Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 504/2015-T
Data da decisão: 2016-08-03  Selo  
Valor do pedido: € 12.886,80
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS; andares ou divisões suscetíveis de utilização independente; indemnização por prestação indevida de garantia
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CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 504/2015-T

Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS; andares ou divisões suscetíveis de utilização independente; indemnização por prestação indevida de garantia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Decisão Arbitral

 

 

Relatório

 

A…, contribuinte n.º…, residente na Rua…, … em …, proprietário do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia da … sob o artigo…, doravante designado por Requerente, vem nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 5.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, requerer a CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR, com vista à declaração de ilegalidade do ato de liquidação do Imposto de Selo (“IS”) ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (doravante “TGIS”) anexa à Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, que aprova o Código do Imposto de Selo (adiante “Código do IS”) que recaiu sobre os andares Cave/Rés-do-chão, 1º Andar e Aguas Furtadas do prédio urbano acima identificado, referente ao ano de 2014, do qual foi notificado através dos documentos de cobrança números 2015…, 2015… e 2015…, todos de 20/03/2015, respeitantes à primeira prestação de IS, o que faz pelos seguintes motivos:

 

DO PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL

O pedido de pronúncia arbitral visa:

a)      a declaração de ilegalidade do ato de liquidação do IS melhor identificado, por inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS.

b)      a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IS melhor identificado, por erro nos pressupostos de facto e de direito.

c)      a condenação da AT no pagamento de indemnização por garantia indevida.

 

I ALEGA O REQUERENTE

1.º O Requerente é único e legítimo proprietário do prédio urbano acima identificado, totalmente afeto a habitação, constituído em propriedade vertical, e, tal como se indicou, é composto por andares e divisões de utilização independente correspondendo ao rés-do-chão, 1º andar e águas-furtadas, respetivamente, “CVRC”, ”1º” e, “AGFT”.

2.º O Requerente foi notificado da 1ª prestação do imposto liquidado, conforme segue:

Fração

Nota Cobrança da 1ª Prestação

Valor 1ª Prestação

Valor 2ª Prestação

Valor 3ª Prestação

CVRC

2015…

1.478,38

1.478,38

1.478,38

1.º

2015…

1.534,54

1.534,54

1.534,54

AGFT

2015…

1.149,38

1.149,38

1.149,38

Total

 

4.162,30

4.162,30

4.162,30

 

3.º O Requerente não se conforma com as liquidações do Imposto de Selo que, em seu entender, são ilegais quer à luz das normas que regem o ordenamento fiscal português quer das normas de incidência tributária.

4.º. Propondo-se discutir a legalidade das liquidações, o Requerente não procedeu ao pagamento voluntário, requereu a suspensão do processo executivo e apresentou, em 27-07-2014, garantia bancária, no valor de €5.660,40.

5.º A verba 28.1 da TGIS, ao sujeitar a IS apenas os prédios urbanos ou terrenos para construção com afetação habitacional, com valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000,00 é inconstitucional por violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva.

6.º. Por outro lado, permite:

a) que determinado contribuinte, com património imobiliário que no seu conjunto excede 1 milhão de euros, escape à incidência porque cada prédio, individualmente considerado, ser inferior a 1 milhão de euros;

b) apenas onerar propriedade de prédios urbanos ou terrenos para construção com afetação habitacional, deixando de fora os proprietários de comércio, serviços ou indústria ainda que o VPT seja igualmente superior a 1 milhão de euros;

c) porque onera exclusivamente proprietários de prédios urbanos habitacionais, com VPT superior a 1 milhão de euros, deixando de fora, por exemplo, todos os proprietários de imóveis abaixo desse valor (ex. € 950,00).

7.º O princípio da Igualdade não se traduz num tratamento linear de todos os cidadãos, mas impõe um tratamento idêntico para situações idênticas, proibindo o arbítrio.

8.º. Ora, a verba 28.1 da TGIS foi introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro num esforço de consolidação orçamental, tendo sido apresentada no debate parlamentar como uma medida de reforço da equidade, devendo todas contribuir de acordo com a sua capacidade financeira

9.º O Tribunal Constitucional já apreciou a matéria, entre outros, no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 590/2015, proferido no processo 542/2014, que não julgou inconstitucional a norma constante da verba 28 e 28.1 da TGIS, aditada pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro.

10.º Termina requerendo a declaração de ilegalidade, por erro de facto ou de direito, das liquidações identificadas com todas as consequências legais como as importâncias das liquidações, acrescidas de juros moratórios e indemnizatórios.

 

II - RESPOSTA DA AT

11.º O legislador justifica esta tributação, em primeiro lugar, na obtenção de receita fiscal necessária para consolidação orçamental previsto no Programa de Ajustamento Económico e Financeiro, acordado entre o Governo e o F.M.I., a Comissão Europeia e o BCE, e ainda no reforço da equidade social garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios.

12.º Na caderneta predial, o imóvel é descrito como constituído em propriedade total, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente e tem um valor patrimonial tributado total de € 1.248.680,00, valor sobre o qual a AT liquidou o imposto.

13.º A propriedade horizontal é um regime específico mais evoluído da propriedade do que a propriedade total, pelo que pretender que o intérprete aplique por analogia o regime de propriedade horizontal à propriedade total é abusivo e ilegal, até porque a lei fiscal não comporta qualquer lacuna.

 

III - SANEAMENTO

14.º O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos, nos termos dos artigos 2.º n.º 1, alínea a), 5.º, e 6.º, todos do RJAT.

15.º As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 12.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria 112-A/2011, de 22 de março.

 

Impõe agora apreciar o mérito do pedido

 

IV – THEMA DECIDENDUM

16.º A questão de fundo em causa consiste em saber se, para efeitos de tributação da verba 28.1 da TGIS, o VPT de um prédio em propriedade total é o somatório dos VPT de cada andar ou divisão suscetível de utilização independente ou é o VPT de cada andar ou divisão independente, mas integrantes do mesmo prédio e que se encontram afetas a habitação.

 

V - O DIREITO

17.º Dispõe a verba 28 da TGIS:

28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1%

 

18.º A AT entende que num prédio, em propriedade vertical, a norma constante da verba 28 da TGIS, determina que o critério para a sua incidência, é o VPT global do prédio, o que não se afigura nem conforme o princípio de legalidade fiscal.

19.º Para o legislador da norma, a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efetuada entre uns e outros que são figuras do direito civil.

20.º. Importa ter presente que a inscrição de cada andar, ou parte do prédio suscetível de utilização independente, mas integrantes de um mesmo prédio, é considerada separadamente na inscrição predial do prédio total, o qual discrimina o valor patrimonial de cada uma partes suscetíveis de utilização independentes (n.º 2.º do art. 12.º do CIMI), e que o IMI é liquidado individualmente, em relação a cada andar ou parte do prédio suscetível de utilização independente (art. 119.º, n.º 1 do CIMI).

21.º Quando trata a “estrutura” dos prédios em propriedade vertical o quadro legal considera os andares ou as divisões suscetíveis de utilização independentes, individualmente, tratando-os como unidades independentes, à semelhança das frações autónomas dos prédios em propriedade horizontal.

22.º Conforme se extrai da decisão arbitral antes citada “considerando-se que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis construídos em propriedade horizontal, liquidado individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo.

23.º O legislador acolheu, não o rigor jurídico-formal, como foi reconhecido e consta da decisão arbitral no processo n.º 50/2013-T mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio, fazendo prevalecer a verdade material subjacente à sua existência e à sua utilização.

24.º A sujeição ao imposto de selo, nestes casos, é determinada pela conjugação de dois factos:

            1. A afetação habitacional

            e

             2. O VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões suscetíveis de utilização independente constante da matriz ser igual ou superior a 1.000.000,00

 

25.º A sujeição a Imposto de Selo é, pois, determinada não pelo VPT do prédio, mas pelo VPT de cada andar ou divisão suscetível de utilização independente, pelo que, neste domínio, só haverá lugar à incidência do novo imposto de selo, se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente, apresentasse um VPT igual ou superior a 1.000.000,00 €.

 

VI – Questões de conhecimento prejudicados.

26.º Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que for alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importem para a decisão, a matéria provada e não provada (art. 123.º, n.º 2 do CPPT e art. 607.º, n.º 3 do Código Processo Civil, aplicável “ex vi” art.º 29, n.º 1 alínea a) e e) do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de direito (cfr. anterior art. 511.º do CPC correspondente ao atual 596.º, aplicável “ex vi” do a art. 29.º n.º 2 e) do RJAT.

27.º. Na verdade, o art. 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do art. 29.º, n.º 1 do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupor que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer os restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados aos atos impugnados, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

 

VII - DECISÃO

Em face do supra exposto, concluímos assistir razão à Requerente e, em consequência, decide-se:

a)      Declarar a ilegalidade das liquidações objeto destes autos e, em consequência, julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação, com todos os efeitos legais, dos atos de liquidação de imposto de selo melhor identificados nos autos.

b)      Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios peticionados pela requerente.

 

VALOR DO PROCESSO – São as seguintes as liquidações do Imposto de Selo sob censura que o Requerente quer ver anuladas:

  Do 1.º 4.603,60

  AGFT 3.448,10

  CVRC 4.435,10       12.886,80

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 1 e 2 do CPC e 97-A.º, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 12.886,80

 

CUSTAS - As custas, na importância de € 918,00 -Tabela I, anexo ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, ficam integralmente a cargo da requerida (Artigo 24.ºA do Regulamento do CAAD)

 

Notifique-se e Registe-se

 

Lisboa, 2016-08-03

 

 

O Árbitro,

 

(Fernando Pinto Monteiro)