Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 530/2022-T
Data da decisão: 2023-01-30  Selo  
Valor do pedido: € 121.455,77
Tema: Imposto do selo. Isenção. Sociedade Gestora de Participações Sociais. Duplicação da matriz predial. Reclamação da matriz. Revisão oficiosa.
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SUMÁRIO: 

Uma sociedade gestora de participações sociais constitui uma instituição financeira para efeito da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório 

 

1. A..., SGPS, S.A., Pessoa Colectiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ..., ... -..., ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de liquidação de imposto do selo incidente sobre operações de crédito, no período de janeiro a dezembro de 2020, no valor global de € 121.455,77, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzidos, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais, que no âmbito da sua atividade recorreu a financiamento junto de diversas instituições de crédito residentes em Portugal.

 

No quadro dos financiamentos realizados, as instituições de crédito em causa liquidaram imposto do selo, na qualidade de sujeitos passivos, que fizeram repercutir na esfera da jurídica da entidade mutuária, que veio a suportar integralmente o imposto.

 

No entanto, a liquidação é ilegal na medida em que a situação do caso se encontra coberta pela isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo.

 

Com efeito, a Requerente enquanto sociedade gestora de participações sociais subsume-se como uma instituição financeira ao abrigo da legislação europeia e enquadra-se, em especial, na definição de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/EU e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento UE n.º 575/2013.

 

            Sendo que, relativamente a sociedades gestoras de participações, esta última norma de direito europeu apenas exclui do conceito de instituições financeiras as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, alíneas f) e g), da Diretiva 2009/138/CE”, o que não é aplicável ao caso.

 

Por outro lado, nos termos do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, que regula o regime jurídico das SGPS, as sociedades gestoras de participações sociais “têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas”, enquadrando-se no conceito de instituição financeira pela sua especificidade do objeto social.

 

Acresce que com a nova redação dada pelo Decreto-Lei n.º 109-H/2021, de 10 de dezembro, à alínea z) do artigo 2.º-A do RGICSF, as sociedades gestoras de participações sociais passaram a encontrar-se abrangidas tanto pelo conceito comunitário de instituição financeira, como pela própria definição que a legislação nacional lhe confere.  

A Autoridade Tributária, na sua resposta, refere, em síntese, o seguinte.

 

Esta isenção de imposto do selo abrange as operações financeiras stricto senso promovidas no âmbito da atividade bancária e de intermediação financeira entre instituições de crédito, sociedades financeiras, instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária.  

 

As sociedades gestoras de participações sociais, têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, não são entidades financeiras, não exercem qualquer atividade bancária, não atuam no mercado de serviços bancários ou financeiros, caracterizando-se antes como uma SGPS a que se encontra legalmente vedada a possibilidade de exercer serviços bancários ou financeiros. 

 

Concluindo-se que apenas as SGPS que exerçam uma atividade típica de uma instituição de crédito ou sociedade financeira é que ficam abrangidas pela figura “instituição financeira”. 

 

É por esse facto que não estão sujeitas à supervisão do Banco de Portugal. 

 

Neste sentido, a Requerente não se qualifica como “instituição financeira” e, consequentemente, não preenche o pressuposto subjetivo da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

 

Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo, por despacho arbitral de 21 de dezembro de 2022, ao abrigo aplicação dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT bem como a apresentação de alegações.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 15 de novembro de 2022.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro. 

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação 

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:

 

A)   A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais, que se encontra regulada pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, e está domiciliada em Portugal;

B)   A Requerente tem como objeto a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, cabendo-lhe a gestão das empresas cujas participações sociais detém.

C)   No âmbito da sua atividade, a Requerente, no período de tributação de 2020, recorreu a financiamento junto das seguintes instituições de crédito: B...- Sucursal em Portugal (“B...”), C..., S.A. (C...), D...S.A. (D...), E..., S.A. (E...), F..., S.A. (F...), Banco G..., S.A. (G...) e Banco H..., S.A. (H...).

D)   As instituições bancárias mutuantes acima identificadas encontram-se domiciliadas em Portugal.

E)    As instituições de crédito liquidaram e entregaram ao Estado imposto do selo incidente sobre as operações de crédito, no período de janeiro a dezembro 2020, no montante total de € 121.455,77, de acordo com o quadro abaixo descrito:

 

 

A..., SGPS, S.A. 

 

 

 

Instituição de crédito 

Período 

Guia do 

Imposto do Selo 

(n.º) 

Natureza do Gasto 

Valor de Imposto (€) 

B...

jan/20 

...

Juros 

1 227,08 

fev/20 

...

Juros 

1 135,83 

mar/20 

... 

Juros 

1 201,25 

abr/20 

...

Juros 

1 188,33 

mai/20 

... 

Juros 

1 099,58 

jun/20 

... 

Juros 

1 200,00 

jul/20 

...

Juros 

1 112,50 

ago/20 

...

Juros 

1 173,33 

 

 

 

set/20 

...

Juros 

1 087,50 

 

out/20 

... 

Juros 

1 075,00 

nov/20 

... 

Juros 

1 097,92 

 

dez/20 

...

Juros 

1 050,00 

 

Subtotal B... 

 

13 648,32 

C...

jun/20 

...

Comissão 

589,67 

out/20 

... 

Comissão 

20,00 

 

Subtotal C...

 

609,67 

D...

jan/20 

... 

Juros / Comissão 

11 893,50 

jul/20 

... 

Juros / Comissão 

9 706,84 

dez/20 

... 

Comissão 

3 456,17 

jul/20 

... 

Comissão  

1 920,00 

jun/20 

... 

Comissão 

5 896,67 

 

Subtotal D...

 

32 873,18 

E... 

nov/20 

... 

Comissão 

1 400,00 

ago/20 

... 

Comissão 

1 920,00 

 

Subtotal E... 

 

3 320,00 

F...

jan/20 

... 

Juros 

7 666,67 

jun/20 

... 

Juros 

7 253,62 

F...

jul/20 

... 

Comissão 

5 600,00 

jul/20 

... 

Juros 

7 231,80 

out/20 

... 

Juros 

5 331,04 

dez/20 

... 

Utilização crédito / Comissão 

26 000,00 

jul/20 

...

Comissão 

7 920,00 

jul/20 

... 

Comissão 

2 240,00 

 

Subtotal F...

 

69 243,13 

G... 

mai/20 

...

Comissão 

364,00 

jul/20 

... 

Comissão 

368,00 

out/20 

...

Comissão 

368,00 

mar/20 

...

Comissão 

105,06 

 

jun/20 

 

... 

Comissão 

97,56 

 

set/20 

 

...

Comissão 

90,05 

dez/20 

 

...

Comissão 

82,55 

 

 

Subtotal G...

 

1 475,22 

H...

jan/20 

 

...

Comissão 

22,50 

fev/20 

 

... 

Comissão 

17,08 

mar/20 

 

...

Comissão 

34,00 

abr/20 

 

...

Comissão 

22,50 

mai/20 

 

...

Comissão 

17,37 

jun/20 

 

...

Comissão 

33,40 

jul/20 

 

...

Comissão 

22,50 

ago/20 

 

...

Comissão 

15,83 

set/20 

 

... 

Comissão 

31,72 

out/20 

 

... 

Comissão 

22,50 

nov/20 

 

...

Comissão 

15,79 

dez/20 

 

... 

Comissão 

31,06 

 

 

Subtotal H...

 

286,25 

 

 

Total 

 

1215,77 

 

F)    As instituições de crédito fizeram repercutir o imposto do selo liquidado na esfera jurídica da entidade mutuária, que suportou integralmente o imposto.

G)   Em 17 de fevereiro de 2022, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra as liquidações de imposto do selo, que foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão da Direção de Finanças, de 6 de junho de 2022, praticado com delegação de competências;

H)   No âmbito do procedimento de reclamação graciosa, foi emitida a informação de serviço n.º ...-ISCPS1/2021, que constitui o documento n.º 1 junto ao pedido, que aqui se dá como reproduzido, em se refere o seguinte:

4.  Dispõe a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS (na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 107-B/2003 de 31 de dezembro) que estão isentos de imposto do selo:

"Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;".

5.  Esta isenção só se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea (n.º 7 do artigo 7.º do CIS).

6.  Pelo que, nos termos da alínea e) do n.º 1 e do n.º 7 do artigo 7.º do CIS, apenas estão isentas de imposto, quando nelas intervenham os sujeitos aí identificados, e sem equiparar a elas quaisquer outras, as seguintes operações:

- Utilização do crédito concedido;

-  Garantia prestada na concessão do crédito;

-  Juros remuneratórios cobrados pela concessão do crédito;

-  Comissões cobradas diretamente destinadas à concessão do crédito.

7.   Do lado subjetivo, a lei exige que tais operações sejam realizadas por:

-" (...) instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras (...)

8.   Tendo como destinatários:

“(...) sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária (...)".

9.   Desde que:

- "(...) umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças".

10. A norma de isenção exige que a sua aplicação dependa da natureza jurídica que é reconhecida na legislação comunitária ao sujeito sobre quem incide o encargo do imposto .

11. Consideramos que da conjugação do ponto 22) do n.º 1 do artigo 3.º da Diretiva 2013/36/1JE com o ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (EU) n.º 575/2013 não se extrai da definição de "instituição financeira" nele contida que as SGPS integrem o conceito fornecido pela legislação comunitária.

12. A Diretiva 2013/36/UE (e já assim era, com as devidas adaptações, na revogada Diretiva 2006/48/CE relativa ao acesso à atividade e a supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, constituindo, em conjunto com o Regulamento (UE) n.º 575/2013, o quadro legal que rege o acesso à atividade, os poderes e instrumentos de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento, e estabelece a uniformização dos requisitos prudenciais gerais aplicáveis às instituições sujeitas à supervisão ao abrigo da Diretiva, que estão estritamente relacionados com o mercado bancário e o mercado de serviços financeiros.

13.Não é pelo facto de o legislador comunitário ter delimitado negativamente a definição de "instituição financeira", dele excluindo expressamente as empresas que não sejam instituições de crédito ou empresas de investimento e as "sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º n.º 1 ponto g) da Diretiva 2009/138/CE", que se pode concluir que, numa leitura a contrario da definição, as SGPS cabem no conceito de "instituição financeira" previsto no Regulamento (EU) n.º 575/2013.

14.A Reclamante não é uma entidade financeira "lato sensu", não exerce nenhuma atividade bancária, nem tão pouco atua no mercado bancário ou dos serviços financeiros, não estando sujeita, para o exercício da sua atividade, a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do Banco Central Europeu.

15.A recorrente é uma SPGS, cujo CAE 70100 do Código das Atividades Económicas, Rev.3, respeita a atividades das sedes sociais, não praticando por isso, porque lhe é vedada face ao quadro legal referido, qualquer atividade estritamente relacionada com o mercado bancário e mercado de serviços financeiros.

16.No que respeita ao Parecer 25/2013 do CEF estavam em causa SCR e FCR e a sua qualificação como instituição financeira, pelo que este foi proferido a propósito de situações concretas e específicas que nada tem a ver com o caso sub judice.

17.Se fosse entendido que uma SGPS, por via do seu objeto social, configura-se, por si só, uma "instituição financeira", nos termos e para os efeitos de aplicabilidade da isenção consagrada na alínea e) do n1 do artigo 7.º do CIS, mais do que fazer uma interpretação extensiva de normas que consagram benefícios fiscais, estaríamos a fazer uma interpretação analógica das mesmas, violando os mais elementares preceitos legais e constitucionais que estabelecem a sua proibição (expressamente proibida, como prevê o artigo 10do Estatuto dos Benefícios Fiscais).

18.Face ao princípio da tipicidade fechada contemplada no n.º 2 do artigo 103.º da CRP, os benefícios fiscais só podem ser concedidos se os objetivos que lhes subjazem sejam superiores aos que resultariam da tributação, não sendo, pois, de admitir a aplicação analógica na sua concessão; ou a isenção está expressamente prevista ou então não poderá ser concedida.

19.A criação de SGPS não obedece às mesmas regras que obedecem a Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) que estabelece, instituições de crédito e das sociedades financeiras, bem como o exercício da supervisão destas entidades, respetivos poderes e instrumentos.

20.O exercício da atividade financeira em Portugal encontra-se reservado às entidades para tal autorizadas ou habilitadas pelo Banco de Portugal.

21. Significa isto que o exercício desta actividade é apenas permitido a entidades que foram objecto de um processo de autorização ou habilitação (este no caso de instituições financeiras autorizadas noutros Estados Membros da União Europeia) realizado junto do Banco de Portugal.

22.No âmbito deste processo, o Banco de Portugal verifica a observância de uma série de requisitos que asseguram a solvabilidade e a capacidade da entidade e dos membros dos principais órgãos sociais para prosseguirem a atividade financeira.

23.Nos termos do n.º 1 do artigo 117.º do RGICSF, só ficam sujeitas à supervisão do Banco de Portugal as sociedades gestoras de participações sociais quando as participações detidas, direta ou indiretamente, lhes confiram a maioria dos direitos de voto em uma ou mais instituições de crédito ou sociedades financeiras, o que não é o caso.

24.Neste quadro, o RGICSF prevê que o exercício de atividade financeira por entidade não autorizada ou habilitada pode constituir crime, sendo uma contraordenação grave, punível, entre outras sanções, com coima, de acordo com aquele regime.

25.Ora, a Requerente não é uma entidade financeira - nem sequer numa interpretação lato sensu porquanto não exerce nenhuma atividade bancária, nem atua no mercado bancário ou dos serviços financeiros, não estando, por isso, sujeita a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do Banco Central Europeu (BCE) no âmbito da sua atividade.

26.Observe-se ainda que a atividade económica principal desenvolvida pela Requerente tem o CAE 70100 "Atividades das Sedes Sociais", atividade esta equivalente a sociedades gestoras de participações sociais não financeiras, não praticando, consequentemente, qualquer atividade referente ao mercado bancário ou de serviços financeiros.

27.Não é, pois, possível extrair do regime jurídico das SGPS, do RGICSF ou da Diretiva n.º 2013/36/UE, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.º 575/2013, que as SGPS integram o conceito de "instituição financeira".

28.A Diretiva e o Regulamento comunitários manifestamente não são de aplicação para uma vulgar SGPS que não detenha participações em instituições financeiras.

29.A ausência dos referidos requisitos conduz à impossibilidade de ser atribuída, a qualquer SGPS, a isenção de Imposto do Selo nos termos previstos na alínea e) do n.º s 1 e 7 do artigo 7.º do CIS.

30.Pelo que, a Reclamante não se qualifica, face à legislação referida, como uma "instituição financeira", não preenchendo, consequentemente, o pressuposto subjetivo da isenção previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.ºCIS.

31. Em consequência, não se verificando o pressuposto subjetivo de que depende o preenchimento da isenção, não existe qualquer erro que possa ser imputado às liquidações de imposto do selo subjacentes ao pedido.

32. Quanto à questão do pagamento de quaisquer quantias a título de juros indemnizatórios, inexistindo, quanto às mesmas, qualquer erro, quer de facto, quer de direito, imputável aos serviços não existe qualquer fundamento para que os mesmos sejam devidos.

V. Conclusão

Em conformidade com o anteriormente exposto, somos de propor que o pedido formulado no presente procedimento seja indeferido, com todas as consequências legais.

I)     O despacho de indeferimento da reclamação graciosa foi notificado por ofício enviado por correio postal registado, com data de 7 de junho de 2022;

J)     O pedido arbitral deu entrada em 2 de setembro de 2022.

 

 

Factos não provados

 

Não há factos não provados que tenham relevo para a apreciação da causa.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos ao pedido arbitral e constantes do processo administrativo.

 

Matéria de direito

 

            5. A questão em debate consiste em saber se a A..., SGPS, S.A., ora Requerente, enquanto sociedade gestora de participações sociais, é considerada instituição financeira para efeito do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, que estabelece, nos termos aí previstos, a isenção de imposto.

 

A Requerente entende que enquanto sociedade gestora de participações sociais se enquadra no conceito de instituição financeira constante do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento UE n.º 575/2013 - para que remete o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22), da Diretiva 2013/36/EU -, no ponto em que essa disposição define como uma instituição financeira uma empresa que não seja instituição de crédito, cuja atividade principal é a aquisição de participações sociais, e apenas exclui as “sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas”.

 

Em contraposição, a Autoridade Tributária defende que as sociedades gestoras de participações sociais, têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, não são entidades financeiras nem atuam no mercado de serviços bancários ou financeiros, e não estão sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, e, como tal, não se enquadram no conceito de “instituição financeira” e, consequentemente, não preenchem o pressuposto subjetivo da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

 

É esta a questão que cabe dilucidar.

 

A referida disposição da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, que aqui está especialmente em foco, estatui nos seguintes termos:

 

Outras isenções

 

1 - São também isentos do imposto:

(…)

e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças. 

 

A isenção prevista nesta disposição, cuja redação foi introduzida pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro,contempla dois requisitos. Um de natureza objetiva, incidindo sobre juros e comissões cobrados pela concessão do crédito, garantias prestadas na concessão do crédito e utilização de crédito concedido, e um outro, de natureza subjetiva na origem, respeitante às entidades financeiras (instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras) que cobram os juros e comissões, recebem as garantias e concedem crédito, e de natureza subjetiva no destino, respeitante às entidades beneficiárias da concessão do crédito, que incluem as sociedades de capital de risco, bem como as sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária. Em qualquer dos casos, as entidades intervenientes devem ser domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, definidos por Portaria do Ministro das Finanças (Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro e respetivas alterações).

 

A isenção abrange, por conseguinte, segundo a própria terminologia legal, a concessão de crédito a “instituições financeiras previstas na legislação comunitária”.

 

Esta remissão para a legislação comunitária, agora dito Direito da União Europeia, haverá de entender-se como uma remissão dinâmica, pretendendo referir-se ao conceito de “instituição financeira” que se encontre previsto no direito europeu à data em que se pretenda exercer o direito de isenção. 

 

À data da entrada em vigor da nova redação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo, o dispositivo aplicável era o do artigo 1.º, n.º 5, da Diretiva 2000/12/CE, que caracterizava como uma instituição financeira “uma empresa que não seja uma instituição de crédito, cuja atividade principal consista em tomar participações ou exercer uma ou mais atividades referidas nos pontos 2 a 12 da lista do anexo”.

 

Essa Diretiva foi entretanto substituída pela Diretiva 2006/48/CE, por sua vez revogada pela Diretiva n.º 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que, juntamente com o Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, constitui o atual enquadramento jurídico que rege o acesso à atividade das instituições de crédito e que estabelece o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento.

 

A Diretiva 2013/36/EU, no seu artigo 3.º, n.º 1, ponto 22), declara como sendo uma instituição financeira, para efeitos da diretiva, “uma instituição financeira na aceção do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013”.

 

Por sua vez, o Regulamento (UE) n.º 575/2013 - para que é efetuada a remissão -, no seu artigo 4.º, sob a epígrafe “Definições”, e na parte que mais interessa considerar, prescreve o seguinte:

 

Artigo 4.º

Definições

1.     Para efeitos do presente regulamento, aplicam-se as seguintes definições:

(...)

1) “Instituição de crédito”: uma empresa cuja atividade consiste em aceitar do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria;

3) "Instituição": uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento;

(...)

26) "Instituição financeira": uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/UE, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE”.

 

A Diretiva 2013/36/EU foi transposta para o direito interno pelo Decreto-Lei n.º  157/2014, de 24 de outubro, que, para esse efeito, procede à alteração do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.

 

Uma das disposições aditadas por esse diploma é do artigo 2.º-A, que sob a epígrafe “Definições”, na parte relevante, é do seguinte teor:

 

Para efeitos do disposto presente Regime Geral, entende-se por:

(…) 
z) «Instituições financeiras», com exceção das instituições de crédito e das empresas de investimento: 
 i) As sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, incluindo as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas; 
 ii) As sociedades cuja atividade principal consista no exercício de uma ou mais das atividades enumeradas nos pontos 2 a 12 e 15 da lista constante do anexo I à Diretiva n.º 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013; 
 iii) As instituições de pagamento; 

(…).
 

Entretanto, esta disposição foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 109-H/2021, de 10 de dezembro, que, independentemente do sentido interpretativo que se lhe pretenda dar na sua nova redação, não tem qualquer relevo para a situação do caso, tendo em consideração o princípio da aplicação da lei tributária no tempo que resulta do disposto no artigo 12.º, n.º 1, da LGT.

 

A referida alínea z) do artigo 2.º-A do RGICSF, na versão vigente à data dos factos, correlaciona-se com o artigo 117.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, que, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, sob a epígrafe “Sociedades Gestoras de Participações Sociais”, dispõe o seguinte:

 

1 - Ficam sujeitas à supervisão do Banco de Portugal as sociedades gestoras de participações sociais quando as participações detidas, direta ou indiretamente, lhes confiram a maioria dos direitos de voto em uma ou mais instituições de crédito ou sociedades financeiras. 

2 - O Banco de Portugal pode ainda sujeitar à sua supervisão as sociedades gestoras de participações sociais que, não estando incluídas na previsão do número anterior, detenham participação qualificada em instituição de crédito ou em sociedade financeira. 

3 - Excetuam-se da aplicação do número anterior as sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Instituto de Seguros de Portugal. 

4 – O disposto nos artigos 30.º a 32.º, com as necessárias adaptações, 42.º-A, 43.º-A e nos n.ºs 1 e 3 do artigo 115.º é aplicável às sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal. 

 

6. Efetuando o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo uma remissão para as “sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”, quando se refere a entidades beneficiárias da concessão do crédito, parece claro que o preceito pretende remeter para as disposições de direito europeu aplicáveis, e,  na atualidade, no que se refere às instituições financeiras, essas disposições são  - como se viu - a do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22), da Diretiva 2013/36/EU e, por via de remissão, a do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013.

 

No preceito para que se efetua a remissão, o Regulamento define como "instituição financeira" uma empresa que não seja uma instituição [de crédito], cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/UE, com exclusão das sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE”.

 

       Torna-se assim evidente que a remissão da norma que estabelece a isenção de imposto do selo é feita para o direito europeu e, especificamente, para sobreditas disposições da Diretiva 2013/36/EU e do Regulamento (UE) n.º 575/2013, havendo de reconhecer-se, neste contexto normativo, que uma instituição financeira, para o aludido efeito, é, além de outras que exerçam certas atividades enumeradas no anexo, uma empresa que, não sendo uma instituição de crédito, tem como principal atividade a aquisição de participações, desde que se não trate de sociedades gestoras de participações no setor dos seguros.

 

       Certo é que na transposição da Diretiva 2013/36/EU para o direito interno, o legislador nacional adotou um conceito mais restritivo de “instituição financeira”, caracterizando como tal “as sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal”.

 

No entanto, para efeitos da aplicação da isenção do imposto do selo, o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), não remete para o direito interno, mas para o direito da União Europeia, o que significa que a definição constante do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aditado pelo diploma que procedeu à transposição da Diretiva, releva para os demais efeitos da regulação das sociedades gestoras de participações sociais, e não para o específico aspeto da isenção de imposto do selo.

 

7. Segundo o disposto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, que define o regime jurídico das sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), estas sociedades, conforme o seu artigo 1.º, “têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas” (n.º 1), sendo que a participação numa sociedade é considerada forma indireta de exercício da atividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante (n.º 2).

 

Os contratos pelos quais se constituem as SGPS devem mencionar expressamente como objeto único da sociedade a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas (artigo 2.º, n.º 2), sendo permitida às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações ou com as quais tenham celebrado contratos de subordinação (artigo 4.º, n.º 1).

 

Tratando-se de sociedades que têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, não oferece dúvidas que as sociedades gestoras de participações sociais se enquadram no conceito de “instituição financeira”, tal como se encontra definido no direito europeu, e, assim sendo, beneficiam da isenção de imposto estabelecida no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo.

 

Como é tido como assente (alínea A) da matéria de facto) - e não é sequer controvertido pelas partes -, a entidade em causa é uma sociedade gestora de participações sociais, que se encontra regulada pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, e está domiciliada em Portugal. E nessa qualidade não pode deixar de se encontrar abrangida pelo conceito relevante de instituição financeira para efeito da aplicação da isenção do imposto do selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do selo.

 

Como é de concluir, as operações financeiras em análise preenchem os pressupostos objetivos e subjetivos da isenção de imposto do selo, na medida que respeitam à concessão de crédito por instituições de crédito a sociedade gestora de participações sociais, que se qualifica, à luz da legislação de direito europeu, como instituição financeira, e em que intervieram instituições mutuantes e mutuárias que se encontram domiciliadas em Portugal, e não em nenhum dos territórios com regime privilegiado previsto no Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro

 

No mesmo sentido, se pronunciaram, entre outros, os acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 911/2019-T, 819/2019-T, 836/2019-T, 110/2020-T, 502/2020-T, 81/2021-T, 334/2021-T e 598/2021-T.

 

Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

8. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito. 

 

Tratando-se, no entanto, de atos de autoliquidação de imposto que se repercutiram na entidade mutuária, o erro imputável aos serviços, que justifica a obrigação de juros indemnizatórios, apenas opera, quando haja lugar a reclamação graciosa, com o indeferimento pela Autoridade Tributária da impugnação administrativa (cfr., neste sentido, os acórdãos do STA de 18 de janeiro de 2017, Processo n.º 0890/16, e de 29 de junho de 2022, Processo n.º 093/21). E, assim, o termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios apenas se constitui, na situação do caso, em 6 de junho de 2022.

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de imposto do selo, ao pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT), a partir de 6 de junho de 2022.

 

III – Decisão

Termos em que se decide:

 

a)          Julgar procedente o pedido arbitral e anular os atos tributários de autoliquidação do imposto do selo, referente à Requerente, no período de janeiro a dezembro de 2020, no valor global de € 121.455,77, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzidos;

b)          Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios desde 6 de junho de 2022 até à data do processamento da respetiva nota de crédito. 

 

IV - Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de € 121.455,77.

 

V - Custas 

 

Nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do citado RCPAT e artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I, anexa àquele regulamento, que fica a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

Notifique.

Lisboa, 30 de janeiro de 2023,

 

O Presidente do Tribunal Arbitral,

 

 

                                                       Carlos Fernandes Cadilha               

 

A Árbitro vogal,

 

 

Ana Teixeira de Sousa

 

A Árbitro vogal

 

Elisabete Louro Martins Cardoso