Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 532/2014-T
Data da decisão: 2015-03-10  Selo  
Valor do pedido: € 18.523,40
Tema: IS – verba 28.1 TGIS; terreno para construção
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DECISÃO ARBITRAL

 

1.      RELATÓRIO

 

1.1.A, Lda., contribuinte n.º …, apresentou em 26/07/2014, pedido de pronúncia arbitral, no qual peticiona, a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de imposto do selo do ano de 2013.

 

1.2.O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 11/09/2014 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.

 

1.3.No dia 07/10/2014 ficou constituído o tribunal com árbitro singular.

 

1.4.Cumprindo a estatuição do art. 17.º, nº 1 do RJAT foi a Administração Tributária (AT), em 13/10/2014 notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.5.Em 12/11/2014 a AT apresentou a sua resposta e solicitou em requerimento autónomo a dispensa de realização da reunião descrita no art.º 18 do RJAT.

 

1.6.O tribunal em 10/02/2015 convidou a Requerente a dizer se pretendia a realização da referida reunião.

 

1.7.A Requerente em 24/02/2015, conclui que dispensa a realização da reunião no pressuposto implícito de que não existem excepções que obstem ao conhecimento do pedido. Comunicando ainda no mesmo requerimento que prescinde da apresentação de alegações.

 

1.8.      O tribunal em 27/02/2015 decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere e agendou a data para prolação da decisão final no dia 10/03/2015, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT.

 

2.      SANEAMENTO

O processo não enferma de nulidades, não foram suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

3. POSIÇÕES DAS PARTES

São duas as posições em confronto, a da Requerente, vertida no pedido de pronúncia arbitral e a da AT na sua resposta.

Sintetizando:

A Requerente entende nomeadamente que:

a)       “Uma análise rápida das Notas de Cobrança notificadas à Requerente mostra logo que aquelas Notas não contêm todos os elementos que deveriam ser obrigatoriamente notificados ao contribuinte nos termos do art. 36.º, n.os 1 e 2, e 39.º, n.º 12, do CPPT, nomeadamente a indicação do autor do acto e, no caso deste o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do sentido e da sua data…”;

 

b)      “Não está aqui em causa a nulidade da notificação, porque essa questão tem a ver com a eficácia da Liquidação e a sua exigibilidade e não com a sua validade…”;

 

c)      O que aqui está em causa, porém, é a falta de autor da Liquidação, vício que se reflectiu nos actos de notificação, mas que é, em primeira linha, um vício do acto tributário notificado, ou seja, da Liquidação.”;

 

d)      “ Um acto sem autor não pode valer como acto tributário, pois carece de um dos seus elementos essenciais…”;

 

e)      “A liquidação (…) não se encontra fundamentada.”;

 

f)        “…ainda que se considere que a Liquidação não carece de absoluta motivação, o que se admite por mera hipótese de raciocínio, sempre se dirá que a mesma não contém qualquer motivação de facto nem de direito, e não apresenta a regularidade lógica e formal indispensável à apreensão clara, suficiente e congruente das razões da decisão.”;

 

g)      “É manifesto que a Liquidação não fundamenta a regularidade lógica e formal indispensável à apreensão clara, suficiente e congruente das razões da decisão.”;

 

h)      “Nada se diz na liquidação que justifique de que forma o dito prédio teria (que não tem) a afectação habitacional que é (ou era, à data de 31/12/2013) um pressuposto necessário da incidência do Imposto do Selo da nova verba 28.1 da TGIS.”;

 

i)        Doutro modo, “Se o dever de audição tivesse sido cumprido, a AT ter-se-ia apercebido da diferente natureza do prédio em causa e das razões da Requerente, e a decisão final do procedimento tributário de liquidação poderia ter sido diferente, levando mesmo à não liquidação do Imposto do Selo previsto na citada verba 28.1.”;

 

j)        “Como não foi, a omissão da audição prévia consubstanciou, in casu, a preterição de formalidade essencial, projectando-se como vício invalidante da Liquidação, que constitui fundamento da sua anulação nos termos do art. 99.º do CPPT, por violação da alínea a) do n.º 1 do art. 60 da LGT.”;

 

k)      “Sem prescindir quanto ao vício de falta de fundamentação, isto é, sem abdicar do direito ao completo conhecimento das razões que motivaram a Liquidação, A requerente vem ainda arguir a ilegalidade da Liquidação por “erro de direito acerca dos factos.”;

 

l)        “No caso da Liquidação, considerou-se, segundo se julga, que o prédio urbano inscrito na matriz sob o art. … da freguesia do … era um prédio urbano com afectação habitacional, o que não corresponde à sua natureza jurídica  pois trata-se de um terreno para construção onde não existe qualquer edificação.”;

 

m)    “A ponderação feita pela administração tributária assentou, portanto num erro de direito acerca dos factos.”;

 

n)      “O prédio da Requerente sobre o qual recaiu a Liquidação é um terreno para construção correspondente ao Lote n.º …, sito no …, junto à Rua …, na freguesia do …, concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz sob o art. …”;

 

o)      “O terreno em causa destinava-se, à data de 31/12/2013 e também agora, a construção, sendo fiscalmente um prédio da espécie ou tipo “terreno para construção”…”;

 

p)      “…temos que, quanto à incidência objectiva do imposto, a verba 28.1 – na redacção em vigor  a  31/12/2013 – incide sobre prédios urbanos com afectação habitacional.”;

 

q)      “… só existe prédio urbano com afectação habitacional quando existam edifícios ou construções (o que bem se compreende, pois, a menos que estejamos a pensar em habitar em grutas ou tendas, só se concebe  a habitação em edifícios ou construções); a segunda, para frisar que os prédios urbanos habitacionais têm de estar licenciados para utilização habitacional ou terem como destino normal a habitação.”;

 

r)       “Ora, no caso do prédio propriedade da Requerente, bem como no dos demais terrenos para construção, verifica-se, por um lado, que os mesmos não são por natureza edifícios ou construções, e, por outro, que têm por destino normal a construção.”;

 

s)       “Dito isto, podemos assentar no princípio de que o conceito de “prédios urbanos habitacionais” é igual a “prédios com afectação habitacional” e que os terrenos para construção são uma categoria autónoma, pois não possuem licença de utilização para habitação nem sequer têm como destino normal a habitação. O seu destino normal ou afectação é a construção (que pode ser, por sua vez, habitacional, comercial, industrial ou de serviços.);

 

 

t)        “O significado técnico-jurídico de “prédio com afectação habitacional”, que se retira do disposto no art. 6.º do CIMI, aplicável em sede de Imposto do Selo ex vi o citado art. 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo, na redacção vigente à data do facto tributário, é de que se trata de edifício ou construção licenciado para habitação ou, na falta de licença, que tenha como destino normal a habitação, o que exclui à partida do seu âmbito de significação os terrenos para construção.”;

 

u)      “E não se diga que os terrenos para construção podem, ainda assim, ser considerados prédios urbanos com afectação habitacional na medida em que, na fixação do seu valor patrimonial, haja sido considerado um coeficiente de afectação habitacional ao abrigo dos arts. 38.º e 43.º do CIMI.”;

 

v)      “É bom de ver que a consideração do coeficiente de afectação habitacional, nos termos indicados, prende-se com uma operação de avaliação tributária para efeitos de IMI, com vista à determinação do valor patrimonial sobre o qual incidirá a taxa de IMI aplicável, que nada tem que ver com definição de incidência do imposto. E o que aqui está em causa nestes autos é a interpretação da norma de incidência do imposto, na redacção vigente à data do facto tributário (31/12/2013).;

 

w)    “Ao pressupor que o terreno para construção da Requerente era, à data do facto tributário, um prédio com afectação habitacional, a AT faz errada interpretação do art. 1.º, n.º 1 do CIS e da Verba 28.1. da TGIS, bem como do art. 6.º, n.º 1, alínea f) (i), da citada Lei n.º 55-A/2012, ou se preferirmos, comete o chamado “erro de direito acerca dos factos”, o que constitui fundamento de anulação da Liquidação nos termos do art. 99.º do CPPT….” ;

 

x)      “ A prova acabada de que os terrenos para construção não estavam abrangidos nem na letra nem no espírito do legislador quando criou a Verba 28 do Imposto do Selo é dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento para 2014), que alterou a redacção da verba 28.1 da TGIS que estava anteriormente  em vigor…”

 

y)      “ Esta alteração da norma de incidência da verba 28.1 da TGIS no OE para 2014, que visou passar a tributar também os terrenos para construção, demonstra claramente que, anteriormente, esta situação não estava abrangida pela norma de incidência…”;

 

z)      Que existe duplicação de colecta.

 

 

aa)  “Ao considerar, para efeitos de CIS, que os terrenos para construção têm afectação habitacional, a AT não está verdadeiramente a tributar a detenção de bens de luxo, pese embora o valor dos terrenos poder ser muito elevado, mas a tributar uma actividade económica, ou melhor dizendo os bens afectos ao desenvolvimento de uma actividade económica (no caso, a construção de edifícios habitacionais, tributação que se reputa inconstitucional.”;

 

bb)  “ Esta dimensão interpretativa das normas de incidência tributária para efeitos da verba 28.1 da TGIS, na redacção anteriormente em vigor (embora as mesmas razões se possam aplicar à redacção actual introduzida pela Lei do OE de 2014), segundo a qual os terrenos para construção são “prédios com afectação habitacional” afigura-se inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da legalidade, da justiça e da igualdade e da imparcialidade, formulados no n.º 2 do art. 266.º, bem como dos arts. 13.º e 104.º, n.º 3, todos da Constituição da República Portuguesa, razão pela qual, no limite, deve ser considerada inconstitucional e desaplicada aquela interpretação da norma em causa ou, no caso da nova redacção, deve ser desaplicada a própria norma.”;

 

cc)   “Se a tributação da verba 28.1. da TGIS for encarada como uma tributação da propriedade de prédios com afectação habitacional de valor superior a 1 milhão de euros mesmo nos casos em que aquela não corresponde  a uma manifestação de luxo dos seus proprietários, mas apenas ao mero desenvolvimento da sua actividade económica, então, nesse caso, tal tributação não pode deixar de ser julgada inconstitucional por violação dos citados preceitos e princípios constitucionais.”;

 

dd)  “Acresce que a tributação da situação de titularidade de um terreno destinado a habitação, cujo VPT seja superior a um milhão de euros, e a não tributação da titularidade de outro terreno destinado a fim diferente da habitação, com VPT idêntico ou mesmo superior (muito superior), viola frontalmente o princípio constitucional da igualdade tributária – e o princípio da capacidade contributiva que decorre deste.”;

 

ee)   “Pois cria-se uma discriminação, sem fundamento de qualquer espécie, entre os titulares dos dois terrenos em causa que, como se disse, retiram exactamente a mesma utilidade dos seus terrenos, visto que ambos são para construção e ainda não têm qualquer edificação.”;

 

ff)      “Não há razões, não existe fundamento racional, para tratar diferentemente, no plano fiscal, a situação dos contribuintes que detêm terrenos para construção, pelo mero facto de o edifício que irá ser construído num ser afectado a habitação e o edifício que irá ser construído noutro vir a ter outra qualquer afectação que não a habitação.”;

 

gg)   “ Razão pelo qual se deve desaplicar a apontada dimensão interpretativa das citadas normas de incidência do IS da Verba 28.1, ou as próprias normas, se considerarmos a nova redacção da verba 28.1 da TGIS.”;

 

hh)  “De resto, mesmo a tributação da Verba 28.1 sobre os prédios com efectiva afectação habitacional (onde não se podem incluir os terrenos para construção) afasta-se dos princípios do reforço da equidade social e da efectiva repartição dos sacrifícios que a inspiraram, bem como viola o princípio da igualdade e da capacidade contributiva, pelo que se requer que a mesma não seja aplicada.”;

 

 

ii)      “ A norma ínsita no art. 194.º da Lei do OE de 2014, que aprovou a nova redacção da verba 28.1 da TGIS, quando interpretada no sentido de ser aplicável a factos tributários ocorridos antes de 01/01/2014, afigura-se inconstitucional por violação do princípio da irretroactividade da lei fiscal formulado no n.º 3 do art. 103.º da Constituição da República Portuguesa, também plasmado no art. 12.º, n.º 1 da LGT, razão pela qual, no limite, deve ser considerada inconstitucional e desaplicada…”.

 

Doutro modo, advoga a AT que:

a)      A Lei n.º 55-A/2012, de 29/10/2012 veio alterar o art. 1.º do CIS, e aditar à TGIS a verba 28.”;

 

b)      “Com esta alteração legislativa, o IS passaria a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a € 1.000.000,00.”;

 

c)      “A noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação.”;

 

d)      “Assim, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada…”;

 

e)      “Ao contrário do propugnado pela Requerente, a AT entende que o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma.”;

 

f)        “ Note-se que o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “ afectação habitacional” – expressão diferente e mais ampla, cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de  de integrar outras realidades  para além das identificadas no art. 6.º, n.º 1  alínea a) do CIMI.”;

 

g)      “A mera constituição de um direito potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, daí a regra constante do art. 45.º do CIMI que manda separar as duas partes do terreno”.;

 

h)      “… muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção.”;

 

i)        “Relativamente à pretensa violação de princípios constitucionais, não pode a AT deixar de salientar que a Constituição da República, obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.”;

 

j)        Entende a AT que a previsão da verba 28 da TGIS não consubstancia violação de qualquer comando constitucional.”;

 

k)      “Importa ainda referir que a tributação em sede de imposto do selo obedece a critérios de adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis.”;

 

l)        “ Na verdade, a medida implementada procura buscar um máximo de eficácia quanto ao objectivo a atingir, com o mínimo de lesão para outros interesses considerados relevantes.”;

 

m)    “ Assim, encontra-se legitimada a opção por este mecanismo de obtenção de receita, o qual apenas seria censurável, face ao princípio da proporcionalidade, se resultasse manifestamente indefensável.”;

 

n)      “ O que não se verifica porquanto tal medida será de aplicar de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a € 1 000 000,00.”.

 

4. MATÉRIA DE FACTO

4.1. FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS

4.1.1. A Requerente é proprietária de um imóvel a que corresponde a inscrição …, Urbano, …, Lisboa.

4.1.2. O prédio (urbano) está matricialmente classificado como “terreno para construção” e tem um valor patrimonial tributário (VPT) de 1 852 340,00.

4.1.3. Encontra-se titulado sobre o prédio o alvará de loteamento n.º … de 11 de Abril.

4.1.4. Não existe em tal prédio nenhuma construção.

4.1.5. No dia 17/03/2014 a AT liquidou imposto do selo (verba 28.1.) do prédio descrito em 4.1.1. da presente no montante total de € 18 523,40.

4.1.6. Em tal liquidação há referência à identificação matricial do prédio, ao seu valor patrimonial, ao ano do imposto, à data de liquidação, à verba da TGIS e à taxa utilizada para determinar o montante de imposto e o valor da colecta.

4.2. FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS

Não existem factos com relevo para a decisão que não tenham sido dados como provados.

4.3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO QUE SE CONSIDERA PROVADA

            Os factos dados como provados têm génese nos documentos utilizados para cada um dos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa. De igual modo, também se deram como assentes os factos não impugnados.

 

5. O DIREITO

Em primeiro lugar, a Requerente imputa à liquidação em crise um conjunto de vícios formais: i) falta do autor do acto; ii) falta de fundamentação da liquidação e iii) falta de audição prévia.

Sustenta a doutrina quanto aos requisitos da decisão do procedimento tributário que: “A decisão do procedimento tributário, sendo um acto definidor da posição da administração tributária perante os particulares, deve obedecer aos requisitos gerais dos actos administrativos, enunciados no art. 123.º do CPA.(….) Nos termos do n.º 2 deste art. 123.º, todas estas menções devem ser enunciadas de forma clara, precisa e completa, de modo a poderem determinar-se inequivocamente o sentido e alcance do acto e os seus efeitos jurídicos. A não observância do preceituado nestas disposições é susceptível de conduzir à anulação do acto por vício de forma. No entanto, deverá ter-se em conta que os vícios poderão considerar-se sanados quando se demonstrar que, apesar da imprecisão ou omissão ou irregularidade do conteúdo do acto, foi atingido o objectivo que visava atingir com a imposição deste conteúdo, designadamente que o seu destinatário se apercebeu do seu exacto alcance”, DIOGO LEITE CAMPOS/BENJAMIM SILVA RODRIGUES/JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária – anotada e comentada, 4.ª edição, Encontro da escrita editora, 2012, pág. 674.

Ora, no caso concreto, se é verdade que não há indicação do autor do acto na liquidação, também não deixa de ser verdade que a Requerente compreendeu o seu exacto alcance apesar de tal omissão. Tanto assim o é que o presente pedido de pronúncia arbitral contém 167 artigos, nos quais a Requerente invoca, designadamente, o vício de violação de lei, duplicação da colecta e um rol de inconstitucionalidades. Razão pela qual, tal vício considera-se sanado.

Doutro modo, alega ainda a Requerente que a liquidação não se encontra fundamentada, pois, no seu juízo, não é possível perceber as razões da decisão, até porque não contém qualquer motivação de facto e de direito.

Sustenta a jurisprudência quanto à fundamentação do acto de liquidação que: “O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487.º, n. 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do  acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual[1].  Ou, dito de outro modo, a fundamentação deve incorporar elementos de facto e de direito que permitam ao destinatário do acto perceber o iter decisório da AT.

Na hipótese sub judice, é possível vislumbrar na liquidação/documento de cobrança, a referência à identificação matricial do prédio inscrito, ao seu valor patrimonial, ao ano do imposto, à data de liquidação, à verba da TGIS e à taxa utilizada para determinar o montante de imposto e, por último, ao valor da colecta. Razão pela qual, entende o tribunal que o acto se encontra suficientemente fundamentado, uma vez que contém as referências mínimas à matéria de facto e de direito utilizada pela AT para a sua prática. Até porque, a falta de fundamentação imputada ao mesmo, não constituiu qualquer obstáculo para a Requerente solicitar a sua anulação em articulado em que imputa à liquidação um rol de vícios. Em suma, o acto não padece do vício de falta de fundamentação que a Requerente lhe imputa.

Em terceiro lugar, imputa ao acto em crise a falta de audição prévia, porquanto, no seu juízo, devia a AT ter-lhe permitido pronunciar-se antes da liquidação.

O art. 60.º, n.º 1, al. a) da LGT dispõe que: “A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: a) Direito de audição antes da liquidação”. Mais, o art. 60.º, n.º 2 , al. a) do mesmo diploma dispõe que: “É dispensada a audição: a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte…”.

No caso em apreço, a liquidação colocada em crise com o pedido de pronúncia arbitral alicerça-se na verba 28.1 da TGIS que visa tributar a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios com afectação habitacional e com um valor patrimonial tributário (VPT) na matriz igual ou superior a € 1 000 000. Deste modo, o valor tributável é precisamente o VPT. Ora, esse VPT foi apurado nos termos do CIMI e a partir da iniciativa da Requerente, com a apresentação da declaração para o efeito, a modelo 1 de IMI. Nesta linha, após a apresentação da aludida declaração não ficou a Requerente inibida de participar na avaliação do prédio, através de um pedido de 2.ª avaliação ou mediante impugnação do acto de fixação do VPT. Consequentemente, se a liquidação aplica uma taxa fixa sobre um VPT resultante da declaração da Requerente e com a sua participação, decide-se que  a AT goza, nesta hipótese, do direito de dispensa de audição prévia[2], cfr. art. 60.º, n.º 2, al. a) da LGT.

Quanto aos vícios de conteúdo, a primeira questão que deve ser objecto de apreciação pelo tribunal consiste em conhecer qual o âmbito de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS na sua redacção à data dos factos tributários. Isto é, há que indagar se os terrenos para construção cabem na norma de incidência como advoga a AT ou, se pelo contrário, estão excluídos da mesma.

Para concretizar tal tarefa há, desde logo, que procurar a norma cujas partes dissentem na sua interpretação.

Assim, a verba 28 da TGIS, dispõe que se encontram sujeitos a tributação: “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 - Por prédio com afectação habitacional - 1 %...”[3].

Deste modo é necessário perscrutar o conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” a que alude a norma em interpretação. Ora, não sendo possível resolver a questão com recurso ao CIS, é por força da estatuição do art. 67.º, n.º 2 do CIS necessário aplicar as normas do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) quanto ao conceito e espécies de prédios urbanos

Consequentemente, dispõe o art. 4.º do CIMI sobre o conceito de prédio urbano: “…são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos…”. E continua o art. 6.º, n.º 1: “Os prédios urbanos dividem-se em: a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros”. O n.º 2 dispõe que: “Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.

Assim, para a subsunção de um prédio em cada uma das categorias enumeradas, releva a natureza da utilização, isto é, o fim a que o mesmo se destina.

            Ora, cabem na verba de imposto do selo em análise os prédios que já estão adstritos a fins habitacionais, isto é, aqueles a que se deu esse destino[4]. Mas é legítimo formular a seguinte questão: e em relação àqueles prédios (terrenos para construção) com tal destino ou, aqueles em que a destinação é desconhecida, subsumem-se a “prédios com afectação habitacional”?

            A resposta a tal pergunta não pode deixar de ser negativa. Com efeito, o teor literal da verba em análise permite afastar do âmbito de incidência aqueles terrenos para construção que não têm concretizado qualquer tipo de utilização, na medida em que ainda não estão aplicados ou destinados a fins habitacionais. Por outras palavras, não é possível proceder à sua subsunção como “prédios com afectação habitacional”, porquanto ainda não têm qualquer afectação ou outro destino, a não ser a construção de tipo desconhecido[5].

            Ainda assim, pode questionar-se: integram o âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS os terrenos para construção que ainda não estão aplicados a fins habitacionais e já têm um direito determinado, como é o caso de uma licença de loteamento? Julgamos que não. Na verdade, o art. 6.º, n.º 2 do CIMI, subsidariamente aplicável, aponta no sentido de ser necessária uma afectação efectiva.

            Na verdade, o legislador não utilizou a expressão “prédios habitacionais”, mas pelo contrário “prédios com afectação habitacional”, isto é, o prédio tem de ter já efectiva a afectação a esse fim.

            Ora, tal sentido interpretativo fica claro com a mobilização de um resumo das palavras do Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República da proposta de lei[6], na medida em advogou que tal proposta do governo: i) visava criar uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor; ii) criava uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas a habitação e iii) a taxa incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Ou, dito de outro modo, a categoria a que legislador se refere com a expressão “prédios com afectação habitacional” são as “casas”.

O mesmo sentido interpretativo mantém-se, ainda que se considere que na determinação do VPT dos prédios urbanos, classificados como terrenos para construção, se deva ter em linha de conta a afectação que terá a edificação para estes autorizada ou prevista para apurar o valor da área de implantação. Tal não significa que os terrenos para construção devam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, na medida esta destinação se refere na economia do CIMI a prédios e construções que possam ser habitados[7].

            Revertendo tal sentido interpretativo para os autos, impõe-se dizer que o terreno para construção objecto dos presentes não se subsume à categoria de “prédios com afectação habitacional” e, como tal, a liquidações de imposto do selo de 2013 deve ser declarada ilegal.

            Ainda assim podia julgar-se abalada esta interpretação com a entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014) no segmento em que deu nova redacção à verba 28.1 da TGIS, na qual se remete agora para as categorias descritas no art. 6.º do CIMI, isto é, “prédio habitacional” e “terreno para construção”. Entendemos que não, porque como sustenta a conselheira ISABEL MARQUES DA SILVA[8]: “… o legislador não atribuiu carácter interpretativo (…), apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo”. Isto é, nada se concretiza em relação aos actos praticados ao abrigo da redacção anterior e demonstra outra opção legislativa com a referência às espécies de prédio urbano, i) habitacional e ii) terrenos para construção. Consequentemente, a tal alteração legislativa em nada modifica a nossa decisão vertida no parágrafo anterior.

Por tal somatório de razões, se o prédio da Requerente estava inscrito matricialmente como terreno para construção à data do facto tributário relativo ao ano de 2013, não pode ser aplicável ao caso sub judice a norma de incidência em crise, sob pena de ilegalidade. Razão pela qual, deve ser anulada a liquidação de imposto do selo de 2013, com todas as consequências legais.

Finalmente, se o tribunal acolheu o pedido da Requerente de declaração de ilegalidade do actos de liquidação de imposto do selo do ano de 2013, prejudicado fica o conhecimento dos restantes vícios por esta imputados, cfr. art. 124.º do CPPT, aplicável por força do previsto no art. 29.º, n.º 1 do RJAT.

 

6. DECISÃO

Nestes termos e com a fundamentação acima descrita decide julgar-se procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação do acto de liquidação de imposto do selo do ano de 2013.

 

7. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 18 523, 40, nos termos do art. 97.º- A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

8. CUSTAS

Custas a suportar pela AT, no montante de € 1224, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Notifique.

 

Lisboa, 10 de Março de 2015

 

O árbitro singular,

 

Francisco Nicolau Domingos

 



[1] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23/04/2014, proferido no âmbito do processo n.º 01690/13 e em que foi relator o conselheiro ASCENSÃO LOPES.

[2] Neste sentido, veja-se a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 42/2013-T, de 18/10/2013, em que desempenhou a função de árbitro o Dr. NUNO AZEVEDO NEVES.

[3] Na redacção em vigor à data dos factos tributários.

[4] V. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do recurso 048/14, de 09/04/2014, no qual foi relatora a conselheira ISABEL MARQUES DA SILVA; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no recurso 046/14 de 14/05/2014, no qual foi relator o conselheiro ASCENSÃO LOPES e o acórdão arbitral proferido no âmbito do processo 53/2013-T, de 02/10/2013, no qual o conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA assumiu a função de árbitro-presidente.

[5] V. acórdão proferido no âmbito processo 53/2013-T, de 02/10/2013, no qual o conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA assumiu a função de árbitro-presidente.

[6] Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, pág. 32.

[7] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do recurso 048/14, de 09/04/2014 no qual foi relatora a conselheira ISABEL MARQUES DA SILVA.

[8] No âmbito do acórdão 048/14, de 09/04/2014 por esta relatado.