Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 545/2021-T
Data da decisão: 2022-09-21   
Valor do pedido: € 382.459,62
Tema: IRS – Cat. B – Omissão de prestações de serviços – avaliação direta / correções aritméticas – regime de contabilidade.
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DECISÃO ARBITRAL

                                                                                                 

Os árbitros Alexandra Coelho Martins, Clotilde Celorico Palma e Cristina Coisinha, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 15 de novembro de 2021, acordam no seguinte:

 

 

            I.         Relatório

 

A..., adiante “Requerente”, contribuinte número..., e B..., doravante “Segunda Requerente”, contribuinte número ..., casados, ambos residentes na Rua ..., ...,  ...-... Porto, designados em conjunto por “Requerentes”, apresentaram pedido de constituição de Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 97.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

Os Requerentes peticionam a anulação do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa deduzida contra os atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) dos anos 2012 a 2015, no valor global de € 382.459,62 (importância que inclui juros compensatórios) e que a Requerida seja condenada no pagamento dos juros legalmente previstos.

 

Em 3 de setembro de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi, de seguida notificado à AT.

 

De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 15 de novembro de 2021.

 

            Em 20 de dezembro de 2021, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”).

 

Em 17 de março de 2022 teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, na qual foram prestadas declarações de Parte e inquiridas 4 testemunhas arroladas pelos Requerentes. O Tribunal Arbitral determinou a notificação das Partes para apresentarem alegações escritas e fixou o prazo de prolação da decisão até à data limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, advertindo os Requerentes para, até essa data, procederem ao pagamento da taxa subsequente (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).

 

Tendo em vista a descoberta da verdade material, o Tribunal Arbitral convidou os Requerentes a apresentarem os mapas relativos à conciliação dos depósitos bancários, em numerário ou em cheque, com os recibos emitidos, tendo aqueles procedido à junção de documentos, por requerimento entrado em 24 de março de 2022.

Em 30 de março de 2022, os Requerentes apresentaram alegações escritas. A Requerida optou por não alegar.

 

Por despachos de 10 de maio, de 6 de julho e de 12 de setembro de 2022, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivado da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.

 

Posição dos Requerentes

 

Os Requerentes alegam, em síntese, como causa de pedir, as seguintes ilegalidades:

  1. Violação do princípio do contraditório e do princípio da verdade material por não ter sido dada a oportunidade ao Requerente de se pronunciar sobre os factos, nomeadamente por não ter sido confrontado com o teor dos depoimentos das testemunhas inquiridas no procedimento administrativo;
  2. Utilização encapotada de métodos indiretos previstos no artigo 83.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária (“LGT”), disfarçada de correções aritméticas, uma vez que estamos perante tributação baseada em presunções. Por outro lado, o recurso a métodos indiretos não é aceitável por não se verificar a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável (v. artigo 88.º da LGT) e por não ter sido seguido o procedimento de avaliação indireta, nos termos da lei, relativamente ao qual o Requerente nem sequer teve a possibilidade de pedir a revisão (v. artigo 91.º da LGT). Neste âmbito:
    1. O RIT considerou sem sustentação factual, limitando-se a presumir, que a totalidade dos valores entrados na conta pessoal do Requerente seriam rendimentos sujeitos a IRS;
    2. Nada existe que evidencie falta de faturação por parte das entidades intervenientes nos atos médicos;
    3. Os pagamentos em numerário e a parca identificação dos clientes prendem-se com as preocupações de anonimato que as intervenções cirúrgicas em causa, de medicina estética, suscitam nos clientes;
  3. Violação de lei e excesso de quantificação da matéria tributável, tendo em conta que o RIT padece das seguintes incorreções:
  1. Duplicação de valor (€ 7.500,00) relativo à venda de uma viatura da marca...;
  2. Consideração, como rendimento tributável do Requerente, de valores recebidos e depositados na sua conta individual que não lhe pertencem, pois, pelo menos em parte, eram propriedade da sociedade C..., Lda., encontrando-se as diferenças suportadas por extratos bancários da conta pessoal, existindo saídas de valores do Requerente entrados para a sociedade C..., Lda. além das identificadas no RIT;
  3. Parte dos valores recebidos pelo Requerente destinava-se a efetuar pagamentos aos outros prestadores de atos médicos, intervenientes nas cirurgias e tratamentos, apesar de as faturas serem diretamente emitidas por estes aos clientes, e também, por vezes, para pagar aos colaboradores, 5 no total;
  4. Os valores entrados na conta D.O. – D... e nas transferências relacionadas com salários e pensões (neste caso apenas no ano 2014) não são corretos;
  5. Os procedimentos de cruzamento de informação utilizados pela Requerida sofrem de vários constrangimentos relacionados com a identificação incompleta dos clientes nas faturas e com o facto de por vezes não corresponderem a quem adquire os serviços;
  6. O método de determinação do rendimento líquido foi diferente em relação aos anos 2014 e 2015 com a mudança do regime simplificado para o da contabilidade, derivada da quantificação de rendimentos brutos de valor superior pela AT na ação inspetiva. Deste modo, o Requerente deixou de ter gastos inerentes aos rendimentos obtidos e Requerente devia ter sido notificado para suprir a falta de indicação dos gastos suportados, não o tendo sido, o que viola o princípio da verdade material (v. artigo 6.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira – “RCPITA”);
  7. Ocorreu o atropelo do artigo 104.º, n.º 2 da Constituição, que prescreve que os contribuintes devem ser tributados fundamentalmente pelo seu lucro real;
  8. A inspeção tributária, para determinação dos rendimentos obtidos pelo Requerente, não quis saber se todos os valores creditados na sua conta foram ou não objeto de emissão de fatura-recibo e se todos os valores entrados a crédito nessas contas respeitam à sua esfera pessoal ou empresarial;
  9. Na falta de relevação das operações nos elementos de escrituração cabia à Requerida a demonstração da real existência das operações tributáveis a partir dos valores depositados em contas bancárias. A mera identificação de fluxos bancários não permite caracterizá-los, per se, como rendimentos;
  10. O Requerente não tinha de provar ou contrariar a origem das entradas e saídas de fluxos financeiros, porquanto as correções efetuadas pela AT enfermam de vício de violação de lei por aplicação de métodos indiretos fora dos termos legais e afetando os direitos e garantias do Requerente.

 

Posição da Requerida

 

Na perspetiva da Requerida as correções efetuadas estão devidamente fundamentadas no RIT e na informação que suporta o indeferimento da Reclamação Graciosa, tendo os argumentos dos Requerentes invocados no procedimento sido respondidos no RIT e apreciados e valorados em sede de audição prévia, com acolhimento parcial quanto aos acréscimos patrimoniais que foram devidamente justificados.

 

A Requerida afirma terem sido efetuadas todas as diligências, seguidos os procedimentos, recolhidos os meios de prova e observados os princípios da verdade material, do inquisitório e da participação, com a análise aos registos da atividade, dos extratos bancários, contabilísticos e extra-contabilísticos, bem como dos esclarecimentos prestados pelo próprio sujeito passivo aqui Requerente. O órgão instrutor pode utilizar todos os meios de prova admitidos em direito para descoberta da verdade material, não estando sujeito à iniciativa do autor do pedido, tendo sido inquiridas as testemunhas que a Requerida entendeu serem fundamentais para o apuramento dos factos. Acresce que o sujeito passivo foi notificado para se pronunciar, quer no procedimento inspetivo, quer em sede de Reclamação Graciosa, pelo que não ocorre a violação do princípio do contraditório.

 

Quanto ao anonimato dos clientes, as alegações dos Requerentes não podem ter acolhimento, pois as faturas foram emitidas no portal das finanças e identificam o cliente, além de que constitui dever do sujeito passivo emitir e preencher as faturas e organizar a sua contabilidade de acordo com a lei.

 

As correções realizadas não se basearam em métodos indiretos, pois os factos foram apurados por avaliação direta e justificados no RIT. A AT constatou discrepâncias significativas entre o valor dos serviços prestados e os fluxos financeiros registados e a omissão de rendimentos da categoria B. Detetou também falta de controlo dos procedimentos de faturação, de tratamento dos meios financeiros e das contas correntes dos respetivos clientes entre o Requerente na sua atividade profissional e as entidades C..., Lda. e E... . Estas discrepâncias e as ditas omissões não impediram, no entanto, a AT de apurar a matéria tributável de forma direta.

 

Em relação ao vício de violação de lei e excesso de quantificação da matéria tributável, os Requerentes não concretizam em que medida tal ocorre, nem apresentam suporte documental, nomeadamente extratos bancários. Sobre as diferenças nos depósitos na conta D.O. – D... também não foi feita prova do alegado resgate da aplicação, nem da diferença relacionada com salários e pensões. Por outro lado, os rendimentos apurados não se encontram influenciados pelas alegadas importâncias tituladas por cheques e transferências bancárias a favor da sociedade C..., Lda..

 

Confirma-se a associação de faturas a uma cliente identificada. Contudo, o valor das mesmas é significativamente inferior ao montante total que esta pagou, mesmo com a exibição de faturas de diversos intervenientes, pelo que se mantêm os indícios de não emissão das faturas pela totalidade das prestações de serviços efetuadas.

 

Em relação à desconsideração dos gastos de atividade, estando o Requerente no regime simplificado não foram identificados e quantificados esses gastos. Porém, estes, a existirem, teriam de ser invocados pelo Requerente e documentalmente comprovados (v. artigo 74.º, n.º 1 da LGT).

 

 

II.        Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer da legalidade dos atos de liquidação de IRS e juros compensatórios contra os quais foi deduzida Reclamação Graciosa cujo indeferimento vem impugnado, atenta a conformação do objeto do processo (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), i.e., a contar da notificação do indeferimento da Reclamação Graciosa por ofício datado de 13 de maio de 2021, tendo a ação dado entrada no dia 1 de setembro de 2021, primeiro dia útil após as férias judiciais, nos termos dos artigos 3.º-A do RJAT, 138.º do Código de Processo Civil e 279.º, alínea e) do Código Civil.

 

Não foram identificadas questões prévias a apreciar ou nulidades processuais.

 

 

            III.      Fundamentação de Facto

 

            1.         Matéria de Facto Provada

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:

 

  1. A..., aqui Requerente, exerce a atividade médica na área da medicina estética, cirurgia plástica e reconstrutiva, abrangendo consultas, tratamentos e cirurgias, identificada sob o CAE 7012 – Médicos Cirurgiões – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) que consta do PA (fls. 303 a 339).
  2. À data dos factos, nos anos de 2012 a 2015, o Requerente aplicou nas suas declarações de IRS, em relação aos rendimentos enquadrados na categoria B, o regime simplificado de tributação previsto nos artigos 28.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 31.º do Código deste imposto – cf. RIT. 
  3. O Requerente era acionista da sociedade E..., S.A. (“E...”), na qual detinha 50% do capital social e de que era presidente do Conselho de Administração com funções executivas, sendo o outro acionista, F..., titular de igual percentagem no capital social – cf. RIT.
  4. O Requerente era ainda sócio e gerente da sociedade C..., Lda. (“C..., Lda.”), igualmente dedicada à prática de atividades de medicina clínica, na qual detinha 62,5% do capital social, sendo os restantes detentores do capital seus familiares – cf. RIT.
  5. A sociedade E... detinha as instalações onde o Requerente realizava as cirurgias aos seus pacientes, em conjunto com os demais membros que normalmente integravam a equipa clínica, compreendida por outro médico cirurgião, um médico anestesista e uma enfermeira instrumentista, todos profissionais sem vínculo laboral ao Requerente ou às sociedades E... e C..., Lda. – cf. RIT.
  6. Nas cirurgias realizadas pelo Requerente como médico principal, este recebia o(s) pagamento(s) efetuado(s) pelos clientes e canalizava os respetivos fundos, na parte respetiva, para os profissionais que tinham intervenção na mesma e para a E... pelos serviços prestados por esta sociedade (vg. cedência de instalações e equipamento) – cf. RIT, declarações de parte e depoimento das 4 testemunhas.
  7. Uma parte expressiva dos pagamentos dos clientes era realizada em numerário, sendo que, nesses casos, os pagamentos aos outros médicos e enfermeira também eram sempre feitos pelo Requerente em numerário. Outras vezes, os pagamentos eram feitos através da entrega, pelo Requerente aos prestadores, de cheques pré-datados dos clientes, ou o próprio Requerente adiantava os valores antes de serem cobrados, ou ocorriam transferências bancárias – cf. RIT, declarações de parte e depoimento das 4 testemunhas.
  8. A faturação emitida aos pacientes relativamente às cirurgias era efetuada de forma parcelar por diversas entidades, infra exemplificadas, apesar de a totalidade do(s) pagamento(s) ser(em) feito(s) apenas ao Requerente que, como atrás referido, depois se encarregava de pagar aos outros prestadores – cf. RIT, declarações de parte e depoimento das 4 testemunhas:
  1. Serviços de médico cirurgião principal – faturados pelo Requerente ou pela sociedade C..., Lda., neste último caso tal sucedia a partir do momento em que, no decurso do ano, o volume de faturação do Requerente atingia um determinado limiar de valor – v. documentos juntos, declarações de parte e, quanto a este último aspeto, em especial o depoimento da 1.ª testemunha;
  2. Serviços de médico cirurgião coadjuvante – faturados pela sociedade do referido médico – v. documentos juntos, declarações de parte e depoimento da 2.ª testemunha;
  3. Serviços de médico anestesista – faturados por clínicas/sociedades detidas pelos médicos anestesistas ou com quem estes colaboravam – v. documentos juntos, declarações de parte e depoimento da 3.ª testemunha;
  4. Serviços de enfermeira-instrumentista – faturados pela enfermeira, como profissional independente – v. documentos juntos, declarações de parte e depoimento da 4.ª testemunha;
  5. Cedência de instalações, equipamentos – faturados pela E...– v. documentos juntos, declarações de parte e depoimentos da 1.ª e 2.ª testemunhas.
  1. Em 28 de julho de 2015, teve início um procedimento inspetivo externo, de âmbito parcial – IRS, que visou a atividade do Requerente nos períodos de tributação de 2012 a 2015, ao abrigo das Ordens de Serviço OI2015... (IRS 2012), OI2015... (IRS 2013), OI2016... (IRS 2014) e OI2016... (IRS 2015) – cf. RIT. 
  2. A ação inspetiva teve por finalidade a comprovação e verificação do cumprimento das obrigações do Requerente, na sequência de um processo de inquérito aberto por denúncia anónima apresentada na Polícia Judiciária de rendimentos não declarados, tendo ficado concluída em 23 de setembro de 2019 – cf. RIT. 
  3. Em simultâneo com a ação inspetiva ao Requerente, foram determinadas ações inspetivas às sociedades E... e C..., Lda., de âmbito geral, que abrangeram os períodos de 2012 a 2015 – cf. RIT. 
  4. Na sequência do procedimento inspetivo ao Requerente, foram propostas correções ao rendimento por este declarado em relação aos anos 2012 a 2015. O projeto de relatório de inspeção foi notificado ao mandatário do Requerente para exercício do direito de audição – cf. RIT.
  5. O Requerente exerceu o direito de audição por escrito em 10 de setembro de 2019, tendo sido parcialmente aceites pela Requerida as justificações dos acréscimos patrimoniais verificados em 2013 e 2015, que foram retirados. No mais, mantiveram-se as correções ao rendimento líquido da categoria B de IRS do Requerente, conforme preconizadas no projeto de relatório, perfazendo os seguintes montantes – cf. RIT:

Ano

Correções aritméticas

2012

48.050,20

2013

157.234,50

2014

283.699,84

2015

141.605,50

Total

630.590,04

 

  1. O Requerente foi notificado do relatório final de inspeção (“RIT”), de que se extraem os seguintes fundamentos para as correções do rendimento líquido de IRS declarado pelo Requerente:

II.3.3. Descrição da atividade exercida

II.3.3.1. Atividade Efetivamente Exercida e Modo de Operar

No decurso da ação inspetiva verificou-se o seguinte:

1)  A atividade da E... consiste na consiste na prestação de serviços médicos na área da medicina estética, cirurgia plástica e reconstrutiva (consultas, tratamentos e cirurgias). Os serviços são prestados pelo presidente e pelo administrador V... (doravante ambos designados por «administradores»), na qualidade de médicos, e por recurso à subcontratação de clínicos especializados (tais como, anestesistas, instrumentistas e enfermeiros). Os atos médicos associados às cirurgias, salvo raras exceções, têm a intervenção do Dr. A... (médico cirurgião). Nas cirurgias, os serviços de cirurgião são desenvolvidos e faturados por A..., individualmente ou através da sociedade C..., Lda. Os demais clínicos e outros técnicos intervenientes nas cirurgias (anestesistas, enfermeiros, instrumentista, etc.) são subcontratados, mas na maior parte dos casos faturavam diretamente aos pacientes. Porém, normalmente, os clientes pagam o preço total pelos serviços prestados a A..., procedendo este ulteriormente à sua distribuição.

O quadro de pessoal da E... tinha, em média, nos anos em análise, 5 trabalhadores (escriturária, rececionista, assistente de consultório e duas empregadas de limpeza).

As consultas e os tratamentos realizados pelo administrador V..., médico generalista (i.e., não titular de qualquer especialidade), normalmente, são faturados pela sociedade Dr. G..., Lda., NIF ... (doravante apenas «G..., Lda.»).

As instalações da E... estão equipadas com um bloco operatório, gabinetes médicos (estando atribuído um a cada um dos administradores), gabinetes de tratamentos, quartos para internamento de pacientes (caso a cirurgia assim o obrigue), além das áreas de receção, administrativas, acondicionamento de medicamentos e outro material e outras.

2)  A... tem formação médica com especialização em cirurgia plástica. Foi trabalhador dependente do Hospital ... e exerce também a sua atividade individualmente, primordialmente na realização de cirurgias e de tratamentos. Os serviços prestados são realizados, em regra, nas instalações da E... .

3)  A atividade da sociedade C..., Lda. consiste na prestação de serviços médicos na área da medicina estética (consultas, tratamentos e cirurgias). Os serviços são prestados através de A..., que é também o seu sócio-gerente, e são executados essencialmente nas instalações da E... . Nos anos em análise, a C..., Lda. tinha apenas um trabalhador (a mulher de A...), registada com a categoria profissional de "assistente de consultório".

4)  Face aos descritivos das faturas e à forma como se desenvolvia a atividade, a natureza dos serviços prestados por A... individualmente ou através da sociedade C..., Lda. não se diferenciava. Isto é, A... ora atuava a título individual, ora o fazia no âmbito da sociedade, sem que exista um racional de negócio que estabelecesse um critério de atuação. A... foi questionado, no início do procedimento inspetivo, sobre o assunto, designadamente sendo-lhe perguntado se sabia quando estava a realizar serviços no âmbito da sociedade. C..., Lda. ou individualmente e consequentemente quem emitia a fatura. Em resposta, A... afirmou que desconhecia o critério utilizado na seleção da entidade que emitia a fatura de honorários médicos, uma vez que quem geria a emissão das faturas eram as suas colaboradoras.

5)  Quanto aos demais médicos e técnicos intervenientes nas cirurgias, verificou-se que, na maior parte das situações, faturavam diretamente aos clientes/pacientes das cirurgias. Porém, como os clientes em regra pagavam o preço total da cirurgia a A... era este que controlava e procedia à distribuição dos valores recebidos.

[…]

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLETÁVEL E AO IMPOSTO EM FALTA

III. 1. Análises Efetuadas aos Elementos da Contabilidade e Declarados

III.1.1. Faturas e Recibos Emitidos

A análise aos documentos de suporte à contabilidade, bem como à informação constante dos ficheiros SAFT da contabilidade da E...[1 Note-se que os SAFT de faturação contêm muitos erros, sendo que a maior parte se reporta aos NIF dos clientes.], recolhidos no âmbito da busca e apreensão ocorrida em 01/03/2016 e descrita no ponto III.3 deste relatório, permitiu verificar que os serviços prestados estão suportados por faturas ou faturas/recibos, com as seguintes características:

Quadro 3

Faturas/Recibos

A...

 C..., Lda.

E...

Forma de Emissão

Portal das Finanças

Pré impressos em tipografia (1)

Pré impressos em tipografia (2)

Identificação dos Clientes

Completa

Reduzida (3)

(4)

Descritivos mais Comuns

“Honorários médicos”

“Honorários médicos”

“serviços prestados nesta clínica” (5)

 

Nº Recibos emi[tid]os por ano e valor mais baixo/elevado observados

2012

130

250€/2200€

294

52,5€/3500€

545

47,17€/4716,98€

2013

85

150€/2600€

228

100€/3875€

378

18,87€/9433,96€

2014

102

150€/2300€

268

25€/3335€

424

47,17€/12195,12€

2015

61

100€/2400€

306

100€/3608€

420

28,30€/3301€

Notas:

  1. até 14/09/2015
  2. até abril de 012
  3. exemplo: ...
  4. casos com indicação “consumidor final” e outros identificação reduzida
  5. ou “Consulta”

Assinale-se que nesta informação não estão incluídas as faturas emitidas, normalmente uma por cada ano, pela E... à C..., Lda. e à G..., Lda., referentes ao débito pela utilização do bloco operatório. O rendimento destas faturas foi reconhecido na contabilidade em "Outros Rendimentos" (ver Quadro 2).

III.1.2. Reconhecimento dos Rendimentos e Saldos de Clientes

Em ambas as sociedades intervenientes (C..., Lda. e E...), as faturas são registadas na contabilidade através de listagens mensais, e salvo raras exceções, têm por contrapartida uma conta de clientes do tipo "jumbo" [2 Conta que agrega a maior parte dos clientes finais]. No caso da E... são registadas na subconta do SNC "21 11004 – CLIENTES FR JÁ DEPOSITADOS", sendo que, em 31/12/2013, o seu saldo foi transferido para a subconta de clientes "21611 – CLIENTES CHEQUES EM CARTEIRA NACIONAIS – Cheques Pré-datados", também esta uma conta do tipo "jumbo".

O procedimento utilizado no reconhecimento destes ativos - registo de clientes em conta "jumbo" - inviabiliza a identificação dos clientes que pagaram (ou não), e o meio de pagamento utilizado (transferência bancária, cheque ou numerário), bem como a conciliação do saldo das referidas contas.

Por recurso ao ficheiro SAFT da faturação de 2013 da E... (ano a que se reportava a denúncia que deu origem ao processo de inquérito), designadamente nome, morada e NIF, não foi possível identificar clientes angolanos ou de outras nacionalidades estrangeiras.

III.1.3. Estrutura de Gastos

[…]

A... não tem contabilidade organizada, e a isso não estava obrigado, e consequentemente não existe uma estrutura de gastos associados à sua atividade.

[…]

III.1.4. Movimentos Financeiros

Procedimento Utilizado Pela E...

A análise dos movimentos nas contas de depósitos à ordem tituladas pela E... […] e reconhecidas na contabilidade, permitiu concluir pela prática de depósitos em numerário de valores materialmente relevantes. Os depósitos à ordem desta natureza, pouco comuns na atividade económica atual, são sistemáticos e ultrapassaram 59% do total dos depósitos de recebimentos de clientes, quer em 2013, quer em média no total dos anos em análise.

No início do procedimento inspetivo, questionado A... sobre este facto, fomos informados que tal resultava essencialmente das seguintes razões:

  • existem clientes que pagam em dinheiro para mais robustamente garantirem a confidencialidade do ato médico; e
  • em algumas cirurgias, quando o preço total do ato médico é pago através de cheque, por vezes o valor do cheque é levantado ao balcão no respetivo banco, e o dinheiro é distribuído pelos diversos clínicos e técnicos intervenientes.

Quanto aos depósitos de valores, verificou-se que estes resultam essencialmente do recebimento de clientes através de cheques pré-datados, que a sociedade vai gerindo ou entrega no banco para que este proceda à sua gestão (a E... é a única entidade titular de conta com esta natureza, pois nem a C... Lda. nem individualmente A... dispunham de contas deste tipo).

No quadro seguinte estão apurados os valores totais dos depósitos e transferências a crédito, por ano e por natureza, relativos a recebimentos de clientes.

Quadro 6 –

 

Ano

Total Depósitos

% Receb. em Num. no Total

Recebi/s de Clientes

Numerário

Trf e Ch

Total

2012

425.510,97

41.065,71

466.576,68

91,20%

2013

263.099,98

182.262,61

445.362,59

59,08%

2014

195.775,25

204.123,52

399.898,77

48,96%

2015

202.466,50

160.008,50

362.475,00

55,86%

Totais

1.086.852,70

587.460,34

1.674.313,04

64,91%

 

Verificou-se, ainda, que a E... tinha como procedimento fazer anotações nos talões de depósito sobre a identificação das faturas correspondentes aos valores recebidos. Porém, testando este procedimento quanto ao ano de 2013, foram detetadas incongruências, designadamente: (i) o valor total do depósito não corresponder ao valor das faturas anotadas no talão; e (ii) o depósito de um cheque é anotado para pagamento de faturas de dois clientes, aparentemente sem qualquer relação familiar.

Procedimento Utilizado Pela C... Lda.

A análise dos movimentos nas contas de depósitos à ordem tituladas pela C..., Lda. […] e reconhecidas na contabilidade, permitiu concluir também pela prática de depósitos em numerário de valores muito elevados.

Nos três primeiros anos em análise os depósitos em numerário rondaram 90% do total dos recebimentos de clientes. Em 2015, aquela percentagem, reduziu-se para 21%. Das entradas nas contas bancárias da C... Lda., referentes a recebimentos de clientes por cheques e transferências bancárias, os montantes de € 20.000, em 2013, € 25.000, em 2014, e € 247.000, em 2015, tiveram origem em conta titulada por A... no banco D... .

No quadro seguinte estão apurados os valores totais dos depósitos, por ano e por natureza, relativos a recebimentos de clientes

Quadro 7 –

 

Ano

Total Depósitos

% Receb. em Num. no Total

Recebi/s de Clientes

Numerário

Trf e Ch

Total

2012

142.000,00

4.009,46

146.009,46

97,25%

2013

257.510,85

21.632,69

279.143,54

92,25%

2014

221.151,96

36.785,10

257.937,06

85,74%

2015

64.060,00

247.000,00

311.060,00

20,59%

Totais

684.722,81

309.427,25

994.150,06

68,88%

 

III.1.5. Gastos com Outros Especialistas nas Cirurgias

Nos serviços prestados referentes a cirurgias, além do cirurgião (A...) é necessária a intervenção de outros médicos e técnicos, designadamente instrumentista, anestesista e enfermeiro.

Através da análise dos documentos de suporte aos gastos das sociedades E... e C..., Lda., verificou-se que não estavam reconhecidos gastos desta natureza, designadamente nas rúbricas de honorários ou subcontratos. Exceção será na E..., onde existe reconhecimento de gastos com honorários de enfermeiros, mas que estão relacionados com o acompanhamento dos pacientes, designadamente no pós-operatório, e são objeto de faturação ao paciente pela E... .

Adicionalmente, através da circularização de alguns clientes (ver ponto III.2.1. deste relatório), constatou-se que, de facto, os outros médicos e técnicos faturavam diretamente os seus serviços aos clientes. Os serviços destes médicos e técnicos eram normalmente faturados por: Clínica Dr. H..., Lda. […], I..., Lda. […], e po J...  […].

Relativamente a pagamentos, através dos extratos bancários constantes da contabilidade da E... e da C..., Lda., bem como dos documentos de suporte à mesma, não foram identificados quaisquer cheques, nem transferências bancárias a favor de cada um deles.

III.6. Síntese

Em face das análises efetuadas e descritas nos pontos anteriores constatamos, como aspetos mais relevantes, que:

E...

  1. a E... tem estrutura administrativa e operativa, com capacidade para a realização dos serviços de consultas, de tratamentos e de cirurgias;
  2. no que se refere às cirurgias, os serviços prestados reportam-se à receção, disponibilização do bloco operatório, de consumíveis e de meios instrumentais necessários, bem como à hospitalização, caso necessária, e acompanhamento do paciente;
  3. a faturação dos serviços associados às cirurgias tem o seguinte descritivo "serviços prestados nesta clínica";
  4. as incongruências verificadas entre as anotações sobre o n.º das faturas e os valores constantes dos talões de depósito;
  5. apesar de A... ser administrador da E... (na verdade o Presidente do Conselho de Administração), não é único e terá de prestar contas aos demais administradores e essencialmente ao outro acionista.

A... e C..., Lda.

  1. os serviços prestados por A..., individualmente ou através da C..., Lda., são serviços médicos (consultas, tratamentos e essencialmente cirurgias);
  2. os serviços são prestados basicamente nas instalações da E...;
  3. os consumíveis com maior incorporação, tais como próteses, são adquiridas através da C..., Lda.; 
  4.  A... é quem controla e gere os meios financeiros, em especial os que resultam das cirurgias.

III.2. Diligências Efetuadas

III.2.1. Circularização de Clientes

No início do procedimento inspetivo, ao abrigo do dever de colaboração previsto no art.º 59º da LGT, foram solicitadas informações a quatro clientes que constavam das faturas emitidas pela E..., através de pedido de preenchimento de questionário remetido para o efeito, bem como de pedido de envio de documentos comprovativos.

As informações prestadas por aqueles clientes foram no sentido de que as cirurgias tinham sido realizadas nas instalações E..., com a intervenção do Dr.  C...e outros médicos e técnicos, que lhes emitiram faturas do valor do seu serviço, e que os preços haviam sido pagos através de cheques pela totalidade do ato médico.

III.2.2. Notificação a A...

Tendo em consideração o facto de A... apresentar, em 2012 e 2013, evidência de manifestações de fortuna não compatíveis com os rendimentos declarados, designadamente a aquisição de prédio pelo valor de € 800.000,00, foi notificado, em 28/07/2015, para justificar a fonte do acréscimo de património ou despesa efetuada, nos termos do nº 3 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária (LGT).

Em resposta à notificação e para justificar a fonte do acréscimo de património ou despesa efetuada, A... declarou, comprovadamente, que a origem dos fundos para a aquisição daquele imóvel resultou essencialmente da permuta por outro imóvel (€ 250.000,00), do financiamento bancário através de crédito à habitação (€ 450.000,00) e dos rendimentos declarados no ano. Acresce que, tendo-se detetado a amortização excecional do financiamento bancário, em 2014, no valor de € 201.040,00, A... justificou que a origem dos fundos para aquela amortização resultou da venda de um carro clássico de corrida - … (€ 195.000,00).

Em sequência destas diligências, em 15/01/2016, A... concedeu autorização para a Autoridade Tributária aceder às suas contas bancárias, quanto aos anos de 2012 e 2013.

Na análise dos movimentos das contas bancárias tituladas por A..., através dos extratos das contas bancárias de 2012 e 2013, foram identificados depósitos que ascendem a valores significativamente superiores aos rendimentos empresariais declarados, conforme se demonstra de seguida [3Estes valores, posteriormente foram objeto de revisão]:

 - 2012: Depósitos à Ordem € 193.493,14 e Prestação de Serviços € 79.850,00; e

- 2013: Depósitos à Ordem € 324.248,00 e Prestação de Serviços € 92.552,00.

III.3. Busca e Apreensão

III.3.1. Elementos Recolhidos na Execução do Mandado de Busca e Apreensão

Em face do teor da denúncia que serviu de base ao referido processo de inquérito, foi solicitado pelo Exmo. Senhor Procurador-Adjunto da 6ª Secção do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) a emissão de mandados de busca e apreensão a diversas localizações no Porto e Felgueiras, tendo os mandados de busca sido executados em 01/03/2016.

[…]

III.4. Levantamento do Sigilo Bancário

Administrativo (art.º 63.º-B da LGT)

[…]

A... foi notificado, na pessoa do seu mandatário […], da decisão de derrogação do sigilo bancário, através do Ofício n. º 2019..., de 14/05/2019.

III.5. Análise da Informação Bancária de A...

[…]

Através dos extratos bancários de cada conta e para os anos em análise, remetidos pelos respetivos bancos, verificou-se o seguinte:

Quanto aos créditos/entradas

No K... reportaram-se apenas a resgate de aplicações financeiras, de que era detentor antes de 01/01/2012.

Na L..., além de transferências relacionadas com recebimento de salários pagos pelo Ministério da Defesa, até novembro de 2012, apenas registou três depósitos em março de 2012, que ascenderam ao total de € 13.114,31 e um depósito, em 2013, no valor de € 3.500,00.

No M... (antes N...) apenas se registou um depósito em 2014 no valor de € 3.500,00;

[…]

No banco D... […], além das entradas, que pelos descritivos constantes dos extratos se depreende não estarem relacionadas com a prestação de serviços de medicina em regime privado, designadamente, pensão L..., ordenado do exército, e outros cujos documentos haviam sido apresentados por A... (empréstimo bancário para aquisição de casa, venda de carro ...), foram identificadas outras entradas que ascendem aos valores que constam na última linha do quadro seguinte:

Quadro 9 –

D...– conta […]

Notas

2012

2013

2014

2015

Total das Entradas

1)

204.462,02

794.450,85

595.138,56

634.262,68

Trf relacionadas com salários e pensões

2)

1.921,74

23.702,85

22.796,23

28.630,86

Trf ...– resgate de aplicações

3)

22.161,45

 

 

 

Empréstimo / Crédito à Habitação

4)

 

450.000,00

 

 

Trf – Venda Carro – ...

5)

 

 

195.000,00

 

Outras (...,...)

6)

 

 

436,99

211,32

Trf entre contas (C..., Lda)

7)

 

 

 

5.000,00

Outros

8)=1)-7)

180.378,83

320.748,00

376.905,34

600.420,50

Notas:Outros (8) = Total das entradas (1) deduzido das entradas conhecidas e justificadas.

Tendo em atenção o exposto anteriormente, o total das entradas não identificadas nas contas tituladas por A... nos diversos bancos são as seguintes:

Quadro 10 –

Créditos p/ Conta Banc – Origem Desconhec

Notas

2012

2013

2014

2015

D...

1)

180.378,83

320.748,00

376.905,34

600.420,50

K...

2)

0,00

0,00

0,00

0,00

L...

3)

13.114,31

3.500,00

0,00

0,00

M...

4)

0,00

0,00

3.500,00

0,00

Total

5)=1)+…+

193.493,14

324.248,00

380.405,34

600.420,50

1) corresponde à linha referente à nota 8) do quadro anterior

Os créditos relativos aos valores entrados na conta da K..., em 2012, resultam de dois depósitos em numerário no valor de € 6.000,00 cada e de um depósito de cheque no valor de € 1.114,31. Em 2013, tais entradas limitam-se ao depósito de um cheque (€ 3.500,00).

O crédito no M..., resulta do depósito de um cheque (€ 3.500,00).

Os créditos/entradas que dão origem aos valores constantes da primeira linha do Quadro 9 (D...), resultam essencialmente de depósitos, sendo que o valor mínimo é de € 100,00 e o valor máximo é de € 35.000,00. O n.º total de ocorrências de depósitos e transferências a crédito é de 296, sendo que o n.º de ocorrências de valores entre € 1.500,00 e € 15.000,00 é de 236 e de valor superior ou a igual a € 3.500,00 é de 180.

Foi selecionada uma amostra (201 documentos, incluindo depósitos e transferência a crédito) e solicitado aos respetivos bancos o envio de cópia dos documentos de suporte daqueles créditos em conta, designadamente do documento de transferência bancária com identificação da conta bancária de origem e dos talões de depósito, bem como da cópia dos respetivos cheques depositados.

Da análise da amostra supra, concluiu-se que a maior parte resultava de depósito de cheques, ascendendo o número de cheques objeto de depósito a 361, sendo o valor médio de € 3.008,00, se expurgarmos os depósitos no valor de € 35.000 e € 10.000,00 e a transferência no valor de € 165.000,00, que não resultam da atividade conforme exposto mais adiante. Os valores unitários dos cheques objeto de depósito nestas contas são consistentes com os preços praticados pelos serviços prestados.

Os elementos remetidos pelos bancos permitiram identificar 282 titulares dos cheques depositados e ordenantes das transferências bancárias. Saliente-se, porém, que grande parte dos nomes identificados são muito incompletos e repetem-se. Esta identificação [4 Incluindo as identificações obtidas diretamente através dos descritivos dos extratos bancários] permitiu adotar o procedimento de auditoria que se descreve no ponto III.6.

Esta análise permitiu, ainda, identificar os casos particulares que se descrevem:

1) em dezembro de 2015, havia sido efetuada uma transferência pela sociedade O... BV, no valor de € 165.000,00. Desconhecendo-se a que título havia sido recebido este valor, em 26/06/2019, notificou-se A..., na pessoa do seu mandatário, para justificar a que título havia recebido aquela importância, bem como identificar a natureza do rendimento associado àquele recebimento. Face à resposta apresentada pelo mandatário de A... […], concluiu-se que aquele valor não derivava da atividade de cirurgião; e

2) os depósitos no valor de € 10.000 e de € 35.000 (valores unitários bastante superiores à média), de 31/08/2012 e 26/11/2012, tiveram origem na venda de viaturas não associadas à sua atividade, de acordo com as declarações dos titulares das contas bancárias sobre as quais foram sacados os referidos cheques (ver ponto III.7.2. deste relatório).

Quanto aos débitos/saídas

Na conta da L..., as saídas entre 01/01/2012 e novembro de 2013, data em que a conta deixou de ser movimentada, ascenderam a € 35.957,12. De acordo com os descritivos dos extratos, reportam-se essencialmente a pagamento de despesas de índole pessoal.

Na conta do K..., ascenderam a € 5.448,21, as quais ocorreram em 2014 e basicamente resultantes de levantamentos em numerário.

A conta no M... apenas registou um levantamento em numerário em 2014 no valor de € 3.500,00;

No banco D... […], através dos descritivos constantes dos extratos da conta, apurou-se que as verbas debitadas na conta tiveram os destinos d[i]scriminados no quadro seguinte:

Quadro 11 –

D... – conta […]

Notas

2012

2013

2014

2015

Total das saídas

1)

192.833,90

754.024,34

570.499,70

489.394,20

Levantamentos em Numerário

2)

 

34.716,44

96.268,27

36.000,00

Trf a favor de P..., Lda

3)

 

20.000,00

25.000,00

247.000,00

Cartões de Crédito

4)

39.839,14

27.146,70

56.114,22

57.097,21

TRP 0...BBBBNM

5)

32.421,87

27.483,39

29.927,88

19.951,92

Rendas Credito Habitação

6)

 

39.244,01

44.641,53

24.736,62

Pagamento da casa

7)

90.000,00

450.000,00

 

 

Amortização antecipada de credito à habita

8)

 

 

 

201.040,00

 

Outros

9)

30.572,89

155.433,80

117.507,80

104.608,45

Nota: 9)=1)-2)-3)-4)-5)-6)-7)-8)

Nota 3) – Trf a favor de P..., Lda – face ao modo como se desenrola a atividade, considera-se que as transferências bancárias a débito, na conta bancária no D..., a favor da sociedade C..., Lda. deverão ser tidas como meras transferências entre contas, uma vez que, corresponderão a recebimento de clientes da C..., Lda. que foram depositados indevidamente na conta pessoal de A... .

Nota 4) – Cartões de Crédito – através dos extratos das contas dos cartões de crédito, incluído o cartão do "...", cujo débito era efetuado na conta do banco D..., verificou-se que o seu uso se reportava a pagamento de aquisição de bens e serviços de índole pessoal.

Por forma a apurar se os cheques emitidos, bem como as transferências a débito, se destinavam eventualmente ao pagamento de despesas que não fossem de natureza pessoal, foram selecionados, para análise, os cheques de valores superiores a € 500,00, bem como as transferências pelo descritivo, não era identificável o ben[e]ficiário. O total dos elementos da amostra ascendiam aos valores constantes do quadro seguinte:

Quadro 12 –

D...– conta […]

2012

2013

2014

2015

Total dos documentos selecionados

15.566,57

118.851,10

27.046,14

40.957,18

Relativamente aos débitos de valores inferiores a € 500,00, que pelo descritivo não é possível identificar os respetivos beneficiários, ascendem aos valores constantes do quadro seguinte:

Quadro 13 –

D... – conta […]

2012

2013

2014

2015

Ch e trf valor inf. € 500-benef.não ident

3.735,38

2.361,51

1.267,39

1.614,14

Foi, ainda, selecionada para análise uma das transferências, que se processava mensalmente e sempre do mesmo valor, e cujos somatórios estão agregados na linha referente à nota 5) do Quadro 11 (TRP ...3BBBBNM).

Através da análise dos documentos remetidos pelo banco D... constantes da amostra supra, concluiu-se que:

  1. os valores referentes à transferência mensal e constante se destinava à ex-mulher; e

ii)   os valores constantes da linha referente à nota 9) do Quadro 12, também não evidenciam pagamentos que não sejam de índole pessoal, com a exceção dos cheques emitidos e depositados em contas bancária da E..., nos valores de € 2.050,00, em 2013, e de € 1.813,00, em 2014.

III.6. Depósitos de Valores versos Faturas Emitidas

Foi efetuada a junção dos ficheiros de faturação dos diversos intervenientes [5 Note-se que, parte da informação constante destes ficheiros foi construída pela introdução manual dos dados constantes das faturas processadas em faturas pré-impressas em tipografia.] (A..., C..., Lda. e E...), e cruzada esta informação com os titulares de contas bancárias sobre as quais foram sacados cheques ou de onde foram efetuadas transferências a favor das contas bancárias tituladas por A... (informação obtida conforme descrito no ponto III.5.).

Este procedimento sofre, evidentemente, de vários constrangimentos, tais como: (i) a identificação dos clientes nas faturas, em muitos casos, era incompleta; e (ii) os titulares dos cheques emitidos para pagamento dos serviços adquiridos também alguns têm identificação incompleta, e por vezes, não correspondem a quem adquire os serviços (pais, maridos ou outros).

No cruzamento, foi incluída a faturação das três entidades envolvidas (A..., E... e C... Lda.), uma vez que, conforme já se concluiu, havia promiscuidade entre estas entidades na gestão da parte financeira do negócio, designadamente quando os serviços se reportavam a cirurgias.

Através desta análise identificaram-se titulares de contas bancárias com cheques depositados ou transferências creditadas em contas tituladas por A... e para os quais não havia faturas emitidas (por nenhum dos três intervenientes), conforme listagem que se junta em anexo a este relatório (Anexo - 2).

O quadro seguinte sintetiza, por ano, os valores envolvidos [6 Em 2015, não foi incluído o valor de € 165.000,00, referente à transferência da O... BV]:

Quadro 14 –

Ano

Valores totais

2012

59.292,48

2013

110.930,00

2014

138.688,25

2015

124.415,00

Total

433.325,73

 

 

III.7. Audição de Clientes

Tendo em conta a existência de indícios da realização de atos médicos que não foram objeto de faturação, conforme referido nos pontos anteriores, selecionaram-se clientes no sentido de validar os indícios de que não eram emitidas faturas de honorários relativamente a serviços (designadamente, cirurgias) efetuados. A seleção dos clientes foi efetuada em dois universos:

III.7.1 . Clientes das Listagens das "Folhas de Apoio à Gestão"

Do universo dos clientes que constam das listagens que designamos de "folhas de apoio à gestão", constantes do Anexo - 1 deste relatório, selecionou-se uma amostra de 38 (trinta e oito clientes), os quais foram convocados, por carta registada, para prestar depoimento, tendo comparecido 24 pessoas. Critérios de seleção foram: primeiro, os nomes mais completos e fora do comum, por forma a ser possível obter através da base de dados da AT a sua identificação e morada; e segundo, residência fiscal no distrito do Porto.

As inquirições deste conjunto de clientes tiveram por objetivo obter informação sobre se aquelas pessoas:

1)    haviam adquirido serviços a Dr. A... e em que ano;

2)    qual o valor pago pelos serviços adquiridos e qual o meio de pagamento utilizado; e

3)    se lhes foram emitidas faturas ou recibos.

Destas inquirições, reduzidas a auto, chegamos às seguintes conclusões:

  • haviam sido efetivamente adquiridos serviços a A... (apenas uma pessoa, não se recordava);
  • os valores pagos oscilaram entre € 500,00 e € 5.000,00, sendo o valor mais frequente € 3.500,00;
  • apenas uma pessoa afirmou ter pago em cheque, 18 afirmaram ter sido em numerário e as restantes não sabiam, designadamente porque tinha sido um terceiro a pagar;
  • no que respeita à emissão de faturas: apenas duas pessoas confirmaram emissão de fatura, que em ambos os casos ocorreu ulteriormente ao ato médico (2016); 13 pessoas afirmaram não terem sido emitidas faturas; e as restantes (9) declararam não se lembrarem, mas a ter sido emitida fatura teria sido em seu nome ou em nome indicado por si (a).

(a) por pesquisa através do nome ou sobrenome, em todas as faturas processadas pelas diversas entidades envolvidas, não foram identificados documentos emitidos para aqueles 9 casos (que referiram a ser emitida teria sido em seu nome ou no nome indicado).

111.7.2. Titulares de Cheques Depositados sem Faturas

Na sequência do procedimento descrito no ponto III.6., foi identificado o universo de titulares de cheques emitidos e depositados na conta de A... no banco D... e para os quais não foram encontradas faturas emitidas em seu nome. Deste universo selecionou-se uma amostra de 12 (doze) titulares de cheques, que foram convocados, por carta registada, para prestar depoimento, tendo comparecido onze pessoas. Os critérios de seleção foram: os nomes mais completos e fora do comum, por forma a ser possível obter através da base de dados da AT a sua identificação e morada, a residência fiscal no distrito do Porto e os valores mais elevados.

As inquirições destes clientes foram no sentido de conhecer:

1)    a que título havia pago o valor constante do cheque por si emitido e depositado na conta de A...;

2)    caso o referido pagamento se reportasse a serviços adquiridos a A..., se havia efetuado algum pagamento adicional e através de que meio de pagamento; e

3)    se lhe foram emitidas faturas ou recibos referentes à aquisição do serviço.

Destas inquirições, reduzidas a auto, obtivemos os seguintes resultados:

  • dois casos não se reportaram a aquisição de serviços, mas sim à aquisição de carros;
  • os restantes (9) afirmaram referir-se ao pagamento de serviços adquiridos a A..., dos quais quatro foram em benefício de familiares, e quanto à emissão de fatura:
    • três declararam não lhes ter sido emitida qualquer fatura ou recibo;
    • uma declarou que lhes foram emitidas faturas;
    • cinco pessoas não se recordavam, porém, ulteriormente, uma destas veio a juntar aos autos cópia das respetivas faturas.

Relativamente às restantes 4 que "não se recordavam", as mesmas haviam afirmado que, a existirem faturas, estas teriam sido emitidas em seu nome ou em nome por si indicado. Contudo, por pesquisa através do nome ou sobrenome, em todas as faturas processadas pelas diversas entidades envolvidas, foram apenas identificados documentos emitidos para 2 casos.

Saliente-se que, relativamente a um dos casos que "não se recordava", por pesquisa, através do nome ou sobrenome, em todas as faturas processadas pelas diversas entidades envolvidas e através da aplicação do E-fatura, verificou-se que apenas haviam sido emitidas faturas, em 2015, no valor total de € 4.950 (€ 1500, em 14/05/2015, por A...; € 950,00, em 4/5/2015, por C..., Lda.; e € 1.500,00 e € 1.000,00, em 29/04/2015 e 29/09/2015, respetivamente, por E...). Porém, foram depositados cheques do cliente em causa (Q..., mas cujo titular da conta bancária é R...) na conta de A..., nos valores de €4.500,00, € 5.000,00 e € 3.500,00, em 30/10/2014, 27/04/2015 e 28/09/2015, respetivamente.

Em suma, dos 9 depoimentos que se reportavam ao pagamento de serviços adquiridos a A..., em 5 casos não houve emissão de quaisquer faturas e num caso, embora houvesse faturas, o valor total das mesmas é significativamente inferior ao montante total pago.

III.8. Resumo dos Factos

Face ao descrito nos pontos anteriores temos como factos mais relevantes e determinantes os seguintes:

  1. a atividade de A... reporta-se a atos médicos na área da medicina estética, cirurgia plástica e reconstrutiva, sendo as cirurgias os serviços prestados com maior relevância (note-se que as primeiras consultas normalmente eram gratuitas);
  2. a sua atividade desenvolve-se essencialmente nas instalações da E...;
  3. a E..., enquanto detentora da estrutura, aparece como um dos intervenientes (fornecedor) nas cirurgias, faturando os serviços por si prestados diretamente aos clientes;
  4. a E..., designadamente em face da necessidade e exigência de proteção dos interesses doutro acionista e administrador (V...), adota alguns procedimentos de controlo, porém pela análise dos meios financeiros foram detetadas algumas inconsistências;
  5. A... gere os valores recebidos pelas cirurgias realizadas, normalmente relativos ao preço total praticado, e faz a distribuição dos valores recebidos pelos diversos intervenientes (médicos e técnicos) e canaliza os valores remanescentes para as suas contas bancárias, em particular para a conta n.º […], no banco D...;
  6. relativamente aos pagamentos aos demais médicos e técnicos intervenientes nas cirurgias, não há evidência de saídas das contas bancárias de A... a favor de qualquer um deles;
  7. o cruzamento da informação de todas as faturas e faturas/recibo, relativas aos anos em análise e referentes a A..., C..., Lda. e E..., com os titulares de cheques depositados nas contas (pessoais) tituladas por A..., permitiu concluir pela existência de situações em que não havia emissão de faturas;
  8. os recebimentos de clientes em dinheiro são significativos, conforme se pode constatar pelos depósitos em numerário essencialmente nas contas bancárias da E... e de C..., Lda., o que inviabiliza a identificação da origem do cliente e o controlo da emissão da fatura e da sua declaração para efeitos fiscais;
  9. as declarações das testemunhas inquiridas são no sentido de que muitos clientes, pagam os serviços adquiridos a A... através de numerário;
  10. as declarações das testemunhas inquiridas apontam, ainda, no sentido de que não lhes foram emitidas faturas ou recibos, por qualquer entidade, na aquisição daqueles serviços, com maior incidência quando o pagamento do preço foi efetuado através de numerário, mas também se verificaram ocorrências similares em casos de pagamento através de cheques.

III.9. Entradas nas Contas Bancárias de A... Referentes a Serviços Prestados

Tendo em conta os factos descritos, concluiu-se que os valores recebidos por A..., da sua atividade de médico cirurgião, depois de, no caso das cirurgias, ter distribuído os valores dos honorários aos diversos intervenientes, são canalizados para as suas contas bancárias pessoais. Importa apurar os montantes em causa.

Para isso, os créditos/entradas nas contas bancárias que reportam à atividade desenvolvida correspondem aos valores da linha da nota 5) do Quadro 10 [do ponto III.5]. Donde, não estão considerados quaisquer valores referentes a salários, pensões, resgates de aplicações, empréstimos bancários e outros.

Acresce que são igualmente deduzidas das entradas, em 2012, os valores de € 10.000,00 e € 35.000,00, referentes à venda de dois carros e, em 2015, o valor referente à transferência a crédito de € 165.000,00, por não haver evidência que se reporta a recebimentos da atividade de cirurgião [conforme descrito no ponto III.5.].

Para determinação dos valores que se reportaram à atividade desenvolvida por A..., são ainda de deduzir as transferências entre contas das entidades envolvidas (C..., Lda. e E...). Este procedimento justifica-se por, dado o modus operandi da parte financeira do negócio, estas saídas das contas bancárias pessoais poderão corresponder à "devolução" de recebimentos de serviços prestados por estas sociedades que indevidamente depositados nas contas pessoais [ponto III.5.].

Donde, os valores dos rendimentos brutos da atividade independente referentes aos serviços médicos prestados por A... ascendem, por cada ano em análise, aos seguintes montantes:

Quadro 15 –

Entradas nas contas Referentes à Atividade

Notas

2012

2013

2014

2015

Créditos refer. A depósitos – todas as contas

1)

193.493,14

324.248,00

380.405,34

600.420,50

Depósitos da venda de viaturas

2)

45.000,00

0,00

0,00

0,00

Transferência da O... BV

3)

 

 

 

165.000,00

Transferências a favor

de C..., Lda

4)

0,00

20.000,00

25.000,00

247.000,00

Cheques a favor da E...

5)

 

2.050,00

1.813,00

 

Rendimentos relativos à atividade

6)=1-…5

148.493,14

302.198,00

353.592,34

188.420,50

 1) corresponde à linha referente à nota 5) do quadro 10

 Rendimentos relativos à atividade = 1) – 2) – 3) – 4) – 5)

III.10. Omissão de Declaração de Prestações de Serviços

Por diferença entre os valores dos recebimentos referentes à atividade desenvolvida por A..., conforme apurados no Quadro 15 e as prestações de serviços objeto de emissão de fatura-recibo e declaradas no Anexo B - Rendimentos Empresariais e Profissionais - da Declaração de Rendimentos Modelo 3 do IRS, determinamos os valores da omissão de prestação de serviços, por cada ano:

Quadro 16 –

Rúbricas

Notas

2012

2013

2014

2015

Prestações de Serviços Apuradas

1)

148.493,14

302.198,00

353.592,34

188.420,50

Prestações de Serviços Declaradas

2)

79.850,00

92.552,00

93.190,00

62.420,00

Omissão de Prestação de Serviços

3) =1)-2)

68.643,14

209.646,00

260.402,34

126.000,50

 

III.11. Rendimento Tributável

III.11.1. Rendimento Líquido – Categoria B

O sujeito passivo está enquadrado no regime simplificado de tributação previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 28º do CIRS, redação após republicação do código pela Lei n.º 82-E/2014, de 31/12 (anterior art.º 31º ).

Atendendo a que, em 2011, o montante ilíquido dos rendimentos declarados, e em 2012, os rendimentos empresariais e profissionais - categoria B - apurados (rendimentos ilíquidos), são inferiores ao limite previsto no n.º 2 do art.º 28.º do CIRS, na redação anterior à republicação do código e à data dos factos, a determinação do rendimento tributável, de 2012 e de 2013, é determinada de acordo com as regras deste regime.

Assim, o rendimento líquido da categoria B é determinado pela aplicação do coeficiente de 0,70 e 0,75 às prestações de serviços efetuadas, respetivamente nos anos de 2012 e 2013, conforme estipulado no n.º 2 do art.º 31.º do CIRS, redação à data dos factos, conforme se seguinte:

Quadro 17 –

Rendimento Líquido – Categoria B

Notas

2012

2013

Rendimento Ilíquido

(1)

148.493,14

302.198,00

* Aplicação do Coeficiente

(2)

0,70

0,75

Rendimento Líquido

(1)x(2)

103.945,20

226.648,50

 

Porém, de acordo com o estabelecido na segunda parte do no n.º 6 do art.º 28.º do CIRS, na redação à data dos factos, a aplicação do regime simplificado cessa quando o montante a que se refere no n.º 2 do mesmo artigo (€ 150.000,00, à data dos factos) seja ultrapassada, num único exercício, em montante superior a 25%, caso em que a tributação pelo regime da contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação deste facto.

Atendendo a que, em 2013, foram apurados rendimentos empresariais e profissionais - categoria B - no  valor de € 302.198,00 (superior em mais de 25% do limite à data dos factos), nos anos de 2014 e 2015, o sujeito passivo deixou de beneficiar deste regime, passando para o regime da contabilidade organizada.

A determinação do rendimento tributável de acordo com a contabilidade organizada segue as regras  estabelecidas no CIRC, conforme remissão do art.º 32.º do CIRS, sendo para o efeito necessário conhecerem-se os rendimentos e os gastos efetivamente suportados.

Quanto aos rendimentos, os mesmos estão determinados na linha correspondente à nota 1) do Quadro 16 do ponto III.10.

Relativamente aos gastos, atentos:

  1. a que o sujeito passivo não tem contabilidade;
  2. a que não há evidência de aquisições de bens ou serviços diretamente relacionados com a atividade; e
  3. face à forma como se desenvolveu o negócio cujos gastos relacionados com a atividade de A... eram imputados a outras entidades relacionadas, designadamente à C..., Lda,

concluiu-se que, nos anos de 2014 e 2015, A... para a realização dos rendimentos obtidos não suportava gastos.

Donde, o rendimento líquido da categoria B, referente aos anos de 2014 e 2015, é o seguinte:

- 2014: € 353.592,34;

- 2015: € 188.420,50.

As correções ao rendimento líquido da categoria B de 2012, 2013, 2014 e 2015, correspondem à diferença entre os valores apurados e os valores que resultam dos que haviam sido declarados. Essas correções con[s]tam do Quadro 18.

Quadro 18 –

Correção ao Rend. Líquido – Categoria B

Notas

2012

2013

2014

2015

Rendimento Líquido Apurado

1)

103.945,20

226.648,50

353.592,34

188.420,50

Rendimento Líquido Declarado

2)

55.895,00

69.414,00

69.892,50

46.815,00

Correção

3) =1)-2)

48.050,20

157.234,50

283.699,84

141.605,50

 

III.11.2. Apuramento do Rendimento Coletável

Atentos aos rendimentos declarados pelos sujeitos passivos, nas outras categorias de rendimentos, e não tendo sido detetados quaisquer outros rendimentos pagos aos mesmos, o rendimento coletável é apurado, para 2012, 2013, 2014 e 2015, por métodos diretos, no quadro seguinte:

Quadro 19 –

Ano

Categoria/Rend.

Sujeito Passivo

Valores Declarados

Correções

Valores

Corrigidos

Rend. Brutos

Ded. Específica

Rend. Líquidos

Ano - 2012

Categoria A Categoria A

Categoria B

 

36.759,06

6.790,00

8.612,86

34.936,20

55.895,00

48.050,20

34.936,20

103.945,20

Rendimento Coletável - 2012

90.831,20

48.050,20

138.881,40

Ano - 2013

Categoria A

Categoria A Categoria B

 

42.885,62

6.790,00

9.564,22

40.111,40

69.414,00

157.234,50

40.111,40

226.648,50

Rendimento Coletável - 2013

109.525,40

157.234,50

266.759,90

Ano - 2014

Categoria A

Categoria A

Categoria H

Categoria B

 

7.687,21

6.878,54

30.353,08

11.550,46

33.368,37

69.892,50

283.699,84

33.368,37

353.592,34

Rendimento Coletável - 2014

103.260,87

283.699,84

386.960,71

Ano - 2015

Categoria H

Categoria A

Categoria B

 

41.073,27

7.159,67

8.208,00

40.024, 94

46.815,00

141.605,50

40.024,94

188.420,50

Rendimento Coletável - 2015

86.839,94

141.605,50

228.445,44

 

IV. MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICARAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS

Não aplicável.

[…]

VII. DIREITO DE AUDIÇÃO FUNDAMENTAÇÃO

[…]

Na audição, o sujeito passivo não apresenta elementos novos que justifiquem a realização de diligências adicionais, conforme previsto no n.º 7 do art.º 60.º da LGT.

De forma sucinta, a audição do sujeito passivo tem como principal objetivo solicitar prorrogação do prazo para exercer o direito de audição, invocando que "precisa de, pelo menos, mais 60 dias de prazo" para apresentação de documentação complementar.

Em resposta a esta petição, o sujeito passivo, uma vez mais na pessoa do seu mandatário, em 11/09/2019, foi notificado do indeferimento do pedido de ampliação do prazo para o exercício do direito de audição, uma vez que já havia sido concedido o prazo máximo de 25 dias, previsto no n.º 6 do art.º 60º da LGT e n.º 2 do art.º 60º do RCPITA. O sujeito passivo foi, também, informado que, uma vez que a notificação referente ao ofício n.º 2019..., de 20/08/2019, tinha sido recebida em 22/08/2019, de acordo com o site dos CTT, caso pretendesse apresentar elementos complementares, o podia fazer até 16/09/2019, dado ser esta a data de término do prazo.

O sujeito passivo veio a apresentar nova petição que deu entrada nestes serviços em 18/09/2019 (n.º 2019...), com data de correio de 16/09/2019.

Os fundamentos invocados estão vertidos na petição e podem dividir-se em três partes. Tais fundamentos são os que se descrevem de seguida, por partes, os quais foram por nós apreciados, e que agora são comentados e contra-argumentados.

NULIDADE DO PROCEDIMENTO DE INSPEÇÃO - pontos 1 a 20 da petição - o sujeito passivo afirma que «no relatório a que se responde, é referido, logo "ab initio", que o presente procedimento inspetivo tem origem em denuncia anónima» e de seguida argumenta que uma denúncia anónima não poderia dar origem ao procedimento inspetivo, apoiando-se para o efeito nos n.ºs 1 e 3 do art.º 70º da LGT e no art.º 27º do RCPITA e concluindo que "o SP foi inspecionado em situação de preterição absoluta do procedimento  legalmente exigido".

Apreciando-se, desde já esta parte da petição, importa referir que, conforme está devidamente mencionado no ponto II.2. do relatório de inspeção tributária (RIT), designadamente no item "Motivo do procedimento de inspeção", o que deu origem à ação inspetiva foi o Processo de Inquérito n.º .../14...T9PRT. Todavia, no RIT foi acrescentado que o referido processo de inquérito havia sido instaurado na sequência de denúncia anónima. Assim, admite-se que a informação adicional do motivo da instauração do processo de inquérito, terá induzido à ilação errada do sujeito passivo quanto à origem do procedimento de inspeção.

Donde, quanto à seleção do contribuinte para inspeção não existe qualquer ilegalidade, designadamente a invocada pelo sujeito passivo (art.º 70º da LGT e art.º 27º do RCPITA).

VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DO PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL – pontos 21 a 37 da petição - o sujeito passivo alega que a AT desprezou o princípio da verdade material, designadamente quanto ao ponto III.7. - Audição de Clientes - e ao ponto III.8. - Resumo dos Factos - do RIT.

Quanto ao ponto III.7., o sujeito passivo argumenta que a AT inquiriu testemunhas que afirmaram não terem sido emitidas faturas pelos serviços prestados pelo sujeito passivo e que este último não foi confrontado para prestar esclarecimentos. Argumenta, ainda, que a AT ignorou que muitos dos clientes "desejam que as intervenções sejam anónimas e que podem ser emitidas faturas ao consumidor final, que nunca são entregues aos clientes".

Antes de mais será de salientar que o cliente até pode não querer a fatura, mas o sujeito passivo tem de cumprir a lei quanto à obrigação de emissão e quanto aos requisitos de preenchimento das mesmas, conforme previsto nos códigos do IVA, do IRS e IRC e Portaria n.º 321-A/2007, na redação à data dos factos.

Face à alegada emissão de faturas não em nome do cliente, mas "ao consumidor final", será de referir que o sujeito passivo, nos anos em análise, emitiu todas as faturas através do portal das finanças e não foram identificadas quaisquer faturas sem identificação do cliente. Quanto às demais entidades – C..., Lda. e/ou E...- que, de acordo ao modo de operar, poderiam ter emitido a fatura ao cliente, constatamos que as faturas emitidas identificam os clientes, embora algumas de forma incompleta, sendo os casos de emissão a consumidor final e sem qualquer identificação do cliente são muito escassas (1 , no primeiro caso,  e 9, no segundo) [7 Na E... só consideradas faturas de valor superior a € 80,00.]. Acresce que, as datas de emissão das faturas sem qualquer identificação do cliente não são consistentes com as datas das intervenções cirúrgicas dos clientes inquiridos [8 Inclui casos que afirmaram não ter sido emitida fatura e os casos que não sabiam, mas que não foram identificadas faturas em seu nome ou em nome eventualmente indicado], conforme se pode constatar da informação constante do quadro seguinte:

Informação Recolhida nas Inquirições

 

Faturas Emitidas Sem Indicação do Nome do Cliente

 

Data Cirurgia

Valor Pago

Empresa

Número Doc.

Data de Prestação

ância Recebida

em

NIF

Nome

19-11-2012

30-11-2012

21-12-2012

27-02-2013

24-04-2013

30-04-2013

17-06-2013

18-06-2013

03-06-2013 e 12-07-201

16-07-2013

29-07-2013

16-09-2013

18-09-2013

04-10-2013

22-09-2014

18-09-2015

21-09-2015

 

25-09-2015

12-10-2015

não sabe

entre 3000 e 3500

3500

mais de 1000

3500

500 3000

4000

4000

1800

1500 ou 2000

3500

3225 e 1000

3500

5000 entre 2500 e 2800

4200

 

3200

3000

C…, Lda

E…

E…

E…

E…

E…

E…

E…

E...

4152

10278

10279

10452

13958

13959

13960

13961

13962

14107

06-03-2012

16-07-2012

16-07-2012

28-12-2012

15-04-2015

15-04-2015

15-04-2015

15-04-2015

15-04-2015

04-09-2015

1.000,00

1.000,00

5.000,00

1.250,01

1.000,00

460,00

1.000,00

500,00

1.000,00

250,00

999999990

999999990

999999990

999999990

999999990

999999990

Consumidor Final

Consumidor Final

Consumidor Final

Consumidor Final

Consumidor Final

Consumidor Final

Consumidor Final

Consumidor Final

Consumidor Final

 

 

 

 

De facto, não foram pedidos esclarecimentos ao sujeito passivo sobre esta situação. Porém, essa diligência não é necessária já que a contabilidade e os documentos que a suportam, neste caso as faturas emitidas aos clientes, são a fonte de informação para corroborar ou não as declarações dos clientes inquiridos. Assim, conforme descrito no capítulo III. por confrontação com os elementos da contabilidade concluiu-se que não foram emitidas as respetivas faturas.

Relativamente ao ponto III.8. - Resumo dos factos - o sujeito passivo alega que também nada lhe foi perguntado relativamente a esse "resumo de factos" e que "tratam-se de conclusões arbitrárias, adivinhações, da AT, que, por não ser do seu interesse, não foram submetidas a qualquer tipo de contraditório."

Saliente-se que o ponto III.8. do RIT, como o próprio título indica, não é mais do que um resumo dos factos relatados nos pontos III.1. a III.7. e aí não se retiram quaisquer conclusões. O sujeito passivo na petição não concretiza qual ou quais os factos para que, no seu entender, a AT deveria pedir-lhe esclarecimentos. Acresce que também agora no direito de audição não apresenta quaisquer esclarecimentos, os quais a serem efetuados deveriam ser devidamente comprovados.

Quanto à alegada falta de submissão ao contraditório, será de perguntar porque será que foi o sujeito passivo notificado para o exercício do direito de audição ou audição prévia (Ofício n.º 2019S..., de 20/08/2019), senão para respeitar o Princípio do Contraditório? De facto, o princípio do contraditório constitui direito constitucionalmente garantido, conforme previsto no n.º 5 do artº 267º da CRP, e no direito fiscal encontra-se plasmado designadamente no artº 60º da LGT e no artº 8º do RCPITA. Porém, nem assim o sujeito passivo apresenta esclarecimentos, nem quaisquer documentos, que contradigam designadamente os factos apurados e resumidos no ponto III.8. do RIT.

Assim, face ao exposto conclui-se pela manutenção das correções propostas e fundamentadas no Capítulo III. do Projeto de Relatório e vertidas no presente Relatório.

EXCESSO DE QUANTIFICAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL – pontos 38 a 54 da petição – o sujeito passivo reporta-se às correções propostas por aplicação de métodos indiretos, em virtude de se terem verificado situações enquadráveis na alínea f) do art.º 87.º da Lei Geral Tributária (LGT), conforme consta dos Capítulo IV. e V. do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária (PRIT).

Todavia, quanto a esta matéria, o sujeito passivo traz agora esclarecimentos adicionais e documentos novos, que jamais antes haviam sido apresentados, apesar de ter sido notificado para o efeito.

Conforme exposto no PRIT haviam sido detetadas as seguintes situações:

  1. Entradas em contas sediadas no S... no Luxemburgo, em 08/03/2013, no montante total de € 893.191,00 […]
  2. Transferência a crédito (entrada) na conta de depósitos à ordem nº […], no banco D..., em 23/12/2015, no valor de €165.000,00, por ordem da sociedade O... BV.

As diligências e as análises então efetuadas levaram-nos a concluir que aquelas verbas não advinham da atividade normal do sujeito passivo e que correspondiam a acréscimos patrimoniais não justificados e como tal seriam tributados em IRS como rendimento da categoria G, nos termos da alínea f) do art.º 87º da LGT e da alínea d) do n.º 1 do artº 9º do CIRS.

A conclusão do enquadramento fiscal aduzida no PRIT resultou da insuficiência de documentos e elementos comprovativos das justificações apresentadas pelo sujeito passivo, uma vez que lhe cabia o ónus da prova, conforme previsto no n.º 3 do art.º 89º-A da LGT.

Apreciação dos Elementos Novos Trazidos ao Processo e Conclusões:

[…]

Assim, considerou-se que as situações dos acréscimos patrimoniais, verificadas em 2013 e em 2015 [entradas nas contas sediadas no S... no Luxemburgo e transferência a crédito (entrada) na conta de depósitos à ordem nº PT[…], no banco D..., em 23/12/2015, no valor de € 165.000,00], foram devidamente justificadas e consequentemente ser de atender a pretensão do sujeito passivo da sua não tributação.

Face ao exposto, procedeu-se à retirada, em conformidade, das correções propostas e fundamentadas nos Capítulo IV. e V. do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, tendo em consequência também sofrido alteração o Capítulo I. e o ponto III.11.2. do Capítulo III., sendo de manter as restantes correções propostas pelos motivos supra expostos.

IX. OUTROS ELEMENTOS RELEVANTES

  1. Boletim de Alterações Oficioso

Conforme descrito no ponto III.11.1. deste relatório, o sujeito passivo estava enquadrado no regime simplificado de tributação. Porém, atendendo a que, em 2013, foram apurados rendimentos empresariais e profissionais - categoria B - no valor de € 302.198,00, nos anos de 2014 e 2015, o sujeito passivo deixou de beneficiar deste regime, nos termos do n.º 2 do art.º 28.º CIRS, passando para o regime da contabilidade organizada.

Assim, foi promovido o seu enquadramento no regime da contabilidade organizada, reportado à data de 01/01/2014, através da elaboração do Boletim de Alterações Oficioso (BAO).

[…]”

  1. Subsequentemente, os Requerentes foram notificados das liquidações de IRS infra identificadas, datadas de 5 e 8 de novembro de 2019, que incluem a liquidação de juros compensatórios – cf. demonstrações de liquidação de IRS juntas pelos Requerentes e PA (fls. 348):

Ano

N.º Liquidação

N.º Compensação

VALOR IRS /

 juros compensatórios

Data Limite Pagamento

2012

2019...

2019 ...

€ 24.596,57

02-01-2020

2013

2019...

2019...

€ 99.685,13

31-12-2019

2014

2019...

2019...

€ 175.997,46

30-12-2019

2015

2019...

2019...

€ 82.180,46

18-12-2019

TOTAL

 

€ 382.459,62

 

 

  1. Por discordarem das liquidações de IRS acima identificadas, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa em 18 de maio de 2020 – cf. PA (fls. 1 a 38).
  2. A Reclamação Graciosa foi indeferida, por despacho de 10 de maio de 2021, do Chefe de Divisão da Direção de Finanças do Porto, ao abrigo de subdelegação de competências, após notificação da proposta de indeferimento aos Requerentes, tendo estes optado por não exercer o direito de audição – cf. PA (fls. 347 a 365).
  3. O despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa teve por base a Informação elaborada pela Direção de Finanças do Porto, de que se transcrevem os seguintes excertos, com relevância para a matéria dos autos – cf. PA (fls. 347 a 365):

2. Violação do princípio do contraditório e da verdade material […]

 A reclamante alega neste ponto que a AT desrespeitou o princípio da verdade material, fundamentando a sua posição nos factos descritos nos Capítulos III.7 – Audição de clientes e III.8 – Resumo dos factos do relatório de inspeção.

Em resumo, alega a reclamante que os serviços de inspeção deveriam, após as conclusões obtidas das audições efetuadas aos clientes, ter confrontado a reclamante com os factos, de forma a que esta pudesse justificar as irregularidades apuradas, assim como, também deveriam ter questionado a reclamante quanto aos titulares de cheques depositados que alegadamente não têm faturas emitidas em seu nome. Já em sede do Capítulo III.8 –Resumo dos factos, alega que o referido nas als. a) a j) não passam de conclusões arbitrárias da AT que não foram submetidas a qualquer contraditório.

Antes de mais, refira-se que o alegado princípio da verdade material preceitua que «a Administração Tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material (…).».

Do que resulta do relatório de inspeção, conclui-se que foram levadas a cabo todas as diligências que se impunham para a análise dos factos, nomeadamente, a análise aos registos da atividade e outros elementos relevantes, a análise dos extratos bancários, bem como esclarecimentos prestados pelo próprio reclamante quanto ao modus operandi da atividade, senão veja-se os seguintes excertos do relatório de inspeção […]

No procedimento tributário importa refletir que, não só a Administração se encontra dotada de faculdades legalmente previstas para a investigação dos factos tributários, como também os cidadãos estão sujeitos a diversas obrigações legais de colaboração com aquela.

Em função da natureza da matéria em análise, ou em função do interesse público a satisfazer, a importância e aplicação do referido princípio poderá ter diferentes contornos procedimentais, e é nesse âmbito que a Administração dispõe do poder de realizar as diligências que entenda por necessárias ao apuramento da verdade, isto é, até chegar a uma conclusão de assunção racional e justificada sobre a respetiva veracidade ou falsidade dos factos investigados, cabendo ao sujeito passivo colaborar nesse apuramento.

Sem prescindir, acrescente-se que, conforme determina o n.º 3 do art. 17.º do CIRC, «De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1 (lucro tributável), a contabilidade deve:

a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo sector de atividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;

b) Refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.».

Nestes termos, a contabilidade e os documentos e registos que a suportam são a base da informação, e qualquer diligência externa levada a cabo no âmbito do procedimento de inspeção tem como propósito validar a informação que dela consta, desencadeando correções ou não mediante as conclusões apuradas.

Ainda que nos encontremos perante um sujeito passivo de IRS, que aufere rendimentos de categoria B e que, à data, não dispunha de contabilidade organizada, pelo que ao mesmo não se aplicarão as regras do CIRC, não nos podemos alhear do facto da análise efetuada ter incluído a faturação das três entidades envolvidas (A..., E... e C..., LDA.), tendo em conta a promiscuidade existente entre estas entidades na gestão da parte financeira do negócio. Por outro lado, acrescente-se que o art. 116.º do CIRS também estabelece obrigações de registo de operações, no sentido de que através desses registos seja possível aferir da credibilidade e veracidade dos rendimentos declarados, pelo que aqueles devem sempre ser um ponto da partida para uma qualquer análise.

Neste sentido, os serviços de inspeção efetuaram, no decorrer da ação, todas as diligências que se entendem por necessárias e suficientes para aferir da veracidade dos elementos da contabilidade, bem como para documentar e fundamentar as correções levadas a cabo, cumprindo com o invocado princípio da verdade material, não lhe cabendo efetuar diligências adicionais.

Já no que respeita ao princípio do contraditório regulado nos art. 60.º da LGT, 45.º do CPPT e art. 8.º do RCPITA, conclui-se que o mesmo se mostra cumprido com a notificação do sujeito passivo para o exercício do direito de audição no âmbito do procedimento de inspeção.

No entanto, o que se verificou foi que no exercício do direito de audição o sujeito passivo também não apresentou documentos ou esclarecimentos que contrariarem os factos descritos no Capítulo III.8 do relatório de inspeção e que conduziram às correções ora reclamadas.

Sem prescindir, acrescente-se que nos fundamentos ora apresentados pelo reclamante, este reitera a posição já anteriormente defendida em sede de direito de audição no âmbito da ação de inspeção, cuja a apreciação consta do Capítulo VIII — Direito de audição Fundamentação, e com a qual concordamos na íntegra, pelo que para este remetemos também a nossa fundamentação.

3. Violação de lei e excesso de quantificação da matéria tributável […]

Começa o reclamante este ponto fazendo uma breve descrição do exercício da atividade e seus procedimentos habituais em termos de faturação e meios financeiros (pt. 38 a 61), passando depois para uma análise mais específica das correções, apontando erros na sua fundamentação, factos que analisaremos de seguida:

3.1 Venda de viatura ... - Entrada de € 7.500,00 (Pt. 62)

Alega o reclamante que no quadro 7 do relatório de inspeção, foi considerada em 2014, uma entrada de € 7.500,00 que se refere à venda de uma viatura..., tendo o seu valor sido devolvido e novamente depositado, pelo que não poderá ser considerado como rendimento, devendo ser excluído das correções.

No entanto, não identifica em que conta se verificou a referida entrada, nem apresentou qualquer extrato bancário, nem documentos que justifiquem o alegado, pelo que não será de atender ao pedido.

3.2 Mapa comparativo de entregas (Pt. 63 a 72)

O reclamante elabora um mapa comparativo entre o valor do total de depósitos constante do Quadro 7 do relatório de inspeção e o que alega resultar dos respetivos extratos bancários, no sentido de justificar diferenças apuradas, nomeadamente, no ano de 2014, no que se refere à supra referida viatura Smart, mas também com o propósito de justificar que nas entradas em causa, nos anos de 2013 a 2015, se incluem as importâncias de € 20.000,00, € 25.000,00 e € 246.500,00, tituladas por cheques e transferências bancárias a favor da sociedade C..., LDA.

Nas suas alegações entende ficar demonstrado que os valores recebidos e depositados na conta individual do reclamante não são rendimento tributável para efeitos de IRS, pois que, pelo menos em parte são propriedade da empresa C..., LDA.

Acontece que da leitura do relatório de inspeção, se conclui que essa foi uma premissa levada em consideração pelos serviços de inspeção, senão, veja-se o que resulta do Capítulo III.9. - Entradas nas Contas Bancárias de A... s Referentes a Serviços Prestados, onde se afirma que «Para determinação dos valores que se reportaram à atividade desenvolvida por A..., são ainda de deduzir as transferências entre contas das entidades envolvidas (C..., Lda. e E...). Este procedimento justifica-se por, dado o modus operandi da parte financeira do negócio, estas saídas das contas bancárias pessoais poderão corresponder à "devolução" de recebimentos de serviços prestados por estas sociedades que indevidamente depositados nas contas pessoais [ponto III.5.]».

Sendo que o valor dos rendimentos relativos à atividade apurados no Quadro 15 do relatório de inspeção, dos quais resultaram as correções reclamadas, não se encontram influenciados pelas importâncias alegadas de € 20.000,00, € 25.000,00 e € 246.500,00, tituladas por cheques e transferências bancárias a favor da sociedade C..., LDA., nos anos de 2013 a 2015, o alegado pelo reclamante não tem qualquer pertinência nem fundamento perante as correções reclamadas.

3.3 Mapa comparativo de entregas — outras importâncias (Pt. 73 a 75)

Adicionalmente, alega ainda o reclamante que, para além das transferências acima identificadas, resulta do extrato bancário, em Anexo 1, que existem outras em que a identificação da saída das contas pessoais do reclamante para a C..., LDA. são evidentes e mostram-se descritas no Anexo 2 – Mapa de entrada de valores.

Analisado o alegado, verifica-se que ao contrário do que refere a petição inicial, o Anexo 1 refere-se ao Mapa comparativo de entregas efetuadas na sociedade C..., LDA. e não a qualquer extrato bancário do reclamante.

Nestes termos, conclui-se que o reclamante não demonstra o alegado, limitando-se a anexar (Anexo 2) um Mapa de entrada de valores C..., LDA., que se trata de um mero documento interno, sem qualquer apoio em elementos bancários, quer do reclamante, quer da C..., LDA., motivo pelo qual o alegado não se encontra fundamentado.

Apresenta ainda, em Anexo 3 – Mapa de cheques levantados da conta pessoal para a C..., LDA., uma análise a alegadas emissões de cheques de compensação e levantamento no próprio balcão que foram posteriormente depositados na C..., LDA.

Do mapa em causa não se mostra possível extrair o alegado por falta de elementos que o justifiquem, nomeadamente, elementos bancários que permitam concluir que os cheques foram efetivamente levantados por A..., assim como também não estão identificadas as faturas a que se referem os correspondentes depósitos na esfera da C..., LDA., nem tão pouco o efetivo depósito dos valores em causa na esfera da C..., LDA.

3.4 Gastos com a intervenção de outros médicos e técnicos (Pt. 76 a 79)

Alega o reclamante que nos valores das entradas de valores nas suas contas pessoais não foram desconsideradas importâncias relativas a pagamentos a outros técnicos que intervinham nas cirurgias, cujos serviços eram por estes faturados diretamente aos clientes, mas cujo pagamento era efetuado muitas vezes, na sua totalidade, ao reclamante, tendo este que reafectar esses fundos a essas pessoas ou sociedades […].

Assim, parte dos levantamentos da sua conta pessoal eram utilizados para efetuar os pagamentos devidos a estes técnicos.

No entanto, não apresenta quaisquer evidências dos factos alegados, nem quanto aos montantes desses pagamentos, datas dos pagamentos, beneficiários, pelo que o alegado não passa de meras afirmações sem qualquer suporte documental.

3.5 Diferenças evidenciadas a título de entradas em Depósitos à Ordem (Pt. 80 a 81)

Defende que no Quadro 9 do relatório de inspeção, onde são evidenciados os valores das entradas na conta de depósitos à ordem do reclamante no Banco D... (Conta n.º […]), se verificam algumas incorreções, que espelha no Anexo 4 da petição inicial, nomeadamente, no ano de 2012, a existência de uma diferença de € 18.102,83 entre o valor constante do relatório de inspeção (€ 204.462,02) e o valor do extrato bancário (€ 186.359,19), sendo que parte dessa diferença, no montante de € 9.102,83, respeita ao resgate de uma aplicação financeira "Plano ... 1+2+3", conforme extratos bancários em Anexo 5, pelo que essa importância não deve ser considerada. Da análise aos elementos apresentados confirma-se no extrato n.º 153 (Agosto) a existência em carteira de uma "Aplicação em seguros", no montante de € 9.093,99, sendo certo que no extrato n.º 154 (Setembro) esta aplicação já não consta em carteira. No entanto, não foi apresentada nenhuma prova inequívoca de que a entrada na conta de € 9.102,83, em 11/09/2012, se refere ao alegado resgate da aplicação, pelo que não está efetivamente demonstrado que a entrada daquela importância não respeita à atividade.

Alega ainda que, no ano de 2014, no valor das transferências relacionadas com salários e pensões, onde foi considerado o montante de € 22.796,23, deveria ter sido considerada a importância de € 31 .690,74, cuja diferença resulta de um fundo de pensões que lhe foi atribuído nesse ano pelo facto de ter sido reformado, conforme resulta do Anexo 6.

Da análise ao Extrato n.º 173, em Anexo 6, confirma-se um movimento de entrada no montante de € 8.894,51 , que corresponde à diferença supra indicada, no entanto, o reclamante não apresenta qualquer comprovativo adicional aos elementos analisados em sede de inspeção, cujas conclusões se basearam no referido extrato bancário, que confirme que a referida importância se trata de um pagamento a título de um fundo de pensões, pelo que não está devidamente demonstrado que a entrada daquela importância não respeita à atividade.

No que se refere aos anos de 2013 e 2014, conclui até que o valor das entradas apurado pelo reclamante e constante do Anexo 4 à p.i. são superiores aos valores considerados em sede de ação de inspeção.

3.6 Cruzamento da informação entre os depósitos de valores e as faturas emitidas das 3 intervenientes (Pt. 82 a 100)

Defende a reclamante que da leitura do relatório de inspeção, nomeadamente, do que consta do Capítulo III.6, facilmente se conclui que se os valores recebidos e faturados pela E..., C..., LDA. e o reclamante individualmente, eram depositados nas suas contas bancárias sem um critério racional quanto à sua origem, facilmente se percebe que as entradas que foram creditadas na conta pessoal do reclamante, ainda que expurgadas das identificadas em sede de relatório, jamais podiam ter sido consideradas com[o] rendimento de categoria B na sua totalidade, por não lhe pertencerem na totalidade.

A título de exemplo dos argumentos defendidos, vem alegar que o único caso que resulta da audição efetuada a 24 clientes, cujo cliente se mostra identificado foi o de Q... e que, relativamente a esta paciente foram emitidas as seguintes faturas:

•   Pela C..., LDA.:

o N.º 4843 (na p.i. indica n.º 843), de 17/11/2014, no valor de € 1.125,00;

o N.º 4993, de 04/05/2015, no valor de € 950,00;

o N.º 17, de 01/10/2015, no valor de € 1.000,00;

o N.º 19, de 05/10/2015, no valor de € 800,00;

• Pela E...:

o N.º 13981, de 30/04/2015, no valor de € 1.500,00;

o N.º 14128, de 29/09/2015, no valor de € 1.000,00.

Do que consta do relatório, neste caso em concreto, o que se verificou foi que em todas as faturas processadas pelas diversas entidades envolvidas e através da consulta à aplicação do E-fatura, apenas haviam sido emitidas as seguintes faturas, no valor total de € 4.950,00:

•   Pelo reclamante - 14/05/2015 - € 1.500,00;

•   Pela C..., LDA. - 04/05/2015 - € 950,00, e

•   Pela E...- 29/04/2015 - € 1.500,00 e 29/09/2015 - € 1.000,00.

Porém, foram depositados cheques da cliente em causa (mas cujo titular da conta bancária é R...) na conta de A..., nos valores de:

•   € 4.500,00, em 30/10/2014;

•   € 5.000,00, em 27/04/2015; e

•   € 3.500,00, em 28/09/2015.

Da conjugação do alegado com a informação do relatório, confirma-se a associação das faturas n.º 4843, n.º 17 e n.º 19, à cliente identificada, as quais não foram elencadas em sede de relatório de inspeção. De todo o modo, o que se concluiu para efeitos de relatório de inspeção foi que embora houvessem faturas emitidas àquela cliente, o valor total das mesmas era significativamente inferior ao montante total pago, conclusão que ora se mantém, uma vez que temos faturas emitidas pelos 3 intervenientes, no valor total de € 6.375,00, e pagamentos no valor de € 13.000,00, diferença esta que continua a não se mostrar demonstrada, pelo que se mantêm os indícios da não emissão de faturas pela totalidade das prestações de serviços efetuadas.

3.7 Alegada presunção de rendimentos (Pt. 101 a 170)

Defende aqui o reclamante que o relatório de inspeção recorre a presunções para fazer correções à matéria tributável, sendo certo que o recurso a presunções para esse efeito apenas tem enquadramento quando usadas em sede de avaliação indireta da matéria coletável, nos termos do art. 83.º  n.º 2 da LGT e sempre que verificadas as prerrogativas para o recurso a métodos indiretos, previstas pelo art. 88.º da LGT.

Com o propósito de contrariar os indícios de omissão de faturação apresenta em Anexo 9, três mapas: o 1.º - Faturas emitidas em nome do paciente e por si liquidadas – Mapa de relação direta; o 2.º - Faturas emitidas em nome do paciente e liquidadas por terceiros – familiares – Mapa de relação indireta; e o 3.º - Faturas emitidas em nome do paciente e o pagamento efetuado por um terceiro – Mapa sem relação aparente.

Os mapas em causa, alegadamente, identificam os montantes depositados por cada prestação de serviços, bem como a distribuição da faturação pelos vários prestadores de serviços.

No entanto, não comprovam que a alegada parte das entradas na conta de depósitos à ordem do reclamante foram posteriormente entregues aos vários intervenientes nas cirurgias, o que se verifica é que da informação apresentada não podemos chegar a nenhuma conclusão quanto a esse facto, uma vez que não está identificado como ou quando são efetuados esses pagamentos. Por outro lado, refira-se que o mapa do Anexo 2 do relatório de inspeção é meramente indicativo dos indícios da existência de omissões de prestações de serviços e não serviu diretamente de base a nenhuma correção.

Defende em suma o reclamante que as conclusões da inspeção se basearam apenas em indícios não provados que resultaram na conclusão de que os valores recebidos nas contas bancárias e não justificados, só poderão corresponder a recebimentos de prestações de serviços não faturados, pois só a omissão ao registo pode justificar tais diferenças.

De acordo com o relatório de inspeção verifica-se que, no âmbito da ação de inspeção, e da análise aos movimentos financeiros, foram analisadas as diversas contas bancárias utilizadas pelo reclamante, indistintamente, quer a título pessoal, quer no exercício da atividade, concluindo-se pela discrepância entre o valor das prestações de serviços e o valor das entradas nas contas bancárias, e pela falta de controlo verificada nos procedimentos relativos quer à faturação no âmbito das três entidades envolvidas (reclamante, C..., LDA. e E...), quer ao tratamento dos meios financeiros e respetivas contas correntes de clientes, neste caso inexistentes. Dessa análise, devidamente expressa no Capítulo III do relatório, e após as diversas diligências aí descritas, concluíram os serviços de inspeção que os registos das prestações de serviços revelavam discrepâncias significativas face aos movimentos ocorridos nas contas bancárias, não tendo o reclamante declarado para efeitos de rendimento de categoria B a totalidade das prestações de serviços realizadas.

Define o art. 81º da LGT que a administração tributária só pode proceder à avaliação indireta, nos casos e condições expressamente previstos por lei. Nos casos em que a determinação da matéria coletável é possível com base em elementos objetivos, são estes que devem ser tidos em conta, uma vez que a avaliação indireta se trata de uma prerrogativa da autoridade tributária, à qual só é permitido recorrer nas situações legalmente previstas, e objetivamente definidas pelo art. 87.º da LGT.

Em sede de relatório de inspeção, o que se verifica é que, pese embora, se tenham detetado omissões e irregularidades no registo das prestações de serviços, entre outras, tal não se traduziu numa concreta impossibilidade de apuramento da matéria tributável, nos termos do art. 88.º da LGT, que determine um legítimo recurso à avaliação indireta.

Discordamos também da reclamante quando alega terem-lhe sido retirados meios de defesa, pelo facto de as correções se terem efetuado por via de correções aritméticas, defendendo que se mostra prejudicado o acesso ao pedido de revisão da matéria tributável, procedimento previsto pelo art. 91.º da LGT.

Se a prerrogativa do procedimento de revisão não se aplica por estarmos perante uma avaliação direta, isso não significa que se mostrem prejudicados os restantes meios de defesa legalmente previstos. O que se verifica é que, em nenhuma fase do procedimento, este demonstra capacidade de documentar/justificar os movimentos financeiros em causa, de forma a que seja possível determinar qual a natureza, origem e finalidade dos fluxos financeiros registados nas respetivas contas bancárias.

O mesmo se verifica quanto à alegada não consideração de gastos afetos à atividade, para efeitos de apuramento do rendimento tributável, tendo em conta o enquadramento no regime de contabilidade organizada, nos anos de 2014 e 2015.

Decorre do relatório de inspeção que «não existe uma estrutura de gastos associada à atividade», «não há evidência de aquisições de bens ou serviços diretamente relacionados com a atividade», e que «face à forma como se desenvolveu o negócio cujos gastos relacionados com a atividade de A... eram imputados a outras entidades relacionadas, designadamente à C..., Lda.». Importa também referir que o enquadramento do reclamante no regime simplificado obriga ao cumprimento das obrigações de registo a que se refere o art. 116.º do CIRS, pelo que, a existirem gastos com o exercício da atividade, deveriam estes estar devidamente elencados, nos registos a que se refere a al. a) do n.º 1 do referido art.º 116.º do CIRS, registos que face ao descrito em sede de relatório, não existem.

Acrescente-se que, cabe à reclamante, também em sede de reclamação graciosa, e nos termos da al. e) do art. 69.º do CPPT, comprovar documentalmente o alegado. Continuando sem o fazer, entende-se que não se encontram, por esta via, vedados quaisquer meios de defesa.

Nestes termos, não se deteta aqui nenhum vício de ilegalidade no âmbito do apuramento da matéria tributável, que determine a anulação das liquidações reclamadas.”

  1. Inconformados com a decisão da Reclamação Graciosa que manteve os atos tributários de liquidação de IRS e juros compensatórios referentes aos anos 2012 a 2015, os Requerentes apresentaram no CAAD, em 1 de setembro de 2021, o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.

 

            2.         Factos não Provados

 

Não se provou que a Requerida não deu conhecimento ao Requerente da realização da diligência de inquirição de testemunhas nem do seu resultado, ou não lhe deu a oportunidade de explicar de que forma havia procedido à faturação (artigos 8.º e 9.º do ppa), uma vez que a referida diligência, modo de faturação e conclusões retiradas pelos Serviços de Inspeção Tributária constam do projeto de RIT, notificado ao Requerente que, sobre o mesmo, exerceu o direito de audição.

 

De igual modo, não se provou que o Requerente não tenha participado na formação do RIT (artigos 12.º a 15.º do ppa), pois não só exerceu o direito de audição sobre o respetivo projeto, como algumas das correções propostas foram retiradas, por terem sido consideradas justificadas pelos Serviços de Inspeção Tributária.

 

Também não se provou que:

  • por razões de confidencialidade os clientes do Requerente pretendessem que não existisse qualquer registo informático (artigo 37.º do ppa);
  • tivesse sido devolvido ao Requerente o valor de € 7.500,00 relativo à venda de uma viatura da marca ... (artigo 46.º do ppa), pois o Requerente refere um extrato bancário, que, porém, não junta, nem produziu outro tipo de prova que corrobore essa afirmação;
  • os valores de rendimentos apurados no RIT incluam importâncias de € 20.000,00, € 25.000,00 e € 246.500,00 tituladas por cheques e transferências bancárias a favor de C..., Lda. (artigos 47.º e 48.º do ppa). Pelo contrário, o que se provou foi que, como o RIT refere, foram expurgadas as transferências para as contas da C..., Lda. e da E..., pelo que os rendimentos líquidos dados à tributação em IRS não estão influenciados/não incluem aqueles montantes;
  • uma parte significativa dos valores recebidos pelo Requerente ficassem durante consideráveis períodos na sua posse física, na qualidade de mero depositário (artigos 49.º e 50.º). Resultou, aliás, dos depoimentos das testemunhas que, em geral, o Requerente pagava aos prestadores imediatamente após as cirurgias, à data, em regra em numerário e também com cheques pré-datados dos clientes (de valor não superior a € 150,00, dada a garantia de pagamento dos bancos até esse montante), pelo que não eram retidos pelo Requerente;
  • os valores recebidos pelo Requerente depositados na sua conta individual fossem parcialmente “propriedade” da  C...m, Lda. (artigos 56.º, 59.º, 63.º e 71.º do ppa), e que existissem outras transferências da conta pessoal do Requerente para a C..., Lda. além das identificadas no RIT (artigos 57.º e 58.º do ppa), referindo-se o Requerente a um documento como extrato bancário Anexo 1 da Reclamação Graciosa, quando este anexo não é um extrato bancário, mas uma tabela/quadro elaborado pelo Requerente e, portanto, apenas um documento interno deste (assim como os Anexos 2, 3 e 7 da Reclamação Graciosa). Como acima assinalado e expressamente vertido no RIT, os valores comprovadamente devolvidos pelo Requerente à sociedade C..., Lda. foram expurgados pelos Serviços de Inspeção, não tendo sido produzida prova específica de transferências adicionais;
  • o valor de € 9.102,83 respeita ao resgate de uma aplicação financeira (artigo 64.º do ppa). Com efeito, apesar de o extrato bancário de agosto (Anexo 5 da Reclamação) conter uma aplicação de seguros de € 9.039,00 que, em setembro, já não consta em carteira, este valor é distinto do alegado pelo Requerente e não existe qualquer prova que evidencie que a entrada de € 9.102,83 se reporta a esse resgate e não à atividade;
  • em 2014 devia ter sido considerado como transferência relativa a salários e pensões o valor de € 31.690,74 e não de € 22.796,23 (artigo 65.º do ppa), pois o movimento de entrada de € 8.894,51 na conta do Requerente (correspondente à diferença dos ditos valores) não é sustentado em qualquer evidência documental que mencione tratar-se de um pagamento a título de um fundo de pensões;
  • os Requerentes tenham pago o imposto [IRS] e juros compensatórios liquidados adicionalmente, sem prejuízo de o poderem vir a fazer, posteriormente, se aplicável, em sede de execução da decisão arbitral.

 

Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

            3.         Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais e na análise crítica da prova documental junta aos autos, que está referenciada em relação a cada facto julgado assente.

 

Relativamente aos depoimentos das quatro testemunhas inquiridas, a escriturária do Requerente (T...), o cirurgião adjunto (H...), o anestesista (U...) e a enfermeira instrumentista (J...), as três últimas colaboravam na realização de cirurgias com o Requerente, tendo descrito o procedimento de cobrança dos valores pelos serviços prestados, que faturavam em nome dos clientes e não do Requerente, apesar de ser este que lhes canalizava o pagamento imediatamente após o recebimento dos clientes, em numerário ou cheques pré-datados destes. No entanto, não manifestaram conhecimento dos procedimentos do Requerente em relação ao depósito dos valores nas suas contas bancárias, à escrituração da sua atividade e respetivas declarações fiscais. Os depoimentos foram coincidentes no relato dos procedimentos de faturação e recebimentos descritos no RIT.

 

No tocante à escriturária do Requerente (primeira testemunha) era quem, no horário do expediente, recebia os ditos valores dos clientes, na sua maioria em numerário, entregando-os, depois, ao Requerente. Referiu que, dos valores faturados, a maior parcela cabia ao Requerente (três ou quatro vezes mais do que os outros prestadores). Apesar de descrever as rotinas diárias de atendimento e recebimento dos clientes, percebe-se que a sua intervenção é limitada, afirmando que entregava os valores recebidos ao Requerente.

 

Dados os procedimentos descritos, é manifesto que as quantias depositadas nas contas do Requerente não se destinavam a pagar a estes prestadores e já estavam líquidas (deduzidas) desses pagamentos, imediatamente efetuados pelo Requerente após as cirurgias. A única situação distinta respeita à sociedade controlada pelo Requerente, C..., Lda., que também faturava cirurgias quando um determinado limiar de faturação do Requerente era atingido, como atestado pela escriturária do Requerente (sendo, até 2014, o limite para enquadramento no regime de contabilidade organizada € 150.000,00 e, depois, € 200.000,00). A prova da quantificação concreta dos valores eventualmente depositados nas contas à ordem do Requerente e que podiam pertencer a esta sociedade [C..., Lda.], além dos que foram expurgados pelos Serviços de Inspeção Tributária, não foi, todavia, feita pelas testemunhas que não manifestaram conhecimento sobre os detalhes das quantias constantes das contas bancárias do Requerente.

 

Em relação a eventuais ganhos com a venda de obras de arte, de igual forma não se identificou qualquer quantia que lhe respeitasse, contrariamente ao que se passou com as viaturas de coleção, em relação às quais o Requerente, ainda em sede de procedimento inspetivo, logrou demonstrar documentalmente a respetiva venda e os ingressos financeiros correspondentes.

 

Por fim, acerca da documentação junta pelo Requerente a convite do Tribunal Arbitral após a diligência de inquirição de testemunhas, a mesma não logra a reconciliação dos depósitos bancários ou em cheque efetuados nas contas do Requerente com as faturas e recibos emitidos pelos prestadores e pelo próprio Requerente. Este junta aos autos conjuntos de recibos dos prestadores e quadros por si elaborados [pelo Requerente] sem, todavia, fazer o cruzamento/reconciliação dos extratos bancários dos anos 2012 a 2015 do Requerente, pelo que não logra demonstrar o alegado.

 

Por fim, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

 

           

            IV.      Do Mérito

 

            1.         Sobre a Violação do Princípio do Contraditório e do Princípio da Verdade Material

 

            Os Requerentes começam por invocar a violação dos princípios do contraditório e da verdade material no decurso do procedimento inspetivo.

 

            Relativamente ao primeiro, dispõe o artigo 267.º, n.º 5 da Constituição que, no processamento da atividade administrativa, deve ser assegurada a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito, comando que o legislador ordinário incorporou no artigo 12.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”) e, em sede tributária, nos artigos 60.º da LGT e 45.º do CPPT.

 

            A concretização deste princípio implica o direito de audição dos contribuintes antes da emissão dos atos de liquidação e previamente ao indeferimento total ou parcial de “pedidos, reclamações, recursos ou petições[1] (v. artigo 60.º, n.º 1, alíneas a) e b) da LGT).

 

            No caso vertente, o Requerente[2] foi notificado para exercer o direito de audição, quer em relação ao Projeto de Relatório da Inspeção Tributária (“PRIT”), que contém os fundamentos das correções de IRS em crise, quer em relação à proposta de indeferimento da Reclamação Graciosa por si apresentada contra os atos tributários emitidos após o (e em razão do) procedimento inspetivo. Desta forma, nos dois momentos em que lhe foi concedido o direito audição, o Requerente pôde exprimir as razões da sua discordância e apresentar elementos de prova, não exigindo a lei, para este efeito, que aquele seja diretamente “inquirido” sobre os factos ou que faça parte das diligências de recolha dos depoimentos das testemunhas no processo administrativo.

            Assiste à Requerida a prerrogativa de, no procedimento, utilizar todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correto apuramento dos factos, incluindo tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou de outras pessoas e promover a realização de perícias ou inspeções oculares (v. artigo 50.º do CPPT). Tal faculdade é essencial à indagação dos factos relevantes e ao exercício das competências próprias da Requerida, na prossecução do interesse geral, nem sempre consonante com os interesses particulares dos sujeitos passivos.

 

            Isto não significa que a atividade administrativa possa desencadear-se com atropelo das garantias dos contribuintes. Porém, essas garantias não podem ser de tal modo exigentes ao ponto de comprometer o desenvolvimento daquela atividade, resultando numa inaceitável desigualdade tributária que prejudicaria os contribuintes cumpridores (cujo esforço seria agravado) em benefício, injustificado, dos inadimplentes. 

 

            O equilíbrio de posições foi calibrado pelo legislador através da consagração das prerrogativas de investigação acima assinaladas e do princípio do inquisitório (v. artigo 58.º da LGT), a par da possibilidade de os contribuintes poderem tomar conhecimento das mesmas e pronunciar-se em momento prévio ao da tomada de decisão administrativa, além de, naturalmente, poderem reagir contra as decisões finais que lhes sejam desfavoráveis, pelos meios administrativos e contenciosos ao seu dispor.

 

Na situação vertente, encontrando-se os fundamentos de facto e de direito da decisão administrativa, incluindo a matéria sobre a qual incidiu o depoimento das testemunhas, plasmados no PRIT, e tendo o respetivo relatório sido devidamente notificado, o sujeito passivo foi informado e ficou habilitado a pronunciar-se sobre os mesmos.

 

De salientar que foi efetivamente exercido o direito de audição relativamente ao PRIT, tendo a Requerida, na sequência do mesmo, introduzido alterações no Relatório final, reduzindo as correções de IRS preconizadas, na parte que entendeu justificados e comprovados os argumentos do contribuinte.

À face das circunstâncias descritas não pode deixar de considerar-se acautelada a garantia procedimental de participação do sujeito passivo na formação da decisão tributária, emanação do princípio de origem processual audi alteram partem, independentemente da justeza dos pressupostos das liquidações efetuadas e do seu mérito (adiante objeto de análise), pelo que improcede a arguida violação do princípio do contraditório.

 

            De igual modo, em relação à violação do princípio da verdade material, não se verifica que o procedimento enferme de ilegalidade invalidante, pois a AT realizou múltiplas diligências tendo em vista a identificação e demonstração das correções e sua efetividade. Acresce que, como salienta a decisão arbitral no processo n.º 14/2021, de 21 de novembro de 2021:

“[…] do princípio do inquisitório não resulta a obrigação, por parte da administração tributária, de realizar todas diligências requeridas pelo contribuinte no decurso do procedimento ou realizar todas aquelas que o interessado venha a entender a posteriori como necessárias face ao conteúdo da decisão final que tenha sido adotada.

O principal efeito jurídico da insuficiência das diligências instrutórias a realizar pela Administração no âmbito do procedimento tributário traduz-se, em sede de impugnação judicial, num non liquet probatório sobre os factos materiais da causa, implicando que o tribunal emita uma pronúncia desfavorável em relação à parte a quem incumbia fazer a prova dos factos, à luz dos critérios de repartição do ónus da prova do artigo 74.º da LGT (Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, Vol. I, Coimbra, 2017).

Como vício invalidante do ato tributário, a preterição do princípio do inquisitório (e, consequentemente, do princípio da verdade material) apenas pode ser considerada na situação limite em que os serviços omitam diligências essenciais à averiguação da situação tributária de tal modo que não se encontre justificação plausível para a correção fiscal.”

 

Não é esse o caso quando a AT fundamenta as correções em múltiplos factos-índice coligidos relativamente aos procedimentos do contribuinte que permitem retirar a ilação (mais do que) provável de que este recebia importâncias da sua atividade de médico-cirurgião que não eram faturadas e declaradas para efeitos fiscais. Improcede, assim, o argumento de violação do princípio da verdade material, sem prejuízo de o Requerente produzir prova passível de contrariar a ilação de omissão de faturação e de declaração de rendimentos e/ou a quantificação alcançada pela Requerida.

           

            2.         Sobre a Aplicação de Métodos Indiretos

 

Entendem os Requerentes que apesar de a AT ter classificado as correções realizadas ao sujeito passivo Requerente como provenientes de avaliação direta, estamos, na realidade perante a utilização encapotada de métodos indiretos (v. artigo 83.º, n.º 2 da LGT), tendo em conta que as liquidações de IRS em crise são baseadas em presunções o que as inquina de diversas ilegalidades, pois não foi adotado o procedimento próprio de avaliação indireta legalmente exigido (v. artigos 85.º e 87.º a 89.º da LGT), nem demonstrada a impossibilidade de determinação direta e exata da matéria tributável (v. artigo 88.º da LGT), ou concedido ao Requerente o acesso ao procedimento de revisão (v. artigo 91.º da LGT).

 

A aplicação de métodos indiretos suscita-se quando não é possível conhecer a situação fiscal real do contribuinte, por motivos a este imputáveis, nomeadamente vícios e irregularidades que descredibilizam os elementos por aquele apresentados, com a inerente violação de deveres de colaboração, existindo uma relação de causalidade entre o comportamento “ilícito do contribuinte” e essa impossibilidade[3]. Estes métodos indiretos assentam na aplicação de presunções, como prevê o artigo 83.º, n.º 2 da LGT, uma vez que estejam reunidas as respetivas condições legitimadoras previstas no artigo 87.º da LGT, nomeadamente as decorrentes de deficiências e irregularidades dos elementos declarativos e se conclua pela impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável (v. artigo 88.º da LGT).

 

Sobre este ponto, o quadro factológico identificado pela Requerida é passível de fundar a aplicação de métodos indiretos, pois resulta claro que o Requerente omitiu o seu dever de declarar todos os rendimentos provenientes da sua atividade, existindo múltiplos indícios de que não faturava a totalidade dos valores recebidos que lhe eram destinados. Veja-se, a título de exemplo, o caso, invocado pelo próprio Requerente para demonstrar que não ocultou rendimentos nem violou os deveres de faturação, de uma cliente [Q…] que o Requerente faturou no valor de € 4.950,00 e em relação à qual recebeu valores de € 13.000,00 (ponto N dos factos provados), sendo manifesto que a diferença não se destinou, pelo menos na totalidade, ao pagamento de outros prestadores, pois de acordo com a prova testemunhal e documental produzida a “maior fatia” dos valores faturados cabia sempre ao Requerente. 

 

Porém, a questão que precisamente se suscita é que o procedimento de avaliação indireta não foi o caminho seguido pela AT, que no ponto IV do RIT não considera aplicável o recurso a métodos indiretos, afirmando na sua Resposta (em sintonia com a posição adotada no indeferimento da Reclamação Graciosa) que “embora, tenham sido detetadas discrepâncias e incongruências na contabilidade dos SP, bem como a omissão de rendimentos/prestações de serviços, tal facto não impediu o apuramento da matéria tributável, que obrigasse a AT a recorrer a avaliação indireta nos termos definidos no art.º 88º da LGT. […] Sendo que foi possível determinar e quantificar, (de forma direta), a matéria tributável do SP nos anos em análise.” (pontos N e R da matéria de facto provada).

 

Defende a Requerida que não foram aplicadas presunções, baseando-se as correções operadas em elementos e informações de natureza objetiva, como os extratos bancários das contas do Requerente, que, em seu entender, refletem os fluxos financeiros (entradas) correspondentes à remuneração das prestações de serviços médicos realizadas por aquele, a considerar como rendimentos da categoria B, depois de deduzidos os valores dos pagamentos comprovadamente realizados, nomeadamente às sociedades C..., Lda. e E..., e aqueles que, no exercício do direito de audição, o Requerente veio justificar e provar como respeitantes a operações a efetuadas a título pessoal (como a venda de carros de coleção).

 

Assim, a Requerida, depois de identificar os factos-índice da omissão declarativa de rendimentos da categoria B de IRS tomou como ponto de partida os fluxos bancários de entradas nas contas de depósitos do Requerente para concluir, da análise dos extratos dessas contas, que os movimentos dessas entradas correspondiam a rendimentos, em parte não declarados, feitas as deduções acima referidas.

 

A metodologia descrita e aplicada pela Requerida assenta, porém, em juízos presuntivos: parte-se dos factos conhecidos – os depósitos de numerário e de valores nas contas do Requerente – para concluir factos desconhecidos, i.e., que os ditos depósitos correspondem ao pagamento de atos médicos realizados, prestações de serviços omitidas. O que, obiter dictum, dado o quadro fático que a Requerida encontrou, pelo menos em parte, com toda a probabilidade assim será. Todavia, este julgamento, alicerçado de forma clara em presunções, apenas pode ser alcançado de forma legítima em sede de avaliação indireta, como é entendimento consensual da jurisprudência[4].

 

Compulsa-se, a este respeito, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCASul”), de 30 de setembro de 2019, processo n.º 546/10.2BECTB, numa situação com contornos similares, em que a AT presumiu que “os valores depositados nas contas dos sócios em numerário são vendas omitidas” que aquele Tribunal considera, de forma inequívoca, basear-se numa presunção, que nunca pode ser considerada como “uma verdadeira forma de proceder à avaliação directa” (acolhendo o decidido no acórdão do TCASul de 28 de abril de 2016, no processo n.º 08645/15).

 

Assinala o referido acórdão [processo n.º 546/10.2BECTB] que “apreende-se do relatório de inspecção tributária que a declaração, contabilidade e escrita da impugnante não permitiu à AT a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável do IRC (art.º87.º, alínea b), da LGT), tendo sido necessário recorrer a extractos bancários de contas tituladas pelos sócios da impugnante e familiares dos sócios para quantificar valores de compra e de venda não reflectidos nos elementos de contabilidade e escrita da impugnante, não havendo elementos probatórios objectivos e incontroversos que permitam extrair dos movimentos de saída e entrada de fundos reflectidos naqueles extractos bancários das contas dos sócios, e de familiares dos sócios, as operações económicas supostamente omitidas […]”.

 

Concluindo o aresto em referência o seguinte:

 

I.   O pressuposto inultrapassável para que a AT, vinculadamente, lance mão da metodologia directa ou de metodologias alternativas, radica na circunstância de os factos fiscalmente relevantes serem, à luz de parâmetros de razoabilidade e normalidade, incontroversamente conhecidos - caso em que não pode deixar de corrigir aritmeticamente -, ou de o não serem e de, então, se tornar necessário determiná-los a partir de outros que o sejam e que em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência se mostrem consubstanciar factos-índice adequados a tal extrapolação.

II.    Partindo a AT da análise dos movimentos financeiros reflectidos nas contas bancárias dos sócios da impugnante, e familiares dos sócios, para concluir pela omissão à contabilidade de custos e de proveitos e determinar a respectiva quantificação, fez uso de métodos indirectos, ainda que sob a capa de correcções técnicas ou meramente aritméticas.

III.  A decisão de tributação por métodos indirectos desacompanhada do especial procedimento a que está sujeita, mostra-se ilegal por violação de direitos e garantias do contribuinte.”

 

Em sentido similar também se pronunciou o subsequente acórdão do TCA Sul, de 13 de dezembro de 2019, no processo n.º 170/15.3BECTB, de que se transcreve o seguinte excerto ilustrativo:

            “[…] partindo dos movimentos bancários das contas tituladas pelo gerente da Recorrida (e das tituladas pelo seu filho), comparando-os com as declarações de rendimentos desse mesmo gerente e mulher e considerando ainda alguns esclarecimentos prestados na ação inspetiva relativa a estes sujeitos passivos, a AT calculou um valor diferencial entre depósitos não justificados e rendimentos declarados, daí presumindo que tal valor, uma vez que maioritariamente respeitava a transferências bancárias e cheques de clientes da ora Recorrida, correspondia a lucros ou adiantamentos por conta de lucros efetuados pela Recorrida. Ou seja, a AT presume, implicitamente, que o tal diferencial correspondia a rendimentos da Recorrida, que, presume-se, por seu turno, os tinha feito chegar à esfera jurídica do seu sócio-gerente por via de lucros ou adiantamentos por conta de lucros.

[…]

na verdade a AT não fez correções através de métodos diretos, mas sim através de presunções, mas sem que tenha levado a cabo o procedimento atinente à determinação da matéria coletável por métodos indiretos, circunstância que fere de ilegalidade as liquidações daí resultantes[(9) V., a este propósito, os Acórdãos deste TCAS, de 30.09.2019 (Processo: 546/10.2BECTB), de 18.04.2018 (Processo: 8451/15), de 28.04.2016 (Processo: 08645/15) e de 13.11.2012 (Processo: 04205/10).]. Daí que, nos termos já explanados supra, careça de fundamento o alegado quanto à violação do art.º 74.º da LGT e no art.º 342.º do Código Civil.

[…]

Em suma, não pomos em causa que a existência de fluxos bancários que não encontram correspondência nos rendimentos contabilizados e/ou declarados possa ser indício de que há omissão de rendimentos. No entanto, tal circunstância deveria ter representado para a AT um ponto de partida e não um ponto de chegada. Ou seja, deveria a AT, partindo dessa divergência detetada, ter indagado no sentido de conseguir caraterizar a origem desses fluxos ou, caso se revelassem infrutíferas as diligências que empreendesse de forma a não ser possível a utilização de métodos diretos, lançar mão de métodos indiretos. Não pode é, sob a capa de “correções técnicas”, partir de “fortes indícios de omissão de rendimentos” e presumir que a diferença apurada é, sem mais, rendimento, subvertendo ambos os métodos de determinação da matéria coletável.

 

Resulta da jurisprudência citada que[5]:

  • nas correções por métodos diretos, a AT não pode fundar os seus raciocínios em presunções, extraindo de um facto conhecido um facto desconhecido, sendo o método presuntivo próprio da tributação por recurso a métodos indiretos;
  • a mera identificação de fluxos bancários que não encontram correspondência nos rendimentos ou declarados, pode ser indício de que há omissão de rendimentos, mas não permite, per se, caraterizar os mesmos como rendimentos;
  • a AT não pode, sob a capa de correções técnicas, partir de fortes indícios de omissão de rendimentos e presumir de forma singela que a diferença apurada é rendimento, subvertendo ambos os métodos (direto e indireto) de determinação da matéria coletável.

 

À face do exposto, conclui-se que as liquidações de IRS emitidas aos Requerentes derivam de correções à matéria tributável alcançadas por métodos indiretos de avaliação, não tendo, contudo, sido seguido o procedimento legalmente previsto para o efeito, pelo que enfermam de erro de direito, por violação de lei, nos termos acima expendidos, e são anuladas por este Tribunal.

 

            3.         Questões de Conhecimento Prejudicado

 

Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido, contudo, aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil (artigo 608.º do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), nomeadamente as relativas às alegadas ilegalidades por excesso de quantificação da matéria tributável, método de determinação do rendimento para 2014 e 2015 (regime de contabilidade organizada), ónus da prova e violação do princípio constitucional de tributação fundamentalmente pelo lucro real.

 

            4.         Juros Indemnizatórios

 

Os Requerentes peticionam, como decorrência da anulabilidade dos atos de liquidação de IRS e juros compensatórios, a restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios[6].

 

A jurisprudência arbitral tem reiteradamente afirmado a competência destes Tribunais para proferir pronúncias condenatórias derivadas do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que aí sejam impugnados, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT.

 

Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.

 

O que significa que na execução do julgado anulatório a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que “existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado”.

 

Sobre os juros indemnizatórios rege o disposto no artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida.

 

Na situação vertente, em relação ao ato de liquidação controvertido, conclui-se pela errada interpretação e aplicação do direito pela Requerida pelo que é devida a restituição de eventuais montantes que tenham sido pagos em razão das liquidações de IRS impugnadas, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, por forma ao restabelecimento da situação que existiria se o ato tributário não tivesse sido praticado com as ilegalidades acima supra descritas.

 

Contudo, os Requerentes não fazem prova do pagamento das liquidações de IRS, requisito constitutivo da pretensão de juros indemnizatórios, pelo que o pedido não pode proceder, sem prejuízo de, em sede de execução do julgado anulatório, ser produzida a referida prova.

 

 

V.        Decisão

 

            De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar a ação procedente, anulado as liquidações de IRS e juros compensatórios supra identificadas, com as legais consequências, ficando o pagamento de juros indemnizatórios condicionado à prova, pelos Requerentes, do pagamento das liquidações em sede de execução de julgado.

 

 

VI.      Valor do Processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 382.459,62 correspondente ao valor da liquidação de IRS que foi impugnado, incluindo juros compensatórios – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

 

VII.     Custas

 

            Custas no montante de € 6.426,00, a suportar pela Requerida, por decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de setembro de 2022

 

Os árbitros,

 

 

Alexandra Coelho Martins, Relatora

 

 

 

Clotilde Celorico Palma

 

 

 

Cristina Coisinha

 

 



[1] O n.º 1 do artigo 60.º da LGT prevê ainda o direito de audição antes da revogação de benefícios ou de atos administrativos em matéria fiscal e antes da decisão de aplicação de métodos indiretos, quando não haja lugar a relatório de inspeção, situações que não têm aplicação nesta ação. 

[2] Na pessoa do seu mandatário.

[3] V. J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação administrativa, 2000, 2.ª Edição, Lex, p. 341.

[4] Sobre a noção de correções meramente aritméticas, v. o Acórdão do TCANorte, de 13 de setembro de 2013, processo n.º 00120/03 – Porto.

[5] Segue-se de perto o sumário do citado acórdão do TCASul no processo n.º 170/15.3BECTB.

[6] Os Requerentes referem “juros compensatórios” no petitório, o que se interpreta dever-se a lapso, sendo os juros devidos a favor dos contribuintes designados por “juros indemnizatórios”.