Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 503/2017-T
Data da decisão: 2018-03-31  IRC  
Valor do pedido: € 36.563,43
Tema: IRC - Tributação autónoma - Presunção.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Partes

Requerente A…, S.A. (A…), NIPC PT…,

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

 

I.         RELATÓRIO

 

  1. Em 11 de Setembro de 2017 a Requerente (A…) entregou no CAAD um pedido de pronúncia arbitral (PPA) solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).

 

O PEDIDO

 

  1. A Requerente pretende que o TAS declare (1) a ilegalidade e anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que deduziu contra a autoliquidação de tributações autónomas de IRC do exercício de 2015, e bem assim, (2) a ilegalidade e anulação parcial da autoliquidação em IRC referente ao mesmo exercício, relativa a despesas e encargos com veículos exclusivamente afectos à actividade das empresas do Grupo Fiscal A…, mais especificamente no que respeita ao montante de € 36.563,43 e por último (3) lhe seja reconhecido o direito ao reembolso de € 36.563,43, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde a data de indeferimento da reclamação graciosa, ou seja, desde 23 de Junho de 2017.

 

A CAUSA DE PEDIR

 

  1. Uma vez que tributação autónoma aqui em causa tem a ver com um grupo de 25 viaturas que a Requerente tem afectas exclusivamente ao âmbito profissional, dado o seu objecto social, considera que “são um factor produtivo imprescindível à sua actividade empresarial”, essencialmente deslocações de jornalistas, entregas de jornais e revistas e garantir a presença dos colaboradores em reuniões com parceiros sociais.
  2. Pelo que conclui que “... relativamente aos encargos suportados com estas 25 viaturas ligeiras de passageiros cuja utilização é exclusivamente profissional, ...  considera que os mesmos não deveriam ter sido sujeitos a tributação autónoma, por terem um carácter puramente empresarial e isso ser passível de comprovação”.
  3. E porque “... a jurisprudência, designadamente a arbitral, ... tem de forma quase unânime entendido que a tributação autónoma sobre encargos e despesas com veículos tem implícita uma presunção susceptível de ser elidida, como sucede com todas as presunções tributárias em que assente determinada tributação” entende que, dada a indispensabilidade de dispor de uma frota de veículos para uso intermitente por colaboradores em serviço, fez prova perante a AT, face aos mecanismos de controlo do seu uso que adoptou, de que “não se verifica, comprovadamente, o pressuposto da tributação autónoma no que respeita ao segmento de veículos aqui em causa, na formulação negativa: ausência de licença e oportunidade para uso “promíscuo” dos veículos e na formulação positiva: utilização em exclusivo na actividade produtiva do Grupo Fiscal A…”;
  4. Pelo que não está, a autoliquidação aqui em causa, de acordo com a lei – artigo 88º nº 3 a 6 do Código do IRC – uma vez que a ratio destas normas, segundo a doutrina e a jurisprudência, parte da presunção de empresarialidade “parcial” das despesas sobre que incidem, devendo – citando a Decisão Arbitral CAAD 187/2013-T – “esta presunção de “empresarialidade parcial”, ... em coerência, considerar-se como abrangida pela possibilidade de elisão decorrente do art.º 73.º da LGT, quer pelo contribuinte, quer pela Administração Tributária. O que se afigura, de resto, conforme a uma proporcional e adequada distribuição do ónus probatório, na medida em que incidindo as tributações autónomas em causa sobre despesas de empresarialidade à partida não evidente, será o contribuinte quem estará melhor posicionado para demonstrar que tal requisito se verifica em concreto”.
  5. Só assim – citando a Decisão Arbitral CAAD 628/2014-T – “... se assegurando, devidamente, a conformidade do regime legal em questão com os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, que seriam desnecessária (e, ocasionalmente, como é o caso, desproporcionalmente) truncados, pela estatuição de uma presunção inilidível da parcialidade da afectação empresarial das despesas em questão”.
  6. Invoca a seu favor o sentido e consequências das seguintes decisões arbitrais CAAD “n.ºs 187/2013-T, 209/2013-T, 210/2013-T, 246/2013-T, 255/2013-T, 260/2013-T, 282/2013-T, 292/2013-T, 298/13-T, 6/2014-T, 36/2014-T, 37/2014T, 59/2014-T, 79/2014-T, 80/2014-T, 93/2014-T, 94/2014-T, 163/2014-T, 166/2014-T, 167/2014-T e 211/2014-T, 659/2014-T, 697/2014-T e 769/2014-T, 113/2015-T, 219/2015-T, 369/2015-T, 370/2015-T, 535/2015-T, 637/2015-T, 673/2015-T, 740/2015-T, 744/2015-T, 781/2015-T, 784/2015-T e 775/2015-T”.

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)

 

  1. O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 12-09-2017.
  2. Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 08.11.2017. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  3. O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 28.11.2017, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).
  4. Todos estes actos se encontram documentados nos registos constantes do Sistema de Gestão Processual que aqui se consideram reproduzidos.
  5. Logo em 28-11-2017 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. Respondeu em 07.01.2018, juntando o Processo Administrativo (PA) composto por cinco ficheiros informatizados, designado por PA1 (2 folhas), PA2 (8 folhas), PA3 (1 folha), PA4 (7 folhas) e PA 5 (22 folhas).
  6. Em 15.02.2018 realizou-se a reunião de partes do artigo 18º do RJAT com inquirição de duas testemunhas, a saber: B… que depôs à matéria dos 27º a 32º do pedido de pronúncia arbitral (PPA) e C… que depôs à matéria dos artigos 34º, 36º a 45º 50º 58º e 61º do PPA. O Tribunal notificou a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias, sendo que o prazo para a Requerida começou a contar com a notificação da junção das alegações da Requerente e em cumprimento do disposto no artigo 18º n.º 2º do RJAT, designou o dia 31-03-2018 para o efeito de prolação da decisão arbitral.
  7. Em 20.02.2018 a Requerente apresentou alegações escritas e em 08.03.2018 a Requerida apresentou as contra-alegações. As partes mantiveram o que já haviam referido no pedido e na resposta.

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

  1. Legitimidade, capacidade e representação – As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 
  2. Princípio do contraditório - Foi notificada a AT nos termos da alínea m) deste Relatório. Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD. Da sua junção foram sempre notificadas ambas as partes. Os documentos nºs 9 e 10, que não tinham inicialmente sido juntos na forma legível, foram-no no decurso do processo, tendo a AT exercido o direito de apreciação crítica dos mesmos em sede de contraditório.
  3. Excepções dilatórias - O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, como resulta do facto da Requerente ter apresentado o pedido de pronúncia em 11.09.2017 e a data constante da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa ser 27.06.2017.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

  1. A Requerente circunscreve o presente litígio às tributações autónomas relativas a viaturas da frota ou de serviço, num total de 25, que incidiram sobre despesas e encargos no montante, em 2015, de € 182.817,17, o que perfaz uma tributação em IRC de € 36.563,43.
  2. Alega em primeiro lugar “a indispensabilidade, decorrente da actividade do Grupo Fiscal A…, de dispor de uma frota de veículos para uso intermitente por colaboradores em serviço”, porquanto considera que “estas 25 viaturas de serviço, assim designadas por se encontrarem afectas exclusivamente ao serviço da empresa e seu Grupo Fiscal, são um factor produtivo imprescindível à sua actividade empresarial”, uma vez que as actividades constantes do seu objecto social “... em especial ... jornalismo/imprensa/comunicação social, actividade esta de âmbito nacional, implica necessariamente muitas deslocações em serviço dos seus colaboradores, quer seja para realizar uma determinada reportagem, quer seja para fazer entregas de jornais ou revistas, ou, simplesmente, para garantir a presença desses colaboradores em reuniões com parceiros comerciais”.
  3. E continua referindo: “a frota de 25 viaturas de serviço disponível para ser utilizada por colaboradores que as solicitem para um daqueles fins supre essa necessidade da actividade, gera uma maior eficiência na gestão do tempo despendido, e agiliza e facilita o desempenho e a performance do colaborador no exercício das suas funções e cumprimento das suas obrigações perante a entidade patronal, contribuindo, tudo isto, por sua vez, para a obtenção dos rendimentos que se encontram sujeitos a tributação em sede de IRC”, sendo que “... no que diz respeito aos encargos suportados pela A… com estas 25 viaturas de serviço (pool de serviço), encontra-se em condições de demonstrar que, por acção dos procedimentos internos a que estão sujeitas, as viaturas em apreço correspondem a situações, quer na teoria (intenção e querer da empresa) quer na prática (execução dessa intenção e querer empresariais), são de utilização exclusivamente profissional”.
  4.  Relativamente às regras internas de gestão e utilização das 25 viaturas de serviço e dos mecanismos de controlo do cumprimento das mesmas, refere que a sua utilização é ocasional pelos trabalhadores, obedece a regras de procedimentos e constam de um Manual de Procedimentos, nas quais refere, em síntese:

i) As viaturas só podem ser utilizadas mediante pedido de autorização prévia a superior hierárquico (o chamado “autorizador”), para a concreta deslocação em vista; ii) esta requisição ou pedido de autorização prévia é informaticamente efectuada, mediante plataforma especificamente concebida para o efeito;

iii) da requisição consta a indicação da data, do percurso, designadamente do destino da deslocação, do motivo ou justificação da mesma, e a hora de partida e de chegada previstas;

iv) depois de autorizada a deslocação pelo superior hierárquico, as chaves da viatura são levantadas na Portaria da redacção de Lisboa ou Porto, consoante o caso, que informa o utilizador onde a viatura está estacionada e regista os quilómetros à saída; 

v) no regresso da deslocação, a chave da viatura é devolvida na Portaria da redacção de Lisboa ou Porto, conforme o caso, Portaria esta que além de receber a chave da viatura, insere a data, hora e os quilómetros totais à chegada;

vi)o não cumprimento do procedimento em apreço por parte de um colaborador implica a aplicação de uma penalização ao colaborador, a qual, no limite, poderá resultar num processo disciplinar.”

  1. As viaturas são parqueadas nos edifícios das empresas do Grupo ou em Parqueamentos juntos aos mesmos e existe uma plataforma informática de gestão de transporte que produz mapas de controlo de utilização de viaturas de serviço.
  2. A Requerente parte da invocação da “ratio” das tributações autónomas, segundo vários autores e jurisprudência arbitral do CAAD para concluir que “... a “ratio” subjacente às tributações autónomas consiste em sujeitar a tributação em sede de IRC determinadas despesas que, ainda que concorram para a formação do lucro tributável em sede de IRC, facilmente poderão dar azo a situações de “confusão” entre a zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial” e citando “o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 310/2012 refere igualmente que a tributação autónoma visa “(…) por um lado, incentivar os contribuintes a ela sujeitos a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal e, por outro lado, evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da empresa””.
  3. Da “ratio” das tributações autónomas extrai a Requerente o que consta das decisões arbitrais 187/2013-T e 628/2014-T, citando várias partes das mesmas, nomeadamente: ““Este caráter antiabuso das tributações autónomas, será não só coerente com a sua natureza “anti-sistémica” (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva, apontada quer pelo Prof. Saldanha Sanches quer pela jurisprudência que o cita.

Neste prisma, as tributações autónomas em análise, terão então materialmente subjacente uma presunção de empresarialidade “parcial” das despesas sobre que incidem, em função da supra-apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá mesmo na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular). Confrontado com esta dificuldade, o legislador, em lugar de simplesmente afastar a sua dedutibilidade, ou inverter o ónus da prova da empresarialidade das despesas em questão (impondo, por exemplo, a demonstração de que “não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.”, como faz no artigo 65.º/1 do CIRC), optou por consagrar o regime actualmente vigente, que, não obstante, tem precisamente o mesmo fundamento, a mesma finalidade, e o mesmo tipo de resultado, que outras formas utilizadas noutras situações típicas do regime (no caso) do IRC.

Esta presunção de “empresarialidade parcial”, deverá, em coerência, considerar-se como abrangida pela possibilidade de elisão decorrente do art.º 73.º da LGT, quer pelo contribuinte, quer pela Administração Tributária.

O que se afigura, de resto, conforme a uma proporcional e adequada distribuição do ónus probatório, na medida em que incidindo as tributações autónomas em causa sobre despesas de empresarialidade à partida não evidente, será o contribuinte quem estará melhor posicionado para demonstrar que tal requisito se verifica em concreto.

Por seu lado, a própria Administração Tributária, caso o entenda e considere que o caso justifica o inerente dispêndio de meios, poderá sempre demonstrar que, relativamente às despesas em questão, e ainda que sobre elas tenha incidido tributação autónoma, não se verifica o requisito geral do artigo 23.º/1 do CIRC, designadamente a sua indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.”.

  1. E conclui: “... a interpretação das normas dos n.ºs 3 e 5 do artigo 88.º do CIRC (tributação autónoma sobre despesas e encargos com veículos) no sentido de que a presunção implícita de empresarialidade apenas parcial das despesas e encargos com veículos não seria elidível (presunção-ficção), é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, que manda tratar o desigual desigualmente (salvo impraticabilidade, o que não é a priori o caso) e, pela mesma razão, por violação do princípio da capacidade contributiva, da tributação fundamentalmente do rendimento real e da proporcionalidade, que implicam igualmente o tratamento desigual do que é desigual, o que é impedido por ficções. Impedimento este que não é constitucionalmente aceitável salvo impraticabilidade, o que não é a priori o caso. Violação, pois, do artigo 2.º (Estado de Direito), 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3, 103.º, n.º 1 (repartição justa) e 104.º, n.º 2, da Constituição”.
  2. Em alegações a Requerente sustenta o que já tinha sustentado em sede de PPA e refuta a alegada “imputação de objectivo ambiental à tributação autónoma” sobre despesas geradas por viaturas e a “incompatibilidade ente a possibilidade de elisão da presunção que invoca e o artigo 23º-1 do Código do IRC”.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

  1. A Requerida propugna por uma leitura diferente da lei.
  2. Começa por indicar que, na medida em que entende que a posição da Requerente não tem suporte na lei, o TAS não pode recorrer à equidade para julgar esta matéria, no sentido propugnado no PPA. A este propósito conclui: “a interpretação propugnada pela Requerente não encontra na letra da lei o mínimo respaldo que pudesse criar no intérprete algum tipo de dúvida a tal respeito”, sendo que “a persistente ênfase que a Requerente faz à especial natureza da sua actividade comercial e ao contexto da utilização dos seus veículos não são argumentos minimamente aptos a afastar aquilo que a lei fiscal expressa e claramente consagra: a sujeição a tributação autónoma”.
  3.  E conclui: “com estes argumentos pretende a Requerente sub-repticiamente abrir recurso à equidade, justificar uma justiça no caso concreto, em face da negação que lhe é dada pelo princípio da legalidade, pela ausência de arrimo na letra da lei”, “uma equidade aqui entendida na variante de funcionamento na correção de uma lei (pretensamente) inadequada ao caso concreto”, “todavia, não só a lei fiscal não permite que a equidade possa funcionar como fundamento da correção da lei inadequada no caso concreto, como o RJAT claramente veda ao tribunal arbitral o recurso àquela figura”.
  4.  Relativamente à presunção de “empresarialidade” relembra que “...de acordo com a redação dos números 3 a 6 do artigo 88.º do CIRC, os encargos suportados com veículos sujeitos à incidência das tributações autónomas abrangiam tanto os encargos considerados dedutíveis ao abrigo do artigo 23.º daquele código, como os encargos não dedutíveis, pois, em resultado das alterações introduzidas pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, deixou de existir qualquer interligação entre o regime de dedutibilidade dos encargos com veículos e as tributações autónomas”, acrescendo que “... não se vislumbra na letra dos números 3 a 6 do referido artigo 88.º, nem em qualquer outro preceito do CIRC, nem a Requerente invoca qualquer normativo que esclareça a alegação de que os encargos suportados com veículos, podem ser subtraídos à incidência das tributações autónomas desde que seja feita a demonstração da sua empresarialidade integral”.
  5. Insurge-se ainda contra a tese defendida pela Requerente, uma vez que a “...tese interpretativa dos normativos que regulam as tributações autónomas, desenvolvida em alguma jurisprudência arbitral, mormente na decisão proferida no processo n.º 209/2013-T, segundo a qual a sujeição a tributações autónomas de despesas referidas no artigo 88.º dependeria de uma opção do contribuinte a formular nos seguintes termos:  «As tributações autónomas (…) poderão ser encaradas como uma espécie de norma antiabuso consensual, em que o legislador propõe ao contribuinte uma de três alternativas, a saber: a) não deduzir a despesa; deduzir mas pagar a tributação autónoma, dispensando-se, quer a si quer à Administração Tributária de discutir a questão da empresarialidade da despesa; provar a empresarialidade integral da despesa, e deduzi-la integralmente, não suportando a tributação autónoma.»”, uma vez que “... a formulação do leque de opções, ... enunciadas, constitui o corolário de uma alegada, mas não justificada, similitude detectada entre os regimes, bem como das preocupações e finalidades, das tributações autónomas e da cláusula antiabuso prevista no artigo 65.º/1 [atual alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º-A) do Código IRC], cuja redação, à data dos factos, era a seguinte «Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado» que, por ser uma verdadeira norma especial antiabuso e não «uma espécie de norma antiabuso consensual», prevê a possibilidade de o contribuinte fazer prova de que a situação não é abusiva (inversão do ónus da prova).
  6.  E continua referindo: “ainda, segundo a referida tese interpretativa, as tributações autónomas «terão então subjacente uma presunção de empresarialidade “parcial” das despesas sobre que incidem, em função da supra apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá mesmo na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular)», mas “... sempre se dirá, na linha do que vem referido na decisão arbitral n.º 148/2016-T, que «não há qualquer norma que estabeleça a possibilidade de opção», quer no artigo 88.º quer em qualquer outra norma do CIRC”, “além de que as premissas em que assenta a possibilidade de opção não têm cabimento, porquanto, a norma do citado artigo 65.º/1 do CIRC  é claramente uma norma anti abuso que visa enfrentar o desvio de lucros para jurisdições com regimes fiscais privilegiados, a coberto de despesas fictícias, consequentemente imbricada na lógica de funcionamento do imposto sobre os lucros e nas regras determinação do lucro tributável, ao passo que as tributações autónomas incidem sobre um conjunto heterogéneo de  realidades muito díspares – despesas ou encargos e rendimentos – cuja justificação aponta também para finalidades distintas que, tanto a doutrina como a jurisprudência, têm abundantemente abordado”.
  7. No caso das “... das tributações autónomas dos encargos suportados com veículos, as motivações da tributação autónoma têm evoluído no sentido de alguma diversificação, que se têm traduzido na associação das razões de natureza puramente fiscal outras de natureza extrafiscal”, nomeadamente de desincentivo à queima de combustíveis fósseis e motivações ambientais.
  8. Por outro lado, “o entendimento segundo o qual as normas dos nºs 3 a 6 do artigo 88.º do CIRC têm subjacente uma presunção, levaria a que a ilisão da mesma se traduzisse na produção de uma autêntica “prova diabólica”, em razão da quase impossibilidade prática e a levar a cabo”.
  9. E conclui: “...o legislador não consagrou, nem explícita nem implicitamente, a possibilidade de evitação da tributação autónoma dos encargos com veículos mediante a demonstração da afetação integral dos veículos à atividade desenvolvida”, “mas passou a depender, a partir de 2011, em conformidade com o disposto na parte final do artigo 88.º/3 do CIRC, da aquisição e utilização de veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica”, pelo que “... dado que a pretensão da Requerente não tem suporte nem na letra da lei, nem na ratio dos nº 3 a 6 do artigo 88.º do CIRC, não poderia a Requerida, nessas circunstâncias, proceder a uma interpretação corretiva da lei que lhe cumpre aplicar, uma vez verificados os pressupostos legalmente definidos”.
  10. Defende que a norma do artigo 88º do Código do IRC é de incidência objectiva, não contendo “... na sua redação, seja explícita, seja implicitamente, qualquer tipo de presunção, porquanto os encargos que aí são tributados autonomamente são os «efectuados ou suportados pelos sujeitos passivos»”, “mais concretamente, a norma exige apenas que os sujeitos passivos, cuja atividade principal seja de natureza comercial, industrial ou agrícola, não estejam isentos de imposto sobre o rendimento englobando-se todos os custos suportados com os veículos ligeiros de passageiros ou mistas”.
  11. E acrescenta ainda que “...o conceito de “empresarialidade” não existe na lei fiscal, pois trata-se de uma inovação avulsa da jurisprudência arbitral, sem que seja feita qualquer referência à fonte de inspiração”, pelo que “... sendo inexistente o conceito é de perguntar se o intérprete não estará a tentar integrar uma suposta lacuna (que não existe) no artigo 88.º do CIRC, isto é, a introduzir o conceito de empresarialidade a fim de atribuir um mínimo de lógica justamente à tese da “presunção de empresarialidade” das despesas suportadas”.
  12. Concluindo que “não sendo o artigo 88.º do CIRC suscetível de integração analógica, o conceito de “empresarialidade” – que lá não se lê – deve então ser erradicado da presente discussão, pois não encontra qualquer suporte na lei fiscal ou mesmo em qualquer outro ramo do direito”.
  13. Entende ainda que “... a Requerente se propõe, sob o ponto de vista jurídico, a uma manifesta redundância pois, sob o manto diáfano da “empresarialidade”, sujeita os encargos suportados aqui em discussão a um duplo ónus probatório”. “Assim, nos termos do disposto no artigo 23.º do CIRC (redação à data), além de terem os contribuintes de comprovar a indispensabilidade dos custos concorrentes à formação do lucro tributável, têm de igual modo de provar a “empresarialidade” das despesas alvo de tributação, nos termos do disposto no artigo 88.º do CIRC”.
  14. A AT formula as seguintes conclusões gerais sobre as finalidades das tributações autónomas: “... o fito essencial das tributações autónomas são três, a saber:
  • A penalização de comportamentos evasivos ou fraudulentos (v.g. despesas não documentadas);
  • A evitação da erosão da base tributável em sede de IRC, fazendo incidir sobre determinados encargos que podem ser deduzidos pelos sujeitos passivos de IRC, mas que, no entanto, se transformam num agravamento da tributação, desincentivando à despesa com tais encargos;
  • A arrecadação de receita”.
  • Quanto à prova apresentada pela Requerente refere que “... NENHUMA prova material concreta, completa e inequívoca é produzida pela Requerente e, provavelmente, nem se tornaria exequível” pela razão de que a junção de um manual de procedimentos para demonstrar que as 25 viaturas só poderão ter uma utilização exclusivamente profissional, “não se traduz no cumprimento dessas mesmas regras”, pela razão de que “... basta trazer à colação um exemplo muito elucidativo: como é público e notório, apesar de existir uma lei a estabelecer que os veículos não podem ultrapassar os 120km/h nas auto estradas, certo é que a prática diária demonstra que tal limite é desrespeitado por uma considerável faixa de cidadãos”, concluindo que “... o controlo da utilização exclusivamente profissional das viaturas por via deste manual de procedimentos é tanto quanto o respeito pelos limites de velocidade estabelecidos no Código da Estrada”, “não é pela existência de uma mera regra que se assegura o seu cumprimento”.
  •  Quanto aos dois mapas de deslocações, sem entrar no escrutínio dos dados patentes naqueles dois documentos, expressa que “... não existe no nosso ordenamento jurídico a “prova por amostra””, sendo que “... nenhum mapa é minimamente apto a demonstrar que as 25 viaturas só poderão ter uma utilização exclusivamente profissional, uma vez que tais mapas não passam de registos”, uma vez que “... aquilo que está aqui em causa é a existência de um sistema de controlo”, “controlo esse que não é passível de existir em mapas, uma vez que no decurso de uma utilização profissional das viaturas há sempre espaço para a utilização pessoal das mesmas, sem que tal utilização seja revelada através de registos em mapas”.
  •             Por último refere a Requerida que “... a interpretação veiculada pela Requerente se mostra contrária à Constituição da República Portuguesa (“CRP”), na medida em que viola o princípio constitucional da legalidade, patente no artigo 103.º, n.º 2 da CRP, nos seus corolários da reserva de lei parlamentar e da tipicidade e princípio da segurança jurídica e protecção da confiança”, tendo em conta que “não restam dúvidas de que o legislador e a lei não quiseram excluir da tributação os veículos pertencentes a uma frota empresarial, ainda que a sua utilização se restrinja exclusivamente ao uso profissional da actividade desenvolvida pelo sujeito passivo”, pelo que “... permitir que, por via de uma presunção – inexistente, saliente-se –, os sujeitos passivos possam afastar a tributação sobre uma realidade tributária que não foi, nem implícita, nem explicitamente, excluída de tributação pelo legislador, é nada mais, nada menos, que permitir a frontal violação dos princípios constitucionais que temos vindo a desenvolver”, “é instrumentalizar o regime das presunções com o propósito de, a par dos factos que foram excluídos de tributação pelo legislador, poder o sujeito passivo, por meio de elementos probatórios, ficcionar a exclusão de tributação de outros factos que, originariamente, eram tributáveis”.  
  • Formula a seguinte asserção: “...  Deve ... ser julgado inconstitucional o artigo 88.º, n.º 3 e 5 do CIRC, por violação dos princípios da legalidade (tipicidade e reserva de lei parlamentar) e da protecção jurídica e da confiança (artigo 103.º, n.º 2 e 3 da CRP), quando interpretado no sentido de albergar em si uma presunção ilidível, capaz de afastar a tributação sobre encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos que não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, motos ou motociclos, sempre que seja possível provar a sua indispensabilidade para o funcionamento eficiente das empresas”.  
  • Em contra-alegações, a Requerida sustenta o que já havia referido em sede de resposta ao pedido de pronúncia. Esclarece que “a questão controvertida no presente pedido de pronúncia arbitral prende-se com saber se a sujeição a tributação autónoma em IRC dos encargos relacionados com viaturas, nos termos dos números 3 a 6 do art.º 88.º do Código do IRC, é afastada quando aqueles bens estão exclusivamente afectos ao serviço da actividade de empresas do Grupo Fiscal A…”.
  • Acrescenta ainda o seguinte:
  • Não se vislumbra ... na actual redacção e na ratio subjacente a estes normativos do art.º 88.º do Código do IRC qualquer propósito de tratamento discriminatório dos encargos relacionados com as viaturas em função da sua utilização parcial ou integral na actividade económica desenvolvida pelo sujeito passivo”.
  • Resultando que “... a insistência da Requerente na tese de que a tributação autónoma sobre veículos, «foi instituída para responder ao receio, comum a todas elas, de que essas despesas e encargos pudessem ter uma utilização ou benefício misto: empresarial, sim, mas também pessoal, privativo do colaborador ou funcionário e seus familiares» revela um entendimento simplista, redutor e, sobretudo, desajustado da própria letra dos normativos em causa, porquanto, nem antes de 2011, quando a incidência estava limitada aos encargos dedutíveis, nem na actualidade, era legítimo extrair que o legislador teria querido estabelecer um tratamento distinto em função da utilização exclusiva ou mista dos veículos, muito menos aceitar a instituição de uma presunção ilidível”. 
  • Refere: “... a defendida tese acolhida em decisões arbitrais do CAAD e em que a Requerente agora se apoia, de que «esta presunção de “empresarialidade parcial”, deverá, em coerência, considerar-se como abrangida pela possibilidade de ilisão decorrente do artigo 73.º da LGT, quer pelo contribuinte, quer pela Administração Tributária» labora em erro absoluto”, uma vez que “... a necessidade de provar a invocada “empresarialidade” dos encargos suportados com veículos ocorreria apenas se a lei estabelecesse a presunção que as despesas não têm causa empresarial, mas manifestamente tal não é o caso” e pela razão de que “... no Código do IRC o teste da dedutibilidade dos encargos suportados é efectuado com base no preenchimento dos critérios e enunciados no artigoº 23.º e seguintes do Código do IRC, sendo de notar, porém, que, nos termos da redacção actual do n.º 3 do art.º 88.º – como acima ficou dito – tanto encargos dedutíveis como os não dedutíveis cabem na incidência da tributação autónoma”. 
  • Reitera: “... a interpretação veiculada pela Requerente mostra-se contrária à Constituição da República Portuguesa, na medida em que viola o princípio constitucional da legalidade fiscal, patente no artigo 103.º, n.º 2 da CRP, nos seus corolários da reserva de lei parlamentar e da tipicidade”, “... o artigo 73.º [da LGT] não exige que o contribuinte possa ilidir as tipificações em todos os casos de incidência em sentido amplo (…)»,  em especial no quadro de tributações massificadas, desde que não se afastem da realidade e não colidam com o princípio da igualdade”, pelo que “...no caso em concreto, a alegada produção de prova de que as 25 de viaturas de serviço aqui em causa estão efectivamente afectas exclusivamente ao serviço da empresa/grupo fiscal, com o devido respeito, não tem qualquer efeito útil no que respeita à sujeição de tais viaturas a tributação autónoma, por força do disposto nos números 3 a 6 do artigo 88.º, na redacção em vigor à data dos factos relevantes”, até porque “...a prova concludente de uma afectação integral à actividade desenvolvida pelas empresas exigiria um controle diário, individual e efectivo da utilização de cada uma das 25 viaturas, tarefa que se revelaria de tal forma onerosa e difícil de executar que, com toda a probabilidade, um legislador sério, ponderado e razoável se absteria de consagrar como meio de ilidir uma presunção, em atenção aos princípios da praticabilidade e da operacionalidade”.
  • Relativamente à prova global apresentada pela Requerente (documental e testemunhal) refere que “as duas testemunhas apresentadas pela Requerente confirmaram que esta paga multas decorrentes da utilização das mesmas viaturas”, o que “... demonstra só por si uma grave incoerência: significa, então, que os utilizadores das viaturas são funcionários extremamente zelosos no que toca ao cumprimento de um mero regulamento interno de uma empresa, mas totalmente displicentes no que tange às leis da República Portuguesa, como é o caso do Código da Estrada”, “ou seja, em 5.554 saídas de viaturas no decurso de 2015 conforme Documentos 9 e 10 do PPA, a Requerente alega que em NENHUMA delas se deu um caso de utilização extra-profissional, mas ao mesmo tempo admite testemunhalmente que os seus zelosos funcionários foram responsáveis por dezenas de infracções do Código da Estrada em matéria de excesso de velocidade e de mau estacionamento”.
  • Quanto ao “sistema de controlo” do uso das 25 viaturas automóveis aqui em causa, adoptado pela Requerente, refere: “Na realidade, trata-se de um sistema interno de inserção de dados. Com efeito, as duas testemunhas apresentadas pela Requerente foram unânimes em reconhecer que aquela não tem qualquer forma de assegurar que, no decurso das deslocações das 25 viaturas, estas não são TAMBÉM utilizadas para fins extra-profissionais, como, por exemplo, idas ao supermercado, deslocações a escolas, visitas a familiares, etc.”, “Ou seja, o “sistema de controlo” da Requerente não passa de um mero “sistema de registos” feito com base em horas e quilómetros percorridos, sendo que tal “sistema” não é sequer auditado por uma entidade externa à própria empresa”, pelo que “não pode deixar de causar perplexidade como em 5.554 deslocações em 2015 não houve um único alerta ou indício de utilização abusiva, quando a Requerente, por via das suas duas testemunhas, admitiu inequivocamente que os seus funcionários violam leis gerais do país”. “Mais: não pode deixar de causar perplexidade como as testemunhas não souberam responder à questão de saber quais os alertas que podem despoletar uma possível utilização abusiva, para além de um desvio de quilometragem”. “a explicação é simples: porque, na realidade, o “sistema de controlo” verdadeiramente não controla nada no decurso das próprias deslocações, sendo que é aqui, precisamente aqui, o momento crucial em que a utilização abusiva pode ter lugar”.
  •  E conclui: “... a prova apresentada pela Requerente não é minimamente apta a ilidir a (pretensa) “presunção de empresarialidade”, sendo que a presunção de veracidade de documentos contabilísticos não é suficiente para ilidir aquela presunção”. “Dito de forma categórica: não pode a Requerente pretender ilidir a (pretensa) “presunção de empresarialidade” com uma outra presunção (a de veracidade dos documentos contabilísticos)”.
  1. Pugna pela improcedência do pedido de pronuncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário de autoliquidação e a decisão impugnados, absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.

 

II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

A primeira questão que o TAS apreciará consiste em apurar se a “sujeição a tributação autónoma em IRC dos encargos relacionados com viaturas, nos termos dos números 3 a 6 do artigo 88.º do Código do IRC, é afastada quando aqueles bens estão exclusivamente afectos ao serviço da actividade de empresas do Grupo Fiscal A…”.

 

Depois, caso se conclua que a tributação autónoma em IRC dos encargos relacionados com viaturas, nos termos dos números 3 a 6 do artigo 88.º do Código do IRC, pode ser afastada quando aqueles bens estejam exclusivamente afectos ao serviço da actividade de empresas do Grupo Fiscal A…, há que verificar se aqui foi feita prova suficiente, em concreto, sobre a denominada “empresarialidade” das despesas.

 

Se se concluir que a prova feita, sem dúvida razoável, permite concluir pela denominada “empresarialidade” das despesas aqui em causa, abordar-se-á a alegada inconstitucionalidade invocada pela AT.

 

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral, deverá apreciar-se os pedidos remanescentes de reembolso do valor correspondente à autoliquidação de IRC impugnada e eventual direito a juros indemnizatórios.

 

III.      MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA.

FUNDAMENTAÇÃO

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta e a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.

Factos provados

 

  1. Em 27 de Maio de 2016 a Requerente procedeu à apresentação da declaração de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) Modelo 22 do seu Grupo Fiscal, referente ao exercício de 2015, e em 03 de Outubro de 2016 apresentou  uma declaração de substituição, tendo procedido à autoliquidação de tributações autónomas em IRC desse mesmo ano, corporizada no documento n.º … e liquidação de substituição n.º…– conforme artigos 2º do pedido de pronúncia arbitral (PPA) e artigo 1º da resposta da AT, conjugados com os documentos nºs 1 e 2 juntos com o PPA;
  2. A Requerente dispunha, em 2015, de 76 viaturas ligeiras de passageiros, alegando as seguintes afectações: (1) 51 viaturas ligeiras de passageiros de utilização não exclusivamente profissional, mas também pessoal, cujo uso se encontra tributado em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), na esfera dos colaboradores que as utilizam, enquanto rendimentos em espécie; e (2) 25 viaturas ligeiras de passageiros, utilizadas exclusivamente no âmbito profissional, vulgarmente designadas de “viaturas de serviço” (os também denominados “veículos de frota”), cuja utilização está sujeita às regras estabelecidas num Manual de Procedimentos – conforme artigo 29º do PPA, depoimento da testemunha B… e falta de contestação apreciada nos termos do artigo 110º-7 do CPPT;
  3. A totalidade das despesas e encargos com veículos do Grupo Fiscal A… (ou cuja utilização foi contratualmente assegurada pelo Grupo Fiscal A…) sujeita a tributação autónoma, em 2015, ascendeu a um total de € 334.725,36 resultando a tributação autónoma liquidada com respeito a estas despesas e encargos, de € 68.975,75, conforme quadro que se transcreve:

 

 

- conforme artigos 22º e 23º do PPA, documento nº 5 em anexo ao PPA e falta de contestação apreciada nos termos do artigo 110º-7 do CPPT;

  1. Relativamente aos gastos gerados em 2015 na esfera patrimonial da Requerente, pelas 25 viaturas referidas na parte final do nº 2 supra, o seu contabilista certificado, com nº…, emitiu certificação em 07.11.2017 que refere o seguinte: “ii) no segundo quadro as despesas e encargos, e correspondente tributação autónoma, com veículos ligeiros de passageiros sujeitos a regime, controlado, de utilização exclusiva na actividade produtiva do Grupo Fiscal A… (denominados internamente de "veículos de/da frota" ou "viaturas de serviço"), cujos valores finais são os da primeira declaração de IRC Modelo 22 (as alterações na declaração de substituição não se deram ao nível desta parcela da tributação autónoma”.

Mais se certifica que a D…, S.A., integrada em 2015 no Grupo Fiscal A…, dispunha nesse ano de 76 veículos ligeiros de passageiros, dos quais 51 usados também na vida pessoal dos colaboradores, cujos encargos são tributados em IRS como rendimento em espécie da categoria A, e os restantes 25 utilizados exclusivamente na actividade da empresa e respectivo Grupo Fiscal, conforme regras internas, lote este de 25 viaturas ditas de serviços às quais corresponde a tributação autónoma retratada no segundo dos quadros supra” – conforme artigo 25º do PPA, documento nº 5 em anexo ao PPA e falta de contestação apreciada nos termos do artigo 110º-7 do CPPT;

  1. A Requerente em 16 de Setembro de 2016 apresentou reclamação graciosa contra a autoliquidação quantificada no quadro reproduzido em 4. supra, respeitante ao exercício de 2015, em 01 de Junho de 2017 exerceu o direito de audição prévia e em 28 de Junho de 2017 foi notificada do despacho de indeferimento, datado de 23 de Junho de 2017conforme artigos 3º e 4º do PPA, documentos nºs 3 e 4 juntos com o PPA e conforma PA2 e PA5 juntos pela AT com a resposta.
  2. O Grupo Fiscal A… possui uma posição relevante no mercado da imprensa em Portugal, sendo que a D…, S.A. (D…), empresa a que diz respeito a frota de 25 veículos referidos em 4., é uma empresa cuja actividade principal consiste na produção, edição, comercialização e distribuição de publicações diárias e não diárias, incluindo electrónicas, bem como artes gráficas, publicidade, marketing, organização de iniciativas, actividades promocionais e exploração de quaisquer meios e suportes audiovisuais e, de um modo geral, o exercício da indústria gráfica e de comunicação social – conforme artigos 27º e 28º do PPA, documentos nºs 6 e 7 juntos com o PPA, depoimento de B… e  falta de contestação apreciada nos termos do artigo 110º-7 do CPPT;
  3. O desenvolvimento da actividade de âmbito nacional da Requerente, designadamente jornalismo/imprensa/comunicação social, implica necessariamente muitas deslocações em serviço dos seus colaboradores, quer seja para realizar uma determinada reportagem, quer seja para fazer entregas de jornais ou revistas, ou, simplesmente, para garantir a presença desses colaboradores em reuniões com parceiros comerciais - conforme artigos 30º e 31º do PPA, depoimento de B… e  falta de contestação apreciada nos termos do artigo 110º-7 do CPPT;
  4. A opção de criação de uma frota de 25 viaturas de serviço, disponíveis para utilização por colaboradores que as solicitem para os fins referidos em 7.  gera uma maior eficiência na gestão do tempo despendido, agiliza e facilita o desempenho e a performance do colaborador no exercício das suas funções – conforme artigo 32º do PPA, depoimento de B… e falta de contestação especificada apreciada nos termos do artigo 110º-7 do CPPT;
  5. As 25 viaturas acima referidas são para utilização ocasional pelos trabalhadores da empresa, a qual obedece a regras e procedimentos que constam do Manual de Procedimentos interno, tendo sido criada uma plataforma informática denominada “Gestão de Transportes” – conforme artigos 36º e 37º do PPA, documento nº 8 junto com o PPA, depoimento de C… e falta de contestação especificada, apreciada nos termos do artigo 110º-7 do CPPT;
  6. Resulta da plataforma informática atrás referida que: (i) as viaturas só podem ser utilizadas mediante pedido de autorização prévia a superior hierárquico (o chamado “autorizador”), para a concreta deslocação em vista; ii) esta requisição ou pedido de autorização prévia é informaticamente efectuada, mediante plataforma especificamente concebida para o efeito; iii) da requisição consta a indicação da data, do percurso, designadamente do destino da deslocação, do motivo ou justificação da mesma, e a hora de partida e de chegada previstas; iv) depois de autorizada a deslocação pelo superior hierárquico, as chaves da viatura são levantadas na Portaria da redacção de Lisboa ou Porto, consoante o caso, que informa o utilizador onde a viatura está estacionada e regista os quilómetros à saída;  (v) no regresso da deslocação, a chave da viatura é devolvida na Portaria da redacção de Lisboa ou Porto, conforme o caso, Portaria esta que além de receber a chave da viatura, insere a data, hora e os quilómetros totais à chegada; (vi) o não cumprimento do procedimento em apreço por parte de um colaborador implica a aplicação de uma penalização ao colaborador, a qual, no limite, poderá resultar num processo disciplinar” – conforme artigo 38º do PPA, documento nº 8 junto com o PPA, depoimento de C… e falta de contestação especificada, apreciada nos termos do artigo 110º-7 do CPPT;
  7. Os lugares de estacionamento onde, em 2015, eram parqueadas as viaturas de serviço entre deslocações encontravam-se nas próprias instalações da empresa ou na rua à porta dos edifícios do E… (E…) em Lisboa, e do F… (F…) no Porto, com placa da Câmara Municipal a sinalizar que esses lugares são para parqueamento de viaturas dos jornais G…/E…/F…, existindo alguns lugares de parqueamento locados pela empresa nas imediações do Edifício de Lisboa, mais concretamente no parque público do …, área onde se localiza o edifício do E… em Lisboa -  conforme artigos 39º e 40º do PPA, depoimento de C… e falta de contestação especificada, apreciada nos termos do artigo 110º-7 do CPPT;
  8. Fora do horário normal de trabalho, durante a semana, entre as 19 horas e as 9 horas do dia seguinte e nos fns-de-semana e feriados, a autorização é registada na plataforma informática pela Portaria (em substituição do superior hierárquico), com base em confirmação prévia por telefone ou mensagem escrita com o superior hierárquico, da autorização do mesmo à deslocação em serviço por parte do colaborador requisitante da viatura - conforme artigo 42º do PPA, depoimento de C… e falta de contestação especificada, apreciada nos termos do artigo 110º-7 do CPPT;
  9. É possível obter na plataforma informática de “Gestão de Transporte” mapas de controlo da utilização das 25 viaturas aqui em causa, sendo ainda possível, pela sua análise, apurar que as viaturas apenas se encontram afectas a um qualquer colaborador, no período de fim-de-semana, feriados e durante a noite, em casos motivados pelo facto de as tarefas que lhes são atribuídas assim o exigirem - conforme artigos 43º e 45º do PPA, depoimento de C… e falta de contestação especificada, apreciada nos termos do artigo 110º-7 do CPPT;
  10. As multas por infracções estradais imputadas aos colaboradores que usam as viaturas aqui em causa, são pagas pela Requerente e o sistema de controlo de uso das viaturas parte essencialmente da análise comparativa entre os quilómetros do percurso necessários ao exercício das funções dos colaboradores, face à diferença entre os quilómetros que efectivamente a viatura apresentava na recepção e na sua devolução – posição global resultante do PPA e do documento 8 junto com o PPA e ainda do depoimento de C…;
  11. Em 11 de Setembro de 2017 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (ppa) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral.

 

Factos não provados. Fundamentação da decisão de facto.

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

As observações colocadas pela Requerida relativamente ao Manual de Procedimentos nos artigos 114º a 127º da resposta e nas páginas 10 a 13 das contra-alegações, assentam no facto da Requerente pagar as coimas por infracções estradais dos utilizadores, o que na óptica deste TAS, não retira consistência ao sistema de controlo de uso das viaturas exclusivamente em serviço por constituir um assumir de uma despesa que poderia não assumida pela entidade empregadora, uma vez que a responsabilidade pelas coimas estradais será sempre do condutor. Esta matéria foi integrada nos factos provados (ponto 14 da matéria assente).

 

Relativamente à denominada “prova por amostra” que resultaria da Requerente ter junto os elementos de controlo de algumas utilizações em concreto, o TAS não levou à matéria assente essa factualidade, por se entender irrelevante para a sua convicção.

 

Por último, as observações que a AT faz relativamente ao “sistema de controlo” das viaturas, no que concerne à sua eventual utilização em idas a “supermercado, deslocações a escola, visitas a familiares, etc.” foi dado como provado que o sistema assenta,  essencialmente, da análise comparativa entre os quilómetros do percurso necessários ao exercício das funções dos colaboradores, face à diferença de quilometragem que efectivamente a viatura apresenta na recepção e na sua devolução.

 

No entanto, não parece que a AT tenha colocado, na essência, em causa, a autenticidade e efectiva aplicação do Manual de Procedimentos, tal como a Requerente o indica, limitando-se a referir as situações acima referidas que, do ponto de vista deste TAS não são suficientes para colocar em causa o alegado (em termos causar dúvida razoável), até porque, se um trabalhador usar a viatura em pequenos desvios (verificáveis pelo controlo dos quilómetros) para ir a um supermercado, para tomar uma refeição, para visitar um familiar de uma cidade onde foi em serviço, para no trajecto levar ou trazer um familiar, não parece poder configurar-se, por si só, face a critérios de razoabilidade e da experiência comum, como uma utilização indevida da viatura, nos termos referidos nas regras de utilização.

 

IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS) CUMPRE SOLUCIONAR

 

Este TAS, em coerência com a decisão colegial que se assinou – Processo CAAD 80/2014 -T, adere ao decidido nas decisões arbitrais colegiais Processos CAAD 187/2013-T e 628/2014-T, quer quanto à “ratio” das tributações autónomas, quer quanto às implicações que daí resultam, uma vez que, como a seguir se tentará justificar, parece ser a leitura da lei mais adequada face ao princípio constitucional de isonomia (igualdade material) e ainda face à leitura conjugada das normas dos artigos 23º, 88º nºs 3 e 6 do Código do IRC, mormente da conjugação da alínea b) do nº 6 do artigo 88º do Código do IRC com a alínea 9) do nº 3 do artigo 2º e com o nºs 4 e 5 do nº 24º do Código do IRS.

 

Adere-se, assim, ao referido na decisão arbitral colegial Processo CAAD nº 628/2014-T, citada pela Requerente, que tratou de uma situação em tudo semelhante, a saber:

 

“Assim, e em suma, o que ora se trata é de apurar a ratio legis da previsão do artigo 81.º/3/a) acima transcrito [actual artigo 88.º], verificar se a mesma assenta numa presunção e, em caso de resposta afirmativa, se a mesma foi, ou não, in casu, ilidida.

...

Tem obtido acolhimento recorrente na jurisprudência do CAAD, o entendimento de que as tributações autónomas sobre encargos dedutíveis, como as que estão em causa nos presentes autos, integram, ainda, o regime dos impostos regulados pelos códigos onde se integram, visando, ainda que de uma forma enrevesada, o rendimento tributado por aqueles.

...

Entendendo-se (...) que as tributações autónomas em causa se poderão configurar  como um imposto “híbrido”, incidindo sobre o rendimento das pessoas singulares e das pessoas colectivas, e não sobre o consumo ou a despesa, pois não apresentarão as principais características desta forma de tributação, não incidindo, igualmente, sobre o património, e enquadrando-se numa problemática da tributação dos rendimentos relativamente à qual o legislador entendeu actuar a dois níveis (separada ou simultaneamente): não aceitar a dedutibilidade de alguns gastos, na totalidade ou parcialmente e/ou tributá-los autonomamente. 

...

Entende-se, então, que, por via das imposições em causa, também se visa, pelo menos na mesma medida, disciplinar a utilização pelas empresas de gastos que podem ser necessários, numa parte, à prossecução da atividade normal, mas que – tendo por base um juízo de normalidade – também serão em benefício de pessoas singulares que acabam por deles fruir a título particular e não profissional. Só que, não dispondo a Administração Tributária de nenhuma “fita métrica” para fazer tal separação, vem o legislador optando, já há bastante tempo, pela introdução no Código do IRC desta parcela que já considerava objetivamente, à data dos autos, uma imposição, no mínimo, semelhante, ao IRC, mesmo que se considere questionável tal disposição (bem como a atual redação, a respeito da inclusão no IRC, das tributações autónomas no artigo 23ºA do Código do IRC).

...

Considera-se desfavoravelmente determinados gastos em que, reconhecidamente, não é fácil determinar a medida exacta da componente que corresponde a consumo privado, e relativamente aos quais é conhecida a prática geral de abuso na sua relevação. 

...

Este carácter antiabuso das tributações autónomas ora em causa será não só coerente com a sua natureza “anti-sistémica” (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva, apontada quer pelo Prof. Saldanha Sanches quer pela jurisprudência que, amiúde, o cita.

...

Sob o prisma que vem de se expor, as tributações autónomas em análise terão então materialmente subjacente uma presunção de empresarialidade “parcial” das despesas sobre que incidem, em função da supra-apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá efetivamente na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular).

 

Assim, do facto conhecido que é a realização de determinado tipo de gastos, o legislador tira o facto desconhecido, que é a aferição do grau de afectação empresarial do produto de tais gastos.

 

E será este facto desconhecido, presumido pelo legislador, que desencadeia e justifica a tributação autónoma em questão no presente processo. 

...

Face à conclusão que vem de se operar, cumpre então apurar se a presunção que se identificou, é, ou não, susceptível de ser ilidida.

 

A este propósito, dispõe o artigo 350.º/2 do Código Civil: “As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.”

 

Em coerência, dispõe o artigo 73.º da LGT: “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.”.

Face ao quadro legal apontado, haverá que concluir que a presunção de “empresarialidade parcial” em questão, deverá, em coerência, considerar-se como abrangida pela possibilidade de ilisão genericamente consagrada no art.º 350.º/2 do Código Civil e 73.º da LGT, quer pelo contribuinte, quer pela Administração Tributária, o que se afigura, de resto, conforme a uma proporcional e adequada distribuição do ónus probatório, na medida em que incidindo as tributações autónomas em causa sobre despesas de empresarialidade à partida não evidente, será o contribuinte quem estará melhor posicionado para demonstrar que tal requisito se verifica em concreto. Por seu lado, a própria Administração Tributária, se assim o entender e considerar que o caso justifica o inerente dispêndio de meios, poderá sempre demonstrar que, relativamente às despesas em questão, e ainda que sobre elas tenha incidido tributação autónoma, não se verifica o requisito geral do artigo 23.º/1 do CIRC, designadamente a sua indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. 

...

O reconhecimento desta natureza presuntiva das tributações autónomas em causa nos autos, nos termos acima expostos, será, para além de tudo o mais, uma salvaguarda da sua constitucionalidade, na medida em que estará garantida quer a possibilidade da respetiva dedução integral pelo contribuinte, quer a sua não dedução, consoante o lado para o qual a presunção que lhes está subjacente seja, concretamente e em cada caso, infirmada, assim se assegurando, devidamente, a conformidade do regime legal em questão com os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, que seriam desnecessária (e, ocasionalmente, como é o caso, desproporcionalmente) truncados, pela estatuição de uma presunção inilidível da parcialidade da afectação empresarial das despesas em questão.

...

Restaria, então, verificar se, de facto, como acima se expôs, essa utilização dos motociclos no exercício da actividade da Requerente se demonstra, para lá de qualquer dúvida razoável, como ocorrendo em contexto exclusivamente empresarial, não existindo margem para que os seus colaboradores, órgãos sociais ou sócios, retirem benefícios da sua disponibilidade para efeitos pessoais.

...

Ora, se é certo que em pequenas empresas, de dimensão familiar, com maior personalização de dirigentes e trabalhadores e conhecimento por aqueles das necessidades particulares destes, é provável que haja alguma promiscuidade na utilização dos motociclos para fins da empresa e fins privados, ficando ao critério dos gerentes a utilização dos veículos, entende-se que isso terá de se considerar uma hipótese remota quando está em causa uma empresa com dimensão nacional e multinacional, em que os colaboradores e suas necessidades de transporte pessoal são presumivelmente ignorados por um conselho de administração remoto e é crível que tenha uma regulamentação interna sobre a generalidade das matérias, não deixando ao critério dos anónimos colaboradores a utilização dos bens para os seus fins privados”.

 

A resposta à primeira das questões que e colocam neste processo está assim encontrada: “a presunção de “empresarialidade parcial” em questão (contida nas normas contidas no artigo 88º nºs 3 a 6 do CIRC), deverá, em coerência, considerar-se como abrangida pela possibilidade de ilisão genericamente consagrada no art.º 350.º/2 do Código Civil e 73.º da LGT, quer pelo contribuinte, quer pela Administração Tributária”.

 

A AT coloca ênfase na eventual falta de suporte na letra da lei e falta de ratio nos nºs 3 a 6 do artigo 88º do Código do IRC, da leitura da lei que se acabou de perfilhar.

 

Cremos, no entanto, que na conjugação da norma da alínea b) do nº 6 do artigo 88º do Código do IRC, com a da alínea 9) do nº 3 do artigo 2º e com as dos nºs 4 e 5 do nº 24º do Código do IRS, se poderão encontrar subsídios que podem ajudar à percepção da assertividade da tese aqui propugnada, em termos de direito.

 

Com efeito, a questão da utilização dita “promíscua” das viaturas automóveis em sede de empresas, resultará do próprio regime fiscal estatuído na norma contida na alínea 9) do nº 3 do artigo 2º do Código do IRS que refere o seguinte:

 

São rendimentos do trabalho dependente ... os resultantes da utilização pessoal pelo trabalhador ou membro de órgão social de viatura automóvel que gere encargos para a entidade patronal, quando exista acordo escrito entre o trabalhador ou membro do órgão social e a entidade patronal sobre a imputação àquele da referida viatura automóvel”.

 

Ou seja, está na completa discricionariedade da entidade patronal (mormente as empresas) considerar que o uso de uma certa viatura registada em seu nome, e como tal geradora de mais ou menos custos na sua esfera patrimonial (artigo 23º do Código do IRC)

  • integra a remuneração (em espécie) do trabalhador ou membro dos órgãos sociais, elaborando um singelo escrito particular, imputando a viatura ao interessado, daqui resultando a tributação segundo o nº 5 do artigo 24º do Código do IRS: “quando se tratar da atribuição do uso de viatura automóvel pela entidade patronal, o rendimento anual corresponde ao produto de 0,75 % do seu valor de mercado, reportado a 1 de janeiro do ano em causa, pelo número de meses de utilização da mesma”. Neste caso, é excluída a tributação autónoma em IRC, em sede da empresa, conforme alínea b) do nº 6 do artigo 88º do Código do IRC.
  • não integra a remuneração (em espécie) do trabalhador ou membro dos órgãos sociais, abstendo-se de elaborar um documento escrito (independentemente do uso e concreto e real da viatura), imputando a viatura ao interessado, o que leva à tributação em sede de nº 3 do artigo 88º do Código do IRC.

 

Este regime parece encerrar, desde logo, a perversidade dos próprios órgãos de gestão executivos das empresas, poderem decidir contratar ou não contratar, quanto aos próprios, o regime fiscal que lhes aprouver, escolhendo, na maioria das situações, a exclusão de tributação em sede de IRS e optando por onerar as empresas em sede de tributações autónomas.

 

Ou seja, sobrecarregando as empresas com um custo acrescido, correspondente às tributações autónomas, o que, no caso presente, não ocorre, como se comprova pela factualidade assente em 2 dos factos provados.

 

Os encargos efectuados ou suportados relacionados com as viaturas, a que se alude no nº 3 do artigo 88º do Código do IRC, serão, não havendo acordo escrito de atribuição da viatura, considerados

  1. custos dedutíveis nos termos do artigo 23º do CIRC, certamente como despesas de transporte ou equivalente;
  2. e porque se presume a sua utilização fora da esfera estritamente empresarial, (que resulta de uma norma que a empresa agiliza de forma discricionária: existência ou não de acordo escrito) são tributados em sede de taxas de tributação autónoma.

 

Por outro lado, quando existe acordo escrito de imputação da viatura (como será o caso das 51 viaturas da Requerente referidas em 2 da matéria provada), os encargos gerados pela viatura são considerados

  1. custos dedutíveis nos termos do artigo 23º do CIRC, porque correspondem a “remunerações”, ainda que em espécie, face à diferente classificação da despesa;
  2. e por força da alínea b) do nº 6 do artigo 88º do Código do IRC, não há sujeição às taxas de tributação autónoma em IRC do º 3 do artigo 88º do CIRC, uma vez que a tributação do uso da viatura se faz em sede de IRS.

 

Perante este quadro não pode deixar de se verificar, quanto ao caso concreto, que seria insustentável que a empresa Requerente, invocando critérios de eficiência na gestão, não pudesse dispor de uma frota de viaturas, de uso exclusivamente empresarial, tendo em vista, além do mais, a obtenção de uma maior rendibilidade, visando a redução e controlo de custos, sendo-lhe aplicável o mesmo regime fiscal (em sede de tributações autónomas) de outras empresas que não optem por estes critérios de eficiência de gestão, geradores, inclusive, de maiores rendimentos sujeitos a IRC, em termos lucro da actividade.

 

A não ser como se propugna nesta decisão, resultaria um tratamento igual para situações diferenciadas: uma empresa que optasse pelo uso das viaturas em termos exclusivamente empresariais, sem uso dito “promíscuo” a título particular, estaria sujeita ao mesmo regime fiscal que outra que não optasse por esse regime de eficiência na gestão e controlo de custos.

 

E nesta linha de pensamento, afigura-se que a entender-se que os nºs 3 a 6 do artigo 88º do CIRC, não encerram a possibilidade de elisão da presunção de “empresarialidade parcial”, tal corresponderia a uma violação do princípio da igualdade material, que manda tratar o desigual em termos materiais, desigualmente (salvo impraticabilidade, o que não é a priori o caso) e, pela mesma razão, por violação do princípio da capacidade contributiva, da tributação fundamentalmente do rendimento real e da proporcionalidade, que implicam igualmente o tratamento desigual do que é desigual. Entendimento este que não é constitucionalmente aceitável salvo impraticabilidade, o que não é o caso. Resultaram violados, pois, do artigo 2.º (Estado de Direito), 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3, 103.º, n.º 1 (repartição justa) e 104.º, n.º 2, da Constituição.

 

Também não parece poder sustentar-se, no caso, que a prova tendente a ilidir a presunção seja “diabólica”, uma vez que a Requerente, neste processo, a conseguiu fazer, com relativa facilidade, como se retira dos factos provados.

 

A possibilidade de elisão de presunção de “empresarialidade parcial”, ínsita nas normas de incidência do artigo 88º nºs 3 a 6 do CIRC, resulta do artigo 73º da LGT, que afasta expressamente, no domínio das normas de incidência tributária, a possibilidade de existência de presunções inilidíveis, proibição que abrange as normas de incidência subjectiva, como as de incidência objectiva ou real, sendo certo que esta disposição abrange tanto as presunções explícitas como as implícitas, como é o caso (a este propósito vejam-se as anotações ao artigo 73º da LGT, páginas 649 a 651, da Lei Geral Tributária de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 4º edição 2012, Editora “Encontro da Escrita”).

 

Saliente-se que a própria AT refere no artigo 92º da resposta, que o primeiro dos fitos essenciais das tributações autónomas será a “penalização de comportamentos evasivos”, situação que se configura ocorrer quando, no caso de uso de viaturas das empresas, por força da simples existência ou inexistência discricionária de um documento particular escrito (cuja ónus da prova de existência acaba por recair sobre a AT) se criam, na prática, custos acrescidos a empresas, por via de tributações autónomas. Desta asserção da AT não poderá deixar de decorrer, a necessidade, face aos princípios constitucionais, de existência de um regime fiscal que não penalize as empresas que optem por criar modelos sindicáveis, de uso transparente de viaturas automóveis, em proveito exclusivo da fonte geradora dos rendimentos, ou seja, de forma exclusivamente empresarial.

 

Face ao exposto, não vemos como se possa sustentar que, ao acolher nesta decisão, uma leitura da lei que considera as normas de incidência do artigo 88º nºs 3 a 6 do CIRC como comportando uma presunção de “empresarialidade parcial”, susceptível de ser ilidida por força do artigo 73º da LGT, pelos contribuintes, possa considerar-se como sendo um julgamento com recurso à equidade ou à integração de lacunas.

 

Também não se configura ser sustentável, a alegada ratio da norma de incidência do artigo 88º nº 3 do CIRC, com assento na penalização das viaturas que usem combustíveis fósseis ou de protecção ambiental, na medida em que as viaturas de propulsão exclusivamente eléctrica são excluídas desta tributação, uma vez que será das regras da experiência comum que, no actual momento histórico e em 2015, as viaturas movidas apenas a energia eléctrica, face ao custo elevado, ao curto raio de acção e à insuficiente rede de abastecimento existente, não constituem ainda uma alternativa viável, sobretudo para uma empresa do ramo da comunicação social que carece doutro tipo de soluções de transporte, tal como a Requerente.

 

***

 

Cumpre agora apreciar se a Requerente logrou ilidir a presunção ínsita no artigo 88º-3 do Código do IRC.

 

Os factos relevantes que a Requerente logrou provar, constam dos nºs 7 a 14 da matéria assente, a saber:

  1. O desenvolvimento da actividade de âmbito nacional da Requerente, designadamente jornalismo/imprensa/comunicação social, implica necessariamente muitas deslocações em serviço dos seus colaboradores, quer seja para realizar uma determinada reportagem, quer seja para fazer entregas de jornais ou revistas, ou, simplesmente, para garantir a presença desses colaboradores em reuniões com parceiros comerciais;
  2. A opção de criação de uma frota de 25 viaturas de serviço, disponíveis para utilização por colaboradores que as solicitem para os fins atrás gera uma maior eficiência na gestão do tempo despendido, agiliza e facilita o desempenho e a performance do colaborador no exercício das suas funções;
  3. As 25 viaturas acima referidas são para utilização ocasional pelos trabalhadores da empresa a qual obedece a regras e procedimentos, que constam do Manual de Procedimentos interno, tendo sido criada uma plataforma informática denominada “Gestão de Transportes”;
  4. Resulta da plataforma informática atrás referida que: (i) As viaturas só podem ser utilizadas mediante pedido de autorização prévia a superior hierárquico (o chamado “autorizador”), para a concreta deslocação em vista; ii) esta requisição ou pedido de autorização prévia é informaticamente efectuada, mediante plataforma especificamente concebida para o efeito; iii) da requisição consta a indicação da data, do percurso, designadamente do destino da deslocação, do motivo ou justificação da mesma, e a hora de partida e de chegada previstas; iv) depois de autorizada a deslocação pelo superior hierárquico, as chaves da viatura são levantadas na Portaria da redacção de Lisboa ou Porto, consoante o caso, que informa o utilizador onde a viatura está estacionada e regista os quilómetros à saída;  (v) no regresso da deslocação, a chave da viatura é devolvida na Portaria da redacção de Lisboa ou Porto, conforme o caso, Portaria esta que além de receber a chave da viatura, insere a data, hora e os quilómetros totais à chegada; (vi) o não cumprimento do procedimento em apreço por parte de um colaborador implica a aplicação de uma penalização ao colaborador, a qual, no limite, poderá resultar num processo disciplinar;
  5.             Os lugares de estacionamento onde, em 2015, eram parqueadas as viaturas de serviço entre deslocações encontravam-se nas próprias instalações da empresa ou na rua à porta dos edifícios do E… (E…) em Lisboa, e do F… (F…) no Porto, com placa da Câmara Municipal a sinalizar que esses lugares são para parqueamento de viaturas dos jornais G…/E… /F…, existindo alguns lugares de parqueamento locados pela empresa nas imediações do Edifício de Lisboa, mais concretamente no parque público do …, área onde se localiza o edifício do E… em Lisboa;
  6. Fora do horário normal de trabalho, durante a semana entre as 19 horas e as 9 horas do dia seguinte e nos fins-de-semana e feriados, a autorização é registada na plataforma informática pela Portaria (em substituição do superior hierárquico), com base em confirmação prévia por telefone ou mensagem escrita com o superior hierárquico, da autorização do mesmo à deslocação em serviço por parte do colaborador requisitante da viatura
  7. É possível obter na plataforma informática de “Gestão de Transporte” mapas de controlo da utilização das 25 viaturas aqui em causa, sendo ainda possível, pela sua análise, apurar que as viaturas apenas se encontram afectas a um qualquer colaborador, no período de fim-de-semana, feriados e durante a noite, em casos motivados pelo facto de as tarefas que lhes são atribuídas assim o exigirem;
  8. As multas por infracções estradais imputadas aos colaboradores que usam as viaturas aqui em causa, são pagas pela Requerente e o sistema de controlo de uso das viaturas parte essencialmente da análise comparativa entre os quilómetros do percurso necessários ao exercício das funções dos colaboradores, face à diferença entre os quilómetros que efectivamente a viatura apresentava na recepção e na sua devolução.

 

Face a estas factos, considera-se que a Requerente produziu prova suficiente para afastar qualquer dúvida razoável, no sentido de que as viaturas em causa têm uma afectação apenas empresarial, considerando-se ilidida a presunção ínsita na norma de incidência tributária (artigo 88º nºs 3 a 6, por força do artigo 73º da LGT), pelo que não deverão as despesas em causa, ser objecto de tributação ao nível da taxa de tributação autónoma do aludido artigo 88º nº 3 do Código do IRC.

 

Como atrás se referiu, não vemos como o facto de ser a Requerente a suportar as coimas por infracções estradais (despesas que até poderão não ser consideradas custos dedutíveis) possa, por si só, sem se alegar sequer o seu montante anual, colocar em causa a credibilidade e fiabilidade do sistema de controlo das viaturas que a Requerente institucionalizou e bem assim a restante prova produzida.

 

Configurou ainda o TAS que o sistema de controlo de uso das viaturas, com base essencialmente, no controlo dos quilómetros, se configura ter a robustez suficiente para atingir os fins essenciais que visa assegurar: a salvaguarda do uso das viaturas para fins empresariais, permitindo eficiência nos custos e na gestão do tempo dos utilizadores.

 

A alegada falta de uma entidade externa, para auditar o sistema de controlo de uso das viaturas da Requerente, apenas no serviço da empresa, configura-se, face às regras da experiência comum, como sendo excessiva, porquanto, tenderia a tornar o sistema de controlo tão dispendioso que colocaria em causa os efeitos essenciais pretendidos com a sua criação: diminuição de custos e gestão do tempo dos colaboradores. Um sistema de controlo de uso de viaturas de uma empresa, pode ser sério e credível, mesmo com apenas regras de controlo interno, auditáveis e verificáveis, como no caso da Requerente se configura existir.

 

***

 

Por último invoca a AT no artigo 147º da resposta que deve “ser julgado inconstitucional o artigo 88.º, n.º 3 e 5 do CIRC, por violação dos princípios da legalidade (tipicidade e reserva de lei parlamentar) e da protecção jurídica e da confiança (artigo 103.º, n.º 2 e 3 da CRP), quando interpretado no sentido de albergar em si uma presunção ilidível, capaz de afastar a tributação sobre encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos que não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, motos ou motociclos, sempre que seja possível provar a sua indispensabilidade para o funcionamento eficiente das empresas”.

 

Em primeiro lugar, como acima se notou, configura-se que onde reside o fundamento legal mais determinante para a adopção do sentido desta decisão, não está nos nºs 3 e 5 do artigo 88º do CIRC, mas sobretudo na norma constante do artigo 73º da LGT, na medida em que, como atrás se referiu “afasta expressamente, no domínio das normas de incidência tributária, a possibilidade de existência de presunções inilidíveis, proibição que abrange as normas de incidência subjectiva, como as de incidência objectiva ou real, sendo certo que esta disposição abrange tanto as presunções explícitas como as implícitas, como é o caso”. A AT não invoca a desconformidade desta norma, na leitura aqui propugnada, com os princípios constitucionais.

 

Em segundo lugar, como atrás se referiu “a entender-se que o nº 3 do artigo 88º do CIRC, não encerra a possibilidade de elisão da presunção de “empresarialidade parcial”, tal corresponderia a uma violação do princípio da igualdade material, que manda tratar o desigual em termos materiais, desigualmente (salvo impraticabilidade, o que não será o caso) e, pela mesma razão, por violação do princípio da capacidade contributiva, da tributação fundamentalmente do rendimento real e da proporcionalidade, que implicam igualmente o tratamento desigual do que é desigual.

 

Por estas razões, entente este TAS que não procede a invocada inconstitucionalidade da leitura das normas contidas no artigo 88º nºs 3 a 5 do Código do IRC, seguida nesta decisão.

 

Desta feita, procede o pedido de pronúncia arbitral.

 

Do reconhecimento do direito ao reembolso de 36 563,43 euros, acrescidos dos juros indemnizatórios

 

A Requerente logrou provar que pagou, por autoliquidação, os valores correspondentes às tributações autónomas aqui em causa, conforme números 1 e 4 da matéria de facto provada.

 

Anulando-se, como se vai anular, a decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa que foi deduzida contra a referida autoliquidação, afectado fica o acto impugnado na reclamação, resultando que a Requerente tem direito ao reembolso do montante pago.

 

Pede ainda os juros indemnizatórios nos termos previstos no artigo 43º da LGT e do artigo 61º do CPPT.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da anulação da decisão que recaiu sobre o pedido de reclamação graciosa (colocando-se em causa, indirectamente, a legalidade do acto de autoliquidação impugnado), há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

  1. Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
  2. Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
  3. Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas. (Aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro).

 

A ilegalidade da decisão adoptada em sede de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a autoliquidação, é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa.

 

No presente caso será de aplicar o regime da alínea c) do nº 3 do artigo 43º da LGT, porquanto, entre a data em que o contribuinte efectuou o primeiro pedido à AT sobre a desconformidade da autoliquidação de IRC (em 16 de Setembro de 2016) e a data em que foi proferida decisão de indeferimento (em 23 de Junho de 2016) não decorreu “mais de um ano” (ponto 5 da matéria de facto provada).

 

No que concerne à autoliquidação de IRC que foi efectuada pela Requerente, é de entender que o erro que a afecta é imputável à Administração Tributária.

 

Com efeito, de acordo com Jorge Lopes de Sousa, em “Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos Ilegais”, Áreas Editora, Lisboa, 2010, pág. 52: «Nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (como sucede, nomeadamente, nos referidos casos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta), bem como naqueles em que o acto é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir um a decisão com pressupostos correctos».

 

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, contados desde 23 de Junho de 2016, relativamente à quantia de 36 563,43 euros.

 

Os juros indemnizatórios são devidos sobre a referida quantia, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data acima indicada e até à emissão da respectiva nota de crédito.

 

V - DISPOSITIVO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos:

  1. Julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral visando a ilegalidade e anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que a Requerente deduziu contra a autoliquidação de tributação autónoma de IRC do exercício de 2015, e bem assim, a ilegalidade e anulação parcial da parte da autoliquidação em IRC referente ao mesmo exercício, relativa a despesas e encargos com veículos exclusivamente afectos à actividade das empresas do Grupo Fiscal A…, mais especificamente no que respeita ao montante de € 36.563,43;
  2. Consequentemente anula-se a decisão de indeferimento referida em 5 da matéria de facto provada e a autoliquidação de IRC na parte referida em 1. e 4. da matéria de facto assente, por desconformidade com a norma de incidência do artigo 88º nºs 3, 5 e 6, conjugada com a norma do artigo 73º da LGT, na leitura acima propugnada;
  3. Não se declara a inconstitucionalidade das normas do artigo 88º nº 3 e 5º do CIRC, conforme o suscitado pela AT, por não se verificar qualquer desconformidade desta decisão, face à lei fundamental, antes com ela se conformando, nos termos acima referidos;
  4. Julgam-se ainda procedentes os pedidos de reembolso do montante de € 36.563,43 e de condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios, calculados sobre este valor e contados desde 23 de Junho de 2016, até emissão da respectiva nota de crédito.

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 36.563,43 € euros.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 836,00 segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique.

Lisboa, 31 de Março de 2018

Tribunal Arbitral Singular (TAS),

 

Augusto Vieira

 

 

 

 Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.