Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 509/2015-T
Data da decisão: 2016-01-11  Selo  
Valor do pedido: € 6.244,66
Tema: IS – verba 28.1 da TGIS
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Decisão Arbitral

 

            I – Relatório

 

            1.1. A..., com o NIF..., e sua irmã, B..., com o NIF..., residentes na Rua..., n.º 1, 2.º Esq. e 1.º Esq., respectivamente, ...-... Lisboa (doravante designadas por «requerentes»), tendo sido notificadas da liquidação de Imposto de Selo relativa ao ano de 2014, efectuada pela AT ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS na redacção dada pelo art. 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, no valor global de €5761,82, apresentou, a 29/7/2015, pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no art. 10.º do Dec.-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, daqui em diante designado por «RJAT»), em que é Entidade Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira («AT»), visando, em síntese, a anulação das “liquidações de Imposto de Selo emitidas e ora impugnadas, devendo, em qualquer caso, julgar-se inconstitucional a verba 28 da TGIS, designadamente a verba 28.1 na sua actual redacção e consequentemente anular-se, por via disso, as referidas liquidações.”

 

            1.2. A 28/10/2015 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

 

1.3. A 29/10/2015, a AT foi citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT. A AT apresentou a sua resposta em 1/12/2015, tendo, em síntese, argumentado no sentido da total improcedência do pedido das ora Requerentes. Notificadas da resposta da AT, as Requerentes decidiram pronunciar-se sobre a mesma por requerimento de 21/12/2015. A 5/1/2016, a AT pediu o desentranhamento do requerimento. O Tribunal decidiu indeferir o pedido de desentranhamento através de despacho de 8/1/2016.

 

1.4. Por despacho de 4/1/2016, o Tribunal considerou ser dispensável a reunião do artigo 18.º do RJAT, bem como a produção de prova testemunhal solicitada pelas Requerentes porque o processo continha todos os elementos necessários à decisão. O Tribunal fixou, ainda, a prolação da decisão para o dia 11/1/2016.

 

1.5. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

 

            II – Alegações das Partes

 

            2.1. Vêm as Requerentes alegar, na sua petição inicial, que: a) “está claro que para a AT há lugar à incidência do imposto de selo, em virtude de o valor patrimonial do terreno perfazer o montante de €5.185.640,00, isto é, ser superior ao limite de €1.000.000,00”; b) “o legislador, na sua voragem insaciável de obtenção de receita, alterou a redacção da norma para nela abranger os terrenos para construção, desde que nestes venha a haver uma edificação, autorizada ou prevista, para habitação. Ora, no caso em apreço tal não acontece”; c) “à AT caberia demonstrar que, no terreno em causa, está autorizada ou prevista uma edificação para habitação”; d) “o terreno em apreço não tem edificção autorizada ou prevista para habitação”; e) “não estão, assim, fundamentados os actos de liquidação impugnados, uma vez que não foram minimamente enquadrados nos requisitos de que depende a aplicação da verba 28.1 da TGIS aos terrenos para construção”; f) “uma vez que a lei faz depender a aplicação aos terrenos para construção da verba 28.1 da TGIS da verificação de um requisito – terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação – então a AT, ao liquidar o imposto, deveria referir por que motivo entende que o terreno em causa se encontra dentro dessa circunstância. O que minimamente não aconteceu no caso em apreço”; g) “não existe licença de construção nem projecto com aprovação em vigor”; h) “mas há mais: é que a verba 28.1 da TGIS, pelo menos na sua actual redacção, é manifestamente inconstitucional”; i) “a ora alegada inconstitucionalidade material da norma em apreço resulta, desde logo, da sua manifesta oposição ao art. 104.º, n.º 3, da Constituição da República [...]. [...] a aplicação da aludida verba 28.1 da TGIS não só não contribui para a pretendida e desejável igualdade, como conduz à criação de profundas e mesmo desesperantes injustiças e desigualdades [pois] tal norma, abstraindo-se da situação geral do património do contribuinte, que pode por exemplo ser integrado apenas por um terreno para construção de valor atribuído pela AT superior a um milhão de euros, vai penalizar de forma iníqua esse contribuinte, por comparação com outros que são proprietários de muitos imóveis (quiçá também terrenos para construção), mas, porque nenhum deles atinge aquele limite, escapa ao imposto em causa”; j) “tão-pouco se compreende a discriminação dos imóveis afectos a fins habitacionais se compreende à luz do princípio da igualdade”, l) “a verba 28.1 em análise viola, ainda, o princípio da capacidade contributiva, que é o princípio ordenador do ordenamento jurídico tributário, como princípio apto para atribuir coerência ao casuísmo excessivo que marca frequentemente a legislação fiscal [...] e lesa o princípio da proporcionalidade, impondo a alguns contribuintes um sacrifício desmedido ou mesmo incomportável”.

 

            2.2. Concluem as Requerentes que, em face do supra exposto, “devem ser anuladas as liquidações de Imposto de Selo emitidas e ora impugnadas, devendo, em qualquer caso, julgar-se inconstitucional a verba 28 da TGIS, designadamente a verba 28.1 na sua actual redacção e, consequentemente, anular-se, por via disso, as referidas liquidações, julgando-se assim procedente o pedido de pronúncia arbitral.”

           

            2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação, que: a) “o presente pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a declaração de inconstitucionalidade da norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS e, em consequência, das liquidações de Imposto do Selo relativas ao prédio, melhor identificado supra, e, concomitantemente, a anulação das referidas liquidações”; b) “nenhuma dúvida poderá subsistir para o ano ora em crise, i.e., 2014, porquanto, com a Lei n.º 83-C/2013 de 31-12-2013, foi alterada a letra daquele dispositivo passando a incluir expressamente os terrenos para construção como elemento objectivo de incidência da norma, pelo que falece necessariamente qualquer tentativa de chamar à colação qualquer questão interpretativa da letra da Lei”; c) “Inexiste [...] qualquer sustentação para a propugnada ilegalidade que a Requerente pretende imputar às liquidações sub judice, tendo a Entidade Requerida actuado no estrito cumprimento da lei, à qual está rigorosamente vinculada, subsumindo o facto tributário à expressa previsão normativa”; d) “resulta dos documentos constantes do Processo Administrativo (PA) o seguinte: Em 28/01/2011 foi apresentada declaração Modelo 1 de IMI para efeitos de inscrição/ou actualização de prédios urbanos na matriz, tendo sido anexados planta de localização do prédio e projecto ou viabilidade construtiva (cfr. PA). Pelo que, foi da manifestação de vontade do sujeito passivo ao apresentar a declaração Modelo 1 de IMI, com os respectivos elementos por si juntos, que a AT procedeu à respectiva inscrição/actualização da matriz. Donde resultou o seguinte: Tipo de prédio: «Terreno para construção» / «Tipo de coeficiente de localização: Habitação». Matriz que foi actualizada e com a afectação que resultou do pedido e documentos apresentados pelo sujeito passivo. [...] nenhum erro existe na matriz e na respectiva afectação porquanto o projecto de edificação já aprovado constante do processo n.º.../EDIF/… de 07.07.2009 da Câmara Municipal de Lisboa, contempla «a construção (…) de três edifícios destinados a habitação (…)». [...] – cfr. PA”; e) “resulta, pois, evidente do quadro sinóptico constante do PA o deferimento do pedido de construção e aprovação do projecto de arquitectura apresentado, destinado a HABITAÇÃO”; f) “Por todo o exposto, as liquidações em crise consubstanciam uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei”; g) “não vemos que da [norma ínsita na verba 28.1 da TGIS] resulte a violação dos princípios da proporcionalidade, da legalidade, da confiança dos cidadãos e da capacidade contributiva”; h) “a não inclusão dos prédios Comerciais, industriais ou para serviços, é intuitiva em face das circunstâncias históricas, políticas, sociais e económica que envolveram a criação da verba 28.1, pois que sendo consabido e público que a reanimação da atividade económica e o aumento das exportações são as portas de saída para a crise, compreende-se que não se tomassem legislativamente medidas que dificultassem a atividade económica, designadamente o agravamento da carga fiscal que a dificulta e afecta a competitividade em termos internacionais. Estamos, portanto, perante um legítimo critério de diferenciação racional e lógico, em nada violador dos ditames constitucionais, que impõe a limitação de incidência da tributação em causa aos prédios habitacionais de luxo ou com afectação habitacional, com exclusão e em detrimento dos prédios com afectações estritamente económicas”; i) “entende a AT que a previsão da verba 28.º da TGIS não consubstancia qualquer violação do princípio da igualdade do art.º 13.º da CRP. Com efeito, a verba 28.1 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a €1.000.000,00, ou seja, incide sobre o valor do imóvel. Trata-se, repita-se, de uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito”; j) “a medida implementada procura buscar um máximo de eficácia quanto ao objectivo a atingir, com o mínimo de lesão para outros interesses públicos que não se consubstanciam em qualquer arbitrariedade da distinção feita pela Verba 28.1 em função da afectação habitacional dos prédios. Antes sim, trata-se de uma opção legítima, legal e constitucional do legislador”; l) “suscitada a questão da inconstitucionalidade da verba 28 da TGIS, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro e do seu n.º 1 (verba 28.1 TGIS), aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, e, posteriormente, alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), em concreto a violação dos princípios da igualdade tributária, capacidade contributiva e da proporcionalidade, entendeu o Tribunal Constitucional [no seu Acórdão de 11/11/2015, proferido no proc. 542/14] que: «não se verificando a violação dos parâmetros de constitucionalidade invocados pela recorrente, nem de quaisquer outros, improcede, por conseguinte, o recurso» [...]. Nestes termos, concluiu o douto tribunal que a norma sindicada, i.e., a verba 28 da TGIS, não enferma de nenhuma inconstitucionalidade, inexistindo qualquer violação dos princípios constitucionais conformadores da lei fiscal, especificadamente, dos princípios da igualdade fiscal, da capacidade contributiva e da proporcionalidade”.

 

            2.4. Conclui a AT que, pelo supra exposto, “as liquidações em crise consubstanciam uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Entidade Requerida do pedido.”

 

            III – Factualidade Provada, Não Provada e Respectiva Fundamentação

 

3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

            i) As requerentes são comproprietárias do terreno para construção sito na Rua..., entre os n.os ... e..., freguesia de..., concelho de Lisboa, com um VPT de €5.185.640,00.

 

ii) As liquidações ora em causa têm por base o VPT constante da matriz, e o facto de existir, quanto ao prédio em causa, projecto de edificação aprovado constante do processo n.º .../EDIF/…, de 7/7/2009, da CML (vd. PA apenso aos autos) – tendo a AT liquidado, em consequência, o Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS, na redacção que lhe foi dada pelo art. 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12.

 

            iii) O referido projecto de edificação aprovado inclui a totalidade do prédio (o qual tem a área total de 9010 m2) – vd. PA apenso aos presentes autos – e não apenas a área de implantação de 5180 m2 destinada, no âmbito do projecto, à implantação de edifícios.

 

iv) O presente pedido de pronúncia arbitral visa a declaração de inconstitucionalidade da norma de incidência contida na verba 28.1 da TGIS e, em consequência, das liquidações de Imposto do Selo relativas ao prédio, melhor identificado supra, e, concomitantemente, a anulação das referidas liquidações.

 

            v) Inconformadas com a liquidação em causa, as Requerentes apresentaram o presente pedido de pronúncia arbitral em 29/7/2015.

 

            3.2. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

            3.3. Os factos considerados pertinentes e provados (v. 3.1) fundamentam-se na análise das posições expostas pelas partes e da prova documental junta aos autos.

 

            IV – Questão Prévia

 

            O pedido de declaração de inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, na sua actual redacção, dada pelo art. 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, e que consta da presente petição de pronúncia arbitral, exige uma análise prévia, da qual resulta a conclusão de que esse pedido não pode deixar de ser improcedente.

 

            Com efeito, não merece quaisquer dúvidas que o mencionado pedido de declaração de inconstitucionalidade foi peticionado pelas Requerentes (“[deve] julgar-se inconstitucional a verba 28 da TGIS, designadamente a verba 28.1 na sua actual redacção”); e que o Tribunal Arbitral não possui competência para declarar a inconstitucionalidade da referida norma (ou outra).

 

            Assim, pelo exposto, conclui-se que o presente Tribunal Arbitral é incompetente para apreciar (e decidir sobre) o referido pedido (o qual não esgota os pedidos objecto do presente litígio), por ocorrer excepção dilatória conducente à absolvição da instância da AT quanto ao mesmo, de acordo com o disposto nos arts. 576.º, n.º 2, e 577.º, al. a), e 278.º, n.º 1, todos do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

 

            V – Do Direito

 

            No presente caso, as questões essenciais que se colocam são as de saber se, como alega a ora Requerente: i) a tributação em IS dos terrenos para construção «cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação» viola os princípios constitucionais da igualdade em matéria tributária e capacidade contributiva, e o princípio constitucional do rendimento real; ii) se, no terreno para construção em causa, existe edificação, autorizada ou prevista, para habitação.

 

i) Para a resolução da questão elencada, importa analisar a evolução e enquadramento da referida verba 28, quer antes, quer depois da alteração determinada pelo art. 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 (que é a redacção aplicável ao presente caso).

 

Nesse sentido, torna-se útil a referência ao Acórdão do STA de 9/4/2014 (proc. n.º 1870/13), que, tal como outros arestos do STA – e.g.: Acórdão de 9/4/2014 (proc. n.º 48/14); Acórdãos de 23/4/2014 (proc. n.os 270/14, 271/14 e 272/14); Acórdão de 25/11/2015 (proc. 1338/15) – faz uma análise histórica e cronológica detalhada da evolução e enquadramento da verba 28 ora em análise:

 

“O conceito de «prédio (urbano) com afectação habitacional» não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é uma função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

 

Esta alteração – a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros)”. [Fim de citação.]

 

Antes da alteração legislativa que passou, de forma inovadora, a incluir os referidos terrenos para construção, é que se mostrava necessário averiguar, fazendo uso de diversos elementos interpretativos, se, na ausência de referência literal, tais terrenos poderiam, ainda assim, ser incluídos no âmbito de incidência objectiva da mencionada verba 28. E, por essa razão, o referido aresto prosseguiu, dizendo:

 

“[Nada] esclarecendo [o legislador] em relação às situações pretéritas [i.e., liquidações anteriores a 2014], como a que está em causa nos presentes autos, não parece poder perfilhar-se [quanto a estas] a interpretação do recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo. [Sublinhados nossos.]

 

Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.

 

E do seu «espírito», apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44 [...]) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza «mais poupadas» no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de «prédios (urbanos) com afectação habitacional», porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido – como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD –, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros» (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, «os prédios (urbanos) habitacionais», em linguagem corrente «as casas», e não outras realidades.

 

[...]. [...] referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com «afectação habitacional», sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

 

Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos «habitacionais» e «terrenos para construção», não podem estes ser considerados como «prédios com afectação habitacional» para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.” [Fim de citação.]

 

Em síntese, daqui se depreende que: 1) com a nova redacção da verba 28.1 da TGIS, dada pelo art. 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 (aplicável aos presentes autos, por se tratar de imposto do ano de 2014), alargou-se, de forma inovadora, o âmbito de incidência objectiva da norma, ao incluir-se, de forma explícita, os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais; 2) a aplicação da referida redacção é inequívoca, não deixando lugar a dúvidas, atento o elemento literal da norma em causa.

 

Com efeito, para a correcta interpretação jurídica é necessário atender, desde logo, ao ponto de partida e limite que constitui o elemento literal.

 

No mesmo sentido, veja-se, entre muitos outros arestos, o seguinte: “Interpretar a lei é atribuir-lhe um significado, determinar o seu sentido a fim de se entender a sua correcta aplicação a um caso concreto. A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, factores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente. O primeiro são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal); os outros a que seguidamente se recorre, constituem os elementos, geralmente, denominados lógicos (histórico, racional e teleológico). O elemento literal, também apelidado de gramatical, são as palavras em que a lei se exprime e constitui o ponto de partida do intérprete e o limite da interpretação.” (Acórdão do STA de 29/11/2011, proc. 701/10).

 

Do exposto decorre que não se afasta a possibilidade de fazer uso dos vários elementos interpretativos para, a partir deles, reconstituir o pensamento legislativo (vd. art. 9.º, n.º 1, do C.Civil). Contudo, tendo sempre presente que esse pensamento legislativo terá que ter um mínimo de correspondência com a letra da lei (vd. art. 9.º, n.º 2) e que, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete tem de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (vd. art. 9.º, n.º 3).

 

De outro modo, haveria o risco de cair num subjectivismo que o referido art. 9.º não permite – risco esse que poderia, sem qualquer justificação, impedir a aplicação de textos legais por razão da sobrevalorização de elementos a ele estranhos mas que se reputavam como sendo os que traduziriam a verdadeira vontade do legislador.

 

Neste mesmo sentido, veja-se o seguinte aresto: “Refere BAPTISTA MACHADO, a propósito da posição do nosso Código Civil perante o problema da interpretação: «I - O art. 9.º deste Código, que à matéria se refere, não tomou posição na controvérsia entre a doutrina subjectivista e a doutrina objectivista. Comprova-o o facto de se não referir, nem à "vontade do legislador», nem à «vontade da lei», mas apontar antes como escopo da actividade interpretativa a descoberta do «pensamento legislativo» (art. 9.º, 1). Esta expressão, propositadamente incolor, significa exactamente que o legislador não se quis comprometer. [...] II - Começa o referido texto por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra mas reconstituir a partir dela o «pensamento legislativo». Contrapõe-se letra (texto) e espírito (pensamento) da lei, declarando-se que a actividade interpretativa deve – como não podia deixar de ser – procurar este a partir daquela. A letra (o enunciado linguístico) é, assim, o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9.º, 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) «que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso». Pode ter de proceder-se a uma interpretação extensiva ou restritiva, ou até porventura a uma interpretação correctiva, se a fórmula verbal foi sumamente infeliz, a ponto de ter falhado completamente o alvo. Mas, ainda neste último caso, será necessário que do texto «falhado» se colha pelo menos indirectamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação. Afasta-se assim o exagero de um subjectivismo extremo que propende a abstrair por completo do texto legal quando, através de quaisquer elementos exteriores ao texto, descobre ou julga descobrir a vontade do legislador. Não significa isto que se não possa verificar a eventualidade de aparecerem textos de tal modo ambíguos que só o recurso a esses elementos externos nos habilite a retirar deles algum sentido. Mas, em tais hipóteses, este sentido só poderá valer se for ainda assim possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto infeliz que se pretende interpretar.” (Acórdão do STJ n.º 4/2015, de 24/3/2015).

 

Ora, do presente texto legal não se retira qualquer das situações de excepção supra identificadas e que, em tese, poderiam conduzir a uma interpretação restritiva ou até mesmo correctiva: não decorre do texto ora em causa uma alusão sequer ao sentido que a Requerente para ele propõe nos autos; e não há nele contradição insanável ou ambiguidade (nem pequena nem grande) que justifique recorrer aos elementos externos para determinar, por eles, o que deve entender-se quando se lê o texto (literal). Estas conclusões estavam já subjacentes da análise que o Acórdão, supra citado, do Venerando STA fez da inclusão “inequívoc[a] para o futuro [dos] terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação [no] âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo”.

 

Pelo supra exposto, mostra-se inegável reconhecer que a alteração literal em causa, para além de ser inequívoca, expressa uma alteração do pensamento legislativo à qual o aplicador não pode ser insensível (sob pena de passar da “interpretação” para a “alteração de sentido” da norma, o que lhe está, como se sabe, vedado); para além de que resulta evidente que a nova redacção permite identificar, de forma mais clara, e com recurso a conceitos legalmente definidos no artigo 6.º do CIMI, o âmbito de incidência objectiva da norma em causa.

 

Relativamente à alegação das Requerentes de que a tributação em IS dos terrenos para construção «cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação» viola os princípios constitucionais da igualdade em matéria tributária e capacidade contributiva, e o princípio constitucional do rendimento real, cabe remeter, in totum, para a fundamentação constante do recente Acórdão do Tribunal Constitucional de 11/11/2015, segundo a qual – note-se que, ainda que analisando a anterior redacção da norma e, portanto, não considerando, especificamente, os terrenos para construção, não se vislumbra razão para não estender a sua linha argumentativa aos mesmos, também pelas razões já supra expostas – se deixa claro que a norma da verba 28 e 28.1 da TGIS não viola os alegados princípios constitucionais, ao impor a tributação anual sobre a propriedade de prédios urbanos com afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário de valor igual ou superior a €1.000.000,00. Com efeito, leiam-se os seguintes excertos:

 

“A recorrente entende que a normação questionada merece censura constitucional, por violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade e da capacidade contributiva, fundamentalmente a partir da consideração, por um lado, de que a medida não reveste aptidão para o fim invocado e, por outro, de que atinge arbitrariamente apenas alguns proprietários de algum património. [...] a argumentação da recorrente [considera que a tributação sindicada assume], na sua ótica, carácter assistemático e arbitrário, a partir da consideração de que a tributação do património imobiliário deveria ser feita em sede de IMT e IMI, e por discriminar sem fundamento racional contribuintes com a mesma capacidade contributiva. Sem razão, adiante-se. Desde logo, da inscrição da tributação em análise no âmbito do Imposto do Selo, e não noutras espécies de impostos, não resulta, em si mesma, infração de qualquer parâmetro de constitucionalidade. Mesmo que fosse de concluir pela introdução de fator de incoerência, ou mesmo de desequilíbrio, no sistema de tributação do património imobiliário [...], a mera assistematicidade da norma questionada não é idónea a determinar a censura constitucional [...]. Também não se encontra na norma de incidência em apreço medida fiscal arbitrária, porque desprovida de fundamento racional. [...] a alteração legislativa [determinada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10] teve como propósito alargar a tributação do património, fazendo-a recair de forma mais intensa sobre a propriedade que, pelo seu valor bastante superior ao da generalidade dos prédios urbanos com afectação habitacional, revela maiores indicadores de riqueza e, como tal, é suscetível de fundar a imposição do contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido «princípio da equidade social na austeridade». [...]. Cabe referir que a Constituição não impõe a criação de um imposto geral sobre o património, atribuindo à tributação a função de contribuir para a igualdade entre os cidadãos (artigo 104.º, n.º 3, da Constituição), sendo o legislador livre quanto à solução a adotar. Pode, como aponta CASALTA NABAIS, em prossecução de tal objectivo constitucional, «proceder à discriminação de patrimónios, tributando os mais elevados e isentando os mais baixos ou adotando taxas progressivas» (ob. cit., pág. 436). E mesmo que se possa extrair do princípio da capacidade contributiva um modelo geral sobre o património com uma base tributável alargada a todas as manifestações de riqueza, os obstáculos de praticabilidade que se lhe opõem são suscetíveis de conduzir na realidade à criação de desigualdades entre contribuintes. [...]. [...] persiste uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, sem infringir o princípio da capacidade contributiva, cujo alcance, não sendo excluído, diminui no âmbito da tributação do património, face ao que acontece na tributação sobre o rendimento. [...]. Não se verificando a violação dos parâmetros de constitucionalidade invocados pela recorrente, nem de quaisquer outros, improcede [...] o recurso.” (Acórdão do Trib. Constitucional n.º 590/2015, de 11/11/2015).

 

            ii) Pelo supra exposto, concluiu-se que a norma da verba 28.1 é clara quando afirma que nela se incluem os terrenos para construção “cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”, o que significa – procedendo a uma mera interpretação declarativa –, que a autorização ou previsão de edificação para habitação está contemplada. Assim, tendo sido juntos aos presentes autos elementos suficientes para considerar que, no presente caso, se trata de terreno para construção com projecto de edificação aprovado (vd. docs. constantes do PA apenso aos autos), conclui-se que não assiste razão às ora Requerentes.

 

Alegaram, contudo, as Requerentes, por via de requerimento de 14/12/2015, embora sustente “a AT que para o terreno em questão foi aprovado o projecto de edificação constante do processo n.º.../EDIF/2006, juntando cópia do ofício da C.M.L. em que tal aprovação foi comunicada ao então proprietário”, “tal ofício [...] é de 9 de Julho de 2009, isto é, há mais de seis anos [e] estamos no final de 2015 e não há licença de construção! [pelo que] o projecto em causa já se encontra arquivado, face ao tempo entretanto decorrido, nunca tendo chegado a ser emitida licença de construção.” A este respeito, não se vislumbra qualquer razão adiconal que possa colocar em causa o que se decidiu – apenas se reconhece que existe projecto de edificação aprovado, tal como tinha sido afirmado pela Requerida, devendo, ainda, notar-se que não foi feita prova nestes autos de que o mencionado projecto se encontra actualmente arquivado.

 

            Acrescentam as Requerentes que, ainda assim, se se entender que “havia projecto de edificação aprovado” (o que se mostra evidente), então “dos documentos apresentados pela AT para sustentar a sua tese, há que concluir o seguinte: que, tendo o terreno uma área total de 9.010 m2, a área de implantação dos edifícios é apenas de 5.180 m2 (cfr. ficha de avaliação, projecto submetido à C.M.L., parecer proposta n.º.../2011, a própria caderneta predial e, enfim, todo o processo administrativo) [...] e que na avaliação do imóvel isso foi determinante e levado em conta, tendo sido atribuído um valor de €3.266.985,55 à parte do terreno destinada a habitação e de €1.918.652,78 à parte restante destinada a outra afectação, que é exactamente a atrás mencionada (cfr. a certidão do teor matricial). Somando essas duas parcelas a verba de €5.185.640,00 que é o valor patrimonial do imóvel. Isto significa muito claramente que o imposto do selo da verba 28.1 da TGIS, a aplicar-se, só deveria incidir sobre a primeira daquelas parcelas (€3.266.985,55), pois é este o valor do terreno em que se pode edificar habitação. [...]. [...] sempre e em qualquer caso estariam incorrectas as liquidações em causa, pelo que sempre deveriam ser anuladas e quando muito substituídas por outras que tivessem como base de incidência o valor de €3.266.985,55 (pois só aí se pode construir habitação) e não o valor de €1.918.652,78 (pois aí não se pode construir).”

 

            Nesta parte, cabe notar que, embora exista a distinção referida pelas Requerentes entre a parte do prédio destinada a habitação e a outra parte destinada a outras afectações, fica claro, pela leitura, nomeadamente, da referida proposta n.º.../2011, que o projecto de edificação que a CML aprovou, através do Processo .../EDI/…, em 7/7/2009, diz respeito ao prédio (o qual tem a área total de 9010 m2). Assim sendo, conclui-se que o projecto diz respeito ao prédio na sua totalidade, mesmo que, por razões urbanísticas ou outras, o projecto contemple, numa parte, a construção de edifícios (com a referida área de implantação de 5180 m2), e noutra uma “área sobrante” (integrada com a anterior e dela não destacável) de 3380 m2, “destinada a zona verde, percurso pedonal e ao alargamento da...”. Por outras palavras, o projecto de edificação só é aprovado na medida em que inclui a totalidade dos 9010 m2, pelo que não pode ser cindido em duas partes, como pretendem as ora Requerentes (mesmo que essas partes sejam identificadas distintamente para fins de avaliação do valor patrimonial do imóvel). Note-se, por último, que não é pelo facto da totalidade do terreno não consistir em área de implantação de edifícios que a totalidade do terreno, objecto da referida projecto, perde a qualificação de terreno para construção cuja edificação é para habitação.

 

Em síntese: os argumentos das ora Requerentes são, pelo exposto, improcedentes, pelo que se conclui que a actuação da AT não merece, no caso em análise, qualquer censura.

 

***

 

            VI – DECISÃO

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            - Julgar verificada a existência de excepção dilatória, por incompetência material, relativamente ao pedido de declaração de inconstitucionalidade da verba n.º 28.1 da TGIS, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12.

- Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, na parte relativa à liquidação de IS do ano de 2014, mantendo-se a mesma integralmente na ordem jurídica, e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.

            - Julgar improcedente o pedido também na parte que diz respeito ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor das requerentes.

           

 

Fixa-se o valor do processo em €6244,66 (seis mil duzentos e quarenta e quatro euros e sessenta e seis cêntimos), nos termos dos artigos 32.º do CPTA e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e no art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo das requerentes, no montante de €612,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 11 de Janeiro de 2016.

 

 

O Árbitro,

 

 

Miguel Patrício

 

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.