Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 505/2015-T
Data da decisão: 2015-12-24  Selo  
Valor do pedido: € 24.815,00
Tema: IS – Verba 28 da TGIS; Terrenos para construção; Inconstitucionalidade
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

1.      RELATÓRIO

 

1.1.  A…, S.A., contribuinte n.º …, com domicílio fiscal na…, em Lisboa, apresentou em 28/07/2015, pedido de pronúncia arbitral, no qual peticiona a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2014, e a que correspondem os documentos com o n.º 2015 …, n.º 2015 …, n.º 2015 …, n.º 2015 …, n.º 2015 … e n.º 2015 …, nos montantes de € 4.556,20, € 4.556,20, € 4.556,20, € 3.175,48, € 3.175,46 e € 3.175,46, respectivamente.

 

1.2.  O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou, em 26/08/2015, como árbitro singular o signatário desta decisão.

 

1.3.  No dia 21/10/2015 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

1.4.  Cumprindo-se o disposto no n.º 1 do artigo 17.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) foi a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) notificada, em 21/10/2015, para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.5.  Em 23/11/2015 a AT apresentou a resposta, acompanhada de um requerimento propondo a dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

1.6.  O tribunal arbitral em 24/11/2015 decidiu dispensar a realização da reunião a que n.º 1 do artigo 18.º do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, convidando ambas as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas facultativas e agendou a data para prolação da decisão final.

 

1.7.  A Requerente e a Requerida não apresentaram alegações escritas facultativas.

 

 

 

2.      SANEAMENTO

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

 

Não existem nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado dentro do prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, pelo que é tempestivo.

 

Verificam-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

 

3.      POSIÇÕES DAS PARTES

 

São duas as posições em confronto, a da Requerente, vertida no pedido de pronúncia arbitral e a da AT na sua resposta.

 

Em síntese, a Requerente entende que:

 

a)      “Através da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, o Governo pretendeu instituir assim uma “tributação especial” que incide apenas sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros.”;

 

b)      “Deste modo, e conforme resultou da intervenção do Secretario de Estado dos Assuntos Fiscais na apresentação e discussão da Proposta de Lei n.º 96/XII, através da presente norma o Governo visou promover um “sistema fiscal mais equitativo”, em que os contribuintes “são chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva.”;

 

c)      Ora, “(…) a referida verba visou assim tributar a riqueza e a capacidade económica dos contribuintes.”;

 

d)     “Porém (…), a tributação alcançada com esta verba é manifestamente contrária aos princípios constitucionais, em especial ao princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.”;

 

e)      “Ora (…), a verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo e a tributação especial resultante da mesma promovem um tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes, em manifesta violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP”.

 

f)       “(…) a tributação dos “terrenos para construção” assenta na existência de uma mera “autorização” ou de uma mera “previsão” de que o terreno em causa venha a ser edificado e que tal edificação seja destinada à habitação.”;

 

g)      “Esta tributação assenta assim numa mera “expectativa de afetação” que, no limite, poderá nunca ser concretizada.”;

 

h)      “De facto, de acordo com a intenção do legislador, a tributação especial prevista na verba 28.1 deveria aplicar-se a prédios efetivamente afetos a habitação, especificamente “casas”- não estando abrangidos, necessariamente, os “terrenos para construção” com uma “edificação, autorizada ou prevista, para habitação.” [sublinhado da Requerente];

 

i)        “O que o legislador pretendeu tributar foram prédios com efetiva “afetação habitacional”, sempre associada a “edifícios” ou “construções”, existentes, porquanto apenas estes poderão ser habitados - ainda que a redação conferida à verba em 2014 se afigure manifestamente contrária à intenção que estava na génese desta tributação.”;

 

j)        “O que não sucede necessariamente nos “terrenos para construção”, que não se afiguram suscetíveis de serem utilizados para habitação e apenas serão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista - sendo que, nesse caso, não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos, i.é., “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” (…).” [sublinhado da Requerente];

 

k)      Em conclusão, “(…) as liquidações de Imposto do Selo, ao incidirem sobre uma mera “expectativa ou previsão” de construção destinada a habitação afiguram-se manifestamente ilegais, por erro nos pressupostos de facto e de direito, devendo as mesmas ser prontamente anuladas.”.

 

Doutro modo, sustenta a AT que:

 

a)      “(…) o quadro normativo em que se suporta a liquidação ora sindicada corresponde à tributação em imposto de Selo ínsita na verba 28.1 da Tabela Anexa ao Código de Imposto de Selo, na redação conferida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que entrou em vigor em 01.01.2014.”;

 

b)      “Resulta daquele normativo que o Imposto de Selo incide (cf. artigo 1.º do CIS), à taxa aí prescrita (cf. artigo 22.º do CIS), sobre:

 

 

 

 

«28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro)
1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1%”»”;

 

c)      “O facto de o legislador estabelecer um valor (€1.000.000,00) como critério delimitativo da incidência do imposto, abaixo do qual não se preenche a previsão da norma tributária, constitui uma legítima escolha do legislador quanto à fixação do âmbito material dos “imóveis habitacionais de luxo” que se pretende tributar de modo mais gravoso, até porque qualquer outro valor de grandeza análoga assumiria, do mesmo modo, um carácter artificial que é conatural a qualquer fixação quantitativa de um nível ou limite.”;

 

d)      “Acrescente-se ainda que não há que confundir esta dimensão de proporcionalidade do princípio da igualdade com a clássica separação entre tributação proporcional e tributação progressiva, nada impedindo a nível constitucional que a tributação patrimonial em causa assente numa taxa ad valorem proporcional (cf. o art.º 104.º, n.º 3 da CRP).”;

 

e)      “Mas, concluindo, lapidarmente, decorre indiscutivelmente que, se a afetação do imóvel e a respectiva função social são diferentes, pode – e deve- a situação ser tratada de forma diferente, como aliás, impõe o próprio princípio da igualdade.”;

 

f)        “Desta forma, como o tratamento diferenciado encontra justificação material bastante, mostra-se respeitado o princípio da igualdade, quer per si, quer na sua dimensão da igualdade proporcional.”;

 

g)      “Será assim de concluir que a liquidação em crise consubstancia uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, seja da CRP ou do CIS, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Entidade Requerida do pedido.”.

 

4.      MATÉRIA DE FACTO

 

4.1.  FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS

 

Em face dos documentos carreados para o processo, dá-se como provado que:

 

4.1.1.      A Requerente é única proprietária dos prédios urbanos da espécie “terreno para construção” sitos nas freguesias de … e …, concelhos de … e …, distrito do Porto, inscritos na matriz sob os artigos … e …, respectivamente.

 

4.1.2.      O valor patrimonial tributário (VPT) dos prédios urbanos em causa ascendia, à data das liquidações em causa a € 1.366.860,00 e € 1.114.640,08, respectivamente.

 

4.1.3.      O prazo de pagamento voluntário da liquidação de Imposto do Selo de 2014, (documento n.º 2015 …), no montante de € 4.556,20, terminou em 30/04/2015.

 

4.1.4.      O pagamento voluntário liquidação de Imposto do Selo de 2014, (documento n.º 2015 …), foi efectuado em 20/04/2015.

 

4.1.5.      O prazo de pagamento voluntário da liquidação de Imposto do Selo de 2014, (documento n.º 2015 …), no montante de € 4.556,20, terminou em 31/07/2015.

 

4.1.6.      O pagamento voluntário liquidação de Imposto do Selo de 2014, (documento n.º 2015 …, foi efectuado em 07/07/2015.

 

4.1.7.      O prazo de pagamento voluntário da liquidação de Imposto do Selo de 2014, (documento n.º 2015 …), no montante de € 4.556,20, terminou em 31/11/2015.

 

4.1.8.      O prazo de pagamento voluntário da liquidação de Imposto do Selo de 2014, (documento n.º 2015 …), no montante de € 3.715,48, terminou em 30/04/2015.

 

4.1.9.      O pagamento voluntário liquidação de Imposto do Selo de 2014, (documento n.º 2015 …), foi efectuado em 20/04/2015.

 

4.1.10.  O prazo de pagamento voluntário da liquidação de Imposto do Selo de 2014, (documento n.º 2015 …), no montante de € 3.715,46, terminou em 31/07/2015.

 

4.1.11.  O pagamento voluntário liquidação de Imposto do Selo de 2014, (documento n.º 2015 …), foi efectuado em 07/07/2015.

4.1.12.  O prazo de pagamento voluntário da liquidação de Imposto do Selo de 2014, (documento n.º 2015 …), no montante de € 3.715,46, terminou em 30/11/2015.

 

 

4.2.  FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS

 

Não existem factos com relevo para a decisão que não tenham sido dados como provados.

 

 

5.      O DIREITO

 

5.1.  (I)LEGALIDADE DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DO IMPOSTO DO SELO DE 2014

 

No caso em apreço, a questão fundamental sob apreciação pelo tribunal arbitral consiste em determinar, ou não, a desconformidade da tributação à luz da Verba n.º 28 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo (“Tabela Geral”) com os princípios ínsitos na lei fundamental.

 

Sobre esta matéria, importa, antes de mais, ter presente o teor do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/2015, Processo n.º 542/14, de 11 de Novembro de 2015[1], precisamente, sobre a questão da inconstitucionalidade da Verba n.º 28 da Tabela Geral, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro e do seu n.º 1, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro e, posteriormente, alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, em concreto a violação dos princípios da igualdade tributária, capacidade contributiva e da proporcionalidade.

 

Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com ela concordarmos integralmente, senão vejamos:

 

“A recorrente entende que a normação questionada merece censura constitucional, por violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade e da capacidade contributiva, fundamentalmente a partir da consideração, por um lado, de que a medida não reveste aptidão para o fim invocado e, por outro, de que atinge arbitrariamente apenas alguns proprietários de algum património.

 

Diverso foi o entendimento do Tribunal Arbitral recorrido, a que aderiu no presente recurso a recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira. Depois de elencar as várias controvérsias jurídicas suscitadas pela verba 28 do TGIS e analisar a evolução da tributação sobre o património, a decisão recorrida afastou a violação dos princípios da igualdade e capacidade contributiva, subscrevendo o entendimento acolhido na decisão do processo n.º 50/2014-T, do CAAD, que transcreveu, mormente nos seguintes excertos:

 

 

 

«[O] legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00 sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto do selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00».

 

«[...] A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”. Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal».

 

 

Princípios da igualdade tributária e capacidade contributiva

 

Passemos, então, a apreciar o parâmetro de constitucionalidade a que a recorrente dedicou a maior parte da sua argumentação, fundada nos princípios da igualdade tributária e capacidade contributiva (artigos 13.º, 103.º e 104.º da Constituição).

 

O princípio constitucional da igualdade tributária, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º da Constituição), encontra concretização “na generalidade e na uniformidade dos impostos. Generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos [...]; por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos” (TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, 5.ª edição, pág. 261). E tal critério, como sublinha CASALTA NABAIS, encontra-se no princípio da capacidade contributiva: “Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)” (Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, pág. 155). Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva “de um lado, constituindo a ratio ou causa da tributação afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto” (CASALTA NABAIS, ob. cit., pág. 157).

 

Assim o tem afirmado o Tribunal Constitucional, de que é exemplo o Acórdão n.º 84/2003:

 

«O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação», entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos dos “impostos fiscais” mais precisamente se deverá fazer segundo a capacidade económica ou “capacidade de gastar” [...] de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício). [...] Não obstante o silêncio da Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição fiscal” sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103.º e 104.º da CRP [...]».

 

Este Tribunal tem, todavia, salientado que o princípio da capacidade contributiva não dispensa o concurso de outros princípios constitucionais. Como se referiu no Acórdão n.º 711/2006, «é claro que o “princípio da capacidade contributiva” tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal». E prossegue: «Averiguar, porém, da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e fatores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo [...] como proibição do arbítrio».

 

Em suma, na síntese do Acórdão n.º 695/2014, “o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional”.

 

A argumentação da recorrente coloca-se neste último plano, respondendo negativamente à interrogação sobre a razão de ser da tributação sindicada, fundamentalmente por assumir, na sua ótica, caráter assistemático e arbitrário, a partir da consideração de que a tributação do património imobiliário deveria ser feita em sede de IMT e IMI, e por discriminar sem fundamento racional contribuintes com a mesma capacidade contributiva. Sem razão, adiante-se.

 

Desde logo, da inscrição da tributação em análise no âmbito do Imposto do Selo, e não noutras espécies de impostos, não resulta, em si mesma, infração de qualquer parâmetro de constitucionalidade. Mesmo que fosse de concluir pela introdução de fator de incoerência, ou mesmo de desequilíbrio, no sistema de tributação do património imobiliário, como pretende a recorrente, a mera assistematicidade da norma questionada não é idónea a determinar a censura constitucional (cf., ainda que noutros campos de regulação, os Acórdãos n.º 353/2010 e 324/2013).

 

Note-se, ainda assim, que a incidência do Imposto do Selo, marcado pela heterogeneidade, remete aqui, no que concerne a elementos essenciais da liquidação do tributo, mormente quanto aos critérios normativos definidores do valor patrimonial a considerar, para a regulação constante do Código do IMI, assegurando, ou pelo menos promovendo, um certo grau de sintonia entre os vários corpos legislativos no âmbito da tributação do património. A doutrina atribui-lhe mesmo a condição de “taxa adicional do IMI”, dirigido a “discriminar os prédios de mais elevado valor patrimonial e sujeitá-los a um regime fiscal mais gravoso que os restantes” (JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 504), explicando a criação de um novo facto sujeito a Imposto do Selo, para além da heterogeneidade que o reveste este imposto, pela necessidade de aumentar as receitas fiscais do Estado, uma vez que a receita do IMI reverte a favor dos municípios e o Imposto do Selo é uma receita do Estado (ob. cit., pág. 506).

 

Podem, seguramente, conceber-se outras vias ao alcance do legislador, eventualmente por recurso a outras espécies tributárias, mas não é menos certo que a opção tomada encontra inscrição na ampla margem de conformação do legislador fiscal, sendo insuscetível de fundar autónoma censura constitucional.

 

Também não se encontra na norma de incidência em apreço medida fiscal arbitrária, porque desprovida de fundamento racional. Como se viu, a alteração legislativa teve como propósito alargar a tributação do património, fazendo-a recair de forma mais intensa sobre a propriedade que, pelo seu valor bastante superior ao do da generalidade dos prédios urbanos com afetação habitacional, revela maiores indicadores de riqueza e, como tal, é suscetível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade”.

 

A recorrente afirma que a norma em apreço é “iníqua” e avança com dois casos hipotéticos que, na sua ótica, tornam patente a violação dos princípios da igualdade tributária e capacidade contributiva.

 

O primeiro caso compara dois contribuintes, em que um possui “um património no valor de cerca de um milhão e 250 mil euros” e suporta Imposto do Selo por via da norma de incidência da verba n.º 28, e outro que, por “possui[r] património no valor de 20 milhões de euros mas não tem, nesse acervo, qualquer imóvel com valor patrimonial tributário superior a 1 milhão” não suporta qualquer tributação. Daí decorre, sustenta, “desigualdade vertical” entre contribuintes sem razão justificativa.

 

Porém, a comparação proposta não encontra cabimento, pois afasta-se, no tertiumcomparationis eleito, da estrutura da norma em análise. A tributação decorrente da norma de incidência alojada na verba n.º 28 assume a natureza de imposto parcelar (assim, JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 507), tomando como base tributável o prédio urbano afeto à habitação, calculando o respetivo valor patrimonial tributário por unidade jurídica e económica relevante. Não constitui imposto geral sobre o património, ou mesmo imposto sobre todo o património imobiliário, em termos de fundar uma comparação radicada numa ótica de personalização do imposto e a partir de base que atenda a todo o património do sujeito tributário.

 

Cabe referir que a Constituição não impõe ao legislador a criação de um imposto geral sobre o património, atribuindo à tributação sobre o património a função de contribuir para a igualdade entre os cidadãos (artigo 104.º, n.º 3, da Constituição), sendo o legislador livre quanto à solução a adotar. Pode, como aponta CASALTA NABAIS, em prossecução de tal objetivo constitucional, “proceder à discriminação de patrimónios, tributando os mais elevados e isentando os mais baixos ou adotando taxas progressivas” (ob. cit., pág. 436). E, mesmo que se possa extrair do princípio da capacidade contributiva um modelo de imposto geral sobre o património com uma base tributável alargada a todas as manifestações de riqueza, os obstáculos de praticabilidade que se lhe opõem são suscetíveis de conduzir na realidade à criação de desigualdades entre os contribuintes. Como refere SÉRGIO VASQUES (Capacidade Contributiva, Rendimento e Património, in Fiscalidade, 2005, n.º 23, pág. 44):

 

«[A]í onde se instituíram impostos desta natureza e não são muitos os casos a sua aplicação tem sido viciada pela fraude mais grosseira, produzindo-se com isso uma desigualdade entre os contribuintes que se não pode tolerar. A igualdade de um imposto mede-se pelos resultados da sua aplicação e quando o legislador saiba de antemão que não pode tributar uma qualquer manifestação de riqueza com igualdade efetiva, deve então abster-se de a sujeitar a imposto.

 

Podemos por isso concluir dizendo que o princípio da capacidade contributiva possui um conteúdo útil e preciso na conformação dos impostos sobre o património mas que o modelo para o qual aponta, o do imposto sobre o património líquido global, produz na prática quebras de igualdade maiores do que os ganhos que traz. Quando se afirma que não há espaço nos sistemas fiscais modernos para um imposto sobre o património global ao lado do IVA e do imposto sobre os rendimentos pessoais isso será bem verdade não por força do princípio da capacidade contributiva, que o reivindica, mas por razões de praticabilidade que lhe são estranhas.»

 

Assim sendo, a aferição do respeito pelo princípio da igualdade fiscal na sua dimensão material carece de ser referida à unidade prédio afeto à habitação, o que importa a conclusão de que no primeiro caso não existe discriminação arbitrária entre contribuintes na operação uniforme do critério substantivo relevante, traduzido na atribuição a cada prédio com afetação habitacional de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000,00.

 

Como, ainda, persiste uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, sem infringir o princípio da capacidade contributiva, cujo alcance, não sendo excluído, diminui no âmbito da tributação do património, face ao que acontece na tributação sobre o rendimento (assim, SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2011, pág. 254). Com efeito, a recorrente não disputa que o valor patrimonial tributário de que depende a incidência do imposto é atingido apenas pelos prédios urbanos de vocação habitacional de mais alto significado económico, exteriorizando níveis de riqueza correspondentes aos padrões mais elevados da sociedade portuguesa.

 

Cabe referir que a existência de resultados aplicativos distintos perante valores muito aproximados por excesso ou por defeito de uma expressão quantitativa estipulada normativamente como limite positivo ou negativo de um qualquer efeito jurídico é conatural à respetiva fixação pelo legislador. Seja na definição da incidência fiscal, seja na estatuição de isenções ou benefícios fiscais assentes em critérios de valor, é sempre possível encontrar exemplos de contribuintes com tratamento diferenciado a partir de uma variação quantitativa de muito reduzida expressão.

 

Por ser necessariamente assim, a diferenciação comportada (…) não se mostra desprovida de fundamento racional, de acordo com o escopo, estrutura e natureza da norma em análise: votada a incrementar a tributação de prédios com afetação habitacional de valor elevado, a medida fiscal não podia deixar de determinar, por imperativo do princípio da legalidade fiscal, o concreto valor patrimonial a partir do qual passava a incidir sobre tais prédios uma taxa especial de Imposto do Selo, o que afasta, também neste ponto, a verificação de arbitrariedade por parte do legislador.

 

 

 

Princípio da proporcionalidade

 

No que se refere à violação do princípio da proporcionalidade, apontada pela recorrente (…) como corolário da violação dos princípios atrás apreciados, mostra-se patente a falta de razão da recorrente. Com efeito, a recorrente sustenta em alegações, ainda que a propósito de outro parâmetro, que não se encontra, na espécie, uma adequada relação meio-fim, porquanto a receita arrecadada com este imposto não tem “qualquer significado relevante”, sendo o valor cobrado em 2012 “necessariamente uma receita escassa” (cf. fls. 16 e 17 das alegações, a fls. 301 e 302 dos autos).

 

O raciocínio toma, porém, como premissa algo que não corresponde à finalidade da norma: o legislador não visou atingir apenas por este meio o objetivo de reequilíbrio das contas públicas, reconhecidamente difícil. Pretendeu, como se viu, alargar a base tributável à riqueza exteriorizada na propriedade de prédios urbanos destinados à habitação de elevado valor e, numa perspetiva de promoção da consolidação orçamental, como instrumento de obtenção de mais receita e, correspondentemente, de alívio do esforço que pudesse vir a incidir sobre outras fontes de receita ou sobre a redução da despesa pública, com vista a cumprir as metas de défice público, não sofre dúvida que as verbas de Imposto do Selo arrecadadas por via da incidência prevista na verba n.º 28, qualquer que seja o seu montante, são aptas e idóneas a realizar as finalidades de repartição ampliada do esforço em período de sacrifícios fiscais e financeiros adicionais que o legislador procurou atingir. Como, enquanto medida fiscal dirigida a afetar mais intensamente os titulares de direitos reais de gozo sobre prédios urbanos de vocação habitacional e de mais alto valor, ao alcance apenas dos detentores de força económica elevada, não se vislumbram razões para concluir pelo desrespeito das dimensões da necessidade ou da justa medida, contidas no princípio da proporcionalidade.” [realce e sublinhado nossos].

 

Em face do exposto, somos levados a concluir que a norma em causa não enferma de nenhuma inconstitucionalidade, inexistindo qualquer violação dos princípios constitucionais conformadores da lei fiscal, especificadamente, dos princípios da igualdade fiscal, da capacidade contributiva e da proporcionalidade. Razão pela qual, improcede o pedido da Requerente.

 

 

6.      DECISÃO

 

Nestes termos e com a fundamentação acima descrita, decide julgar-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral, absolvendo-se a AT do pedido.

 

 

7.      VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 24.815,00 (vinte e quatro mil, oitocentos e quinze euros), nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

 

8.      CUSTAS

 

Custas a suportar pela Requerente, no montante de € 1.530 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos do n.º 2 do artigo 22.º do RJAT.

 

 

Notifique.

Lisboa, 24 de Dezembro de 2015

 

 

O árbitro,

 

 

(Hélder Filipe Faustino)

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 



[1]              Disponível em www.dre.pt