere expressamente, «quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados», o que não sucede no caso, pois está-se perante benefício fiscal baseado em investimento em activos fixos tangíveis e intangíveis (artigo 21.º, n.º 2, do CFI).

Na verdade, aquele artigo 14.º do RGIC prevê, no seu n.º 4, como custos elegíveis, «custos de investimento em ativos corpóreos e incorpóreos» [alínea a)], e «custos salariais estimados decorrentes da criação de emprego, em virtude de um investimento inicial, calculados ao longo de um período de dois anos» [alínea b)],ou «uma combinação» desses custos [alínea c)] e o seu n.º 9, em que se alude ao «aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa» só se aplica «quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados, descritos no n.º 4, alínea b)».

Esta expressa referência no n.º 9 do artigo 14.º do RGIC à alínea b) do n.º 4, e não  também à sua alínea a) ou à sua alínea c), constitui uma manifestação de vontade legislativa expressiva de que aquele aumento líquido apenas é exigido nos caso de auxílios calculados com base em postos de trabalho ou em custos salariais estimados. 

De resto, com se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 307/2019-T ( [8] ), «terá sido por ter noção do quanto se expôs que o legislador não utilizou a expressão “criação líquida de emprego”, quando a mesma era utilizada, por exemplo, no art.º 19.º do EBF vigente à data, esse sim, um benefício fiscal que tem por base os custos de investimento em postos de trabalho».

Como também se refere no mesmo acórdão 

«Tendo em conta que, pelos fundamentos expostos, não se deverá equiparar a expressão “criação de postos de trabalho” a “criação líquida de postos de trabalho”, dever-se-á, em obediência ao princípio hermenêutico do legislador razoável, obter um resultado interpretativo que seja coerente com a teleologia do benefício fiscal em questão e que tenha um efectivo conteúdo prático.

Nessa perspectiva, a única interpretação que não se reconduza à “criação líquida de postos de trabalho”, será, julga-se, a de que a “criação de postos de trabalho” pressuposta pelo benefício fiscal em questão se refere à criação de postos de trabalho, e a sua manutenção, causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço.

Ou seja: o que está em causa é que o investimento realizado por determinada empresa será elegível para usufruir do benefício fiscal em questão se, e na medida em que, dele resulte, de forma causalmente adequada, a criação de, pelo menos, um posto de trabalho, e a sua manutenção».

 

Pelo exposto, tem de se concluir que as correcções efectuadas enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito quanto a interpretação da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI.

Obtida esta conclusão sobre a ilegalidade da interpretação que foi adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira para fundamentar as correcções que efectuou, impõe-se a sua anulação, independentemente de elas se poderem justificar, eventualmente, com base noutra interpretação.

         Na verdade, como esclareceu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 31-01-2018, processo n.º 01157/17, por força do princípio da separação de poderes enunciado no artigo 2.º da CRP, não sendo o Tribunal um órgão com competências primárias para definir a tributação, «não pode recorrer a outros filtros para aferir a legalidade do acto impugnado (já que os seu poderes de cognição não podem ir além dos fundamentos de que o acto explicitamente partiu)».

         

         3.3. Liquidações de juros compensatórios 

 

         As liquidações de juros compensatórios têm como pressupostos as liquidações de IRC, pelo que enfermam dos vícios que afectam estas.

 

         3.4. Conclusão 

 

         De harmonia com o exposto, enfermam de vícios de violação de lei os dois fundamentos em que a Autoridade Tributária e Aduaneira baseou as correcções impugnadas, o que justifica a sua anulação das liquidações de IRC e juros compensatórios que as têm como pressupostos, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT 

 

          

         4. Decisão         

   

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

A)             Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

B)            Anular a liquidação de IRC de 2018 com o n.° 2022..., de 27-04-2022, no valor de € 133.669,92 e respectiva liquidação de juros compensatórios n.° 2022..., de 29-04-2022, no valor de € 13.106,70, bem como o consequente acerto de contas n.º 2022..., de 29-04-2022, no valor final de € 133.669,92;

C)            Anular a liquidação de IRC de 2019 com o n.° 2022..., de 05-05-2022, no valor a reembolsar de € 144.317,17 e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., de 06-05-2022, no valor de € 94,66, bem como o consequente acerto de contas n.º 2022..., de 06-05-2022, no valor final de € 1.607,44;

D)              Anular a liquidação de IRC de 2020 com o n.° 2022..., de 25-05-2022, no valor a pagar de € 125.996,88 e respectiva liquidação de juros compensatórios n.° 2022..., de 06-06-2022, no valor de € 3.255,17, bem como o consequente acerto de contas n.º 2022..., de 06-05-2022, no valor final de € 125.996,86.

 

 

5. Valor do processo

 

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 261.274,22, valor indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 19-01-2023

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa) 

(relator)

 

 

(Tomás Castro Tavares)

                                        

 

(Jónatas Machado)

(com declaração de voto junta)

 

 

Declaração de voto 

 

Afastamo-nos da posição maioritariamente sufragada no douto Acórdão, essencialmente por divergirmos num aspeto decisivo, seguindo um entendimento que manifestámos na decisão arbitral do CAAD no Processo n.º 307-2021-T, que constitui um precedente pessoal para o qual remetemos. Encurtando argumentos, partimos do princípio, geralmente aceite, da excecionalidade dos benefícios fiscais, por razões de direito constitucional fiscal nacional e de direito da concorrência da União Europeia, entendendo que os mesmos devem ser interpretados restritivamente, sendo insuscetíveis de integração analógica e, tratando-se de auxílios de Estado, estando sujeitos a apertado escrutínio de acordo com o direito nacional e europeu. Consideramos, como no douto Acórdão, que a fabricação de margarinas e gorduras alimentares similares corresponde ao CAE 10420, relativo à indústria transformadora, e que as atividades de transformação exercidas pela Requerente se subsumem ao conceito de «indústrias transformadoras» e, como tal, estão contempladas, prima facie, quer na alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º do CFI, quer na alínea b) do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, que, nos termos do artigo 22.º do CFI, é relevante para a determinação do âmbito do RFAI. No n.º 1 deste artigo são afastadas do âmbito de aplicação do RFAI as atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.

As OAR (Ponto 10, nota 11) afastam a concessão do benefício fiscal do RFAI dos projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas da transformação e comercialização de produtos agrícolas de que resultem produtos agrícolas enumerados no Anexo I do TFUE. Por sua vez, o artigo 2.º (10) e (11) do RGIC define «Transformação de produtos agrícolas» como sendo qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda. Além disso, com relevância para o caso, ele define «Produto agrícola», como um produto enumerado no anexo I do Tratado. As Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020 adotam idêntica definição. Ora, a margarina surge na designação de produtos do Anexo I do TFUE com o número 15.13 da Numenclatura de Bruxelas. 

No (168) das mesmas Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020, determina-se que os Estados-Membros “podem conceder auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas, desde que satisfaçam as condições de um dos seguintes instrumentos de auxílio: (a) Regulamento (UE) n. º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108º.º do Tratado ; (b) Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020; (c) As condições estabelecidas na presente secção”. A esta luz, no domínio da legislação fiscal sobre auxílios estatais aos investimentos, em concreto, sobre o benefício fiscal do RFAI, o enquadramento comunitário está circunscrito ao RGIC e as OAR 2014-2020, condicionando desse modo a liberdade de conformação do legislador. 

A despeito de o n.º 2 do artigo 2.º do CFI determinar que “os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas”, e aí se incluírem, nos termos da alínea a) “indústria extrativa e indústria transformadora”,  o n.º 3 do artigo 2.º do CFI, no uso da referida liberdade de conformação do legislador, admite a intervenção por Portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia para a definição dos códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número 2.º. 

Em nosso entender, a utilização, pelo n.º 2 do artigo 2.º, do CFI, da expressão “nomeadamente” no contexto da delimitação das atividades económicas abrangidas pelo RFAI, pode ser razoavelmente interpretada no sentido de que o legislador avançou com uma delimitação tendencialmente aberta, indicativa e não exaustiva do respetivo âmbito, admitindo que a Portaria tome em conta outros fatores jurídicos e económicos na sua delimitação definitiva. É assim que deve ser entendido o artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, quando vem afastar do âmbito do RFAI a transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I TFUE. 

Consideramos, por razões que desenvolvemos na decisão do referido Processo n.º 307/2021-T, de natureza institucional e funcional e relacionadas com a interpretação do direito nacional em conformidade com o direito da União – que vê os auxílios de Estado como exceções suscetíveis de interpretação e aplicação restritiva – que não existe neste caso verdadeira violação do princípio constitucional da legalidade da administração, com as respetivas exigências de reserva de lei tributária (artigo 103.º, n.º2,  da CRP) e prevalência de lei (112.º da CRP), antes se está diante de uma solução ainda compatível com o seu espírito e a sua teleologia, de acordo com o dever constitucional, que impende sobre a administração, de fazer regulamentos necessários à boa execução das leis. Em sentido convergente se manifestaram outros tribunais arbitrais do CAAD, a saber, nos processos n.º 545/2018-T e n.º 218/2019-T. 

Os membros do Governo responsáveis pelas finanças e pela economia, expressamente referidos no n.º 3 do artigo 2.º do CFI, integram o Conselho da União Europeia, nas correspondentes formações, e interagem quotidianamente com a Comissão, não surgindo aqui numa posição de mera subordinação jurídico-administrativa. Diferentemente, o próprio legislador entendeu que os mesmos estão em condições institucional e funcionalmente adequadas para melhor interpretarem e aplicarem ao contexto nacional os artigos 107.º a 109.º do TFUE – que veem os auxílios de Estado como excecionais e objeto de interpretação restritiva – e circunscreverem de forma cabal o âmbito do RFAI em conformidade com os seus preceitos. Esta dinâmica normativa, embora não tenha justificado uma alteração à redação dos artigos 103.º, n.º 2, e 112º, nº 5, da CRP, deve ser tida em conta na sua interpretação e aplicação.  

Concordamos com a posição de AT quando esta refere que  “a Portaria n.º 282/2014 não invade o campo de incidência do benefício fiscal do RFAI, porque as normas habilitantes – os n.ºs 2 e 3 do artigo 2.º e n.º 1 do artigo 22.º do CFI – são normas de aplicação condicionada, criadas por decreto-lei que executa uma autorização legislativa que não especifica os sectores de atividade elegíveis, nem traça diretrizes claras sobre a delimitação dos sectores de atividades a beneficiar tendo em vista os objetivos definidos, subordinando-os apenas à legislação europeia relevante, em matéria de auxílios de Estado (o RGCI e as OAR).” Em nosso entender, não pode concluir-se que a atividade económica desenvolvida pela Requerente tenha sido incorretamente considerada como atividade excluída do âmbito do RFAI. 

(Jónatas Machado) 



[1] Como se refere no ponto III.1.4.2. do RIT, a Autoridade Tributária e Aduaneira aceitou que «o investimento considerado na área da "Fabricação de margarinas e de gorduras alimentares análogas - CAE 10420" não é elegível para efeitos de RFAI, mas é elegível para efeitos da DLRR». (negrito nosso).

Por isso, não corresponde à realidade, quanto à DLRR, a afirmação da Requerente no artigo 7. alínea b) do pedido de pronúncia arbitral, em que diz que a Autoridade Tributária e Aduaneira «considera inelegível para efeitos de RFAI e DLRR a atividade de "fabricação de margarinas e de gorduras alimentares similares" CAE 10420), por se tratar de uma actividade económica de transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do TFUE (Tratado de Funcionamento da União Europeia)».

[2] Essencialmente neste sentido, podem ver–se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso: 

–  de 10–11–98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em AP–DR de 12–4–2001, página 1207.

–  de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em AP–DR de 10–2–2004, página 4289.

–  de 09/10/2002, processo n.º 600/02.

–  de 12/03/2003, processo n.º 1661/02;

– de 22–03–2018, processo nº 0208/17.

            

 

 

[3] Como bem se refere na declaração de voto emitida pelo Árbitro Senhor Dr. João Taborda Gama, no processo n.º 218/2019-T.

[4] GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, volume II, página 69, que esclarecem: «a deslegalização está sempre excluída nas matérias sujeitas ao princípio da reserva de lei, sendo inconstitucionais quaisquer fenómenos de deslegalização incidentes sobre matérias que constitucionalmente não podem ser reguladas senão por via de lei. A deslegalização – ou seja a retracção da disciplina legislativa a favor da disciplina por via regulamentar – só é possível fora do domínio necessário da lei» (página 70).

[5] Como defendem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, volume II, página 78.

[6] Obra e local citados.

[7] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-5-2000, processo n.º 039073, publicado em Apêndice ao Diário da República de 09-12-2002, página 4229.         

Na mesma linha, pode ver-se o acórdão do acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 28-10-2004, processo n.º 028055, em que se entendeu que «tendo o acto contenciosamente impugnado uma pluralidade de fundamentos, a invalidade de um deles não obsta a que o tribunal conheça dos restantes e só no caso de concluir pela invalidade de todos eles pode e deve julgar o acto nulo ou anulável».

[8] Posição também adotada nos acórdãos arbitrais proferidos nos processos n.ºs 488/2019-T, 546/2020-T, 500/2021-T e 508/2021-T.