Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 531/2015-T
Data da decisão: 2016-04-04  IRC  
Valor do pedido: € 9.509,88
Tema: IRC – RETGS; ineptidão da petição inicial; incompetência do tribunal arbitral; intempestividade do pedido
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Decisão Arbitral

 

 

I.              RELATÓRIO

 

A..., Lda., NIPC…, com sede na Rua…, …, em Guimarães (doravante apenas designada por Requerente), apresentou, em 31-07-2015, um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com a alínea a) do art. 99.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

A Requerente pede a declaração de ilegalidade (i) da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida com referência à liquidação de IRC do ano de 2012 e (ii) desta mesma liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 03-08-2015 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nessa mesma data.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 20-10-2015 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 04-11-2015.

Na resposta apresentada a Requerida suscitou as excepções de ineptidão da petição inicial, de incompetência material do tribunal arbitral e de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, tendo, ainda, pugnado pela improcedência do pedido deduzido pela Requerente.

Notificada para o efeito, a Requerente apresentou resposta escrita às excepções invocadas pela Requerida, concluindo pela sua improcedência.

Por despacho de 24-01-2016, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo sido concedido prazo para apresentação de alegações escritas, o que ambas as partes vieram fazer.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de capacidades tributária e judiciária e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

II.           DO PEDIDO DA REQUERENTE

 

A Requerente é uma sociedade comercial que, em 2012, integrava um grupo fiscal sujeito ao Regime Especial de Tributação do Grupo de Sociedades, do qual era sociedade dominante.

Com referência ao exercício de 2012, a Requerente entregou a respectiva Mod. 22 individual na qual apurou um lucro tributável no montante de € 3.690.243,04. Este resultado individual foi considerado para efeitos de determinação do resultado tributável do grupo fiscal que se fixou num lucro de € 3.606.563,71.

No ano de 2012, a Requerente era titular de uma participação financeira de 0,0126% no Banco B…, S.A. ("B…") NIPC…, que estava mensurada segundo o justo valor através dos resultados.

A 31 de Dezembro de 2010, com a transição para o SNC, e em cumprimento das NCRF 3 e 27, a Requerente registou nos capitais próprios o efeito do reconhecimento pelo justo valor da referida participação no B…, o que se traduziu no reconhecimento de uma perda de € 92.948,80.

Nos termos do n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Junho, esta perda seria fiscalmente dedutível, na proporção de 1/5 por ano, cabendo à Requerente efectuar o correspondente ajustamento nas respectivas declarações de rendimento de 2010 e dos quatro anos seguintes.

            Assim, em cumprimento do referido regime transitório, na Mod. 22 individual de 2012, a Requerente deduziu o montante de € 9.294,88, correspondente a metade do 1/5 da perda registada nos termos supra descritos.

            Acresce que, em 2012, em resultado da descida da cotação das acções do B…, a Requerente efectuou novo ajustamento ao valor da referida participação, reconhecendo contabilisticamente um gasto de € 57.489,28. Na Mod. 22 individual de 2012, e de acordo com as instruções de preenchimento, a Requerente efectuou o correspondente ajustamento fiscal, acrescendo ao resultado tributável 50% do gasto contabilizado, ou seja, o valor de € 28.744,64.

 Como referido, em ambos os casos, a Requerente efectuou a dedução da perda em apenas 50% do valor efectivamente registado de acordo com as instruções da Autoridade Tributária[1] e em cumprimento do n.º 3 do art. 45.º do Código do IRC (redacção em vigor à data).

A Requerente apresentou reclamação graciosa – que veio a ser indeferida - contra a liquidação de IRC por considerar que o lucro tributável individual da Requerente teria sido mal calculado uma vez que os gastos decorrentes do ajustamento de valor da participação financeira detida no B… haviam sido considerados em apenas 50% do respectivo montante, nos termos do n.º 3 do art. 45.º do Código do IRC. 

Nas alegações apresentadas a Requerente concluiu nos seguintes termos:

W. Com base no quadro normativo aplicável, a Requerente entende que o gasto resultante da aplicação do critério do justo valor consagrado no dito n.º 9 do art. 18.º do Código do IRC e, bem assim, o ajustamento de transição decorrente da aplicação retrospectiva do mesmo método, não se confunde com as perdas por menos-valias que vêm previstas no n.º 3 do art. 45.º do Código do IRC.

X. Ora, tendo em conta que, no caso aqui em apreço, todos os requisitos previstos no n.º 9 do art. 18.º do Código do IRC estão cumpridos, a perda decorrente da aplicação do justo valor deveria ter sido relevada na sua totalidade para efeitos de determinação do lucro tributável da Requerente não existindo qualquer razão para considerar que o disposto no n.º 3 do art. 45.º do Código do IRC é aplicável a esta situação.

Y. Este entendimento da Requerente baseia-se, desde logo, na ratio da norma que limitava a dedutibilidade a metade das menos-valias, no seu contexto histórico e no próprio requisito de “realização” da perda que é pressuposto da mesma.

Z. Actualmente, esta posição encontra-se já suportada por um número considerável de consistentes e clarividentes Decisões Arbitrais do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) – proferidas nos PROCESSOS ARBITRAIS N.ºS 108/2013-T, 30/2015-T, 59/2015-T, 208/2015-T E 231/2015-T, que, por todas as razões, importa aqui convocar, e das quais, se cita por todas a proferida no âmbito do PROCESSO ARBITRAL N.º 208/2015-T, em 25 de Setembro de 2015: «[n]o regime para o qual foi pensada e instituída a norma do artigo 45.º, n.º 3, a realização de menos-valias, e demais situações elencadas estava dependente de uma actuação voluntária correspondente à realização das mesmas. (…) Contudo, aqueles aspectos não se verificarão já nas situações abrangidas pelo artigo 18.º, n.º 9, alínea a). Aqui, estando-se perante ajustes decorrentes da contabilização do justo valor, determinado por critérios objectivos (…), não há qualquer dúvida ou intervenção da vontade do sujeito passivo na verificação do ajustamento patrimonial negativo ou positivo. Ou seja, estes ocorrerão ou não, independentemente da actuação e da vontade do sujeito passivo. Ora, penalizar, nestes casos, o sujeito passivo com uma desconsideração de 50% do gasto incorrido, seria de todo injustificado, quer de um ponto de vista económico, quer de um ponto de vista jurídico.»

AA. Também o autor Tomás Castro Tavares defende que “O Justo valor negativo nunca subjaz uma motivação de evasão fiscal, por arbitrariedade valorimétrica, pela razão simples de que a tributação do fair value se cinge aos activos transaccionados em mercado organizado, onde a cotação do activo (valorização e desvalorização) se desenraíza, totalmente da vontade fiscal do contribuinte.” acrescentando que “[u]ma vez eleito esse padrão, não possui inteira liberdade de conformação. Tem de respeitar certas regras e princípios. O principal dos quais é o da perfeita simetria fiscal do justo valor, sob pena de violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva. A regra fiscal aplicável à valorização do justo valor tem de ser igual à da desvalorização do activo. Se o justo valor positivo é totalmente tributado (…) então o justo valor negativo merece um tratamento simétrico, assumindo-se como um custo total do exercício”.

BB. Para além do já referido, importa salientar que o n.º 3 do art.º 45.º do Código do IRC apenas previa três situações distintas que concorrem para a determinação do lucro tributável em metade do seu valor que, como se pode perceber, nas quais a situação da Requerente não se subsume.

CC. Temos, pois, de concluir que foi criado um regime novo, especial, de relevância para efeitos de determinação do lucro tributável, que configura uma aproximação expressa, numa situação específica, entre o regime contabilístico e o regime fiscal.

DD. Não crê a Requerente que esta situação, face ao quadro normativo aplicável, designadamente face às al.ªs f) e h) do n.º 1 do art.º 20.º, al. l) do n.º 1 do art.º 23.º e al. b) do n.º 1 do art.º 46.º, seja apta a gerar qualquer dúvida. Descortinando-se, antes, uma intenção clara de distinguir os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros do regime das mais e menos-valias.

EE. Por outro lado, é também facilmente perceptível que o regime das mais e menos-valias só faz sentido na perspectiva do princípio da realização. E neste regime das mais e menos-valias estaremos sempre em presença de variações patrimoniais em função de uma transacção, ou seja, se um acto voluntário do contribuinte.

FF. Ora, a limitação decorrente do n.º 3 do art.º 45.º pressupõe esta actuação voluntária e só em face dela faz sentido que sejam instituídos mecanismos de controlo ou desincentivo de potenciais inflações de prejuízos por parte dos contribuintes, sendo que este risco não existe, como é fácil de depreender, na situação prevista na al. a) do n.º 9 do art.º 18.º pois que os ajustamentos (positivos ou negativos) decorrentes da aplicação do justo valor ocorrem independentemente da vontade do sujeito passivo e num mercado regulamentado.

GG. Neste mesmo sentido, releva na economia do dispositivo em causa uma noção de contrapartida fiscal da possibilidade de redução a metade da tributação das mais-valias decorrentes da alienação de partes sociais em caso de reinvestimento (art.º 48.º do Código do IRC).

HH. Partindo desta perspectiva pura de capacidade contributiva, parece, então, perfeitamente legítimo que o legislador queira conferir um tratamento simétrico às referidas perdas e ganhos, diminuindo o peso fiscal de uma mais-valia (para metade), mas obstando igualmente a uma dedutibilidade total das menos-valias (para metade).

II. Esta ideia de «contrapartida» e de «equilíbrio» entre ganhos e perdas tem, de resto, similar ressonância no regime fiscal das SGPS (cfr. art.º 32 do EBF, também ele, entretanto, revogado), ao se prever aí a não relevação fiscal em igual percentagem (100%) de menos e mais-valias de partes sociais.

JJ. Em suma, além da ratio, da letra e do contexto da lei apontarem inequivocamente para o mal fundado na interpretação advogada pela AT, a solução que dela decorre repugna à justiça tributária e está em clara oposição com o princípio da capacidade contributiva, a baliza constitucional mais relevante do IRC e da tributação pelo lucro real.

KK. Esta circunstância demonstra, salvo o devido respeito, a falácia dos argumentos apresentados pela AT na sua Resposta. Com efeito, segundo a AT, a não aplicação da limitação à dedutibilidade dos gastos prevista no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC aos gastos decorrentes da aplicação da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º introduziria uma injustiça face à tributação de participações sociais mensuradas ao justo valor, mas às quais não fosse aplicável a regra de relevação das variações de justo valor. E tal injustiça existiria porque, ao aceitar que as variações de justo valor negativas fossem aceites como gasto na sua totalidade, ao passo que as menos-valias de instrumentos com o mesmo tratamento contabilístico, mas diferente tratamento fiscal, seriam aceites apenas em metade do seu valor…

LL. Na verdade, admitindo que a situação compaginada pela AT poderia constituir uma injustiça – no que não se concede, então sempre se teria de olhar para a outra face da mesma moeda, ou seja, as mais-valias. É que a ser como pretende a AT, no caso de mais-valias, teríamos, aí sim, um caso de injustiça, pois teríamos as participações que cumprissem os requisitos da al. a) do n.º 9 do artigo 18.º tributadas na sua totalidade, mas os ganhos de participações sociais que, ainda que mensuradas contabilisticamente ao justo valor, não cumprissem tais requisitos com a possibilidade de tributação em apenas 50% (cfr. art. 48.º do CIRC).

MM. Assim, acompanhamos novamente Tomás Castro Tavares, na conclusão de que «Um hipotético tratamento assimétrico (…) cria, bem vistas as coisas, um regime fiscal mais injusto do que o modelo puro da realização, que é, por isso, flagrantemente inconstitucional, porque esta disparidade louva-se apenas na necessidade de preservação da receita – e não em quaisquer razões legitimadoras de base fiscal, económica ou jurídica

NN. No sentido do que vem de ser dito estão, aliás, as conclusões apresentadas no Relatório do Grupo de Trabalho sobre o «Impacto Fiscal das Adopção das Normas Internacionais de Contabilidade» que refere que «relativamente aos (…) instrumentos financeiros [que representem uma participação igual ou inferior a 5% no capital social da participada], foi recomendada a adopção do modelo do justo valor para efeitos fiscais, mas somente quando as variações de justo valor sejam reconhecidas em resultados». Acrescentando que apenas «(…) deve ser afastada a dedutibilidade fiscal de perdas decorrentes de variações do justo valor respeitantes a instrumentos de capital próprio que não se encontrem admitidos à negociação em mercado regulamentado, tendo sido salientada a dificuldade em mensurar com fiabilidade o justo valor desses activos».

OO. No mesmo sentido, o Relatório do Grupo de Trabalho criado pelo Despacho n.º 1467/20069-XVII, de 11 de Dezembro de 2006, do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, para proceder às necessárias alterações e adaptação das regras de determinação do lucro tributável às normas internacionais de contabilidade (pp. 6 e seguintes), refere que, «em face do novo regime contabilístico dos instrumentos financeiros, introduziram-se as seguintes alterações: - (…) Aceitação dos ganhos e perdas resultantes da aplicação do justo valor (relevados na demonstração de resultados) em instrumentos financeiros».

PP. Não foi, pois, efectivamente, intenção do legislador incluir as variações negativas do justo valor no conceito de “outras perdas relativas a partes de capital” previsto no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC, e, assim, limitar a sua dedutibilidade, ainda que parcialmente. Pela mesma razão, o valor do ajustamento de transição, que configura a aplicação retrospectiva do método do justo valor, deve ser aceite na sua totalidade e não apenas em 50%.

QQ. Conforme foi demonstrado pela análise da norma, considerando os seus elementos histórico e teleológico, à luz do princípio da dependência parcial entre contabilidade e fiscalidade, estamos perante instrumentos financeiros em que se encontra afastada a capacidade de influenciar a cotação de mercado, não havendo possibilidade de controlo e/ou manipulação dos impactos fiscais estando, por isso, afastadas quaisquer preocupações de controlo de abusos do contribuinte.

RR. Por outro lado, fica demonstrado que não foi intenção dos legislador fiscal incluir os ajustamentos negativos do justo valor no conceito de «outras perdas relativas a partes de capital» previsto no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC, mas antes autonomizar o regime dos instrumentos financeiros reconhecidos ao justo valor através de resultados do regime fiscal aplicável a mais e menos-valias apuradas na transmissão onerosa de partes de capital, em conformidade com o facto de se tratarem de realidades de natureza distinta e não passíveis de qualquer aplicação analógica.

SS. Mas mais: por via da existência de uma redução de valor que não encontra reflexo na determinação da matéria colectável em sede de IRC, foram apresentadas evidências que comprovam que a orientação proposta pela AT geraria situações de sobretributação manifestamente injustas e desprovidas de sentido, existiria uma clara contradição com os Princípios Constitucionais da Tributação pelo Rendimento Real e da Capacidade Contributiva.

TT. Em face de todo o exposto temos que, quer o gasto decorrente da aplicação do justo valor, quer a aplicação retrospectiva do mesmo método – por via do ajustamento de transição para o SNC - terão de concorrer na totalidade para a formação do lucro tributável da Requerente no período de tributação aqui em análise corrigindo-se em conformidade o acto de autoliquidação.

 

III.        DA RESPOSTA DA REQUERIDA

 

Na resposta deduzida, a Requerida invoca diversas excepções que, na sua óptica, impedirão este tribunal de se pronunciar sobre o pedido deduzido, levando à absolvição da instância.

Invoca, em primeiro lugar, a ineptidão da petição inicial por falta ou ininteligibilidade da causa pedir, nos termos do n.º 1 e alínea a) do n.º 2 do art. 186.º do CPC, por considerar que a Requerente não cumpriu com o dever de especificação imposto pela alínea e) do n.º 1 do art. 552.º do CPC. No entender da Requerida, competia à Requerente “(…) alegar a correspondente causa de pedir, nomeadamente, os referidos factos respeitantes à data de aquisição da participação em causa, a percentagem de tal participação no capital da entidade à data da aquisição, o custo de aquisição, bem como, ainda, o registo contabilístico da participação ao custo de aquisição, segundo o modelo contabilístico que vigorava anteriormente” (cfr. art. 13.º da Resposta). Impunha-se, também, à Requerente “(…) a identificação cabal dos pressupostos de facto para aplicação do regime transitório previsto nos n.º 1, 5 e 6 do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, sobre cujo entendimento diz divergir com a Autoridade tributária e Aduaneira, assim aduzindo os fundamentos de facto e de direito correspondentes ao pedido” (cfr. art. 15.º da Resposta). Não tendo cumprido com este dever, o pedido deduzido não está devidamente fundamentado, justificando-se a alegação da omissão ou ininteligibilidade da causa de pedir, com as inerentes consequências processuais.

De seguida, a Requerida invoca a incompetência material deste tribunal para se pronunciar sobre o pedido deduzido pela Requerente no segmento em que quantifica os efeitos da declaração de ilegalidade peticionada. No entender da Requerida, a quantificação das consequências da declaração de ilegalidade peticionada não se contêm nas competências próprias da jurisdição arbitral pelo que tal pedido deduzido pela Requerente extravasaria os limites previstos no art. 2.º do RJAT e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Por fim, a Requerida alega ainda a extemporaneidade do pedido de pronúncia arbitral. Entende a Requerida que, não obstante a Requerente fazer menção de que o pedido de pronúncia se dirige, imediatamente, à apreciação do indeferimento da reclamação graciosa deduzida, e, mediatamente, à apreciação da legalidade do acto de liquidação do IRC de 2012, a final, a Requerente peticiona apenas a anulação parcial do acto de autoliquidação do IRC de 2012. Na verdade, apesar da Requerente se referir ao despacho de indeferimento, o facto é que não formulou ou concretizou qualquer pedido tendente à anulação do que nessa sede foi decidido. Nessa medida, o objecto efectivo do presente pedido de pronúncia arbitral seria o acto de autoliquidação de IRC de 2012, para o qual já estaria ultrapassado o prazo legal de impugnação. Conclui, assim, pela intempestividade do pedido que deu origem aos presentes autos.

Todas as excepções invocadas constituem excepções dilatória dando lugar à absolvição da instância, nos termos do art. 278.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do art. 29.º do RJAT. Deve, por isso, este tribunal abster-se de apreciar o pedido deduzido e absolver a Requerida da instância.

Sem prejuízo das excepções invocadas, e no que se refere ao mérito do pedido, a Requerida pugna pela sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões em sede de alegações:

27. Conforme sobejamente explanado na Resposta - que aqui se dá por reproduzida sem mais, assim evitando repetições inúteis - a desconsideração em 50% das perdas respeitantes a partes de capital contabilizadas ao justo valor é a única que respeita a vinculação da Administração e do julgador às opções legislativas de conformação do regime aplicável à tributação das pessoas coletivas, de acordo com todas as imposições constitucionais aplicáveis.

28. E, inexistindo qualquer inovação substantiva nesta matéria nas alegações da Requerente, cumpre aqui reiterar apenas que não é possível dizer-se que o regime do artigo 45.º, n.º 3 do CIRC constitui uma contrapartida do regime de exclusão parcial da tributação da diferença positiva entre as mais e menos valias, prescrito no artigo 48.º do mesmo diploma legal;

29. Desde logo, por o regime previsto no artigo 48.º do CIRC só se aplicar mediante a verificação de determinados pressupostos, não operando “automaticamente”, sendo necessário, para o efeito, que exista reinvestimento.

30. Assim, pode suceder, nos casos de efetivas transmissões onerosas, que uma menos-valia seja fiscalmente considerada apenas em 50% e uma mais-valia, porque inexistiu reinvestimento, seja fiscalmente considerada pela totalidade, a que acresce o facto de tal regime ser de carácter facultativo e não impositivo, pois se trata de um diferimento da tributação.

31. Nem se vislumbrando como tal possa suceder na situação prevista no art. 46º, nº 5, b) do CIRC, em que se assimila, para efeitos fiscais, a transmissão onerosa uma situação de reclassificação contabilística ou de alterações nos pressupostos da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC.

32. Por isso, não se pode considerar, como pretende a Requerente, que tal regime ínsito no artigo 48.º do CIRC constitua uma contrapartida do tratamento fiscal estatuído no artigo 45.º, n.º 3 do CIRC para a diferença negativa entre as mais e menos valias.

33. Mais se diga que, se o legislador, nem antes nem depois de 2010, introduziu qualquer disposição a consagrar uma solução simétrica para os rendimentos/ganhos e gastos/perdas decorrentes da aplicação do justo valor, nos termos e condições a que se refere o art.º 18.º, n.º 9, alínea a), também não pode o intérprete, seja a AT ou o sujeito passivo, substituir-se-lhe nessa tarefa.

34. Repare-se, ainda, que o entendimento que a ora Requerente defende no seu pedido de pronúncia arbitral veio, de facto, a ser acolhido pelo legislador, mas tal só aconteceu em 2014, com a revogação do artigo 45.º, sendo de sublinhar que com a entrada em vigor da mencionada Lei da Reforma de IRC estas perdas passaram a ser totalmente dedutíveis, e isso porque o legislador, nessa altura, assim o entendeu, não se tratando de uma lei interpretativa, mas de uma lei inovadora.

35. Deste modo, a alteração ao CIRC que nesta matéria foi introduzida pela lei que veio reformar esse Código – Lei n.º 2/2014 – confirma o bem fundado do entendimento acolhido pela entidade requerida e reflectido nas correcções promovidas pela AT.

36. Por fim, em nota final, refira-se que os ganhos e as perdas decorrentes da variação do justo valor de participações sociais não se podem qualificar como mais e menos valias,

37. Razão pela qual a AT em sede de Resposta explicitou que, contrariamente ao pretendido pela Requerente, na situação sub judice não se está perante uma situação com cabimento na primeira parte do artigo 45.º n.º 3 do CIRC, e por isso sujeita ao tratamento fiscal das mais e menos valias, mas sim na segunda parte.

38. Isto é, a variação patrimonial negativa relativa a partes de capital, resultante dos ajustamentos contabilísticos operados por força da transição do POC para o SNC; e as perdas resultantes da variação do justo valor, e decorrentes da depreciação da cotação das acções, no ano de 2012, que terá declarada no Campo 737 do Quadro 07 da declaração periódica da Requerente apenas concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor por respeitarem a perdas ou variações patrimoniais negativas referidas naquele normativo.

39. E, remetendo-se uma vez mais para todo o expendido em sede de Resposta, importa apenas invocar novamente a bem fundamentada decisão arbitral proferida no processo n.º 25/2015-T, a qual julgou improcedente o pedido arbitral aí deduzido, considerando não existir qualquer vício na interpretação defendida pela AT, igualmente propugnada nos presentes autos.

(…)

41. Assim, como concluído naquela decisão arbitral, a interpretação da AT não se encontra infirmada nos autos, pelo que, antes das alterações introduzidas no Código do IRC pela Lei n° 2/2014, de 16 de Janeiro, o n° 3 do art. 45.° era aplicável aos ajustamentos decorrentes da mensuração ao justo valor dos instrumentos financeiros com os requisitos definidos na alínea a) do n° 9 do art. 18.°, o que resulta em que a Requerente deveria considerar, no exercício em causa nos presentes autos, que a perda refletida em resultados na contabilidade apenas poderia ser deduzida para efeitos fiscais em metade do seu valor, nessa medida devendo o pedido arbitral ser julgado improcedente.

 

IV.        DA RESPOSTA ÀS EXCEPÇÕES

 

Notificada para se pronunciar sobre as excepções dilatórias deduzidas pela Requerida, a Requerente pugnou pela improcedência das mesmas.

Quanto à ineptidão da petição inicial por falta ou ininteligibilidade da causa pedir entende a Requerente que não há qualquer fundamento para a sua invocação. De facto, resulta demonstrado, tanto da petição da reclamação graciosa e respectiva decisão, como do pedido de pronúncia arbitral que a matéria em discussão é a aplicação do n.º 3 do art. 45.º do Código do IRC (redacção em vigor à data) aos gastos decorrentes dos ajustamentos de valor relativos a instrumentos financeiros, a que se refere o art. 18.º, n.º 9, alínea a), do Código do IRC, não havendo qualquer confusão, obscuridade ou ambiguidade que impeça – como não impediu – a Requerida de apreender a pretensão da Requerente.

No entender da Requerente, improcede, também, a excepção de incompetência material porque, contrariamente ao que a Requerida parece concluir, a Requerente requereu a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e da autoliquidação de IRC de 2012. O pedido efectuado está, pois, no âmbito de competências dos tribunais arbitrais, tal como delimitado no art. 2.º do RJAT e na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Por fim, improcede a intempestividade alegada uma vez que tal conclusão tem por base uma análise incompleta de todo o processo. No início da petição inicial, a Requerente delimita, desde logo, o objecto do presente pedido. Esta delimitação do objecto é concretizada nos arts. 21.º, 40.º, 41.º e 43.º da petição inicial em que é feita menção à reclamação graciosa deduzida, pelo que não há qualquer dúvida de que o que se pretende é que seja anulado, imediatamente, o acto de indeferimento da reclamação graciosa e, mediatamente, a autoliquidação de IRC. Assim sendo, o presente pedido de pronúncia arbitral foi deduzido no respectivo prazo legal, contado a partir da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

Conclui, por isso, a Requerente pela total improcedência das excepções invocadas.

 

V.          MATÉRIA DE FACTO

 

                        A. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

1.             A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades.

2.             A Requerente era titular de uma participação inferior a 5% no Banco B…, S.A., NIPC… .

3.             A 31 de Dezembro de 2010, a Requerente procedeu ao registo contabilístico da referida participação nos termos das NCRF 27 e 3, registando em capitais próprios uma perda no montante de € 92.948,80.

4.             Em 2012, a Requerente registou contabilisticamente gastos por mensuração da referida participação ao justo valor, no montante de € 57.489,28, correspondente à diferença negativa entre o valor da cotação do título em causa e o valor registado a 31 de Dezembro de 2011.

5.             A 25-10-2013, a Requerente submeteu a declaração Mod. 22 individual, identificada com o n.º …-… -…, em substituição da inicialmente submetida.

6.             Nesta declaração de rendimentos, a Requerente apurou um lucro tributável individual de € 3.690.243,04.

7.             No campo 705 do Quadro 7 da Mod. 22 – “Variações patrimoniais negativas (regime transitório previsto no art. 5.º, n.ºs 1, 5 e 6 do DL 150/2009, de 13/7)” – a Requerente inscreveu o valor de € 9.294,88.

8.             No campo 737 do Quadro 07 da Mod. 22 – “50% de outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes de capital próprio (art. 45.º, n.º 3, parte final)” – a Requerente inscreveu o valor de € 28.744,64.

9.             Na qualidade de sociedade dominante, a Requerente entregou a 28-10-2013 a Mod. 22 do grupo de sociedades, identificada com o n.º …-… -…, em substituição da inicialmente entregue.

10.         Da declaração de grupo submetida resultou imposto a recuperar no montante de € 449.981,78.

11.         A 30-10-2013, foi emitida a nota de liquidação n.º 2013…, com valor a reembolsar no montante de € 449.981,78.

12.         A 30-01-2015, a Requerente apresentou reclamação graciosa da autoliquidação efectuada.

13.         A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 15-05-2015, proferido pelo Senhor Director de Finanças de … (em substituição), notificado à Requerente pelo ofício n.º…, de 15-05-2015.

14.         A decisão de indeferimento remeteu para a informação preparada para efeitos de exercício de audição prévia da Requerente, nos seguintes termos:

 

15.         Em 31-07-2015, a Requerente deu entrada do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

B. Factos não provados

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.

 

C. Fundamentação da matéria de facto

 

A matéria de facto dada como provada assenta nos factos alegados pelas partes, na prova documental invocada e não contestada, e no processo administrativo junto aos autos, analisados criticamente à luz das regras de repartição do ónus da prova e das presunções legais previstas nos arts. 74.º e 75.º da LGT, respectivamente. De assinalar, também, que não houve divergências das partes quanto ao quadro factual descrito pela Requerente, cingindo-se a discussão à interpretação e aplicação da lei.

 

VI.         MATÉRIA DE DIREITO

 

A. Da ineptidão da petição inicial por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir

 

Na sua resposta, a Requerida começa por invocar a ineptidão da petição inicial por falta ou ininteligibilidade da causa pedir, o que consubstanciaria uma violação à alínea e) do n.º 1 do art. 552.º do CPC, que se traduziria na nulidade de todo o processo, nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 186.º do CPC. Tal nulidade constitui uma excepção dilatória que implicará a absolvição da instância de acordo com o art. 278.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do art. 29.º do RJAT.

Vejamos:

Nos termos do n.º 4 do art. 581.º do CPC “Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido”. 

A causa de pedir consiste, assim, na alegação da relação material de onde o autor faz derivar o correspondente direito e, dentro dessa relação material, na alegação dos factos constitutivos do direito invocado.

Ora, contrariamente ao alegado pela Requerida, a Requerente elenca na petição inicial os factos que, na sua perspectiva, são constitutivos do direito invocado e sustentam o pedido deduzido a final. Com efeito, a Requerente descreveu a situação de facto que, a seu ver, justifica o pedido de declaração de ilegalidade efectuado, identificando, em concreto, os factos que considera relevantes para a apreciação do mesmo. Isso mesmo resulta dos arts. 22.º e seguintes da petição inicial, em especial dos arts. 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 31.º, 35.º, 36.º, 40.º e 41.º.

Da petição inicial apresentada retira-se com clareza suficiente qual é a causa de pedir que sustenta o pedido efectuado: a Requerente pretende a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e, consequentemente, da autoliquidação do IRC de 2012, por considerar que esta é ilegal por errada quantificação da matéria tributável uma vez que os gastos contabilizados com a mensuração ao justo valor dos instrumentos financeiros detidos pela Requerente foram apenas considerados, para efeitos fiscais, em 50% do respectivo valor, por efeito da aplicação, ilegal, do n.º 3 do art. 45.º do Código do IRC (redacção em vigor à data).

De referir, aliás, que a alegada omissão ou ininteligibilidade do pedido efectuado e da causa de pedir não impediu a Requerida de se pronunciar sobre o mérito da pretensão, nos mesmos termos e à semelhança do que se verificara já no âmbito da reclamação graciosa deduzida.

Sobre esta questão, cumpre recordar o que escreveu Alberto dos Reis[2] ao defender que não se deverá “(…) confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente. Claro que a deficiência pode implicar ineptidão: é o caso de a petição ser omissa quanto ao pedido ou à causa de pedir; mas aparte esta espécie, daí para cima são figuras diferentes a ineptidão e a insuficiência da petição.”. Continuando, ainda, este A. a clarificar que “Quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite factos ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a acção naufraga. (…) A pouca clareza e precisão na dedução dos fundamentos não importa ineptidão quando, apesar disso, se depreende qual a causa de pedir. (…) Por vezes torna-se difícil distinguir a deficiência que envolve ineptidão da que deve importar improcedência do pedido. Há uma zona fronteiriça, cuja linha divisória nem sempre se descobre com precisão. São os casos em que o autor faz, na petição, afirmações mais ou menos vagas e abstractas, que umas vezes descambam na ineptidão por omissão da causa de pedir, outras na improcedência por falta de material de facto sobre que haja de assentar o reconhecimento do direito.

Nessa medida, haverá que concluir que só deverá considerar-se inepta a petição inicial da qual não se consiga retirar, ainda que de forma não evidente ou clara, o sentido do pedido e da causa de pedir do autor. Saber se a causa de pedir alegada é ou não suficiente para fundamentar o pedido deduzido, é já matéria de apreciação do mérito da acção e não matéria de apreciação do cumprimento formal das regras processuais.

Isso mesmo concluiu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 02-03-2011, proferido no proc. n.º 0711/10, ao considerar que “(…) Se a factualidade alegada é, ou não, adequada e suficiente para a procedência da pretensão dos impugnantes é questão que se prende já com o mérito da impugnação e não com a questão da ineptidão da PI.

Face ao exposto, por considerar que a causa de pedir está suficientemente densificada nos presentes autos, conclui-se pela improcedência da excepção de ineptidão da petição inicial por omissão ou ininteligibilidade da causa de pedir suscitada pela Requerida.

           

B. Da incompetência material do tribunal arbitral

 

            Suscitou, ainda, a Requerida a incompetência do tribunal arbitral para se pronunciar sobre o segmento do pedido em que a Requerente quantifica os efeitos da declaração de ilegalidade peticionada porquanto extravasa o âmbito de competência dos tribunais arbitrais tal como previsto no art. 2.º do RJAT e na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. Nessa medida, quanto à pretensão em causa, haverá lugar à absolvição da instância, nos termos do n.º 2 do art. 576.º e alínea a) do art. 577.º do CPC, por remissão da alínea e) do art. 29.º do RJAT.

            Antes de mais, cumpre reiterar que o pedido de pronúncia arbitral deduzido pela Requerente tem por objecto, imediato, a legalidade do indeferimento da reclamação graciosa deduzida com referência à autoliquidação de IRC de 2012 e, mediato, a própria autoliquidação de IRC de 2012. Contrariamente ao que a Requerida alega (ver art. 29.º da Resposta), a Requerente não pediu o reconhecimento de qualquer direito, não se podendo considerar que o pedido de reembolso, expressamente quantificado pela Requerente, consubstancie um pedido autónomo ou complementar ao pedido de declaração de ilegalidade dos actos identificados pela Requerente. Este pedido de reembolso não é mais do que a consequência jurídica do eventual deferimento da pretensão da Requerente, estando plenamente compreendida nos poderes de actuação dos tribunais arbitrais.

            Com efeito, resulta da alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT que “A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”.

            Por sua vez, os efeitos da decisão arbitral vêm expressamente previstos no n.º 1 do art. 24.º do RJAT, permitindo concluir que, como refere Jorge Lopes de Sousa[3], “(…) as decisões arbitrais têm também, na prática, um efeito constitutivo, pois à declaração de ilegalidade dos actos estão associadas obrigações de execução idênticas às previstas para as decisões judiciais anulatórias, inclusivamente a prática do acto devido em substituição do que foi declarado ilegal e reconstituição da situação que existiria se esse acto não tivesse sido praticado (…)”.

            Nessa medida, compete ao tribunal arbitral determinar e fixar em concreto os efeitos da sua decisão porque só assim se poderá repor a legalidade, afastando da ordem jurídica os actos tributários que sejam declarados ilegais. Isso mesmo refere Jorge Lopes de Sousa[4](…) a fixação expressa dos efeitos da decisão arbitral indicados no artigo 24.º do RJAT e a referência que se faz a eles decorrerem dos “exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo”, parece admitir, se não mesmo pressupor, a fixação expressa desses efeitos na decisão arbitral”. 

            Face ao exposto, conclui-se que integra o âmbito de competência deste tribunal arbitral não apenas a estrita apreciação da legalidade dos actos tributários contestados, mas também a fixação e determinação dos efeitos da eventual declaração de ilegalidade dos mesmos. E, de entre esses efeitos, caberá a determinação da obrigação de reembolso por parte da Requerida do valor do imposto pago em excesso, acrescido de eventuais juros indemnizatórios. Improcede, por isso, a excepção de incompetência material invocada pela Requerida.

 

C. Da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral

 

            A Requerida suscita, também, a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral por considerar que, tendo este por objecto o acto de autoliquidação de IRC de 2012, à data em que o mesmo foi submetido já estaria ultrapassado o prazo legal previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT.

            No entender deste tribunal, não assiste razão à Requerida.

Isto porque a Requerente declara inicialmente que apresenta “(…) Pedido de pronúncia arbitral imediatamente, sobre o indeferimento da reclamação graciosa (…) e, mediatamente, sobre a legalidade do acto de liquidação referente ao IRC do período de tributação de 2012”, reiterando este pedido no art. 21.º da petição inicial. Ao longo da petição inicial, a Requerente pronuncia-se sobre o conteúdo da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (ver artigos 43.º e seguintes da petição inicial). Nessa medida, não restam dúvidas quanto ao objecto do presente pedido de pronúncia arbitral que abrange o despacho de indeferimento da reclamação graciosa bem como a autoliquidação do IRC de 2012.

            Tendo o pedido de pronúncia arbitral sido deduzido no prazo de 90 dias após a notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, é o mesmo tempestivo à luz da alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT. Improcede, assim, a excepção invocada pela Requerida.                                                                                                                                                                                     

           

D. Da ilegalidade da autoliquidação do IRC de 2012

 

            De tudo o que vem exposto supra resulta que a questão a apreciar nestes autos se prende com a aplicabilidade da limitação prevista no n.º 3 do art. 45.º do Código do IRC aos gastos contabilizados por ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor a instrumentos financeiros, nos termos da alínea a) do n.º 9 do art. 18.º do Código do IRC, em duas vertentes:

            (i) relativamente ao ajustamento de transição previsto no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2013, de 13 de Julho (com a consequente inscrição no campo 705 da Mod. 22 de metade de 1/5 do ajustamento de transição); e

            (ii) relativamente ao gasto por redução de justo valor verificado em 2012 (com consequente inscrição no campo 737 da Mod. 22 de metade do gasto contabilizado no exercício em causa).

            Sobre esta matéria existe já jurisprudência deste centro de arbitragem, sendo que nos procs. 108/2013-T, 208/2015-T, 231/2015-T e 396/2015-T foi dado provimento à pretensão dos requerentes, com fundamentos semelhantes aos invocados pela Requerente. Contrariamente, no proc. 25/2015-T, a pretensão do requerente foi indeferida, tendo o árbitro responsável pelo referido processo concluído que a limitação de dedução prevista no n.º 3 do art. 45.º do Código do IRC é também aplicável aos gastos dedutíveis por via da alínea a) do n.º 9 do art. 18.º do referido Código.

Ponderados os argumentos e analisada a questão, este tribunal adere às decisões proferidas nos procs. 108/2013-T, 208/2015-T, 231/2015-T e 396/2015-T, concluindo pela procedência do pedido deduzido pela Requerente.

Senão vejamos:

O n.º 9 do art. 18.º do Código do IRC, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, aplicável aos períodos de tributação que se iniciaram a partir de 1 de Janeiro de 2010, passou a prever o seguinte:

9. Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando:

a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social; ou

b) Tal se encontre expressamente previsto neste Código.

            Em complemento desta previsão, a alínea f) do n.º 1 do art. 20.º do Código do IRC passou a prever expressamente que concorrem para a formação do resultado tributável:

f) Rendimentos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;

Por sua vez, a alínea i) do n.º 1 do art. 23.º do Código do IRC passou a prever expressamente que concorrem para a formação do resultado tributável:

i) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;

            Este novo enquadramento dos rendimentos e gastos com instrumentos financeiros contabilizados pelo justo valor, ao abrigo das competentes regras contabilísticas, levou a desconsiderar, como mais-valias ou menos-valias, os ganho ou perdas resultantes da sua transmissão onerosa, adoptando-se uma nova redacção do n.º 1 do art. 43.º do Código do IRC:

1. Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afectação permanente a fins alheios à actividade exercida, respeitantes a:

a) Activos fixos tangíveis, activos intangíveis, activos biológicos que não sejam consumíveis e propriedades de investimento, ainda que qualquer destes activos tenha sido reclassificado como activo não corrente detido para venda;

b) Instrumentos financeiros, com excepção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º”.

Por fim, para efeitos de aplicação de um regime transitório, o art. 5.º do referido Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, previa que:

1. Os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adoptadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respectiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de activos ou passivos, ou de alterações na respectiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.”.

As alterações introduzidas pelo referido diploma legal justificam-se, de acordo com o próprio preâmbulo, nos seguintes termos: “Ainda no domínio da aproximação entre contabilidade e fiscalidade, é aceite a aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, mas apenas nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada. Assim, excluem-se os instrumentos de capital próprio que não tenham um preço formado num mercado regulamentado. Além disso, manteve-se a aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, bem como às partes de capital que correspondam a mais de 5 % do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados.” 

            Da conjugação de todos estas normas resulta que, de acordo com a pretensão do legislador, a tributação de instrumentos de capital próprio (tais como acções) que representem menos de 5% do respectivo capital social, registados contabilisticamente através do modelo do justo valor através dos resultados e que tenham um preço formado em mercado regulamentado, é feita de forma continuada durante o período de detenção da participação, e não apenas no momento da respectiva alienação, extinção, liquidação ou exercício (como previsto no corpo do n.º 9 do art. 18.º do Código do IRC). Daí que, em cada exercício, o sujeito passivo tenha que reconhecer os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor que passam a relevar directamente para a formação do lucro tributável.

De referir que, sento este regime apenas aplicável aos instrumentos financeiros cujo preço é fixado em mercado regulamentado, a sua aplicação não estará dependente da vontade do sujeito passivo, sendo os critérios de ajustamento objectivamente fixados pelo mercado sem possibilidade de manipulação contabilística. Assim sendo, eventuais normas e medidas previstas de combate à fraude e evasão fiscal não serão aqui justificáveis ou necessárias.

Tendo em conta este quadro legal, importa avaliar se a limitação de dedução fiscal prevista no n.º 3 do art. 45.º do Código do IRC é ou não aplicável aos gastos decorrentes da aplicação do justo valor aos instrumentos financeiros a que se refere a alínea a) do n.º 9 do art. 18.º do Código do IRC.

À data, dispunha a referida norma o seguinte:

3. A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor”.

Ora, resulta do quadro legal supra exposto, que os ajustamentos efectuados por aplicação do justo valor não são configuráveis como mais-valias nem menos valias, dado que não resultam da de qualquer transmissão onerosa (nos termos do n.º 1 do art. 43.º do Código do IRC). Nessa medida, o primeiro segmento do n.º 3 do art. 45.º do Código do IRC não será aqui aplicável.

Os ditos ajustamentos, quando negativos, também não correspondem a variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital porque, como referido expressamente no art. 23.º do Código do IRC, são qualificados como gastos do exercício e nunca como variações patrimoniais negativas (cfr. art. 24.º do Código do IRC). Nessa medida, o segmento do n.º 3 do art. 45.º do Código do IRC relativo às variações patrimoniais negativas não será aqui aplicável.

Resta, assim, verificar se tais gastos podem configurar “perdas (…) relativas a partes de capital” a que se refere o normativo em causa, como defende a Requerida.

Embora o Código do IRC não delimite os conceitos de “gastos” e “perdas”, a verdade é que as expressões são utilizadas diferenciadamente pelo legislador, em situações distintas, não se podendo, à partida, assumir a sua correspondência ou similitude. Veja-se, a título de exemplo, a alínea h) do n.º 1 do art. 23.º do Código do IRC (redacção à data) que qualificava como “gastos” as “perdas por imparidade”, o que permite concluir que, para o legislador, os conceitos serão distintos. 

Nessa medida, e com base num elemento literal, seremos levados a concluir que a limitação de dedução fiscal prevista no n.º 3 do art. 45.º do Código do IRC ao referir-se a “perdas” não será aplicável aos “gastos” decorrentes da aplicação do justo valor aos instrumentos financeiros a que se refere a alínea a) do n.º 9 do art. 18.º do Código do IRC.

E este elemento literal é reforçado pelo elemento teleológico. Com efeito, o n.º 3 do art. 45.º do Código do IRC[5] surge num contexto legal em que as perdas relativas a instrumentos financeiros estavam unicamente dependentes de um acto de vontade do sujeito passivo na medida em que eram apenas consideradas no momento da sua transmissão. Nessa medida, e como se concluiu na decisão proferida no proc. 108/2015-T, “Ora, neste quadro, será compreensível que o legislador institua mecanismos de desincentivo a uma actuação susceptível de ser considerada como desvaliosa, no caso a realização de menos valias ou outras variações patrimoniais negativas. Ao dispor que tais situações apenas relevarão em 50% do montante contabilizado, o legislador fiscal está, objectivamente, a condicionar as actuações abrangidas pela previsão legal, impondo um incentivo negativo às mesmas. Por outro lado, e estando em causa instrumentos financeiros de valor não objectivamente quantificável, a desconsideração em 50% das variações patrimoniais negativas verificadas, teria também uma função de compensar a natural tendência dos operadores económicos para, ao nível fiscal, inflacionarem os prejuízos”.

Ora, esta possibilidade de manipulação voluntária de resultados – que justifica a adopção de normais desincentivadoras de tal prática - não se verifica nos casos a que se refere a alínea a) do n.º 9 do art. 18.º do Código do IRC. Como refere Tomás Castro Tavares[6]Ao justo valor negativo nunca subjaz uma motivação de evasão fiscal, por arbitrariedade valorimétrica, pela razão simples de que a tributação do fair value se cinge aos activos transaccionados em mercado organizado, onde a cotação do activo (valorização e desvalorização) se desenraíza totalmente da vontade fiscal do contribuinte”. Na verdade, estes ajustamentos serão determinados com base em critérios objectivos (a cotação do mercado regulamentado), sem qualquer intervenção da vontade do sujeito passivo ao qual não é conferido qualquer poder conformador. Os ajustamentos ocorrem independentemente da sua vontade, impondo-se apenas e tão só com base em critérios objectivos não manipuláveis.

Assim, e como refere Tomás Castro Tavares[7], “A vontade do contribuinte nunca molda o facto tributário assente no fair value: desaparece o óbice económico do lock-in (o facto tributário dissocia-se da decisão de venda); se os proveitos do justo valor são totalmente tributados (nunca se lhes aplica o regime das mais e menos valias), os gastos também devem ser aceites na totalidade, e não há, por fim, uma assimétrica inclinação para a realização do custo do justo valor, por comparação com o ganho – pela simples razão de que o facto tributário do justo valor (positivo ou negativo) dissocia-se, totalmente, da vontade do sujeito passivo”.

Face ao exposto, penalizar o sujeito passivo com uma desconsideração de 50% do gasto incorrido seria, assim, injustificado, quer do ponto de vista jurídico, quer do ponto de vista económico, sendo certo que a instituição do n.º 3 do art. 45.º do Código do IRC teve como objectivo evitar situações de fraude, abuso ou manipulação por parte dos sujeitos passivos que, como referido, não se verificam nas situações da alínea a) do n.º 9 do art. 18.º do Código do IRC.

E para demonstrar a irrazoabilidade económica e jurídica da pretensão da Requerida, retomamos aqui o exemplo proposto no acórdão 108/2013-T:

 

Ano

Valor Inst. Financeiro

Variação Patrimonial

Art. 45.º, n.º 3, CIRC

0

Valor de Aquisição (VA)

0

0

1

VA + 40

+40

+40

2

VA + 20

-20

-10

3

VA

-20

-10

4

VA – 40

-40

-20

5

VA

+40

+40

6

VA – 20

-20

-10

 

E a interpretação que dele se faz no referido acórdão que aqui subscrevemos e reproduzimos: “A não aplicação da norma do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC aos gastos, e concretamente aos “Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”, com a consideração plena das repercussões patrimoniais verificadas, sejam positivas ou negativas, leva a uma coerência da tributação qualquer que seja a altura em que se verifique a alienação do instrumento financeiro. Ou seja, em qualquer altura que se escolha para proceder à alienação do instrumento financeiro, as alterações patrimoniais positivas e negativas compensam-se, de modo que, a final, o sujeito passivo apenas tenha acrescentado ou diminuído ao seu lucro tributável a diferença entre o valor de aquisição e o valor de venda. Já se se aplicasse a norma do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, como pretende a Autoridade Tributária e Aduaneira, a partir do momento em que se verifique uma alteração patrimonial negativa, haverá uma discrepância entre a relevância fiscal das variações patrimoniais negativas e positivas, sem qualquer justificação, como se disse, uma vez que aquelas variações ocorrem de forma objectiva e independente da actuação ou vontade do sujeito passivo. Assim, se ao fim do segundo ano o sujeito passivo do exemplo supra procedesse à realização do instrumento financeiro em causa, não obstante ter realizado uma mais-valia de apenas 20 (que seria tributada como tal ao abrigo do princípio da realização), teria, afinal, pago imposto sobre 30 (40-10). Do mesmo modo, se procedesse àquela realização ao fim do terceiro ano, teria pago imposto sobre 20, não obstante não ter tido qualquer acréscimo patrimonial com a operação. E se procedesse à mesma realização ao fim do sexto ano, teria pago imposto como se tivesse tido um acréscimo patrimonial de 30 (80-50), não obstante ter tido uma variação patrimonial efectiva de -20, que, ao abrigo do princípio da realização consagrado no CIRC, seria atendível, ainda que em apenas 50% do respectivo valor (-10)! Parece claro que tais resultados, meramente aleatórios e sem qualquer justificação substancial que os sustente, não poderão ter sido queridos por um legislador razoável, que, por imperativo do artigo 104.º, n.º 2, da CRP, tem de fazer assentar a tributação das empresas fundamentalmente sobre o seu rendimento real.”

            Assim, não sendo o n.º 3 do art. 45.º do Código do IRC literalmente aplicável aos gastos decorrentes dos ajustamentos para justo valor dedutíveis nos termos e condições da alínea a) no n.º 9 do art. 18.º do referido Código, e não resultando esta aplicabilidade da própria teleologia da norma – antes pelo contrário –, conclui-se que a dedução fiscal dos gastos contabilizados por via da adopção dos justo valor relativamente a instrumentos de capital próprio em percentagem inferior a 5% do capital social cujo preço seja fixado em mercado regulamentado não está sujeita à limitação do referido art. 45.º do Código do IRC.

Ou seja, a redacção do n.º 3 do art. 45.º do Código do IRC não é aplicável aos gastos por ajustamentos negativos do valor dos instrumentos financeiros a que se refere a alínea a) do n.º 9 do art. 18.º do Código do IRC.

Face ao exposto, resta concluir pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida pela Requerente com referência ao IRC de 2012, bem como a autoliquidação de IRC desse mesmo exercício, por errada interpretação e aplicação do n.º 3 do art. 45.º do Código do IRC que deu origem ao erro na quantificação da matéria tributável do exercício de 2012. Erro este que se traduziu na dedução em apenas 50% dos gastos decorrentes da aplicação do justo valor, quer quanto ao regime transitório do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, quer quanto ao ajustamento negativo contabilizado em 2012.

 

E. Do direito a juros indemnizatórios

 

            A par do reembolso do imposto pago em excesso, a Requerente pede ainda o pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do art. 43.º da LGT. A Requerida contesta, alegando que não se verificam os pressupostos legais para tal pagamento, em especial o erro imputável aos serviços.

O pedido é legalmente admissível ao abrigo do n.º 5 do art. 24.º do RJAT, em conjugação com o art. 100.º da LGT.         

Nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Em complemento, pelo n.º 2 do mesmo artigo “Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

Resulta dos presentes autos que, na autoliquidação de IRC contestada e ora declarada ilegal, a Requerente adoptou as instruções divulgadas pela Requerida, nomeadamente as instruções de preenchimento da Mod. 22 e a informação vinculativa de Fevereiro de 2011 publicada pela Requerida.

          O erro na quantificação da matéria tributável, derivado de uma errada interpretação e aplicação do n.º 3 do art. 45.º do Código do IRC, é, assim, imputável à Requerida pelo que se verificam os pressupostos legais do direito a juros indemnizatórios por parte da Requerente.

          Face ao exposto, para além do reembolso do imposto indevidamente pago, a Requerente tem, ainda, direito ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor, contados desde a data do reembolso em valor inferior ao legalmente devido até à data de processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos – cfr. art. 43.º da LGT e n.º 4 do art. 61.º do CPPT.                                                                      

 

 

VI.         DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, este Tribunal Arbitral decide:

A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando ilegais o despacho de indeferimento da reclamação graciosa deduzida com referência à autoliquidação do IRC de 2012 bem como a autoliquidação de IRC reclamada;

B) Anular a autoliquidação de IRC de 2012, nos termos peticionados, fazendo inscrever no campo 705 da Mod 22 individual da Requerente o valor de € 18.589,76, ao invés do valor inscrito de € 9.294,88, e retirar do campo 737 da mesma declaração o valor inscrito de € 28.744,64, com as demais consequências legais ao nível do apuramento do imposto devido pelo grupo de sociedades da qual a Requerente é sociedade dominante;

C) Condenar a Requerida ao reembolso do imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor, contados desde a data do pagamento do reembolso em valor inferior ao legalmente devido até à data de processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos – cfr. art. 43.º da LGT e n.º 4 do art. 61.º do CPPT.                                                                      

 

Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor do processo em € 9.509,88.

 

Custas: Nos termos do n.º 4 do art. 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

Lisboa, 04-04-2016

O Árbitro Singular

 

 

(Maria Forte Vaz)

 

 

 

 



[1] Ficha doutrinária emitida no processo n.º 39/2011, com despacho de 24/02/2011 do Director-Geral dos Impostos.

[2] Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, págs. 369 e seguintes.

[3] Cfr. Guia da Arbitragem Voluntária, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Pereira, Almedina, 2013, págs. 110 e seguintes.

[4] Ob. cit. pág. 112.

[5] Introduzido pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, e posteriormente alterado pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro.

[6] Cfr. “Justo Valor e Tributação das Mais Valias de Acções de Sociedades Cotadas: a propósito da interpretação do art. 18.º, n.º 9, alínea a) do CIRC”, Estudos em memória do Prof. Doutor J.L. Saldanha Sanches, Volume IV, pág. 1143.

[7] Cfr. ob. citada, pág. 1144.