Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 50/2016-T
Data da decisão: 2016-09-30  IRC  
Valor do pedido: € 52.909,02
Tema: IRC – Gastos, Despesas de Representação, Tributação Autónoma
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DECISÃO ARBITRAL

I.       Relatório

A…, S.A., sociedade com sede em …, …, …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e pessoa coletiva … (doravante, a “Requerente”), requereu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em 1 de fevereiro de 2016, a constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de IRC n.º 2013 …, no valor de €52.909,02 (cinquenta e dois mil novecentos e nove euros e dois cêntimos), na sequência de despacho de indeferimento de recurso hierárquico n.º …2015… de 22 de outubro de 2015.

A Requerente optou por não designar árbitro.

O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 4 de fevereiro de 2016 e automaticamente notificado à AT.

A Signatária foi designada pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro de tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, tendo comunicado a aceitação do encargo, no prazo legal, nos termos do disposto no artigo 4.º do Código Deontológico do CAAD.

As Partes foram notificadas da designação da Signatária, em 5 de abril de 2016, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) do RJAT, não se tendo oposto à mesma.

O tribunal arbitral singular ficou, assim, regularmente constituído em 20 de abril de 2016, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º1 do artigo 11.º do RJAT.

A AT foi notificada do despacho arbitral de 21 de abril de 2016, para apresentar resposta no prazo de 30 (trinta) dias.

A AT apresentou a sua resposta em 25 de maio de 2016.

Por despacho arbitral de 27 de junho de 2016, o Tribunal Arbitral considerou, perante os factos e os elementos trazidos pelas Partes aos autos, o pedido da Requerida e ao abrigo do disposto no artigo 16.º, alíneas c) e e) do RJAT, dispensável a audição das testemunhas indicadas pelas Partes, bem como a reunião do artigo 18.º do RJAT. Mais considerou estar apto a decidir, fixando a prolação da decisão para 31 de julho de 2016.

A Requerente apresentou, em 13 de julho de 2016, requerimento solicitando a junção aos autos dos depoimentos prestados pelas testemunhas por si indicadas no âmbito do processo 51/2016-T, respeitante a despesas com eventos em tudo similares àquele objeto do presente processo.

A Requerida, por sua vez, apresentou em 18 de julho de 2016, requerimento solicitando a junção aos autos de decisão no processo n.º 52/2016-T, respeitando à mesma matéria dos autos, com as mesmas Partes.

A Requerente juntou, em 19 de julho, requerimento solicitando a desconsideração da decisão junta pela Requerida.

Por despacho arbitral de 20 de julho de 2016, o Tribunal Arbitral determinou a notificação da Requerida para se pronunciar sobre o pedido da Requerente, de 13 de julho, relegou a decisão sobre as questões suscitadas após o seu último despacho arbitral uma vez decorrido o prazo conferido à Requerida e determinou sem efeito o prazo de prolação da decisão final.

Por requerimento de 26 de julho, a Requerente solicitou a junção aos autos da decisão proferida no processo n.º 51/2016-T.

A Requerida apresentou em 13 de setembro de 2016, requerimento solicitando o indeferimento da junção aos autos do pedido da Requerente de 13 de julho de 2016.

Por despacho arbitral de 30 de setembro de 2016, o Tribunal Arbitral decidiu, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade do mesmo, indeferir a junção aos autos dos depoimentos e decisão arbitral apresentados pela Requerente e indeferir a junção aos autos da decisão arbitral apresentada pela Requerida. Mais considerou estar apto a decidir e fixou a prolação da decisão até 10 de outubro de 2016.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

II.      Pedido da Requerente

A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de IRC n.º 2013…, no valor de €52.909,02 (cinquenta e dois mil novecentos e nove euros e dois cêntimos), o reembolso do montante de imposto pago ao abrigo de tal ato de liquidação e o pagamento de juros indemnizatórios.

A Requerente fundamenta o seu pedido nos termos que de seguida se indicam:

1.             No decurso de ação inspetiva referente aos exercícios de 2009, 2010, 2011 e 2012, a Requerente foi notificada, em 28 de junho de 2013, do Projeto de Relatório de Inspeção (“Projeto de Relatório”) no qual se concluía, entre outras matérias, pela existência de imposto em falta, em sede de IRC, referente ao exercício de 2009.

2.             No âmbito do seu objeto social (fabrico, comércio e exportação de produtos cerâmicos) realizou eventos destinados a promover e vender os seus produtos, nomeadamente os seguintes: i) evento “B…”, ii) Evento “C…”, iii) Evento “D…”, iv) E…– 2.ª Edição e v) Apresentação “F…”.

3.             Tais eventos atingiram o seu objetivo em termos de publicidade e propaganda: dar a conhecer e vender os seus produtos.

4.             Os eventos determinaram custos, os quais se traduziram em:

a.              Deslocações, alojamento e refeições: €11.250,30

b.             Expositores, no valor de €11.250,00, erroneamente classificados por se tratarem de despesas com organização de eventos;

c.              Stands e aluguer de espaços: €4.260,00

d.             Outros meios de promoção: €2.090,00

e.              Organização de eventos: €437.007,25

f.                     Outros: €15.360,00

5.             Tais custos representam um investimento e são, consequentemente, inerentes ao próprio circuito económico da Requerente, essenciais para a obtenção de proveitos;

6.             A Requerente foi pioneira neste tipo de eventos, nos mesmos publicitando os seus produtos e diretamente realizando as suas vendas.

7.             De acordo com o Projeto de Relatório, a Requerente não sujeitou determinados custos/gastos resultantes de eventos a tributação autónoma, pelo que estaria em falta o montante de imposto de €52.909,02 decorrente da respetiva sujeição a tributação autónoma.

8.             Todavia, todas as despesas indicadas foram suportadas tendo por finalidade a apresentação, promoção e venda de produtos comercializados pela Requerente, o que é reconhecido pela AT, resultando manifestamente provada a ligação direta das despesas indicadas a eventos concretos e de vendas fundamentais para a obtenção de proveitos pela Requerente.

9.             O Projeto de Relatório reconhece que se trata de verdadeiros custos indispensáveis à obtenção de rendimentos sujeitos a imposto.

10.         Nestes termos, a Requerente não podia concordar com a sua qualificação como despesas de representação sujeitas a tributação autónoma, pelo que apresentou Direito de Audição em 15 de julho de 2013.

11.         Sem prejuízo, as conclusões finais do Relatório de Inspeção Tributária notificadas à Requerente mantiveram a posição de que existiria IRC em falta, a título de tributação autónoma sobre despesas de representação, no montante de €52.909,02.

12.         A Requerente foi assim notificada da liquidação de IRC ora impugnada, resultando da demonstração de acerto de contas n.º 2013… imposto a pagar no valor global de €59.278,79, incluindo juros compensatórios.

13.         A Requerente procedeu ao pagamento daquele valor de €52.909,02 ao abrigo do Regime Excecional de Regularização de Dívidas Fiscais e à Segurança Social aprovada pelo Decreto-Lei n.º 151-A/2013 de 31 de outubro.

14.         Sem prejuízo, a Requerente apresentou reclamação graciosa solicitando a anulação da liquidação indicada, em 10 de março de 2014.

15.         A AT propôs o indeferimento da reclamação graciosa apresentada, mediante projeto de decisão notificado em 24 de novembro de 2014.

16.         Tal projeto de decisão continha omissões, contradições e erros de interpretação de matéria de facto e de direito que conduziam à manutenção das ilegalidades apontadas na reclamação graciosa. A Requerente exerceu, consequentemente, o respetivo direito de audição em 9 de dezembro de 2014.

17.         No projeto de decisão daquela reclamação graciosa não era também questionada a empresarialidade integral das despesas, mas veio admitir-se, ao contrário do Relatório de Inspeção Tributária, a possibilidade de provar tal empresarialidade.

18.         No entanto, não se tomou posição neste projeto de decisão sobre tal empresarialidade ou falta dela, concluindo-se apenas que se as despesas não são objeto de correção por parte da AT estarão sempre sujeitas a tributação autónoma, por imposição fiscal.

19.         Não foram, consequentemente, sanados os equívocos invocados pela Requerente na sua reclamação graciosa.

20.         Apesar do exercício do direito de audição prévia, a reclamação graciosa foi indeferida na sua totalidade, por despacho notificado à Requerente em 8 de janeiro de 2015.

21.         A decisão de indeferimento repetia na quase totalidade todos os erros contidos no projeto de decisão anterior, reproduzindo parte dos argumentos e omitindo outra parte.

22.         Merece especial crítica o facto de a decisão sustentar que “Pela IT ao ser aceite integralmente a “empresarialidade” das despesas em causa é que as sujeita a tributação autónoma por se encontrarem dentro do ratio júris dos n.ºs 3 e 7 do art.º 88.º do CIRC”, quando no projeto de decisão se afirmara que a tributação autónoma consubstanciava uma presunção de “empresarialidade parcial”.

23.         Ora, se a AT confirmou e reconheceu em inspeção tributária a integral empresarialidade das despesas, então não se compreende o motivo pelo qual se manteve o entendimento de que as mesmas se encontram sujeitas a tributação autónoma.

24.         A decisão definitiva da reclamação graciosa não se pronunciou sobre tal ponto.

25.         Mais, a decisão definitiva da reclamação graciosa sustentou que o entendimento constante da Informação Vinculativa n.º …/09 com despacho do Diretor Geral de 16 de julho de 2009 foi objeto de análise em diferente reclamação, respeitante a 2011, por só nesse exercício terem sido realizadas despesas com viagens turísticas oferecidas a clientes. Logo, não haveria omissão de pronúncia (alegada pela Requerente em sede de audição prévia) relativamente a parte da reclamação graciosa porque em distinto processo se havia pronunciado sobre tal matéria.

26.         Verifica-se assim que a AT se recusou, aquando da decisão definitiva da reclamação graciosa, a admitir a aplicação do entendimento constante de tal informação vinculativa.

27.         Pelo exposto, a Requerente apresentou em 9 de fevereiro de 2015 recurso hierárquico. A AT dispensou a audição prévia da Requerente e indeferiu tal recurso por despacho notificado em 4 de novembro de 2015.

28.         De acordo com o artigo 81.º n.º7 do CIRC na redação em vigor na data dos factos, são consideradas despesas de representação “os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades”.

29.         É inequívoco que a AT considerou que todas as despesas em causa foram suportadas tendo por finalidade a apresentação, promoção e venda de produtos comercializados pela Requerente, o que reconheceu no Relatório de Inspeção.

30.         Apesar de as despesas incluírem alojamento, refeições, viagens, etc., as mesmas encontram-se manifestamente excluídas do conceito de despesas de representação.

31.         Isto porque este conceito de despesas de representação assenta no facto de essas despesas se encontrarem mais afastadas do núcleo central de despesas instrumentais no desempenho da atividade produtiva dos contribuintes.

32.         Assim, se a AT reconhece no Relatório de Inspeção que o objetivo da tributação autónoma é tentar evitar que o sujeito passivo utilize para fins não empresariais bens e serviços que geraram custos fiscalmente dedutíveis ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes, então a Requerente não percebe de que forma as suas despesas supra identificadas podem ser qualificadas de despesas sem finalidade empresarial ou uma qualquer forma de remuneração a terceiras entidades – devendo ser considerada ilegal a respetiva tributação autónoma.

33.         O que a AT acaba por sustentar é que, não obstante os custos suportados pela Requerente não se subsumirem ao tipo de despesas visadas pela previsão de uma tributação autónoma, ainda assim incidirá tal tributação em virtude de a norma qualificar como despesas de representação os encargos com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos.

34.         No Relatório de Inspeção, a AT aceita apenas o elemento literal da norma aquando da sua interpretação, quando afirma que “se o legislador pretendesse que, nas despesas de representação (…) a tributação só deveria ocorrer se não fosse demonstrada uma relação direta com a obtenção de proveitos ou mediante qualquer outra condição, teria introduzido esse elemento na letra da lei”, violando as regras de hermenêutica jurídica.

35.         Ora, a interpretação da lei fiscal deve obedecer aos princípios estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil, aplicável por remissão do artigo 11.º n.º1 da LGT. E se se mantiver a dúvida, então haverá que atender à substância económica dos factos tributários (artigo 11.º n.º3 da LGT).

36.         É necessário perceber o fim da norma e reconstruir o pensamento legislativo, citando a Requerente doutrina e jurisprudência superior nesse sentido.

37.         E conhecendo tais fins, não compreende a Requerente como a AT admite que a tributação autónoma de despesas de representação tem por objetivo evitar que o sujeito passivo utilize para fins não empresariais bens e serviços que geraram custos fiscalmente dedutíveis ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes, e ao mesmo tempo admite a incidência de tal tributação sobre despesas com eventos que proporcionam a realização de vendas no decurso dos mesmos e a potenciação da sua concretização no futuro.

38.         O mesmo é dizer que, em função da interpretação literal da norma, as despesas de representação deverão incluir não só custos com receções, refeições e afins que não tenham qualquer finalidade empresarial direta ou relação direta com os proveitos auferidos, mas também todos aqueles custos com receções, refeições e afins incorridos no decurso da promoção e venda de produtos comercializados pela Requerente.

39.         Mais, não valerá o argumento apresentado no Projeto de Decisão de Indeferimento da Reclamação Graciosa no sentido de que a interpretação teleológica da norma conduz à mesma solução da interpretação literal. Se a Requerente e a AT estão de acordo quanto à finalidade da norma que sujeita a tributação as despesas de representação, então haverá apenas que concluir que o legislador delimitou o conceito de despesas de representação e a sua consequente sujeição a tributação autónoma às despesas sem finalidade empresarial direta e não diretamente relacionadas com a obtenção de proveitos.

40.         Logo, se as despesas da Requerente têm finalidade empresarial diretamente ligada à obtenção de proveitos, estão fora da ratio juris do n.º7 do artigo 81.º do CIRC e não se encontram sujeitas a tributação autónoma – como claramente é sustentado pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul no processo n.º 06754/13: “não nos encontramos perante despesas que se destinam, não a representar a sociedade impugnante onde esta não se encontra presente (portanto, fora da sua actividade principal), mas a assegurar o normal desenvolvimento do seu objecto social, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta. Por outras palavras, não nos encontramos perante despesas de representação, mas antes perante custos inerentes ao normal desenvolvimento da actividade principal da sociedade impugnante/recorrida”.

41.         A AT, na decisão definitiva de indeferimento da reclamação graciosa considerou que tal argumentação (a aduzida no Acórdão citado) não seria aplicável ao caso presente, na medida em que não se estaria perante a mesma situação de facto, ou seja, custos com fornecimentos de refeições a colaboradores que prestam serviços à sociedade integrados no objeto social da mesma, assim desconsiderando, sem mais, as regras de interpretação da norma supra mencionadas.

42.         A Requerente tem por objeto social o comércio de produtos cerâmicos e logo, quando realiza eventos destinados a promover e vender os seus produtos, as despesas suportadas destinam-se a assegurar o normal desenvolvimento do seu objeto social, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta.

43.         Logo, o Acórdão supra citado tem aplicabilidade a este caso e é essencial à correta interpretação e concretização do conceito de despesa de representação.

44.         Mas a AT discorda da interpretação da Requerente e reitera, no despacho de indeferimento do recurso hierárquico, que “Esta prova de empresarialidade não contende com a tributação autónoma, esta está relacionada com a natureza da despesa. A referida empresarialidade das despesas, não constitui critério de despesa da tributação autónoma, pois o legislador pretendeu de forma clara e objectiva tributar determinadas despesas, suportadas pelas empresas no normal desempenho da sua actividade económica”. Mais referiu que interpretar a norma de forma diferente, sem fundamento legal, seria um claro desvirtuamento do objetivo da mesma.

45.         Ora, tal interpretação conflitua com a mais recente jurisprudência do CAAD, designadamente com a decisão proferida em 2 de fevereiro de 2015 no processo 628/2014-T, onde expressamente se refere que a prova da empresarialidade da despesa contende efetivamente com a tributação autónoma, sendo que tal empresarialidade constitui critério de despesa da tributação autónoma.

46.         Assim, na medida em que a AT admitiu em diversos momentos a integralidade da empresarialidade das despesas, resulta evidente que a presunção ínsita no então n.º7 do artigo 81.º do CIRC foi ilidida.

47.         A AT justifica ainda o seu entendimento no Relatório de Inspeção com exemplo que a Requerida entende não ser razoável, referente à possibilidade de as despesas pagas a pessoas residentes fora de Portugal e aí submetidas a regime fiscal mais favorável não serem tributadas se se verificarem outros requisitos. Segundo a AT, se o legislador previu para esses casos e não para despesas de representação com finalidade empresarial, então é porque pretendeu sempre tributar as mesmas.

48.         A Requerente entende serem situações totalmente diferentes: sujeitam-se a tributação autónoma despesas de representação com intenção de tributar despesas sem finalidade empresarial e despesas pagas a entidades sujeitas a regimes fiscais mais favoráveis para desincentivar a criação de custos artificiais. Então, se as despesas em análise têm finalidade empresarial, o exemplo citado não pode ser aplicável.

49.         Nesta medida, a interpretação defendida pela Requerente não introduz, ao contrário do que refere a AT no Relatório de Inspeção, qualquer nível de subjetividade na norma referente à definição de despesas de representação, porque ou as despesas têm finalidade empresarial direta e estão diretamente relacionadas com a obtenção de proveitos, o que a Requerente objetivamente demonstrou e a AT aceitou, ou dizem respeito a realidade diversa e, portanto, sujeitas a tributação autónoma.

50.         Paralelamente, o conceito de despesas de representação assenta no pressuposto de se tratarem de encargos suportados com eventos oferecidos a quaisquer pessoas ou entidades, facto que não se verifica no caso, já que nada foi oferecido pela Requerente: esta apenas realizou um investimento tendo por finalidade a obtenção de retorno financeiro.

51.         Mais, o conceito de despesa de representação está ligado a eventos propriamente ditos e considerados de forma isolada, e não a despesas associadas a eventos fundamentais na promoção e realização de vendas.

52.         O legislador pretende tributar parcialmente, através da tributação autónoma, despesas não associadas a eventos concretos ou não relacionadas de forma direta com a própria atividade das empresas. E no caso em apreço, está provada a ligação direta das despesas a eventos concretos, fundamentais para a obtenção de proveitos nesse mesmo evento.

53.         A AT refere ainda que, mesmo que aceitasse esta tese da Requerente quanto ao destino à promoção e venda, estas despesas afastam-se do núcleo central das despesas realizadas no âmbito da atividade produtiva. Mas este argumento não pode também proceder, pois tal implicaria que quem tem uma atividade produtiva não poderia dedicar-se também à promoção e comercialização dos seus produtos.

54.         Adicionalmente, a AT indica que é aceitável considerar que os eventos contribuem para a promoção das vendas, mas é despropositado considerar que os mesmos são normais e determinantes na atividade da empresa. Não esclarece, no entanto, com base em que elementos objetivos sustenta esta conclusão.

55.         A AT refere ainda que os custos não poderão ser considerados como incorporados no circuito económico direto da atividade da Requerente, até porque têm um caráter pontual, não ocorrem todas as semanas, nem todos os meses, nem todos os anos. De tal discorda a Requerente, pois a periodicidade dos custos não concorre para a definição de circuito económico direto. O circuito económico é o conjunto de relações que se estabelecem entre vários agentes de uma economia, os quais, apesar de terem funções diferenciadas, de produção, consumo ou investimento, estabelecem entre si relações económicas essenciais.

56.         Por tudo, demonstra-se de forma clara a finalidade empresarial das despesas incorridas e a sua necessidade, adequação, normalidade e efetiva ligação a um negócio que se pretende lucrativo, o que afastará as mesmas do conceito de despesas de representação. Tais despesas não tiveram por finalidade a mera representação junto de clientes, mas sim a publicitação e promoção de produtos comercializados e a realização direta das suas vendas e respetivos proveitos.

57.         A AT considera também que a tributação autónoma tem inerente uma presunção de abuso que não pode ser ilidida, o que não pode ser aceite: não há qualquer distribuição camuflada de lucros, são conhecidos os destinatários dos eventos. Ou seja, como se retira do Acórdão n.º 18/11 de 12 de janeiro de 2011 do Tribunal Constitucional, não há aqui qualquer despesa que deva ser penalizada, ou prática que deva ser desmotivada.

58.         Tendo esta penalização associada à tributação autónoma uma finalidade anti-abuso, então deverá conter presunção ilidível, como se retira do artigo 73.º da LGT e como foi reconhecido também no Processo n.º 628/2014-T que correu junto do CAAD. Qualquer interpretação contrária será sempre ilegal.

59.         Admitir, por um lado, a plena dedutibilidade fiscal e não sujeição a tributação autónoma de despesas com promoção e publicidade e, por outro, sujeitar a tributação autónoma as mesmas despesas apenas porque incorridas no âmbito da realização de eventos que incorporam receções, refeições, estadas e espetáculos, quando relativamente a ambas se demonstra a respetiva finalidade empresarial, constitui manifesta violação do princípio constitucional da igualdade.

60.         Em momento posterior ao ato tributário em crise, aquando do Projeto de Decisão de Indeferimento de Reclamação Graciosa, a AT já admitiu que o legislador previu para estas despesas uma presunção de empresarialidade parcial abrangida pela elisão decorrente do artigo 73.º da LGT, quer pelo contribuinte quer pela AT. Tal constitui manifesta incoerência com a argumentação que resulta do Relatório de Inspeção que fundamenta a liquidação em apreço.

61.         E a própria AT se pronunciou já por Despacho no âmbito do processo n.º1648/09 sobre este tipo de despesa, quanto ao enquadramento fiscal dos encargos com viagens de profissionais de saúde a congressos e reuniões científicas: se as despesas forem realizadas no âmbito da promoção do medicamento, portanto relacionadas com publicidade, são aceites como custo, não sendo, portanto, despesas de representação. Será assim de aplicar, mutatis mutandis, este entendimento ao caso da Requerente. Apenas difere o setor de atividade, sendo que, ainda para mais, no caso da Requerente, esta realiza mesmo vendas nos próprios eventos.

62.         No Relatório de Inspeção, e após o exercício de audição prévia por parte da Requerente, em que foi apresentada esta argumentação, a AT referiu que a informação vinculativa supra apenas é vinculativa para os factos concretos e o sujeito passivo que a solicita. Tal não é questionado pela Requerente. Questiona-se apenas o porquê de tratamento tão díspar perante situação em tudo idênticas. Ao que a AT sustenta que a situação patente na informação vinculativa indicada é especial por se tratar de promoção de medicamentos.

63.         Tal argumentação é injustificável e inadmissível num Estado de Direito.

64.         E se se admitisse, como refere a AT, que as despesas constantes do artigo 81.º n.º7 do CIRC ficam sempre sujeitas a tributação autónoma por imposição legal, então não seria possível ter sido sancionado o entendimento constante da informação vinculativa citada.

65.         Sobre este ponto, a decisão definitiva de indeferimento da reclamação graciosa sustentou que o entendimento veiculado naquela informação vinculativa foi objeto de análise noutro processo de reclamação, referente a 2011, por só nesse exercício terem sido efetuadas viagens turísticas oferecidas a clientes, não tendo portanto existido qualquer omissão de pronúncia sobre a matéria neste processo, ao contrário do alegado pela Requerente em sede de audição prévia. Tal é, naturalmente, ilegal.

66.         O Despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico veio ainda sustentar que esta informação vinculativa visa uma determinada atividade económica e não tem aplicação à Requerente, porque o Estatuto do Medicamento veio fornecer as condições para que os gastos possam ser enquadrados como publicidade. O que só reforça o entendimento da Requerente de que o setor farmacêutico será então um setor privilegiado.

67.         E se a AT atentar aos requisitos do Estatuto de Medicamento, verá que os mesmos se destinam a garantir a efetiva ligação dos custos à realização de eventos ou ações de caráter científico, ligado à necessidade de provar a empresarialidade dos custos em questão,

68.         O que leva à mesma conclusão: quando se demonstre a empresarialidade dos custos, não devem os mesmos ser sujeitos a tributação autónoma.

69.         Assim, a liquidação em crise consubstancia uma interpretação ilegal, para além de evidenciar manifesta violação do princípio da igualdade. A tributação autónoma no valor de €52.909,02 é ilegal, devendo ser anulado o despacho de indeferimento do recurso hierárquico, determinando-se igualmente a anulação da liquidação em crise.

70.         A Requerente deverá ainda ser reembolsada dos montantes indevidamente pagos a título de tributação autónoma, no referido montante, acrescendo ainda juros indemnizatórios, contados desde 12 de novembro de 2013 até ao integral reembolso, nos termos dos artigos 61.º do CPPT e 43.º e 100.º da LGT.

III.    Resposta da Requerida

A Requerida apresentou a sua Resposta, que fundamentou nos seguintes termos:

1.             Sobre a matéria de facto relevante, a Requerida indica que se há-de considerar assente o seguinte:

a.              Relativamente ao exercício de 2009, foi efetuado procedimento inspetivo com base na ordem de serviço n.º OI2013…, de 15.03.2013, em IRC, do qual resultaram correções técnicas, em virtude da qualificação de determinados custos como despesas de representação e subsequente sujeição a tributação autónoma.

b.             A Requerente realizou eventos que consistiam, essencialmente, em receções aos seus clientes, fornecedores e outras pessoas, que incluíam despesas de alojamento, alimentação, divertimento, aluguer de espaços e que tinham em vista a apresentação e promoção dos seus produtos.

c.              Tais despesas só estão sujeitas a tributação autónoma porque a Requerente as elegeu como despesas dedutíveis no apuramento da matéria tributável de IRC.

d.             Integrando-se no conceito de despesas de representação contemplado no n.º 7 do artigo 88.º do CIRC, ou seja são despesas efetuadas para representação da empresa junto de terceiros.

e.              Enquanto gastos dedutíveis para efeitos fiscais, enquadram-se plenamente na definição de despesas de representação prevista no art.º 88.º do CIRC, estando sujeitas a tributação autónoma à taxa de 10%, uma vez que reúnem todos os requisitos legalmente previstos no referido artigo, apurando-se um montante em falta de €52.909,02.

f.                   A Requerente reclamou graciosamente das correções efetuadas, aduzindo os mesmos argumentos apresentados em sede de direito de audição do projeto do relatório de inspeção.

g.             O parecer que determinou o indeferimento da reclamação graciosa é claro acerca da natureza das tributações autónomas:

“ de forma abreviada iremos fazer algumas considerações sobre a tributação autónoma das despesas de representação, seu conceito, natureza e o espírito do legislador subjacente à referida tributação.

Antes de mais convém fazer uma referência de que tais gastos se enquadram no conceito de despesas de representação, in stricto sensu ou fiscalmente, e não em despesas de publicidade ou propaganda. (…)

Na definição do conceito de despesas de representação o legislador fê-lo de forma clara, objectiva e expressa.

Despesas de representação são todas as efectuadas para representação da empresa junto de terceiros. Isto implica que sempre que estejam envolvidos terceiros à empresa, como clientes, fornecedores ou outros, as despesas sejam assim consideradas, ou seja, aceites como dedutíveis para efeitos fiscais mas tributadas autonomamente.

No conceito de despesas de representação, o legislador ao referir o termo “nomeadamente” quer dizer que além das despesas que se encontram elencadas no próprio artigo podem existir outras que pela sua natureza ou estrutura se encontrem aqui contempladas e consequentemente sujeitas a tributação autónoma.

Neste caso concreto, a interpretação teleológica da legislação fiscal conduz à mesma solução da interpretação literal da norma, pelo que e ao contrário do alegado pela reclamante, a interpretação operada pela Administração tributária (AT) é aquela que melhor interpreta e que se coaduna com a jurisprudência e doutrina ministrada por vários autores como iremos verificar.

(...) Na situação em análise- despesas de representação- estarão sempre em causa despesas dedutíveis, em que como tal, se terá de assumir como verificado o critério geral do art.º 23.º n.º 1 do CIRC, ou seja, de indispensabilidade das mesmas “para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”. Deste modo, apoditicamente, as despesas em causa não serão “consumo” mas “produção”, razão pela qual, de resto, o IVA que sobre a correspondente operação incida será deduzida ou reembolsado ao seu autor e não suportado por este.”

h.             A Requerente recorreu hierarquicamente daquela decisão, e pretende agora demonstrar que os gastos em questão não podem ser qualificados como despesas de representação, assim se eximindo à tributação autónoma. Tal, no entanto, não poderá ser aceite.

2.             De acordo com a fundamentação do acórdão do Tribunal Arbitral proferido no processo 93/2014-T, resulta claro que a tributação autónoma foi estabelecida por se ter entendido que o sistema de tributação das empresas exclusivamente com base no lucro tributável gerava situações de iniquidade fiscal que se pretendeu atenuar, por certas despesas estarem presumivelmente conexionadas com situações de evasão e fraude fiscal.

3.             Posto isto, o entendimento da Requerida é claro: as normas que estabelecem tributações autónomas, sendo indubitavelmente normas de incidência tributária, não consagram uma presunção cuja prova em contrário deva ser admitida. O facto gerador é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita.

4.             Se a Requerente tivesse optado por não deduzir estas despesas ao lucro tributável não teria que suportar a tributação autónoma, ou seja, só as despesas dedutíveis, nos termos do artigo 23.º do CIRC, mais propriamente as que tenham uma finalidade empresarial e consideradas como tal, é que estão sujeitas a tributação autónoma.

5.             Não foi posta em causa a admissibilidade destes gastos no escopo do artigo 23.º do CIRC, pelo que a sua conexão com a atividade económica está assegurada. No entanto, a sua natureza é maioritariamente destinada a representar a empresa junto de terceiros.

6.             Logo, por força do artigo 88.º do CIRC, apenas tem que se verificar a dedutibilidade dos gastos para que haja lugar a tributação autónoma à taxa de 10%.

7.             Resultando manifesto que a mecânica própria da consagração da tributação autónoma não permite que a mesma esteja dependendo da verificação de outros requisitos, subjetivos como pretende a Requerente.

8.             A prova da empresarialidade não constitui critério da tributação autónoma. No artigo 88.º n.º 7 do CIRC, o legislador definiu de forma clara e objetiva, as despesas visadas pela tributação autónoma, não podendo o intérprete, sem fundamento legal, limitar a sua aplicação, pois isso constituiria um claro desvirtuamento do objetivo da norma.

9.             A Requerente pretende introduzir um nível de subjetividade na norma referente à definição de despesas de representação que o legislador não pretende que ocorra, pois foi o próprio legislador que definiu claramente e taxativamente as despesas consideradas como de representação não deixando para os “utilizadores” qualquer “margem de manobra” ou de subjetividade no sentido de poder não considerar algumas daquelas despesas, objetivamente elencadas, como despesas de representação.

10.         Ou seja nesta situação, claramente, o legislador não quis tributar todas das despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, deixando na lei, claramente, a possibilidade de aquela tributação poder não ocorrer desde que verificados outros requisitos, nomeadamente, o sujeito passivo provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

11.         O legislador apenas pretendeu excluir da tributação autónoma as despesas de representação não dedutíveis, estando todas as outras despesas de representação sujeitas à mesma.

12.         Assim, a finalidade empresarial que o sujeito passivo pretende demonstrar com as despesas de representação incorridas nunca foi colocada em causa, no entanto, por vontade expressa do legislador, a mesma é irrelevante para a atenuação ou eliminação da tributação autónoma.

13.         O que se pretende tributar são determinados tipos de despesas que, face à sua natureza, dadas as suas características intrínsecas, se encontram na fronteira entre o pessoal e o empresarial e, face à dificuldade em tributá-las na esfera do beneficiário o legislador, de forma consciente, optou por tributá-las aquando da realização da despesa na esfera de quem a suporta.

14.         Sem prejuízo de não existir qualquer imposição legal que imponha quaisquer requisitos às tributações autónomas, as despesas realizadas com os eventos em apreciação cumprem maioritariamente os requisitos de despesas de representação definidos pelo sujeito passivo: i) têm como finalidade a criação de uma imagem da entidade que as suporta junto de terceiros, ii) encontram-se mais afastadas do núcleo central de despesas instrumento no desempenho da atividade produtiva dos contribuintes, iii) não poderão ser consideradas como custos incorporados no próprio circuito económico direto da sua atividade, iv) têm um caráter de oferta dos bens e serviços obtidos com os encargos suportados (configurando um rendimento em espécie não tributado na esfera dos beneficiários).

15.         Na medida em que as tributações autónomas agora contestadas não atendem ao carácter empresarial das mesmas, pois não é posta em causa a sua dedutibilidade como gastos mas, antes procura orientar as opções das empresas no sentido da redução deste tipo de bens ou serviços, sobretudo nos casos em que apresentam resultados negativos ou em que estas despesas não se caracterizam como imprescindíveis para o exercício da atividade.

16.         Efetivamente, não devendo contrariar as regras aplicáveis às tributações autónomas o espírito que as determinou, não deve ser admitida à Requerente a ambicionada prova da alegada empresarialidade integral, sob pena de violação do princípio da legalidade tributária, na vertente da generalidade e abstração que permitem e potenciam a igualdade dos contribuintes perante a lei fiscal, e portanto, sob pena de violação do princípio da igualdade na vertente fiscal, os quais decorrem do disposto no artigo 13º e no artigo 103º da CRP.

17.         Só assim se pode garantir a segurança jurídica e a igualdade entre todos os cidadãos, bem como o cumprimento do princípio da legalidade, ao qual a AT está adstrita, ao abrigo da sua missão e prossecução do interesse público, enquanto defesa da receita tributária do Estado.

18.         Se o Tribunal sufragar o entendimento da Requerente com vista à elisão de uma pretendida presunção legal, então estaremos perante uma interpretação materialmente inconstitucional das normas em apreço por violação princípio da legalidade tributária, na vertente da generalidade e abstração, decorrentes do princípio da legalidade e também enquanto instrumentos da igualdade fiscal, e portanto, igualmente por violação do princípio da igualdade tributária, os quais decorrem, nomeadamente, do disposto no artigo 13º e no artigo 103º da CRP.

19.         Assim, conclui-se que a tributação autónoma consiste numa tributação da despesa incorrida pelo sujeito passivo do imposto, atentas determinadas razões de política fiscal, destinadas à arrecadação de receita (fiscal) independentemente da matéria coletável que vier a ser apurada no respetivo período de tributação.

20.         Para o efeito, a despesa é o facto revelador da capacidade contributiva que se pretende alcançar, devendo a tributação autónoma incidir sobre o sujeito passivo que incorre no custo ou encargo que se pretende “penalizar”.

21.         Enquanto instrumento de combate à fraude e evasão fiscais, a tributação autónoma consignada no artigo 88.º do Código do IRC pretende tributar aquelas despesas que, pela sua natureza, possam consubstanciar o pagamento dissimulado de rendimentos, com o objetivo de evitar a sua tributação na esfera dos respetivos beneficiários, ou possam não ter sido praticadas apenas em benefício do sujeito passivo que as suporta.

22.         Pelo exposto, a AT considera que o entendimento da Requerente carece de sustentação legal, e reitera quanto se referiu em sede de contencioso administrativo, mas impugnando quanto à matéria de facto o aduzido pela Requerente e que não esteja em conformidade com as conclusões alcançadas no recurso hierárquico.

23.         Devendo o pedido da Requerente ser julgado improcedente e a AT ser absolvida do mesmo.

IV.    Questões a decidir

Considerando os factos e a matéria de direito constantes do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente e a resposta da Requerida, as questões a decidir pelo Tribunal Arbitral são:

A.           Saber se as despesas com eventos e receções, alojamento, deslocações e refeições em que incorreu a Requerente são despesas de representação, como entende a AT ou se, pelo contrário, são custos inerentes ao normal desenvolvimento da atividade da Requerente, como pugna a Requerente, caso em que não há lugar a tributação autónoma;

B.            Caso se decida que as despesas indicadas em que incorreu a Requerente são despesas de representação, saber se, consequentemente, estão sujeitas automaticamente a tributação autónoma, conforme entendido pela AT, ou se é admissível prova em contrário (através de prova de integral empresarialidade) que permita subtrair tais despesas à imediata tributação autónoma, como pretende a Requerente. Em caso afirmativo, decidir se tal prova de empresarialidade foi cabalmente realizada.

V.      Matéria de Facto

Com relevância para a apreciação do pedido da Requerente, são os seguintes os factos que se dão por provados, com base nos documentos juntos ao processo, no processo administrativo e nos demais factos indicados não contestados pelas Partes:

1.             A Requerente tem como objeto social o fabrico, comércio e exportação de produtos cerâmicos.

2.             Durante o exercício de 2009 a Requerente realizou eventos destinados a promover e vender os seus produtos, nomeadamente os seguintes: i) evento “B…”, ii) Evento “C…”, iii) Evento “D…”, iv) E…– 2.ª Edição e v) Apresentação “F…”.

3.             Os eventos determinaram, designadamente, a realização de despesas de deslocações, alojamento e refeições, expositores e organização de eventos, stands e aluguer de espaços (deslocações, alojamento e refeições: €11.250,30; expositores: €11.250,00; stands e aluguer de espaços: €4.260,00; outros meios de promoção: €2.090,00; organização de eventos: €437.007,25; outros: €15.360,00).

4.             A Requerente não sujeitou a tributação autónoma estas despesas.

5.             Relativamente ao exercício de 2009, foi efetuado procedimento inspetivo com base na ordem de serviço n.º OI2013…, de 15.03.2013, em IRC, do qual resultaram propostas de correções técnicas, em virtude da qualificação dos custos indicados supra como despesas de representação e subsequente sujeição a tributação autónoma;

6.             A Requerente exerceu o direito de audição prévia relativamente ao projeto de relatório de inspeção, o qual não foi acolhido no relatório final.

7.             A Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.º 2013…, resultando da demonstração de acerto de contas n.º 2013… imposto a pagar no valor global de €59.278,79, correspondendo €52.909,02 a tributações autónomas em IRC e o remanescente juros compensatórios.

8.             A Requerente procedeu ao pagamento daquele valor de €52.909,02 ao abrigo do Regime Excecional de Regularização de Dívidas Fiscais e à Segurança Social aprovado pelo Decreto-Lei n.º 151-A/2013 de 31 de outubro.

9.             A Requerente apresentou reclamação graciosa solicitando a anulação da liquidação indicada, em 10 de março de 2014.

10.         A AT propôs o indeferimento da reclamação graciosa apresentada, mediante projeto de decisão notificado em 24 de novembro de 2014.

11.         A Requerente exerceu o seu direito de audição prévia, tendo, todavia, a reclamação sido finalmente indeferida.

12.         A Requerente apresentou em 9 de fevereiro de 2015 recurso hierárquico de tal decisão.

13.         A AT dispensou a audição prévia da Requerente e indeferiu tal recurso hierárquico por despacho notificado em 4 de novembro de 2015.

14.         As despesas em apreço tinham como objetivo a apresentação, publicitação, promoção e venda dos produtos da Requerente.

15.         As despesas incorridas proporcionaram a realização de vendas durante o decurso dos eventos e potenciaram a sua concretização no futuro.

16.         As vendas realizadas nos eventos permitiam aos clientes usufruir de vantagens ao nível do preço (através de promoções especiais) e ao nível do timing de aquisição, adiantando-se aos seus concorrentes.

17.         Os eventos eram aptos a criar uma forte imagem da Requerente junto de quem nos mesmos participava.

18.         As despesas suportadas foram comprovadamente indispensáveis à obtenção de rendimentos sujeitos a imposto.

A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental junta pelas Partes, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas, bem como em quanto foi alegado pelas Partes e não contestado, ou mesmo aceite.

Não existem, com relevância para o processo e para a sua apreciação, outros factos que não se considerem provados.

VI.    Matéria de Direito

Despesas de representação ou custos da atividade

Conforme supra identificado, a primeira questão em apreço é a de saber se as despesas com eventos e receções, alojamento, deslocações e refeições em que incorreu a Requerente são despesas de representação, como entende a AT ou se, pelo contrário, são custos inerentes ao normal desenvolvimento da atividade da Requerente, enquadráveis como despesas de promoção e publicidade, como pugna a Requerente, caso em que não há lugar a tributação autónoma.

Vejamos.

O artigo 23.º n.º1 do CIRC (em vigor à data dos factos) determinava considerarem-se gastos os que comprovadamente fossem indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente, os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos (alínea b).

O artigo 81.º n.º7 do CIRC, também na redação em vigor na data dos factos, dispunha serem consideradas despesas de representação “os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades”.

Segundo a Requerente, constatando-se como inequívoco que a AT considerou que todas as despesas em causa foram suportadas tendo por finalidade a apresentação, promoção e venda de produtos comercializados pela Requerente, então, e apesar de as despesas incluírem alojamento, refeições, viagens, etc., as mesmas estarão manifestamente excluídas do conceito de despesas de representação, pelo facto de este tipo de despesas (de representação) se encontrar mais afastado do núcleo central de despesas instrumentais no desempenho da atividade produtiva dos contribuintes. Ora, se as despesas incorridas foram fundamentais para a atividade produtiva da Requerente, não poderiam, consequentemente, ser classificadas de despesas de representação.

Reitera-se então a questão: as despesas incorridas poderão ser enquadradas na alínea b) do n.º1 do artigo 23.º, ou deverão, dando como assente – como se provou – a sua indispensabilidade para os proveitos da Requerente, passar também pelo crivo das despesas de representação?

Torna-se aqui necessário compreender o conceito de despesas de representação e a ratio que lhe está subjacente. De uma primeira leitura, parece claro que os gastos incorridos pela Requerente se enquadram neste conceito: literalmente, a norma constante do artigo 81.º n.º7 do CIRC inclui “encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos”. Todavia, há que interpretar a totalidade da norma. A sua parte final será, para o caso, fundamental: oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades”.

Tal interpretação deverá ser sempre realizada nos termos do disposto nos artigos 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 9.º do Código Civil, para o qual aquele remete.

O artigo 11.º da LGT estabelece que:

“1.    Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2.       Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.

3.       Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

4.       As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica.”

Por sua vez, o artigo 9.º do Código Civil indica que:

“1.    A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2.       Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3.       Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

Tomando em consideração as disposições supra citadas, permitimo-nos socorrer do Ponto 8. da Resposta da Requerida, quando cita a fundamentação do Acórdão do Tribunal Arbitral proferido no processo 93/2014-T, referente às tributações autónomas, designadamente sobre as despesas de representação:

“da Proposta de Lei n.º 46/VIII, que veio dar origem à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que ampliou enormemente as situações de tributações autónomas, não deixa margem para dúvidas de que se trata de uma amplificação consciente e pretendida das entorses previamente existentes, por se ter entendido que elas eram necessárias, em suma, para compensar outras distorções resultantes de significativa fraude e evasão fiscais e, assim, aumentar a equidade da repartição da carga fiscal entre cidadãos e empresas.

(…)

Existe na sociedade portuguesa um sentimento generalizado de que o sistema fiscal não reparte equitativamente a carga fiscal entre os cidadãos, estando a cargo dos mais cumpridores, entre eles, os trabalhadores por conta de outrem, a maior quota-parte de esforço fiscal, enquanto a evasão e a fraude fiscais mantêm uma presença significativa que permite, frequentemente, que aqueles que mais proventos auferem não paguem impostos ou os suportem em termos muito inferiores àquilo que lhes é exigível.

4. Pelo exposto, o Governo, na sequência da elaboração de estudos e relatórios técnicos elaborados sob a égide de anteriores Governos, em particular do XIII Governo, bem como dos trabalhos levados a cabo pela Estrutura de Coordenação da Reforma Fiscal (ECORFI), que foi criada em Janeiro de 2000, para além do debate que estes temas têm suscitado, entendeu ser chegada a altura de submeter à Assembleia da República uma ampla reforma do sistema tributário português.

Pretende-se com estas medidas dar cumprimento a um pacto de justiça fiscal com os cidadãos, baseado no alargamento da base tributária, na intensificação do combate à fraude e à evasão fiscais e na diminuição do esforço fiscal dos contribuintes cumpridores, no quadro dos princípios gerais da equidade, eficiência e simplicidade que devem enquadrar o sistema tributário.

Perante esta explicação, torna-se claro que, na perspectiva legislativa, as tributações autónomas incidentes directamente sobre certas despesas, no âmbito de impostos que originariamente incidiam apenas sobre rendimentos, são consideradas entorses do sistema de tributação directa do rendimento que se visava com o IRC, mas um valor que legislativamente se considerou ser mais relevante do que a coerência teórica dos impostos, como é a implementação da justiça fiscal, impôs uma opção por essas formas de tributação, por estarem em consonância com os princípios da equidade, eficiência e simplicidade.

Isto é, entendeu-se que o sistema de tributação das empresas exclusivamente com base no lucro tributável gerava situações de iniquidade fiscal que se pretendeu atenuar ou eliminar efectuando um «alargamento da base tributária», através do aditamento à tributação directa, que continua a ser a essência do sistema de tributação das empresas, de situações de tributação indirecta, por via da aplicação do imposto também a certas despesas que se terá entendido serem causas dessa iniquidade, por estarem presumivelmente conexionadas com situações de «evasão e a fraude fiscais» «que permite, frequentemente, que aqueles que mais proventos auferem não paguem impostos ou os suportem em termos muito inferiores àquilo que lhes é exigível».

Com esta opção legislativa de «alargamento da base tributária» do IRC, ampliou-se a sua base de incidência em relação à que constava do artigo 3.º, mas foi isso mesmo que se pretendeu, à luz da referida Exposição de Motivos.»

A norma em apreço teve assim, sem dúvida, a intenção de alargar a base tributária do IRC “por via da aplicação do imposto também a certas despesas que se terá entendido serem causas dessa iniquidade, por estarem presumivelmente conexionadas com situações de «evasão e a fraude fiscais»”.

Atente-se, igualmente, ao constante do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.03.2012, proferido no âmbito do processo n.º 0830/11:

Segundo RUI MORAIS (Cfr. Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 202/203.), trata-se de “uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas como constituindo factos tributários”.

Na verdade, as tributações autónomas, embora formalmente inseridas no CIRC (art. 81º), não visam tributar o rendimento no fim do período tributário, mas sim determinados tipos de despesa, consubstanciando cada despesa um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável no fim do período (Cfr. o Voto de Vencido do Senhor Conselheiro VÍTOR GOMES ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 18/2011).

Sobre a razão de ser das tributações autónomas, segundo a doutrina dominante, o legislador criou taxas de tributação autónomas que visam aplicar-se a determinado tipo de despesas com vista a dissuadir as sociedades, no caso de IRC, a apresentá-las com regularidade e de elevado montante, para evitar que os sujeitos passivos de IRC utilizem determinadas despesas para proceder a distribuição camuflada de lucros e para evitar a fraude e a evasão fiscal (Referindo-se à razão de ser da violenta penalização fiscal que incide sobre as despesas de representação, RUI MORAIS pondera que é por se supor que lhes “estão subjacentes pagamentos não declarados pelos respectivos beneficiários, muitas vezes associados a práticas ilegais como a corrupção” (cfr. Apontamentos.. .IRC, cit., p. 203).).

A este propósito, SALDANHA SANCHES (Cfr. ob. cit., p. 407.) pondera que com as tributações autónomas “o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros”.

No mesmo sentido, para RUI MORAIS (Cfr. Sobre o IRS, Almedina, Coimbra, 2006, p. 138.) o objectivo terá sido o de tentar evitar que, através dessas despesas, “o sujeito passivo utilize para fins não empresariais bens que geraram custos fiscalmente dedutíveis (…); ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes (…). A realização de tais despesas implica um encargo fiscal adicional para quem nelas incorre porque a lei supõe que, assim, outra pessoa deixa de pagar imposto”.

É, portanto, indubitável, como aliás reconhece a Requerida, que a tributação autónoma é um instrumento de combate à fraude e evasão fiscais, que pretende tributar “aquelas despesas que, pela sua natureza, possam consubstanciar o pagamento dissimulado de rendimentos, com o objetivo de evitar a sua tributação na esfera dos respetivos beneficiários, ou possam não ter sido praticas apenas em benefício do sujeito passivo que as suporta” (ponto 46. da Resposta).

Para o caso, parece-nos ainda relevante o disposto na fundamentação do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 7.05.2015, proferido no âmbito do processo n.º 08534/15:

“Revertendo ao caso dos autos, entende o recorrente que as despesas incorridas pela sociedade recorrida e identificadas no nº.3 do probatório, não podendo ser consideradas como de publicidade e enquadráveis no artº.23, do C.I.R.C., devem ser vistas como despesas de representação a enquadrar no artº.81, nº.7, do mesmo diploma (actual artº.88, do C.I.R.C.) e sujeitas a uma taxa de tributação autónoma nos termos do nº.3, do mesmo preceito.

Pelo contrário, o Tribunal "a quo" entende que tais despesas se devem qualificar como encargos de publicidade, enquadráveis no artº.23, nº.1, al.b), do C.I.R.C., assim não sendo despesas de representação sobre as quais incide uma taxa de tributação autónoma.

De acordo com o anterior artº.37, al.a), do Código da Contribuição Industrial (C.C.I.), as despesas de representação não se consideravam como custos ou perdas do exercício, sendo escrituradas a qualquer título e ainda que devidamente documentadas, na parte em que a Direcção Geral das Contribuições e Impostos as reputasse de exageradas.

Face ao regime previsto no citado artº.37, al.a), do C. C. Industrial, a doutrina definia as despesas de representação como aquelas que visavam custear as deslocações dos gerentes das empresas ou os seus representantes, sempre que tais deslocações fossem ao serviço das mesmas e devendo ser devidamente documentadas para serem consideradas custos pela Administração Fiscal (cfr.Prof. Raúl Dória e António Álvaro Dória, Dicionário Prático de Comércio e Contabilidade, Livraria Cruz-Braga, 3ª. edição, 1975, I volume, pág.489).

O Código do I.R.C., aprovado pelo Dec.lei 442-B/88, de 30/11, na redacção originária do artº.41, nº.1, al.g), passou a determinar que as despesas de representação não são custos fiscais, sendo escrituradas a qualquer título, na parte em que a Direcção Geral dos Impostos as repute exageradas.

Em qualquer dos normativos mencionados o “quantum” das despesas de representação não se encontrava vertido na lei e dependia da subjectividade de interpretação da D.G.I. Deste modo, o quantitativo das despesas de representação que não era aceite fiscalmente sujeitava-se ao poder discricionário da Administração Fiscal, podendo o sujeito passivo recorrer hierarquicamente para o Ministro das Finanças, no caso de não concordar com a decisão da D.G.I.

Com a Lei 39-B/94, de 27/12 (Lei do OE/95), regime em vigor a partir de 1/1/1995, o artº.41, nº.1, al.g), do C.I.R.C., passou a não considerar como custo fiscal as despesas de representação, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%. Com esta alteração legislativa, a quantificação em 20% da não consideração como custo fiscal das despesas de representação, o legislador visou resolver os ditos problemas subjectivos inerentes ao critério de razoabilidade a analisar pela Administração Fiscal.

Como já referimos, o P.O.C. não conceptualizava as despesas de representação, pelo que, para a sua relevação contabilística, tem sido considerado o conceito previsto no C.I.R.C. Assim, o artº.41, nº.3, do referido diploma, prescrevia que se consideravam despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no país ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.

Posteriormente, o artº.41, nº.5, da Lei 3-B/2000, de 4/4 (OE/2000), veio revogar, além do mais, o artº.41, nºs.3 e 4, do C.I.R.C., integrando essas despesas no artº.4, do dec-lei 192/90, de 9/6, mais estabelecendo, no seu nº.3, que as despesas de representação são tributadas autonomamente em I.R.S. ou I.R.C., consoante os casos, a uma taxa de 6,4%. Com a Lei 30-G/2000, de 29 de Dezembro (a designada “Lei da Reforma Fiscal”), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2001, no seu artº.6, aditou o artº.69-A, ao C.I.R.C., sendo que no nº.3 deste novo preceito, passam a ser tributados autonomamente, a taxa correspondente a 20% da taxa normal mais elevada, as despesas de representação. Por último, através do dec.lei 198/2001, de 3/7, que procedeu à renumeração dos artigos do C.I.R.C., a tributação autónoma das despesas de representação passou a ser incluída no artº.81, nº.3, do mesmo diploma, mantendo-se a taxa de tributação autónoma em 20%. Desta forma, é assegurada uma maior receita fiscal em I.R.C., pois que a tributação autónoma de tais despesas se caracteriza pelo facto de a empresa pagar imposto, independentemente da obtenção de lucro ou prejuízo fiscal.

É que, recorde-se, a sujeição a tributação autónoma de tais gastos implica que cada acto de despesa se considere um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em I.R.C. no fim do período contabilístico respectivo (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/2/2013, rec.1375/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13).

Por último, refira-se que apenas são dedutíveis como despesas de representação os custos devidamente documentados e escriturados, assim devendo satisfazer o requisito de indispensabilidade previsto no citado artº.23, do C.I.R.C. para que sejam como tal considerados (cfr.F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.346).

Ainda no que diz respeito ao conceito de despesas de representação, atento o disposto no artº.81, nº.7, do C.I.R.C. (cfr.anteriormente o artº.4, nº.6, do dec.lei 192/90, de 9/6; actual 88, nº.7, do C.I.R.C.), devem considerar-se como abarcando tal conceito, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos, no país ou no estrangeiro, a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc. 6754/13; Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pág.202 e seg.).

Como se infere da interpretação literal do conceito de “despesas de representação”, estas traduzem-se em gastos que se destinam a representar a sociedade perante os seus clientes e/ou quaisquer terceiros, mediante ofertas a estes clientes e/ou terceiros realizadas – gastos estes que devem ser sujeitos a tributação autónoma, com os objetivos de arrecadação de receita fiscal supra citados, fundamentalmente em sede de combate à fraude e evasão fiscais.

Ora, da matéria considerada provada resulta que os gastos em que a Recorrente incorreu não se destinaram simplesmente a representar a sociedade perante terceiros, designadamente clientes, mediante ofertas. Pelo contrário, estes gastos foram incorridos como medida de promoção, publicidade, distribuição e venda de produtos. Nenhuma das partes, aliás, contesta tal facto. A própria Requerida reconhece “aceitar que pode existir um objetivo e uma relação entre a realização daqueles eventos e a obtenção de um retorno financeiro decorrente das vendas geradas”, e aceitar “que os referidos eventos contribuam para a promoção das vendas e correspondentes obtenções de proveitos”, “sendo, no entanto, indiscutivelmente importante para criar uma imagem nos seus clientes”. Mais, reconhece que “a promoção dos referidos eventos proporciona não só a realização de vendas no decurso dos mesmos, como seguramente, potencia a sua concretização no futuro”.

Perante o exposto, reconhecido e aceite pela Requerente e Requerida, seria contraditório, a final, classificar tais despesas como de mera representação. Estamos perante despesas que se destinam, não a representar a sociedade onde esta não se encontra presente (portanto, fora da sua atividade principal – fabrico, comércio e exportação de produtos cerâmicos), mas a assegurar o normal desenvolvimento do seu objeto social, dentro do circuito económico onde este se manifesta (junto dos seus habituais clientes, seja através de abertura de lojas, exposições, showrooms, ou jantares para o seu público alvo, como por exemplo, a gala dos arquitetos), e em qualquer caso, procedendo à promoção dos seus produtos e a vendas potencialmente relevantes, no decurso dos eventos.

Publicitar e vender produtos em evento por si organizado tem que ser, sem dúvida, parte da atividade normal do contribuinte. Caso contrário, como refere a Requerente, nenhuma sociedade poderia publicitar e promover os seus produtos sem que tal fosse considerado anormal pela AT, ou simplesmente “afastado do núcleo central de despesas instrumento no desempenho da atividade produtiva dos contribuintes”. Se os eventos criam uma forte imagem nos clientes, tal significa que, como qualquer boa campanha publicitária ou de promoção, o investimento foi (potencialmente) bem realizado. Por fim, não foi demonstrado pela Requerida que os eventos ou refeições tenham constituído uma mera oferta aos seus beneficiários que até deveria ser tributada (elemento fundamental – note-se – para qualificar as despesas como de representação, de acordo com o artigo 81.º n.º7 do CIRC). Pelo contrário, resulta provado que os eventos foram o meio encontrado para, neles, se realizarem vendas e promoverem produtos. Aliás, a Requerente terá mesmo sido pioneira nesta forma de venda.

Nestes termos, o Tribunal Arbitral entende que deverá proceder o alegado pela Requerente: estes gastos são enquadráveis no artigo 23.º n.º1 alínea b) do CIRC, não devendo incidir sobre os mesmos, consequentemente, tributação autónoma. Outra interpretação determinaria entrar na apreciação da justeza ou mérito dos atos de gestão da sociedade, o que não se admite.

Por outro lado, outro entendimento determinaria que não poderia ser legalmente admissível, sob pena de violação do princípio da igualdade fiscal, constitucionalmente consagrado, o teor da Informação Vinculativa respeitante a encargos com viagens de profissionais de saúde a congressos e reuniões científicas, no âmbito do processo 1648/09, com despacho do Diretor-Geral em 16.07.2009: se todos estes encargos suportados com viagens no âmbito da promoção do medicamento são custos de publicidade e propaganda, qual seria a justificação para nos demais setores de atividade não se considerar da mesma forma? É certo que, como se refere, a Informação Vinculativa se cinge apenas aos factos que lhe deram origem, mas, ainda assim, na realidade, as “viagens” em questão enquadrar-se-iam, a final, no conceito de despesa de representação que a Requerida defende: o vocábulo “viagem” consta também da letra do artigo 81.º n.º7[1], pelo que a interpretação literal de que a Requerida é defensora não estaria assim cumprida naquela Informação e não se vislumbra justificação que o permita nas alegações da Requerida.

Assim, veja-se o disposto na fundamentação do citado acórdão do TCAS de 7.05.2015:

“No caso "sub judice", do exame da factualidade provada (cfr.nºs.3 e 4 do probatório), deve concluir-se, com o Tribunal "a quo", que nos encontramos perante despesas que se destinam, não a representar a sociedade impugnante onde esta não se encontra presente (portanto, fora da sua actividade principal), mas a assegurar o normal desenvolvimento do seu objecto social, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta. Por outras palavras, não nos encontramos perante despesas de representação, mas antes perante custos inerentes ao normal desenvolvimento da actividade principal da sociedade impugnante/recorrida, de acordo com a definição do mesmo constante do nº.4 do probatório (comércio por grosso de produtos farmacêuticos), assim devendo enquadrar-se no artº.23, nº.1, al.b), do C.I.R.C., enquanto despesas de publicidade, conforme se entendeu na decisão recorrida, nenhum relevo tendo, para o efeito, o regime previsto no dec.lei 176/2006, de 30/08 (regime jurídico relativo aos medicamentos de uso humano).”

E no Acórdão do mesmo TCAS de 16.10.2014, no âmbito do processo 6754/13:

“Voltando ao caso "sub judice", do exame da factualidade provada (cfr.nºs.2 e 4 do probatório já supra mencionados), deve concluir-se, com o Tribunal "a quo", que nos encontramos perante despesas que se destinam, não a representar a sociedade impugnante onde esta não se encontra presente (portanto, fora da sua actividade principal), mas a assegurar o normal desenvolvimento do seu objecto social, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta. Por outras palavras, não nos encontramos perante despesas de representação, mas antes perante custos inerentes ao normal desenvolvimento da actividade principal da sociedade impugnante/recorrida, de acordo com a definição do mesmo constante do nº.1 do probatório e já acima transcrito”.

Também neste caso se conclui que as despesas em questão não serviram para representar a sociedade perante terceiros, serviram sim para promover, publicitar e vender os produtos da Requerente, no circuito normal da sua atividade económica, devendo, portanto, ser classificados como gastos com publicidade.

Fica assim prejudicado, em face do disposto no artigo 124.º do CPPT, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o conhecimento de demais alegações da Requerente (não havendo, em face desta decisão, qualquer prejuízo para a mais estável ou eficaz tutela dos interesses da mesma).    

B.      Juros Indemnizatórios

De acordo com o artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Conforme decorre de quanto se concluiu anteriormente, houve, no caso, erro imputável aos serviços, na medida em que a liquidação em crise, ao contrário do alegado pela Requerida, foi emitida desconsiderando o facto de as despesas subjacentes não poderem ser qualificadas como despesas de representação.

Existindo, manifestamente, erro imputável aos serviços é também, e sem mais, procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.

VII.   Decisão

Nestes termos, e com base nos fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

a.       Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e em consequência, anular a liquidação de imposto em causa, determinando-se a devolução do montante indevidamente cobrado;

b.       Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.

Valor do processo: €52.909,02 (cinquenta e dois mil novecentos e nove euros e dois cêntimos)

Custas: Ao abrigo do disposto no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas em €2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), a cargo da Requerida.

Lisboa, 30 de setembro de 2016

O árbitro

 

Ana Pedrosa Augusto

 

 



[1]           Nem sendo suficiente para justificar uma disparidade de tratamento da mesma realidade o disposto no Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 agosto (Estatuto do Medicamento) quanto a publicidade, alegado na decisão do recurso hierárquico, o qual dispõe que:

1. Considera-se publicidade de medicamentos, para efeitos do presente decreto-lei, qualquer forma de informação, de prospeção ou de incentivo que tenha por objeto ou por efeito a promoção da sua prescrição, dispensa, venda, aquisição ou consumo em qualquer das seguintes circunstâncias:

a) Junto do público em geral;

b) Junto de distribuidores por grosso e dos profissionais de saúde;

c) Através da visita de delegados de informação médica às pessoas referidas na alínea anterior;

d) Através do fornecimento de amostras ou de bonificações comerciais a qualquer das pessoas abrangidas pelo disposto na alínea b);

e) Através da concessão, oferta ou promessa de benefícios pecuniários ou em espécie, exceto quando o seu valor intrínseco seja insignificante;

f) Pela via do patrocínio de reuniões de promoção a que assistam pessoas abrangidas pelo disposto na alínea b);

g) Pela via do patrocínio a congressos ou reuniões de carácter científico em que participem pessoas referidas na alínea b), nomeadamente pelo pagamento, direto ou indireto, dos custos de acolhimento;

h) Através da referência ao nome comercial de um medicamento.”

O Estatuto do Medicamento define o que se considera publicidade, para efeitos desse mesmo diploma. Justificar a sua aceitação fiscal sem mais, em função simplesmente do setor de atividade, seria prejudicar todos os demais setores sem qualquer fundamentação ou base para tal, o que, naturalmente, se reputa ilegal por violador do princípio da igualdade, pelo menos.