Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 501/2014-T
Data da decisão: 2015-05-22  IRC  
Valor do pedido: € 1.483.956,71
Tema: IRC – Deferimento parcial de Reclamação Graciosa sobre retenções na fonte; Indeferimento de Recurso Hierárquico
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Acórdão Arbitral

 

I – RELATÓRIO

 

1.      A… (doravante designada por “A…” ou “Requerente”), com sede na Avenida …, …, titular do número de identificação fiscal …, vem REQUERER, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária) e dos artigos 1.º e 2.º da portaria n.º 112.º-A/2011, de 22 de março, a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo com vista à declaração da ilegalidade da liquidação de retenções na fonte de imposto sobre o rendimento n.º 2012 …, de 16 de Fevereiro de 2012, relativas ao exercício de 2009.

 

2.      O tribunal arbitral coletivo foi regularmente constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no dia 6 de outubro de 2014, para apreciar e decidir o objeto do presente processo, conforme consta da respetiva ata.

 

3.       A Requerente, usando da faculdade que lhe é conferida pelo artigo 6.º, n.º 2, b) do D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, designou como seu Árbitro o Senhor Dr. Joaquim Silvério Dias Mateus, o qual integra a Lista de Árbitros do CAAD.

 

4.      Na sua Resposta a entidade Requerida deduz uma questão prévia invocando a extemporaneidade parcial do pedido de pronúncia arbitral, a qual vai ser decidida na parte II do presente acórdão arbitral.

 

5.      Dos antecedentes do pedido de pronúncia arbitral

 

5.1.A Requerente foi destinatária de uma ação inspetiva externa de âmbito geral, desencadeada a coberto da ordem de serviço n.º OI…, abrangendo, entre outras situações tributárias, as retenções na fonte de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e coletivas relativas ao ano de 2009, nos montantes parciais que a seguir se indicam:

 

  • Pagamento a B…, C… e N…, cujo valor do imposto é de € 40.269,15 e juros compensatórios no valor de € 2.956,11, no total de € 44.225,26;
  • Pagamento a D… B.V. (Holanda), cujo valor do imposto é de € 22.500,00 e juros compensatórios no valor de € 1.817,26, no total de € 24.317,26;
  • Pagamentos a E…, cujo valor do imposto é de € 497.500,00 e juros compensatórios no valor de € 40.181,64, no total de € 537.681,64;
  • Direitos económicos pagos a F… LTDA-EPP, cujo valor do imposto é de € 87.500,00 e juros compensatórios no valor de € 7.364,38, no total de € 94.864,38;
  • Alienação dos Direitos de imagem do atleta G…, cujo valor do imposto é de € 31.250,00 e juros compensatórios no valor de € 2.421,23, no total de € 33.671,23;
  • Alienação dos Direitos de imagem do atleta H…, cujo valor do imposto é de € 80.140,00 e juros compensatórios no valor de € 7.324,98, no total de € 87.464,98;
  • Alienação dos Direitos de imagem do atleta I…, cujo valor do imposto é de € 161.290,25 e juros compensatórios no valor de € 13.026,92, no total de € 29.156,19;
  • Receita do Jogo de exibição entre A… e K…., cujo valor do imposto é de € 100.000,00 e juros compensatórios no valor de € 9.424,65, no total de € 109.424,65;
  • Pagamento efetuado à entidade M…, LTD, cujo valor do imposto é de € 342.351,90 e juros compensatórios no valor de € 37.949,47, no total de € 380.301,37.

 

5.2.Em resultado da ação de inspeção foi efetuada a liquidação n.º 2012 …, no montante de € 1.362.801,30, a que acresceram juros compensatórios no valor de € 123.466,66, no total de € 1.486.267,96;

 

 

5.3.A Requerente, por não concordar com os fundamentos invocados pela administração tributária no relatório de inspeção que serviram de base à referida liquidação, deduziu reclamação graciosa em 26 de julho de 2012 contra todas as correções incluídas na liquidação.

 

5.4.A reclamação graciosa foi deferida parcialmente por despacho de 17/12/2012, do Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes, apenas em relação aos pagamentos efetuados à entidade C..., no montante de € 18.961,00, com a anulação da quantia de imposto de € 2.844,15, tendo a requerente sido notificada desta decisão pelo ofício n.º …, recebido a 11/02/2013.

 

5.5.A Requerente reagiu contra o deferimento parcial da reclamação, deduzindo recurso hierárquico em 13 de março de 2013 ao qual coube o processo n.º …2011….

 

5.6.Na petição do recurso hierárquico, a recorrente incluiu e desenvolveu expressamente apenas algumas correções o que, como já se referiu e a seguir se desenvolverá, levou a Requerida a suscitar a extemporaneidade parcial do pedido de pronúncia arbitral.

 

5.7.O Recurso Hierárquico foi totalmente indeferido por despacho de 19/02/2014, comunicado à Requerente por carta registada com aviso de receção recebida em 22/04/2014.

 

5.8.Entretanto, a Requerente informa que por não lhe ter sido possível obter o formulário 21-RFI aceitou as correções decorrentes do pagamento efetuado a “N...”, no montante de € 139.500,00, a que correspondia o imposto de € 20.925,00, imposto este que foi pago em 21 de Julho de 2014 (Vd. ponto A, n.º 16, da petição arbitral).

 

5.9.Assim, das reduções referidas em 5.4 e 5.8, a liquidação impugnada foi reduzida para € 1.339.032,15 (1.362.801,30 – 23.769,15), acrescida dos juros compensatórios de € 121.155,41, perfazendo a quantia total de € 1.460.187,56

 

5.10.        A Requerente apresentou em 21 de julho de 2014 a sua petição arbitral, em que requer a declaração de ilegalidade da demonstração de liquidação de retenções na fonte do ano de 2009, no montante de € 1.362.801,30, acrescido de juros compensatórios no valor de € 121.155,41, no total de € 1.483.956,71 (sendo que a quantia indicada pela Requerente no final da p.i. deve ser corrigida, em termos de valor do processo, como se indica em 5.9.).

 

5.11.        Por sua vez, a Requerida apresentou a sua Resposta contestando a argumentação da Requerente e apresentando os fundamentos que, no seu entender, sustentam a liquidação impugnada.

 

 

6.      Dos fundamentos invocados pela Requerente para arguir a ilegalidade das correções que serviram de base à liquidação impugnada e da Resposta da Requerida para sustentar as mesmas correções

 

O relatório do presente acórdão arbitral passa agora a apresentar um resumo dos argumentos que Requerente e Requerida deduziram em defesa das suas posições quanto às várias correções que integram a liquidação impugnada.

 

Uma vez que se trata de nove situações tributárias diferentes, com especificidades que as diferenciam umas das outras, opta-se pela sua apresentação seguindo a ordem da proximidade dos temas com transcrição das posições que Requerente e Requerida oferecem em relação a cada uma delas.  

 

Assim,

 

6.1. Rendimentos pagos a “B… LTDA”

 

6.1.1. Posição da Requerente

 

A Requerente começa por aludir aos fundamentos invocados pela AT para proceder à correção referente ao pagamento feito à entidade B..., Lda, que assentaram no facto do formulário 21-RFI, previsto no artigo 90.º-A do Código do IRC (atual artigo 98.º), não se encontrar devidamente autenticado por parte das autoridades fiscais brasileiras.

 

Com efeito, para desconsiderar o formulário e proceder à liquidação impugnada, a AT invocou que recebeu informação das autoridades fiscais brasileira, solicitada no âmbito do Acordo para Evitar a Dupla Tributação celebrado entre Portugal e o Brasil, no sentido de que o formulário em causa “não foi recebido por organismo competente e, como tal, não está devidamente certificado”.

 

Mais salientando a AT que sendo o Brasil um dos Estados que comunicou às Autoridades Fiscais Portuguesas a impossibilidade de certificação dos formulários modelos 21-RFI e 24-RFI, deve aplicar-se o Despacho Ministerial n.º 22600/2009, de 7/10/2009, do Ministro das Finanças.

 

A Requerente discorda da argumentação da AT, transcrevendo, para o efeito, o disposto no artigo 90.º-A do CIRC, em vigor ao tempo do pagamento, segundo o qual “os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efetuar a retenção na fonte, até ao termos do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos das normas legais aplicáveis (…) através da apresentação de formulário de modelo a aprovar por despacho do ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência”.

 

Mais invoca a Requerente que, conhecedora da referida exigência legal e por forma a obter a dispensa da obrigação de efetuar a retenção na fonte, em conformidade com o regime legal aplicável, encetou esforços no sentido de obter junto da B… o formulário 21-RFI, devidamente preenchido, o que aconteceu, tendo, portanto entendido “ter cumprido o requisito necessário por forma a encontrar-se dispensada de efetuar a retenção na fonte sobre o montante pago à B…”.

 

Contudo, a AT recusou a validade do citado formulário e informou a Requerente que, segundo informação das AF Brasileiras “tal formulário não teria sido sequer rececionado pelas AF Brasileiras e, que, como tal, não se encontrava devidamente certificado”.

 

A Requerente continua a discordar e salienta que a receção de um formulário carimbado e assinado por uma funcionária da autoridade fiscal brasileira lhe criou a convicção de que o mesmo se encontrava devidamente certificado (cfr. Anexo 90 ao Relatório de Inspeção).

 

E isto, continua a Requerente, porque não tem ao seu alcance um mecanismo de troca de informações, como dispõe a AT, para confirmar a legalidade (ou falta dela) das assinaturas e carimbos apostos nos formulários 21-RFI, criando-lhe, portanto, a confiança que o formulário, que estava carimbado e assinado, lhe permitia operar a dispensa da obrigação de efetuar a retenção na fonte.

 

Aliás, aduz também a Requerente, os próprios serviços da AT tiveram dúvidas sobre o formulário apresentado, tendo, por isso, acionado o mecanismo de troca de informações com as autoridades brasileiras.

 

E mais salienta a Requerente que, tendo a AT Portuguesa ao seu dispor o mecanismo de troca de informações, deveria fazer uso do mesmo tendo em vista a descoberta da verdade material, como lhe impõe o artigo 58.º da LGT.

A Requerente salienta que é dada uma informação contraditória, na medida em que por um lado se diz que o formulário não foi recebido por organismo competente e, por outro, que foi assinado por funcionário da AF Brasileira.

 

E a Requerente invoca como muito relevante o facto do relatório de inspeção ignorar “as questões relativas à residência e sujeição a imposto da B... que, em substância, são o elemento que mais releva in casu para efeitos do apuramento da verdade material”, sem que a AT tivesse tomado diligências para esclarecer estes factos.

 

A requerente observa ainda que o seu entendimento sobre a recolha da prova e sobre a descoberta da verdade material “veio, aliás, a ser confirmado em face das alterações introduzidas pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro (que aprovou a Reforma do IRC) ao regime de prova dos requisitos de acesso aos ADTs previsto no Código do IRC”.

 

Ou seja, que “de acordo com as alterações introduzidas pelo referido diploma, a prova do cumprimento dos requisitos necessários para aplicações das disposições das ADTs poderá ser efetuada mediante a apresentação do formulário 21-RFI certificado pelas autoridades fiscais do país d residência do beneficiário, ou, em alternativa, mediante apresentação do formulário 21-RFI, preenchido mas não autenticado, acompanhado de documento emitido pelas autoridades fiscais do país de residência do beneficiário efetivo dos rendimentos que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado”.

 

E que, portanto, a AT não tem razão, pelo facto de a prova dos requisitos dos quais depende a dispensa de retenção na fonte nos termos do Despacho n.º 22600/2009 ser uma faculdade e não uma imposição legal e também pelo facto demonstrado de a Requerente se encontrar na posse do formulário 21-RFI assinado e carimbado por uma funcionária da autoridade tributária brasileira, elemento que, em face dos normais deveres de diligência a que se encontra adstrita enquanto substituta tributária, se revela suficiente para operar a dispensa de retenção na fonte.

 

Razão pela qual a Requerente conclui que a correção, no montante de € 16.500,00, acrescida dos respetivos juros compensatórios, não é devida.

 

6.1.2. Resposta da Requerida

 

A Requerida começa por alegar que, face ao alegado pelas partes e à prova documental produzida, se deve considerar provado que em 2009 a Requerente efetuou pagamentos no montante de € 110.000,00 à B..., entidade não residente e sem estabelecimento estável, com sede no Brasil, como contrapartida pela intermediação na contratação de jogador e que, no âmbito da ação inspetiva, “a Requerente facultou à AT o formulário RFI, preenchido, com a aposição de carimbo de recebimento com data de 05/02/2009 e uma assinatura, sem preenchimento do quadro III do formulário, referente à sua certificação, facto que originou troca de informação com a AFB, a qual confirmou que o mesmo não está devidamente certificado”, pelo que, por ausência da prova prevista na al. a) do n.º 2 do art.º 90-º-A do CIRC, procedeu à correção de € 16.500,00 (Cfr fls 159 e 160 do relatório de inspeção).

 

Quanto à objeção da Requerente, deduzida na reclamação graciosa, de que “seria mais fácil à DSIT, tendo dúvidas relativamente à veracidade da informação atestada pelo formulário 21-RFI, contactar a AF Brasileira e esclarecer tais dúvidas do que impor novos procedimentos ao s.p.” a AT manteve a correção “por entender que essa impossibilidade de certificação (a AFB está impossibilitada, por imposição da sua legislação interna, de autenticar o quadro III do referido formulário) impunha o seu suprimento nos termos do despacho n.º 22600/2009, de 07/10, do Ministro de Estado e das Finanças, publicado a 14/10/2009 na 2.ª série, n.º 199, do DR, que regulamenta os procedimentos a adotar nessas situações, mediante a apresentação de um certificação de residência fiscal a emitir pelo Estado do beneficiário do rendimento, desde que essa certificação cumprisse cumulativamente as três condições referidas nas alíneas nas al. a) a c) daquele despacho”, o que a Requerente não cumpriu.

 

A Requerida alude a seguir ao recurso hierárquico deduzido pela Requerente em que esta defendeu que “exibiu o formulário mod. 21-RFI, devidamente assinado pelas autoridades fiscais brasileiras, pelo que haveria lugar à aplicação da Convenção entre Portugal e o Brasil, isto é, à dispensa de retenção na fonte do imposto, mais assinalando que a certificação da residência por outros meios (como permite o Despacho n.º 22600/2009) tem somente uma natureza complementar e facultativa, não existindo qualquer obrigatoriedade nesse sentido”.

 

A esta invocação a Requerida argumenta que a Requerente não tem razão e reafirma que no formulário 21-RFI apresentado “não constam a menção de que o beneficiário era em 2009 residente fiscal no Brasil, que aí estivesse sujeito a imposto sobre o rendimento, nem a identificação da entidade que certifica, o local, a data, a assinatura e o selo oficial”.

 

A requerida mantém a remissão para o despacho 22600/2009 que “veio acolher a faculdade, que até aí não existia, de na impossibilidade das autoridades fiscais do Estado do beneficiário certificarem o formulário mod. 21-RFI, ainda assim poder ser aceite um formulário em modelo emitido por esse Estado, mediante o cumprimento de determinados requisitos cumulativos” previstos no citado Despacho, e acrescenta que competiria ao contribuinte o ónus de alegar e provar os factos constitutivos do direito invocado, conforme decorre da jurisprudência do TCAS (cfr. Acórdãos de 28/10/2009, Proc. n.º 3475/09 e de 10/07/2012, Proc. 05568/12).

 

 

A Requerida realça que não está em causa a utilização de informação privilegiada obtida ao abrigo do mecanismo de troca de informações, pois o que é relevante e por demais evidente é que o formulário 21-RFI não se encontrava devidamente certificado para a dispensa de retenção pretendida e que não está em causa qualquer ónus que impenda sobre si para a descoberta da verdade material ou sequer a troca de informação contraditória com a AF Brasileira, mas antes o regime de prova dos requisitos de acesso ao desagravamento fiscal contemplado no ADT com o Brasil, cujo ónus incumbe à Requerente.

 

E mais realça a Requerida que a tese propugnada pela Requerente é inaceitável, porque a ser aceite, por absurdo, dispensaria qualquer substituto tributário de efetuar a prova dos requisitos de acesso às CDT, nos termos legalmente exigíveis, passando a incumbir à AT, em sede inspetiva, verificar a substância da operação em causa.

 

Para a Requerida, o formulário 21-RFI é um meio de prova insubstituível e a Requerente teve cinco possibilidades para apresentar esse mesmo formulário, já de acordo com o citado Despacho 22600/2009, a saber, “aquando da ação de inspeção, no direito de audição ante o projeto de relatório de inspeção, na petição da reclamação graciosa, no direito de audição ante o projeto de indeferimento da reclamação graciosa e na petição do recurso hierárquico”.

 

Termos em que a Requerida entende que se deve manter a correção em apreço, por consubstanciar, em seu entender, uma correta aplicação do direito aos factos.

     

6.2. Rendimentos pagos a D… B.V. pela intermediação na negociação e contratação do atleta O...

 

6.2.1. Posição da Requerente

 

A Requerente questiona a correção constante do Relatório de Inspeção, no montante de € 22.500,00, relativa ao pagamento efetuado à sociedade D… B.V. (“D...”), entidade residente na Holanda para efeitos fiscais, pela intermediação na negociação e celebração de contrato de trabalho desportivo de um jogador.

 

Esta correção tem por fundamento o facto de a AT ter recebido informação das autoridades fiscais holandesas, ao abrigo do mecanismo de troca de informação, de que a D… “é residente na Holanda para efeitos fiscais mas que o rendimento em causa não foi objeto de tributação[1].

 

Face àquela informação, acrescenta a Requerente, a AT concluiu, sem mais, que a D...é uma “conduit company”, conotada com “esquemas agressivos de planeamento fiscal visando a redução e/ou eliminação de tributação sobre os rendimentos através do aproveitamento abusivo das Convenções celebradas entre os Estados[2].

 

Mais refere que a AT solicitou informação à Requerente para fazer a prova que os serviços em causa teriam sido efetivamente prestados pela D….

 

Ora, a verdade é que, continua a Requerente, esta tinha em seu poder o formulário 21-RFI, devidamente preenchido e autenticado pelas autoridades fiscais holandeses as quais atestaram a residência da D...para efeitos fiscais, enquanto beneficiária efetiva do rendimento.

 

Se tivesse dúvidas a AT poderia, tal como previsto na ADT, solicitar à AT Holandesa as informações que entendesse necessárias para conhecer os elementos referentes à operação em causa.

 

Segundo a Requerente, a AT colocou em dúvida a informação constante do formulário 21-RFI baseando-se em informações que não juntou ao processo.

 

A Requerente alega que deste modo se sente triplamente prejudicada, porquanto a AT tem acesso a informação que a Requerente não pode obter, não tem conhecimento da informação recebida pela AT e esta não tomou as diligências necessárias no sentido de aferir da verdade material da situação.

 

Por outro lado, diz também a Requerente que o Despacho Ministerial já citado, n.º 22600/2009, tem um caráter subsidiário ou complementar e não um caráter substantivo ou seja, só será de aplicar nos casos em que as autoridades fiscais do país da residência do beneficiário comunicarem a impossibilidade de certificação do formulário.

 

E que, assim sendo, a entidade beneficiária dos rendimentos concedendo ao substituto tributário o formulário 21-RFI devidamente preenchido, será possibilitada, sem mais, a aplicação do ADT, sem necessidade de comprovação adicional de quaisquer outros elementos.

 

A Requerente conclui que cumpriu de modo zeloso os requisitos de natureza formal a que se encontrava obrigada e que não tinha o dever de conhecer ou sequer de suspeitar da (alegada) natureza meramente intermediária da D….

 

Em relação à invocação de que o sujeito passivo tem o ónus de averiguar se a entidade à qual o rendimento é pago, constitui, igualmente, o beneficiário efetivo (conceito que, aliás, refira-se, não se encontra definido na legislação fiscal portuguesa), é notório – entende a Requerente - que esta obrigação é imposta em situações nas quais existem relações especiais (designadamente de capital), permitindo mais facilmente o referido controlo, o que, claramente, não sucede na situação em apreço.

 

E para ilustrar o que acaba de concluir, dá como exemplo o caso da retenção na fonte sobre juros e royalties ao abrigo da Diretiva n.º 2003/49/CE, do Conselho, de 3/6, bem como o disposto no n.º 1 do artigo 66.º do IRC relativamente lucros e outros rendimentos obtidos por entidades não residentes e submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável.

 

Pelo que, conclui a Requerente que fora desses casos será praticamente impossível à entidade portuguesa saber se a entidade com a qual se encontra a contratar é, de facto, a beneficiária efetiva do rendimento, uma vez que o mecanismo de troca de informações apenas se encontra disponível para as Administrações Fiscais.

 

Para além de que, lembra a Requerente, o conceito de beneficiário efetivo consta da Convenção Modelo da OCDE, mas apenas nos casos dos artigos 10.º, 11.º e 12.º, relativamente à tributação dos dividendos, juros e royalties, e jamais relativamente à aplicação do artigo 7.º, relativo aos lucros das empresas.

 

E a Requerente, em defesa da sua tese, remete para os Comentários ao artigo 1.º da Convenção Modelo da OCDE, segundo os quais “não se deve presumir, de forma inconsiderada, que um contribuinte recorre ao tipo de transação abusiva atrás referido…e que as vantagens de uma convenção de dupla tributação não devem ser concedidas quando um dos objetos principais de certas transações ou operações seja a obtenção de uma situação fiscal mais vantajosa e a concessão desse benefício, nessas circunstâncias, seja contrária ao objeto e ao propósito das disposições relevantes”.

 

E a Requerente vem ainda realçar um dos aspetos da Convenção Modelo, segundo a qual “ainda que uma entidade não seja considerada como beneficiário efetivo, sugere-se que possa beneficiar das disposições do ADT se se comprovar, após a análise cautelar que deve sempre ser efetuada, que a mesma entidade tem substância económica e que o propósito da sua existência não é exclusivamente limitado à possibilidade de aplicação do ADT.

 

Daí a estranheza da Requerente ao comportamento da AT, pela facilidade com que os serviços da Autoridade Tributária concluem que a D...não consubstancia o beneficiário efetivo dos rendimentos pagos pela Requerente.

 

Aliás, a AT terá concluído, sem demonstrar, que a D...“terá agido em nome e por conta de outra entidade que não é residente na Holanda, mas sim nas Ilhas Virgens Britânicas, sendo esta que terá prestado o serviço na negociação do jogador à A...”.

 

Para além de que a Requerente detinha um formulário devidamente certificado pelas autoridades fiscais holandesas e, portanto, não tendo o condão de, com padrões normais de diligência, ter conhecimento dos contornos plenos do negócio celebrado com a D..., entendeu estar em condições de aplicar a dispensa de retenção na fonte.

 

A Requerente remete, a este propósito, para a decisão arbitral de 3/2/2014, emitida no âmbito do Processo n.º 131/2013-T, cfr. doc. n.º 9, donde se extrai a conclusão de que “ a AT não tem qualquer legitimidade para questionar o pagamento a um residente na Holanda, nem tão pouco o pagamento subsequente dessa mesma entidade a uma entidade terceira, in casu residente nas Ilhas virgens, dado estarmos no campo da extraterritorialidade da fiscalidade”.

 

E conclui a Requerente que não se questionando a residência fiscal da entidade holandesa, nos termos da decisão referida, “apenas através de uma cláusula anti-abuso específica se poderia questionar tal pagamento”.

 

E relativamente à alegada falta de informação que a AT refere não lhe ter sido fornecida pela Requerente, esta remete para o Regulamento relativo aos Agentes de Jogadores elaborado pela FIFA, em que se define a qualificação do Agente como aquele que tem por função apresentar os jogadores aos clubes ou “fazer a ponte” entre dois clubes, sempre com o objetivo de intermediar as negociações subjacentes à contratação de um jogador.

 

Assim sendo, “as sociedades desportivas encontram-se obrigadas a proceder às negociações para contratação de jogadores através de agentes licenciados para o efeito, encontrando-se inclusivamente previsto no regulamento que rege a atividade desses agentes a hipótese de organizarem a sua atividade através de sociedades”.

 

E foi o que a Requerente fez, quando “contratou uma sociedade autorizada a realizar funções de representação de jogadores, cuja atividade foi desenvolvida, numa lógica de proximidade, através do respetivo agente”.

 

Daí não existirem, segundo a Requerente, os elementos pretendidos pela AT e, portanto, também não existirem fundamentos para a correção efetuada, no montante de € 22.500,00 e respetivos juros compensatórios.

 

6.2.2. Resposta da Requerida

 

Sobre a matéria de facto de interesse para os autos e face ao alegado pelas partes e à prova documental produzida, máxime a constante do processo administrativo junto, a Requerida considera provado o seguinte:

 

Que em 2009 a Requerente registou na conta 4321163 o pagamento efetuado, a 10/11/2009, no montante de € 150.000,00 à D..., entidade não residente e sem estabelecimento estável, com sede na Holanda, como contrapartida pela intermediação na contratação de jogador, mais concretamente pela intermediação na negociação e celebração de contrato de trabalho desportivo do jogador O....

 

No âmbito da ação inspetiva constatou a AT que, porém, a operação envolvia um conjunto de entidades com residência na Argentina, país com quem Portugal não celebrou CDT, mais constatando que a D...não constava como uma sociedade ligada ao setor do futebol e, ainda menos, com Know how que justificasse representar o A… no negócio em análise.

 

Assim, refere a Requerida, desconhecendo-se a que título a D...interveio neste processo, a IT solicitou à Holanda informação destinada a assegurar que esta entidade era aí residente, que era o efetivo beneficiário do rendimento em causa e que se encontrava sujeito a tributação nesse país.

 

Em resposta, a AFH informou que aquele rendimento não foi sujeito a tributação na Holanda, porque a D...terá agido em nome e por conta de outra entidade residente nas Ilhas Virgens Britânicas, sendo esta que terá prestado o serviço na negociação do jogador à A..., atuando a D...apenas como “conduit company”, tudo sustentado em documentos e fluxos monetários.

 

Tendo a IT confrontado a Requerente com aquela informação e com a necessidade de mais esclarecimentos, a Requerente reiterou que foi a D...a prestar o serviço, segundo contrato de 5/5/2009, em que se obriga a intermediar em nome e representação da A... na aludida negociação.

 

Realça a Requerida que a Requerente não juntou, porém, quaisquer elementos minimamente comprovativos da prestação daquele serviço, por exemplo, troca de correspondência no decorrer das negociações, como seria espectável à luz do referido contrato, cuja cláusula 3.ª prevê que a D...deveria manter a A... permanentemente informada das diligências que efetuar em execução do presente contrato, dando-lhe a conhecer, designadamente, todas e quaisquer propostas.

 

E a Requerida remete para o Relatório Final da inspeção tributária que transcreve e de que se realça, em síntese, o seguinte:

- Que a Requerente não esclareceu a que título surge uma entidade holandesa a intermediar um negócio em que todas as outras entidades são de nacionalidade/residência portuguesa e argentina, apesar de a Requerente ter declarado anteriormente, que a D...“revela uma extensa trajetória e experiência na intermediação, comercialização e exploração de todo o tipo de direitos e negócios relacionados com o mundo do desporto profissional”, sem que tenha apresentado quaisquer comprovativos desse Know-how.

A Requerida realça que as administrações fiscais holandesa e portuguesa não conseguiram obter informação que permitisse concluir que a D...correspondia a uma entidade que tivesse por objeto ou Know-how para a prestação dos serviços que a A… declara ter contratado.

E que, pelo contrário, o que a IT conseguiu obter foi a informação que apontava para um negócio pouco especializado de “Prestação de serviços de consultoria no sentido mais amplo”.

No referido Relatório é também realçado que face ao disposto no artigo 90.º-A do CIRC e relativamente a eventual isenção de retenção na fonte, parcial ou total, e face à CDT entre Portugal e Países Baixos, infere-se que, no caso em apreço, é de sujeitar os rendimentos obtidos, tendencialmente, à tributação num só dos países mas, pelo menos num dos países.

E que nos termos do artigo 7.º da Convenção referida, estariam ao abrigo da convenção, os rendimentos obtidos por uma empresa no exercício da sua atividade comercial, onde se incluem as prestações de serviços.

Acontece que, de acordo com um procedimento aberto para troca de informação entre ambas as Administrações Fiscais, ao abrigo do artigo 28.º da CDT celebrada entre Portugal e a Holanda, a AFP foi informada que os valores faturados pela D... B.V., não constituíram rendimentos desta empresa, pois a mesma apenas agia como intermediário por conta de uma outra sociedade, empresa esta constituída nas Ilhas Virgens Britânicas.

Assim sendo, os pagamentos associados às faturas emitidas pela D...,B.V., apenas poderiam aproveitar da CDT, caso constituíssem rendimentos a tributar numa sociedade residente na Holanda, por ser ela a beneficiária dos rendimentos.

E em reforço desta tese remete para Alberto Xavier, quando refere “a sua aplicabilidade (convenção) depende de que a pessoa residente seja o “beneficiário”, isto é, o titular do direito ao rendimento. As convenções não são, pois, aplicáveis em função do domicílio ou residência de meros mandatários”.

E no caso em apreço, a D...B.V não foi a beneficiária dos rendimentos, uma vez que estes pagamentos, eram rendimentos, sim, da outra entidade que é a beneficiária do rendimento. Assim, não poderia ter sido, em qualquer caso, acionada a convenção com o Reino dos Países Baixos.

Assim, o certificado mod. 21-RFI, só afasta da tributação, como não poderia deixar de ser, os rendimentos que sejam auferidos pela entidade D...B.V. abrangidos nos termos da convenção, e cuja tributação se localize na Holanda. E a IT nota que um dos objetivos da convenção celebrada entre Portugal e o Reino dos Países Baixos, é o de evitar ou eliminar a dupla tributação e não que os rendimentos não sejam sujeitos a tributação em qualquer dos Estados contratantes (repare-se que o anexo 90 só certifica a residência da entidade, pois nem sequer identifica que há um serviço prestado à A...).

Caso contrário, estar-se-ia a “atraiçoar” um dos outros objetivos enunciados na convenção, como seja, a prevenção da evasão fiscal.

 

Mais refere a AT que a Requerente reclamou graciosamente contra aquela correção invocando, em síntese, que não lhe era exigível averiguar e demonstrar que a D...era a beneficiária efetiva do rendimento e que não existia nenhuma referência específica na lei sobre o conceito de beneficiário efetivo do rendimento, tanto mais que a ADT não contemplava tais definições, mais questionando as conclusões alcançadas pela AT que apelida de infundadas e assentes em meras especulações.

 

A Requerida acrescenta que no decurso do processo de reclamação graciosa, mesmo perante a evidência de que a D...tinha sede nas Ilhas Britânicas, a Requerente manteve a posição de que cumpriu com o ónus probatório exibindo o formulário 21-RFI atestando que a BB é residente fiscal na Holanda.

 

 

Seguindo-se o recurso hierárquico, a AT e ora Requerida manteve a correção por considerar que os rendimentos em causa não constituíram rendimentos da sociedade residente na Holanda, o que se encontra sobejamente suportado, por um lado, com o facto de o formulário apresentado em nome da D...não certificar no quadro I o beneficiário do rendimento, e pela prova reunida pela IT, que a Requerente não logrou destruir, de que a D… agiu em nome e por conta de outra empresa domiciliada nas Ilhas Britânicas.

 

E quanto ao direito, diz a AT que reiterou o enquadramento fiscal já preconizado, que, em síntese, vai no sentido de que não faz qualquer sentido pretender ao abrigo de uma CDT celebrada entre dois Estados com vista a evitar a dupla tributação de um mesmo rendimento, que o facto tributário, afinal, não seja tributado em nenhum desses Estados.

 

Segundo a Requerida, a identidade do beneficiário efetivo do rendimento revela-se, ao contrário do que pretende a Requerente, de uma importância determinante, conforme se transcreve, em síntese, da Informação prestada em sede de contencioso administrativo:

 

Nos termos do artigo 7.º da Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e o Reino dos Países Baixos, estão ao abrigo da Convenção os rendimentos obtidos por uma empresa no exercício da sua atividade comercial, onde se incluem as prestações de serviços. Ora, os pagamentos associados às faturas emitidas pela sociedade holandesa apenas poderiam aproveitar da Convenção no caso de constituírem rendimentos a tributar nessa sociedade, por ser ela a beneficiária dos rendimentos. A aplicabilidade da Convenção dependeria de que a pessoa residente fosse o beneficiário, isto é, o titular do direito ao rendimento. As convenções não são, pois, aplicáveis em função do domicílio ou residência de meros intermediários ou mandatários.

 

No caso em apreço, a sociedade holandesa não foi a beneficiária dos rendimentos, uma vez que estes pagamentos eram rendimentos da sociedade localizada nas Ilhas Virgens Britânicas, sendo esta, de facto, a beneficiária dos rendimentos. Assim, não poderia ter sido, em qualquer caso, acionada a convenção com o Reino Unido dos Países Baixos.

Tem-se, assim, um aproveitamento abusivo da convenção e de desagravamento fiscal nela previsto, porque uma entidade desportiva residente pretende adquirir direitos sobre um jogador a uma sociedade residente nas Ilhas Virgens Britânicas (offshores), introduzindo um terceiro interveniente, residente nesse outro Estado, a quem a entidade residente efetuou os pagamentos relativos à aquisição dos direitos. Diz a AT que, na realidade, a sociedade holandesa agiu apenas na qualidade de fiduciário da sociedade offshore, sendo remunerada enquanto tal, e não constituindo assim o beneficiário efetivo do rendimento pago pelo Recorrente.

Refere-se também que quer o treaty shopping como implicando a requalificação do beneficiário, quer o aproveitamento abusivo da convenção para evitar a dupla tributação através da participação de entidade sujeita a um regime fiscal privilegiado?, são esquemas de planeamento fiscal há muito identificados e reputados pela AF, na análise do risco, como abusivas. E que podem ser requalificados, objeto de correções ou determinar a instauração de procedimento legalmente previsto de aplicação de disposições anti-abuso, conforme previsto no Decreto-Lei n.º 29/2008, de 25 de Fevereiro.

E que no tocante às matérias do ónus de prova e sua repartição entre as partes e do poder/dever da AF na troca de informações com outros Estados, remetemos em pleno para o que atrás já se desenvolveu de modo exaustivo.

Assim, refere a mesma informação, que nos termos do n.º 7 da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC, considera-se obtido em território português o rendimento controvertido, sujeito a retenção na fonte a título definitivo em território português, à taxa de 15%, prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 80.º, atual alínea e) do n.º 4 do artigo 87.º.

 

Por fim, realça a AT que a Requerente deduz o presente pedido de pronúncia arbitral, reiterando tudo o que antes dissera, sem apresentar novos elementos.

 

A AT, em Resposta, mantém a posição assumida anteriormente em sede inspetiva e de contencioso administrativo, supra sintetizada, remetendo para o respetivo teor constante do Processo Administrativo junto aos autos.

 

Sublinhando que “ser beneficiário efetivo do rendimento pago é um dos pressupostos do regime de acesso à CDT, sem o qual o desagravamento fiscal aí contido deixa de ter qualquer sentido”.

 

Mais refere que a AF Holandesa informou a AT, com elementos de prova que incluem fluxos financeiros, que a D... não era beneficiária efetiva dos rendimentos pagos pela Requerente.

 

Finalmente, e não obstante inexistirem relações especiais entre a Requerente e a D..., resulta por demais comprovado nos autos que a Requerente não desconhecia que a D...não era a beneficiário do rendimento.

 

Quanto ao argumento da confidencialidade da informação trocada entre a D...e a Requerente, realça a Requerida que, ainda que se considere plausível, o que não parece ser, tal facto não invalida a restante prova reunida pela inspeção tributária.

 

E isto porque a AT entende que a situação em análise nos autos, como resulta de todo o exposto, não configura uma situação complexa, nem a correção efetuada carece de recorrer à cláusula geral anti-abuso do n.º 2 do art.º 38.º da LGT.

 

Pela simples razão, acrescenta a Requerida, “de que a existirem pagamentos efetuados por serviços prestados ao abrigo do contrato supra referido, esses pagamentos não serão os ora controvertidos, uma vez que os mesmos não tiveram como beneficiário efetivo a D..., nem existem quaisquer indícios de que esta tenha prestado serviços à Requerente, ao abrigo do aludido contrato, cuja ineficácia para efeitos tributários tão-pouco se discute”.

 

Termos em que, entende a Requerida que a correção em apreço deve manter-se na ordem jurídica, por consubstanciar uma correta aplicação do direito aos factos.

 

 

6.3. Rendimentos pagos a E… pela aquisição de 75% dos direitos económicos do jogador de futebol  P…

 

6.3.1. Posição da requerente

 

Está em causa uma correção de imposto no montante de € 497.500,00 correspondente à retenção na fonte sobre um pagamento efetuado ao agente E... (“E...”), residente para efeitos fiscais no Brasil, pela aquisição de 75% dos direitos económicos do atleta P....

 

A Requerente começa por se referir aos fundamentos utilizados pela AT para sustentar a correção impugnada.

 

Assim, segundo a AT[3],“os direitos desportivos emergentes da celebração de um contrato de trabalho desportivo não são mais do que os direitos de inscrição do jogador numa competição por parte da entidade empregadora desportiva, devidamente reconhecida pela entidade responsável na organização e supervisão do futebol profissional (v.g. Liga Portuguesa de Futebol Profissional no caso da A...)”.

 

Mais referindo a AT[4] que “ o n.º 3 do art.º 7.º dos Estatutos da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), dotada de utilidade pública desportiva, nos termos de Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de Abril, estabelece que o reconhecimento da qualidade de clube implica a sua inscrição na Associação da sua área geográfica e, no âmbito da competição profissional, na Liga Portuguesa de Futebol Profissional”.

 

E ainda que “é depois desta tramitação que o Clube se pode declarar detentor de direitos desportivos, uma vez que se encontra em vigor, na sua plenitude, um contrato de trabalho desportivo em obediência às exigências legais e regulamentares, podendo utilizar o jogador nas competições em que participa[5]”.

 

Assim, segundo a AT, como o jogador em causa se encontrava sem qualquer vínculo profissional a um clube, o montante pago a uma entidade terceira ou a um agente no âmbito da celebração de um novo contrato “mais não é do que a contrapartida que o jogador pode vir a exigir pela celebração de um novo contrato – vulgo prémio de assinatura – cedido por este a uma terceira entidade[6]”.

 

E a concluir diz a AT que se está perante “um rendimento que é pago para que se possam utilizar os serviços do jogador em território nacional[7] e, como tal, sujeito a IRC à taxa de 25%, de acordo com a alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º e o n.º 4 do artigo 87.º (n.º 4 do artigo 80.º, à data da verificação do facto tributário), ambos do Código do IRC.

 

A Requerente não concorda com a correção em causa, porquanto, segundo diz, a qualificação do rendimento feita pela AT assenta num pressuposto incorreto, por não atender à substância dos factos e por carecer de fundamentação legal.

 

A Requerente continua a apresentar os pressupostos da AT para proceder às correções. Assim:

 

  1. “Uma vez que o atleta P... se encontrava à data “livre”, o rendimento pago pela Requerente reveste a natureza de um “prémio de assinatura”, que foi cedido por este a uma terceira entidade;
  2. Estaríamos, assim, perante um rendimento pago pela Requerente a um terceiro pelo prémio de assinatura que seria exigível pelo atleta P... para efeitos de assinatura do contrato desportivo”
  3. O rendimento em causa seria, assim, derivado do exercício da atividade de desportista em território português, encontrando-se como tal sujeito a retenção na fonte”.

 

A Requerente refuta estas premissas, por não resultarem dos factos que objetivamente ocorreram nem dos elementos probatórios que sustentam os mesmos, para além de que, de acordo com o disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, encontram-se sujeitos a tributação os rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas.

 

E a Requerente defende que se trata de uma ficção, que não resulta da lei nem da realidade, quando a AT argumenta que pelo facto de o jogador se encontrar “livre”, o rendimento pago pela Requerente consubstancia um prémio de assinatura, enquadrável no preceito acima citado e, como tal, sujeito a retenção na fonte em Portugal.

 

Com efeito, continua a Requerente, como probatório para sustentar a sua conclusão de que o atleta P... se encontrava “livre” à data dos factos, a AT recorre a uma pesquisa efetuada a um site da especialidade (Gazeta Esportiva), de que junta, como anexo 96 ao Relatório de Inspeção, um excerto de uma notícia ali publicada, tendo concluído que o referido excerto possui idoneidade para sustentar a correção em causa.

 

No entanto, a Requerente contrapõe com os factos, referindo que o atleta P... “encontrava-se inicialmente vinculado ao Q…, tendo o E... adquirido àquela entidade os direitos do referido jogador e diligenciado junto da mesma o procedimento de libertação do Certificado Internacional de Transferência (como aliás é referido na citada notícia)”.

 

E a Requerente põe em destaque o que consta da referida notícia, segundo a qual a aquisição dos direitos do atleta foi efetuada por “um grupo de empresários representados por uma pessoa de São Paulo (E...).

 

Ora, refere a Requerente que “através do contrato celebrado entre si e E..., foi realizada a aquisição de 75% dos direitos desportivos e financeiros do jogador P..., pelo montante de € 1.990.000,00, pago numa única tranche”.

 

Assim, realça a Requerente que E..., fruto da sua capacidade negocial e financeira, apurou um ganho em resultado da aquisição dos direitos do atleta P... e venda parcial dos mesmos à Requerente, mantendo na sua esfera parte desses direitos.

 

Ou seja, “o rendimento obtido por E... decorre do investimento por este efetuado e das diligências realizadas em nome próprio, na defesa dos seus interesses, consistindo, precisamente, na diferença entre o custo de aquisição dos direitos do atleta e o seu valor de venda à Requerente, pelo que não estamos perante um rendimento obtido pelo atleta ou em conexão com a atividade deste enquanto desportista”.

 

A Requerente realça que “a natureza diversa dos rendimentos que poderão estar em causa numa operação desta natureza é evidenciada na Lei n.º 103/97, de 13 de Setembro, na redação conferida pela Lei n.º 56/2013, de 14 de Agosto, a qual estabelece o regime fiscal das sociedades desportivas”.

 

Com efeito, de acordo com o n.º 3 do art.º 3.º daquela lei, sendo os direitos de contratação registados como ativos intangíveis, o valor amortizável dos mesmos poderá incluir:

 

  • “as quantias pagas pela sociedade desportiva às entidades detentoras dos direitos económico-desportivos relativos ao jogador como contrapartida da transferência”;
  • “as importâncias pagas ao próprio jogador pelo facto de celebrar ou renovar contrato” e
  • “os montantes pagos pela sociedade desportiva a agentes ou mandatários, relativos a transferências de jogadores”.

 

Assim sendo, acrescenta a Requerente que apenas o eventual rendimento pago ao próprio jogador ou a um terceiro em sua representação é que assumiria a natureza de “prémio de assinatura”, o que, desde logo, na operação em análise “não só não possui qualquer aderência à realidade, como não se encontra devidamente sustentada”.

 

E mais refere a Requerente que não há norma de incidência que determine que, na ausência de direitos económicos e/ou desportivos, a importância auferida por terceiros de um clube que pretenda celebrar contrato de trabalho desportivo com o atleta se presume derivada da atividade exercida pelo próprio atleta, ou que constitui rendimento tributável na esfera desse mesmo atleta (pese embora este não aufira qualquer rendimento).

 

A Requerente realça que a AT se viu compelida a socorrer-se do entendimento vertido na Circular n.º 18/2011, de 19 de Maio, nos termos do qual “no caso de o jogador se encontrar livre, ou seja, sem contrato de trabalho desportivo em vigor, quando surge uma entidade não desportiva não residente a cobrar uma importância a um clube/SAD residente que pretende celebrar um contrato de trabalho desportivo com o jogador, estes direitos económicos não têm na sua origem direitos desportivos, uma vez que inexiste contrato de trabalho desportivo. Nestas condições, a celebração de um futuro contrato de trabalho desportivo subsume-se no direito equivalente ao prémio de assinatura que um jogador poderia exigir pela celebração do novo contrato[8]  

 

Ora, diz a Requerente, o que a AT faz é impor uma ficção que cria uma norma de incidência, pois como se reconhece no texto da Circular, encontrando-se o jogador livre não existem, de facto, direitos desportivos.

 

Segundo a Requerente, esta norma de incidência assim criada assenta numa presunção inilidível.

 

Diz também a Requerente que em momento algum a AT provou que “E... auferiu rendimento em nome e por conta do atleta em resultado da sua contratação pela Requerente”.

 

E a Requerente esclarece que “tendo o contrato sido realizado por E... que promoveu a ‘libertação’ do jogador do anterior clube onde se encontrava e tendo sido este a apurar um rendimento, a única forma de o atleta ter auferido algum rendimento no âmbito da operação em apreço seria a eventual celebração de um acordo prévio com o E..., no qual se previsse que este entregaria o rendimento auferido ao atleta”…” o qual, ainda que existisse, seria prévio à assinatura do contrato de trabalho desportivo com a Requerente (ou seja, num momento em que este ainda seria atleta do Q…), pelo que nunca poderia ser considerado como obtido em território português por falta de elemento de conexão”.

 

Donde, conclui a Requerente que “em face dos factos não estamos perante um prémio de assinatura, mas sim perante um ganho apurado pelo E..., em resultado de um investimento efetuado”.

 

Assim sendo, realça a Requerente que “ou os serviços da AT logravam demonstrar que foi criada uma estrutura meramente artificial com o objetivo específico de alcançar uma vantagem fiscal, ao abrigo da norma geral anti-abuso, cujo aplicação, recorde-se, depende da instauração de um procedimento específico que não foi adotado pelos serviços da Autoridade Tributária (cfr. n.º 2 do artigo 38.º da LGT e artigo 63.º do CPPT)

“…ou cingindo-se aos factos subjacentes à operação em causa, reconheceram que não foi apurado qualquer rendimento derivado da atividade de desportistas e que, como tal, não se verifica a existência de um evento tributável em território português”.

 

Ora, diz a Requerente, os serviços da AT “não demonstram a existência de tal estrutura artificial, nem aplicaram os mecanismos previstos na lei para o efeito, sendo assim, de todo inconcebível que sustentem a correção em apreço numa interpretação assumida como ‘ponto assente’ e que não reveste ‘força de lei’ pelo simples facto de a Autoridade Tributária entender que assim o é”.

 

E que, por isso, apesar de a Requerente se ter pautado em relação à Autoridade Tributária de uma forma cooperante, certo é que “o procedimento adotado pelos serviços da AT enferma, pois, de ilegalidade, porquanto é imposta uma ficção inilidível, sem qualquer assento na lei, que cria uma verdadeira norma de incidência, a qual, saliente-se, nem sequer era do conhecimento geral à data dos factos, dado que a publicação da Circular n.º 18/2011 apenas ocorreu em Maio de 2011”.

 

E a terminar, entende a Requerente “ter demonstrado que o rendimento em causa não constitui rendimento decorrente do exercício da atividade de desportistas em território português para efeitos do disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC”.  

 

E, por conseguinte, “considera a Requerente que o rendimento pago ao agente E... não é enquadrável na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC na medida em que não consubstancia um rendimento decorrente do exercício em território português da atividade de desportistas, mas sim um ganho apurado na esfera de uma entidade em virtude de aquisição, por parte da Requerente, de um ativo intangível”.

 

Pelo que requer que a correção em apreço, no montante de € 497.500,00 e respetivos juros compensatórios, seja anulada.

 

 

6.3.2. Posição da Requerida

 

Relativamente á matéria de facto com interesse para a causa, atento o alegado pelas partes e a prova documental produzida, maxime a constante do processo administrativo junto, considera a Requerida AT provado que a A... efetuou um pagamento, no valor de € 1.990.000,00, ao agente E..., residente no Brasil, em 19/11/2009, a título de “reference of the  sellinng of 75% (seven five percent) of the economic rights of the football player P...” (Folhas 166 do RI e anexo 95 do RI) e que esse pagamento não foi objeto de retenção na fonte à taxa de 25%, nos termos do disposto nas alíneas f) do n.º 1, b) do n.º 3 e 5 do artigo 88.º e n.º 4 do art.º 80.º, todos do Código do IRC.

 

A Requerida, na sua Resposta, começa por se reportar ao relatório de inspeção e à notificação feita à ora Requerente para que esclarecesse a transferência em causa, ou seja, para comprovar se o jogador se encontrava “livre” ou se veio transferido de outro clube para a A....

 

A Requerente informou que “para proceder à transferência do atleta para a A..., o E… (…) adquiriu os direitos do atleta P... ao Q…, tendo posteriormente vendido 75% desses direitos à A...”, tendo acrescentado que “…Para proceder à transferência do atleta para a A..., o E... obrigava-se a diligenciar junto do Q… pela libertação do Certificado Internacional de Transferência do atleta, pelo que o atleta tinha um contrato de trabalho desportivo com o q…”.

 

Nesse sentido a Requerente apresentou um documento (Cfr. anexo 97 do RI), onde o agente E... expressa que é “único e exclusivo titular do direito de dispor de todos os direitos desportivos e financeiros emergentes do contrato de trabalho” do jogador.

 

Além do mais, reforça a Requerida, quando notificada a Requerente para apresentar o contrato de transferência com um clube/SAD (Q…) o sujeito passivo declarou que “Atualmente, não temos qualquer elemento ou documento adicional referente à transferência do atleta P...…”

 

Segundo a AT e ora Requerida estes factos eram conhecidos no meio desportivo, tanto assim era que foi possível aos SIT identificar uma notícia, no site Gazeta Esportiva – site da especialidade, que dava conta que o atleta se encontrava “Livre” antes de assinar pelo A...,

 

Sendo que no referido negócio apenas interveio o empresário E..., o qual figurava como detentor destes direitos económicos à data da negociação efetuada com a A....

 

Assim, conclui a Requerida, nesta situação em que o atleta se encontra “livre”, não existirá um contrato de transferência entre clubes/SAD e o Certificado Internacional de transferência do jogador é requisitado através da Federação Portuguesa de Futebol que solicita à outra Federação envolvida ou então à FIFA, conforme está previsto no artigo 9.º do Regulamento relativo ao Estatuto e Transferência de Jogadores.

 

E mais refere a AT que encontrando-se o jogador “livre”, ou seja, sem direitos económicos pendentes de direitos desportivos em vigor, cumpre analisar qual a origem destes direitos, a fim de se avaliar a natureza dos rendimentos auferidos, para efeitos da sua sujeição a tributação.

 

Ora, nos termos da Lei n.º 28/98, de 26/6, os direitos desportivos emergentes da celebração de um contrato de trabalho desportivo, não são mais do que os direitos de inscrição do jogador numa competição por parte da entidade empregadora desportiva, devidamente reconhecida pela entidade responsável na organização e supervisão do futebol profissional (v.g. Liga Portuguesa de Futebol Profissional no caso da A...).

 

Por sua vez, o reconhecimento da qualidade de Clube implica a sua inscrição na Associação da sua área geográfica e, no âmbito da competição profissional na Liga Portuguesa de Futebol Profissional (cfr. n.º 3 do art.º 7.º dos Estatutos da Federação Portuguesa de Futebol Profissional).

 

Assim, conclui a AT, só deste modo é que um Clube se pode declarar detentor de direitos desportivos, uma vez que se encontra em vigor, na sua plenitude, em contrato de trabalho desportivo em obediência às exigências legais e regulamentares, podendo utilizar o jogador nas competições em que participa.

 

Pelo que, no seu entender, bem andaram os SIT ao concluir que “a existência de direitos desportivos só ocorre nos termos acima descritos, não sendo possível a outras entidades (v.g. empresas sem capacidade de disputar competições desportivas com uma equipa própria de jogadores) reclamarem a posse de direitos desportivos sobre jogadores. Logo, o agente E... não era detentor de direitos desportivos[9]”.

 

E que “não existindo direitos desportivos, pois o jogador não detinha em vigor um contrato de trabalho desportivo válido com uma entidade desportiva, também não se pode considerar que se constituam direitos económico/financeiros relativos a direitos desportivos, vulgo passe, detidos por uma entidade terceira não desportiva, uma vez que estes pressupõem a existência, como sempre, de um contrato de trabalho desportivo, logicamente, com uma entidade desportiva[10].

 

Deste modo, conclui a Requerida, estando o jogador “livre”, sem contrato de trabalho desportivo, a contrapartida exigida aquando da celebração do novo contrato trata-se do vulgarmente designado prémio de assinatura.

 

Continuando a sua argumentação, a Requerida acrescenta que deve considerar-se que o agente E... declarou ser “à presente data, único e exclusivo titular do direito de dispor de todos os direitos desportivos e financeiros emergentes do contrato de trabalho…” do jogador, todavia o seu direito circunscreve-se a uma remuneração pela celebração do novo contrato de trabalho desportivo, que decorre única e indiscutivelmente da celebração de um novo contrato, pelo jogador, donde deriva a sua utilização ao serviço do clube residente em território Português.

 

Assim sendo, diz a AT ora Requerida que pugna em sentido idêntico ao defendido em sede de relatório inspetivo e Reclamação Graciosa, ou seja, que se trata de “um rendimento que é pago para que se possam utilizar os serviços do jogador em território nacional”, e como tal considerado como rendimento obtido em Portugal por um não residente, sujeito a IRC, por força da norma de localização constante na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, uma vez que se trata de rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas.

 

Acrescentando que é indiscutível que a atividade em causa é a de desportista, e que o elemento de conexão está presente, desde logo porque o adquirente é um clube Português e a atividade desportiva será desenvolvida em território nacional.

 

E conclui que assim sendo, a tributação ocorre pelo mecanismo de retenção na fonte, com caráter definitivo, tal como preceituado na alínea f) do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, em virtude dos rendimentos serem auferidos por entidades não residentes em território português.

 

E, em abono desta posição, remete ainda para o n.º 2 do artigo 17.º da CDT entre Portugal e o Brasil, onde se refere que a tributação ocorre no Estado contratante em que são exercidas as atividades (Cfr. pag. 170 do RI).

 

E a Requerida invoca também o artigo 123.º do CIRC segundo o qual as transferências para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a IRC, obtidos em território nacional por entidades não residentes, não poderão ser efetuadas sem que se mostre pago ou assegurado o imposto que for devido.

 

Pelo que, entende a AT que a Requerente, aquando do pagamento do rendimento derivado do exercício em território português da atividade de desportistas a entidade não residente, no valor de € 1.990.000,00, estava obrigada a efetuar a retenção na fonte à taxa de 25%, que deveria ter sido entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram colocados à disposição esses rendimentos (cfr. n.º 6 do artigo 88.º do CIRC).

 

E a Requerida termina referindo que, pelo exposto, decaem na sua totalidade os argumentos esgrimidos pela Requerente, sendo a correção, inequivocamente, legal e legítima.

 

6.4. Pagamentos a “F…”, pela contrapartida da aquisição de direitos económicos e por serviços prestados relativos aos jogadores de futebol R… e S…

 

 

6.4.1. Posição da Requerente

 

A AT promoveu uma correção, no montante de € 87.500,00, correspondente à retenção na fonte sobre o pagamento efetuado pela Requerente a “F…” (“F…”), entidade residente para efeitos fiscais no Brasil, no montante de € 350.000,00, como contrapartida pela aquisição de direitos económicos e serviços prestados relativos aos jogadores R… e S… (vd ponto III.1.2.2.2 do relatório) (vd. contrato junto ao Relatório de Inspeção como Anexo n.º 98).

 

A Requerente realça que a AT teve o mesmo comportamento e invocou os mesmos fundamentos constantes da situação descrita no número anterior, relativa ao agente E..., defendendo que se tratou do pagamento de um “prémio de assinatura” e como tal sujeita a IRC em território nacional à taxa de 25%.

 

Porém, ao contrário daquele entendimento, diz a Requerente que o montante pago envolve, em simultâneo, a contrapartida pela cessão dos direitos económicos e pelos serviços prestados pela F..., sem que seja possível efetuar a respetiva segregação, porquanto o acordo celebrado abrange a transação como um todo.

 

Ora, o que a AT fez foi submeter à tributação todo o valor pago, à taxa de 25%, por considerar que o montante pago foi unicamente devido por direitos económicos transmitidos, apesar de saber que parte do montante pago respeita a prestação de serviços e que, mesmo sem considerar o formulário 21-RFI (que a requerente tinha devidamente preenchido e autenticado), a taxa a aplicar seria a de 15% e nunca a de 25%.

 

 

E a Requerente contrapõe, interrogando a AT sobre os critérios e fundamentos que a levaram a não considerar, por exemplo, a totalidade do preço pago como prestações de serviços ou até utilizando um método equitativo de distribuição, ou seja, considerando metade do valor pago por cada um dos serviços?

 

A Requerente entende que, pese embora a componente qualificada como prestação de serviços não seja determinável, haveria lugar à dispensa da obrigação de retenção na fonte, ao abrigo das disposições do ADT celebrado entre Portugal e o Brasil.

 

E que relativamente à componente relativa à aquisição dos direitos económicos dos jogadores em causa, a Requerente reproduz a argumentação respeitante ao pagamento ao agente E..., pela aquisição de parte dos direitos económicos do jogador P....

 

Pelo que requer que a correção em apreço, no montante de € 87.500,00 e respetivos juros compensatórios, seja anulada. 

 

6.4.2. Posição da Requerida

 

Segundo a Resposta da Requerida, quanto à matéria de facto com interesse para a causa, tendo em consideração o alegado pelas partes e a prova documental produzida, máxime a constante do processo administrativo ora junto, considera-se provado que a A... efetuou, em 20/10/2009, um pagamento no montante de € 350.000,00, à entidade F... LTDA-EPP, não residente e sem estabelecimento estável em Portugal, que não foi objeto de retenção na fonte, a título de aquisição de “diretos económicos” e serviços prestados relativos aos jogadores R… e S….

 

Na sua Resposta a ora Requerida começa por reafirmar a posição dos serviços de inspeção tributária dizendo que o referido pagamento, respeitando a rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas pago a entidades não residentes, deveria ter sido objeto de retenção na fonte à taxa de 25% e que o imposto de € 87.500,00 deveria ter sido entregue até 20 do mês seguinte, nos termos das alíneas f) do n.º 1, b) do n.º 3 e 5 do artigo 88.º e n.º 4 do art.º 80.º, todos dos CIRC.

Assim, continuando a desenvolver a sua tese, a Requerida informa que na ação de inspeção notificou o sujeito passivo e ora Requerente para comprovar o montante dos direitos económicos e o montante dos serviços, uma vez que nos contratos estavam mencionados rendimentos dos dois tipos, e para informar se os jogadores se encontravam “livres” ou se vieram transferidos de outro Clube para a A...[11].

 

A ora Requerente, em resposta à notificação, declarou que “a F…  era titular da totalidade dos direitos económicos decorrentes do vínculo desportivo que os atletas S… e R… viessem a outorgar e os identificados atletas se encontravam livres de qualquer compromisso” (cfr. acordos como anexo 98 do RI) e que “os atletas não assinaram um contrato de trabalho desportivo (…), mas um contrato de formação desportiva para vigorar até 30 de Junho de 2011, com a promessa de celebração de contrato de trabalho desportivo para vigorar nas épocas desportivas 2011/2012, 2012/2013 e 2013/2014”.

E esclareceu também que, relativamente aos acordos celebrados com a entidade F… “conforme resulta das cláusulas segundas dos Acordos, o preço estipulado foi a contrapartida da cessão da totalidade dos direitos económicos (…) e pela prestação dos serviços prestados que viabilizaram a celebração dos contratos”.

 

Quanto à discriminação de valores diz a Requerida que a Requerente se limitou “a reforçar o anteriormente alegado, que á semelhança do que se passa agora no requerimento de pronúncia arbitral, não identificou o valor de cada parte, e não demonstrou em que consistiam esses mesmos serviços, nem tão pouco logrou provar tal quantificação, apesar do ónus recair sobre si”.

 

Perante a posição da Requerente e conforme resulta do RI, a fls. 173 “Não tendo a A... valorizado os eventuais serviços prestados, e atendendo ao conteúdo dos acórdãos celebrados e à substância económica subjacente aos mesmos, a administração fiscal depreende que o valor destas operações emana dos direitos transmitidos e não de quaisquer serviços eventualmente prestados” como resulta do considerando n.º 4 dos acordos em que “A SEGUNDA CONTRAENTE pretende adquirir, e a PRIMEIRA CONTRAENTE pretende ceder, a totalidade dos direitos económicos decorrentes do vínculo desportivo celebrado com o atleta”.

 

Assim, refere a Requerida que “perante a falta de comprovação (da efetiva prestação de serviços) e necessária quantificação  (que não ocorreu em sede de procedimento inspetivo, nem agora na fase judicial) e considerando a leitura do acordado entre as partes, resulta claramente que a existirem, eventualmente, serviços prestados, estes seriam sempre residuais”.

 

 

Assim, continua a Requerida, na sequência do referido esclarecimento, dos elementos trazidos ao processo (inspetivo) pela ora Requerente, foi possível verificar que a aquisição dos direitos supra ocorreu num contexto em que os jogadores se encontravam “livres” sem contrato de trabalho desportivo em vigor com outra entidade desportiva, aquando da sua contratação pela A....

 

Mais refere a Requerida que, em abono do explanado, se deve ter em conta o considerando n.º 5 constante dos acordos celebrados – anexo 98 ao RI – onde se lê que “A SEGUNDA CONTRAENTE está interessada na referida aquisição na condição de o (…) atleta se encontrar livre de qualquer contrato ou compromisso, podendo, assim, vincular-se desportivamente desde já à  A... sem que lhe possa ser exigida qualquer contrapartida financeira por parte de qualquer Clube[12].

 

E a Requerida continua a realçar que perante este estado dos atletas contratados, “livres”, cabe-lhe analisar como ocorreu a origem destes direitos, a fim de se aferir a natureza dos rendimentos auferidos, para efeitos da sua sujeição a tributação.

 

Ora, tal como a Requerida explanou supra quanto à Utilização Desportista do atleta P..., nas situações em que um atleta se encontra “livre” não existirá um contrato de transferência entre clubes.

 

E que, assim sendo, encontrando-se o jogador “livre”, ou seja, sem direitos económicos pendentes de direitos desportivos em vigor, e perante a ausência de contrato de transferência entre clubes, o Certificado Internacional de transferência do jogador é requisitado através da Federação Portuguesa de Futebol, que solicita à outra Federação envolvida ou à FIFA, conforme está previsto no artigo 9.º do Regulamento relativo ao Estatuto e Transferências de Jogadores.

 

Por outro lado, acrescenta a Requerida, para efeitos da sua sujeição a tributação, há que considerar que nos termos da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, os direitos desportivos emergentes da celebração de um contrato de trabalho desportivo celebrado, não são mais do que os direitos de inscrição do jogador numa competição por parte da entidade empregadora desportiva, devidamente reconhecida pela entidade responsável na organização e supervisão do futebol profissional (v.g. Liga Portuguesa de Futebol Profissional no caso da A...).

 

E mais refere que o reconhecimento da qualidade de Clube implica a sua inscrição na Associação da sua área geográfica e, no âmbito da competição profissional, na Liga Portuguesa de Futebol Profissional (cfr. n.º 3 do art.º 7.º dos Estatutos da Federação Portuguesa de Futebol Profissional).

 

E continua a argumentar a Requerida que só assim é que um Clube se pode declarar detentor de direitos desportivos, uma vez que se encontra em vigor, na sua plenitude, um contrato de trabalho desportivo em obediência às exigências legais e regulamentares, podendo utilizar o jogador nas competições em que participa.

 

E conclui que, pelo exposto, é evidente que um Clube, legalmente reconhecido como tal e depois da tramitação do seu processo antes descrita, pode utilizar o jogador nas competições em que participa.

 

Pelo que, realça a Requerida, a existência de direitos desportivos só ocorre nos termos acima descritos (e à semelhança da fundamentação vertida no R.I.), não sendo possível a outras entidades (v.g. empresas sem capacidade de disputar competições desportivas com uma equipa própria de jogadores) reclamarem a posse de direitos desportivos sobre jogadores.

 

Donde conclui a Requerida que bem andaram os SIT ao considerar que a entidade F… não era detentora de direitos desportivos, porquanto os jogadores não detinham em vigor um contrato de trabalho desportivo válido com uma entidade desportiva.

 

E, do mesmo modo, também não se pode considerar, refere também a Requerida, que constituam direitos económicos relativos a direitos desportivos, vulgo passe, detidos por uma entidade terceira não desportiva.

 

Razão pela qual, conclui a Requerida, a contrapartida arrecadada pela entidade terceira não desportiva, ou mesmo agente da FIFA, tratar-se-á do vulgarmente designado prémio de assinatura, aquando da celebração do novo contrato de trabalho desportivo.

 

Posto isto e face ao antes referido, para a Requerida “é evidente que está presente o elemento de conexão com o território nacional, derivado da sua utilização ao serviço do clube residente em território português”.

 

Assim sendo, tal como vem afirmado no RI, “trata-se de rendimentos que são pagos para que se possam utilizar os serviços dos jogadores em território nacional, e como tal, considerado como rendimentos obtidos em Portugal  por um não residente sujeito a IRC, por força da norma de localização constante da alínea d) do n.º 3 do art.º 4.º do Código do IRC, uma vez que se trata de rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas”.

Devendo assim ocorrer a tributação através do mecanismo de retenção na fonte, com caráter definitivo, tal como preceituado na alínea f) do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, em virtude dos rendimentos serem auferidos por entidades não residentes em território português, sendo que a taxa aplicável é de 25%, por se tratar de rendimentos da atividade de desportistas (cfr. alínea b) dos números 3 e 5 do artigo 88.º e n.º 4 do art.º 80.º, ambos do CIRC).

 

E em abono desta posição, a Requerida invoca a CDT celebrada entre Portugal e o Brasil, que estatui no n.º 2 do artigo 17.º que “…os rendimentos da actividade exercida pessoalmente pelos (…) desportistas, nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas essas atividades”.

 

E realça que em sentido idêntico vão os Comentários ao referido n.º 2 do artigo 17.º do Modelo de Convenção da OCDE em matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Património[13], concluindo-se que o Estado onde são exercidas as atividades de desportista, fica autorizado a tributar os rendimentos obtidos dessas atividades e atribuídos a uma outra pessoa, independentemente das outras disposições da Convenção.

 

E mais refere que em consonância com o anteriormente referido, que os Comentários da Convenção Modelo preconizam que os rendimentos derivados da atividade de artista ou desportista exercidos num Estado, independentemente desse rendimento reverter para o artista ou desportista ou para outra pessoa, podem ser tributados, sem qualquer limitação, por esse Estado de origem dos rendimentos.

 

Face a todo o referido, a Requerida conclui que o Estado da fonte dos rendimentos fica habilitado a exercer os seus direitos de tributação sobre as importâncias atribuídas a entidades interpostas entre a entidade desportista e o Clube/SAD, pagador dos rendimentos.

 

Assim, realça a Requerida, que estando prevista a sua tributação em território português, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, mesmo com a apresentação do formulário modelo RFI, devidamente preenchido e certificado pelas autoridades fiscais brasileiras, os rendimentos em causa não ficam dispensados da tributação em sede de IRC e, consequentemente, da retenção na fonte a título definitivo.

 

Para além de que, reforça a Requerida, nos termos do artigo 123.º do CIRC, as transferências para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a IRC, obtidos em território nacional por entidades não residentes, não poderá ser efetuada sem que se mostre pago ou assegurado o imposto que for devido.

 

E conclui a Requerida que, face ao exposto, bem andaram os SI ao concluir que a ora Requerente deveria “aquando do pagamento ou da colocação à disposição, dos rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas, a entidades não residentes, no total de € 350.000,00, ter efetuado a retenção na fonte à taxa de 25%, que deveria ter sido entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram colocados à disposição esses rendimentos (cfr. n.º 6 do artigo 88.º do CIRC)”[14]

 

Pelo que, “decaindo assim os argumentos expendidos pela ora Requerente, resultando legal, legítima e exigível a correção efetuada no valor de € 87.500,00 (€ 350.000,00 X 25%)”.

 

 

6.5. Pagamento de rendimentos a entidades não residentes como contrapartida pela aquisição de direitos de imagem de jogadores de futebol

 

6.5.1. Direitos de imagem do atleta G...

 

6.5.1. 1. Posição da Requerente

 

A AT promoveu uma correção, no montante de € 31.250,00, correspondente à retenção na fonte obre o pagamento efetuado à T...B.V. (“T…”), entidade residente para efeitos fiscais na Holanda, no montante de € 125.000,00, pela cessão dos direitos de imagem do jogador G... (“G…”) (vd. ponto III.1.2.2.3 do relatório de inspeção).

 

Diz a Requerente que a AT fundamenta a correção “no entendimento segundo o qual os direitos de imagem dos jogadores constituem uma realidade direta e indissociável da sua atividade enquanto desportistas”...concluindo que “…os rendimentos auferidos pela cedência dos direitos de imagem destes jogadores, configuram, afinal, rendimentos derivados do exercício em território português da sua atividade enquanto desportistas, os quais, se encontram sujeitos a IRC, face à disposição prevista na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC”.[15]

 

A Requerente discorda da AT, mais uma vez porque a correção assenta numa ficção que não tem base legal.

 

Com efeito, acrescenta, a posição da AT assenta na alegada indissociabilidade entre o direito de imagem de um atleta e o exercício da atividade desportiva, entendimento baseado no facto do acordo celebrado entre a Requerente e a T… ter a mesma duração do contrato de trabalho desportivo – o que carece de fundamentação.

 

Com efeito, diz a Requerente que “o direito de imagem consubstancia um direito de personalidade, que, para além de constituir um direito fundamental com proteção ao nível da Constituição da República Portuguesa, encontra igualmente previsão no artigo 79.º do Código Civil, estando protegida a sua utilização abusiva no artigo 483.º do mesmo diploma”.

 

E que, enquanto direito de personalidade, “o direito de imagem assume as caraterísticas geralmente apontadas aos direitos desta natureza, nomeadamente a sua indisponibilidade e a intransmissibilidade”.

 

E mais refere a Requerente que “no que respeita à indisponibilidade, esta implica que não seja reconhecida ao sujeito ativo de um direito de personalidade a faculdade de renúncia ou de disposição a favor de outrem da capacidade de gozo de tais direitos” e no que respeita aos “ direitos de personalidade não podem ser cedidos, alienados ou onerados a favor de outrem, dada a inseparabilidade do sujeito que os detém, pelo que qualquer negócio jurídico que assim o dispusesse seria contrário à ordem pública (neste sentido, vide artigo 280.º do Código Civil)”.

 

Porém, também esclarece a Requerente, há algumas situações em que é possível estabelecer limitações aos princípios acima referidos, como é o caso do n.º 2 do art.º 79.º, em que não é necessário consentimento da pessoa retratada quando assim o justifique a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada em locais públicos ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.

 

Neste contexto, acrescenta, dispõe o n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho (a qual estabelece o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva), ao referir que “todo o praticante desportivo profissional tem direito a utilizar a sua imagem pública ligada à prática desportiva e a opor-se a que outrem a use ilicitamente para exploração comercial ou para outros fins económicos”.

 

E que também no n.º 2 do mesmo preceito se ressalva “o direito de imagem do coletivo dos praticantes, o qual poderá ser objeto de regulamentação em sede de contratação coletiva”.

 

Mais refere a Requerente que as referidas disposições normativas se encontram vertidas no Contrato de Trabalho Coletivo estabelecido entre o Sindicato dos jogadores Profissionais de futebol e a Liga de Futebol Profissional, cujo n.º 2 do artigo 38.º dispõe que “o direito ao uso e exploração da imagem do jogador compete ao próprio no plano meramente individual, podendo este ceder esse direito ao clube ao serviço do qual se encontra durante a vigência do respetivo contrato”.

 

Ainda segundo a Requerente “a gestão do direito à imagem pode passar pela sua exploração comercial, sendo um dos meios mais utilizados o contrato de patrocínio, de prestação de serviços publicitários, como forma de publicitar produtos e serviços, aproveitando-se a notoriedade de pessoas para promover bens, atividades ou serviços, para atingir com maior abrangência e mais rapidamente o universo de potenciais consumidores”.

 

E, assim sendo, “tratando-se de um direito de personalidade, o direito à imagem apenas pode ser cedido (com limitações) pelo próprio titular, cabendo-lhe igualmente o direito de gerir, nada impedindo que o jogador consinta que uma entidade terceira proceda à exploração comercial do seu direito de imagem, não implicando este acordo a alienação ou cedência dos direitos por impossibilidade do objeto negocial”.

 

A Requerente continua a clarificar a qualificação destes direitos, acrescentando que “por outro lado, em face das normas citadas, a cedência da exploração do direito de imagem surge como uma possibilidade e não como uma inevitabilidade em resultado da celebração de um contrato desportivo”.

 

Acrescentando que “o jogador G…, no pleno uso do seu direito de imagem, cedeu a exploração do mesmo à T...”.

 

Assim, diz a Requerente que “de um ponto de vista dos usos comerciais, tem um interesse legítimo na gestão do direito de imagem de um atleta com o qual celebre um contrato de trabalho e pelo período de duração do mesmo”.

 

Mas que, deste modo, “não se verifica a existência de um nexo de causalidade imediato e inevitável entre a celebração de um contrato de trabalho desportivo e a gestão do direito de imagem do atleta em causa, podendo este, opcionalmente, ceder a exploração comercial dos seus direitos de imagem a terceiros”.

 

E que, continua a Requerente, “opcionalmente também, a entidade com a qual é celebrado o contrato de trabalho pode adquirir tal direito (como o fez a Requerente)”.

 

E que “a exploração do direito de imagem de um atleta não é, portanto, indissociável do contrato de trabalho desportivo(…) “sendo a atividade desportiva dos profissionais de futebol exercida pela sua intervenção nas competições de futebol profissional em que participa a entidade empregadora, com a qual celebraram um contrato de trabalho desportivo, sendo remunerados para o efeito de acordo com as cláusulas dos contratos de trabalho e no qual não foram cedidos os direitos de imagem”

 

E a Requerente remete para os Comentários ao artigo 17.º da Convenção Modelo, segundo os quais “além dos direitos obtidos a título das manifestações em que participam diretamente, os artistas e desportista auferem muitas vezes rendimentos sob a forma de royalties, direitos publicitários ou de patrocínio. Em regra, são aplicáveis outros artigos sempre que não exista uma relação directa entre os rendimentos e um espectáculo público dado pelo artista ou pelo desportista no país em causa[16] (…). Os rendimentos do mesmo tipo que não podem ser imputados a essas manifestações ou espetáculos relevam das regras normais do Artigo 7.º ou do Artigo 15.º, consoante o caso”.

 

Donde, refere a Requerente, “não pode a AT partir simplesmente do pressuposto de que, como regra geral, os direitos de imagem são “intrinsecamente” derivados da atividade de desportistas, sem determinar tal conexão direta no caso concreto, até porque, a verificar-se tal conexão, verificar-se-ia então a incidência de IRC.”

 

Ora, realça a Requerente que a AT firmou o seu entendimento com base na circular 17/2011, de 19 de Maio, criando à semelhança do descrito relativamente à circular 18/2011 uma presunção inilidível que não encontra previsão legal.

 

 Assim sendo, a Requerente entende que o rendimento em causa não é enquadrável na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC, na medida em que o mesmo não resulta direta e indissociavelmente do exercício da atividade desportiva do jogador G…, pelo que solicita a correção em apreço, no montante de € 31.250,00 e respetivos juros compensatórios não seja mantida.

 

6.5.1.2. Resposta da Requerida

 

Relativamente a este ponto e à matéria de facto com interesse para a boa resolução da causa, atendo ainda o alegado pelas partes e a prova documental produzida, máxime a constante do processo administrativo, a Requerida considerada provado que a Requerente A... efetuou em 10/12/2009, um pagamento (…) no montante de € 125.000,00, à entidade T... B.V., entidade com residência fiscal declarada na Holanda, sem estabelecimento estável em Portugal, que não foi objeto de retenção na fonte, respeitante à cessão dos direitos de imagem do jogador G....

 

Refere a Requerida que este pagamento foi efetuado no âmbito de um “Agreement” de utilização do direito de imagem do atleta G…, celebrado entre a A... e a T... B.V (vide anexo 72 ao R.I.), com a duração de 3 anos, acompanhando o período de vigência do contrato de trabalho desportivo (vide anexo 73), sem que tenha sido objeto de retenção na fonte.

 

A Requerida na sua Resposta confirma a posição dos SIT que, com fundamento legal na alínea f) do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, por estarem em causa rendimentos referidos na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, obtidos por não residentes em território português, deveriam os mesmos ser sujeitos a retenção à taxa de 25%, aquando do respetivo pagamento.

 

Concordando assim com o apuramento do imposto em falta no montante global de € 31.250,00 (€ 125.000,00 X 25%), a título de retenção na fonte, acrescidos de juros compensatórios.

 

 

6.5.2. Direitos de imagem do atleta H...

 

 

6.5.2.1. Posição da Requerente

 

Refere a Requerente que, conforme ponto III.1.2.2.4 do relatório de Inspeção, a AT promoveu uma correção, no montante de € 80.140,00, correspondente à retenção na fonte alegadamente devida sobre o pagamento efetuado pela Requerente à U… Limited, entidade residente para efeitos fiscais na Irlanda, no montante de € 320.560,00, pela cessão dos direitos de imagem do jogador H....

 

Uma vez a argumentação aduzida pela Autoridade Tributária para sustentar a correção em apreço é idêntica à argumentação relativa à correção da aquisição dos direitos de imagem do jogador G…, a Requerente reproduz na íntegra o entendimento exposto supra a propósito da mesma, solicitando também que a correção em apreço, no montante de € 80.140,00 e respetivos juros compensatórios, não seja mantida.

 

6.5.2.2. Resposta da Requerida

 

A Requerida dá por provado que o sujeito passivo e ora Requerente A... efetuou em 2009 (17/3/2009, 17/6/2009, 9/9/2009 e 1/12/2009), quatro pagamentos no montante total de € 320.560,00, à entidade U… Limited, entidade com residência declarada na Irlanda, sem estabelecimento estável em Portugal, que não foi objeto de retenção na fonte, respeitante à cessação dos direitos de imagem do jogador H....

 

Refere a Requerida que o pagamento foi efetuado no âmbito de um “Agreement” de utilização do direito de imagem do atleta H..., celebrado entre a A... e a U… Limited (vide anexo 71 ao R.I.) e que o mesmo pagamento não foi objeto de retenção na fonte.

 

Assim, confirma a posição dos SIT segundo os quais e com fundamento legal na alínea f) do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, que por estarem em causa rendimentos referidos na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, obtidos por não residentes em território português, deveriam ter sido sujeitos a retenção à taxa de 25%, aquando do respetivo pagamento.

 

Donde resultou o apuramento do imposto em falta no montante global de € 80.140,00,00 (€ 320.560,00 X 25%), a título de retenção na fonte, acrescidos de juros compensatórios.

 

 

6.5.3. Direitos de imagem do atleta I…

 

6.5.3.1. Posição da Requerente

 

Refere a Requerente que, conforme ponto III.1.2.2.5 do relatório de inspeção, a AT promoveu uma correção, no montante de € 161.290,25, correspondente à retenção na fonte alegadamente devida sobre o pagamento efetuado pela Requerente à V… B.V., entidade residente para efeitos fiscais na Holanda, no montante de € 645.161,00, pela cessão dos direitos de imagem do jogador I….

 

Uma vez a argumentação aduzida pela Autoridade Tributária para sustentar a correção em apreço é idêntica à argumentação relativa à correção da aquisição dos direitos de imagem do jogador G…, a Requerente reproduz na íntegra o entendimento exposto supra a propósito da mesma, solicitando também que a correção em apreço, no montante de € 161.290,25, e respetivos juros compensatórios, não seja mantida.

 

6.5.3.2. Posição da Requerida

 

A Requerida dó por provado que o sujeito passivo e ora Requerente A... efetuou em 11/11/2009 um pagamento no montante total de € 645.161,00, à entidade V… B.V, entidade com residência declarada na Holanda, sem estabelecimento estável em Portugal, que não foi objeto de retenção na fonte, respeitante à cessação dos direitos de imagem do jogador I….

 

Refere a Requerida que o pagamento foi efetuado no âmbito de um “Agreement” de utilização do direito de imagem do atleta I…, celebrado entre a A... e a V…B.V, (vide anexo 74 ao R.I.), com a duração de 4 anos, acompanhando o período de vigência do contrato de trabalho desportivo, e que o mesmo pagamento não foi objeto de retenção na fonte.

 

A Requerida informa que os SIT já tinham concluído, com fundamento na alínea f) do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC que, por estarem em causa rendimentos referidos na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, obtidos por não residentes em território português, se encontravam os mesmos sujeitos a retenção à taxa de 25%, aquando do respetivo pagamento.

 

Donde resultou o apuramento do imposto em falta no montante global de € 161.290,25,00 (€ 645.290,25 X 25%), a título de retenção na fonte, acrescidos de juros compensatórios.

 

A Requerente, por discordar do entendimento dos serviços da AT, deduziu Reclamação Graciosa em 26/7/2012, com idênticos fundamentos aos do ora pedido de pronúncia arbitral, advogando que os rendimentos em causa não são enquadráveis na alínea d) do n.º 3 do art.º 4.º do CIRC, na medida em que não resultam do exercício da atividade desportiva desses jogadores.

 

No que concerne a estas correções, diz a Requerida o seguinte:

 

Contrariamente ao pugnado pela Requerente, entende a Requerida que nas situações em que um jogador de futebol cede a uma terceira entidade não desportiva os benefícios da utilização do seu direito de imagem e esta, por sua vez, efetua a cedência de exploração desses direitos ao Clube/SAD com quem o jogador celebrou um contrato de trabalho, que o objeto do contrato de cedência se encontra interligado e se reconduz aos seus direitos inerentes ao contrato que celebrou enquanto futebolista, donde deriva a sua imagem.

 

E tanto assim é, continua a Requerida, que a duração do contrato de cedência de direitos de imagem segue a do contrato de trabalho desportivo e que no caso de ocorrerem novas transferências, os direitos de imagem acompanham o novo contrato de trabalho desportivo.

 

E isto porque, esclarece a Requerida, existe uma conexão, inequívoca, entre a atividade desempenhada pelos jogadores e a potencial exploração dos seus direitos de imagem, uma vez que quando o Clube/SAD adquire os direitos de imagem dos jogadores do seu plantel, fá-lo enquanto direitos associados aos desportistas que contrata e à imagem, intrinsecamente, derivada da sua atividade de desportistas.

 

E que o Club/SAD só adquire estes direitos de imagem enquanto os jogadores se mantêm ao seu serviço e a praticar uma atividade de desportista.

 

E mais refere a Requerida que, posto isto, da esfera da terceira entidade, que neste caso é um não residente, são transferidos os rendimentos que derivam da imagem que estes atletas detêm, enquanto jogadores que desempenham (ou vão desempenhar) a atividade profissional de desportistas em território português.

 

E que, assim, se verifica que o elemento de conexão com o território nacional reside no facto de os rendimentos ora em causa derivarem do exercício em território português da sua atividade enquanto desportistas.

 

Pelo que, refere a Requerida, dada a sua conexão direta e indissociável com o exercício da atividade desportiva, os rendimentos auferidos pela cedência dos direitos de imagem destes jogadores, configuram rendimentos derivados do exercício em território português da sua atividade enquanto desportistas, os quais se encontram sujeitos a IRC, face à disposição prevista na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC.

 

Mais refere a Requerida que quanto à disciplina normativa, o n.º 1 do artigo 88.º do CIRC estabelece que os rendimentos referidos na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º, obtidos por não residentes em território português, quando o devedor dos mesmos seja sujeito passivo de IRC, são objeto de retenção na fonte,

 

E que, por sua vez, na alínea d) do n.º 3 do art.º 4.º do CIRC se consideram obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável e os que não se encontrando nessas condições, são derivados do exercício em território português da atividade de desportistas.

 

E o que se verifica nos presentes autos, diz a Requerida, é que o devedor dos rendimentos em causa é sujeito passivo de IRC e os rendimentos descritos foram obtidos por não residentes, a T..., a U…,

 

Pelo que, diz, se encontram, assim, sujeitos a retenção na fonte, com caráter definitivo, nos termos do disposto na alínea f) do n.º 1 do art.º 88.º do CIRC, pelo que será de aplicar a taxa de retenção de 25%, quando os rendimentos em causa foram derivados do exercício em território português da atividade de desportistas (cfr. alínea b) do n.º 3 e n.º 5 do artigo 88.º, e n.º 4 do artigo 80.º, ambos do CIRC.

 

E mais realça que, à semelhança do que se verificou nas correções antes referidas e também conforme se lê no RI: “no decurso da acção inspectiva, foi possível apurar que não foi dado cumprimento à obrigação de efectuar a retenção na fonte, prevista nos artigos 80.º e 88.º do CIRC. A falta de retenção na fonte foi justificada pelo sujeito passivo com base na existência de uma convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matérias de impostos sobre o rendimento e o capital, doravante CDT, com o país de residência da entidade beneficiária dos rendimentos, tendo apresentado para o efeito o Modelo RFI”.

 

Ora, refere a Requerida, que não obstante a CDT celebrada entre Portugal e o Reino Unido dos Países Baixos (no caso do atleta G… e I…), que estatui no n.º 2 do artigo 17.º, relativamente à tributação dos artistas e desportistas, que “…os rendimentos da actividade exercida pessoalmente pelos (…) desportistas, nessa qualidade, atribuídos a outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que exercidas essas actividades”.

 

E que no respeitante ao atleta H..., a CDT celebrada entre Portugal e a Irlanda estatui no n.º 2 do artigo 17.º, relativamente à tributação dos artistas e desportistas, que “…os rendimentos da actividade exercida pessoalmente pelos (…) desportistas, nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas essas actividades”.

 

E em reforço desta tese, a Requerida remete para os Comentários ao n.º 2 do artigo 17.º do Modelo de Convenção da OCDE, em matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Património, conclui-se que o Estado onde são exercidas as atividades de desportista, fica autorizado a tributar os rendimentos obtidos dessas atividades e atribuídos a uma outra pessoa, independentemente das outras disposições da Convenção.

 

E a Requerida remete, na sequência do que é referido no ponto anterior, para o que se encontra vertido nos Comentários da Convenção Modelo, onde se preconiza que os rendimentos derivados da atividade de artista ou desportista exercidos num Estado, independentemente desse rendimento reverter para o artista ou desportista ou para outra pessoa, podem ser tributados, sem qualquer limitação, por esse Estado de origem dos rendimentos.

 

Pelo que, conclui a Requerida, relativamente a esses rendimentos derivados da atividade de desportista, mesmo existindo uma CDT celebrada com o país de residência da entidade não residente beneficiária, o Estado da fonte dos rendimentos fica habilitado a exercer os seus direitos de tributação sobre as importâncias atribuídas a entidades interpostas entre a entidade desportista e o Clube/SAD pagadora dos rendimentos.

 

A Requerida continua a referir na sua Resposta que estando prevista a sua tributação em território português, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, mesmo com a apresentação do formulário modelo RFI, devidamente preenchido e certificado pelas autoridades fiscais brasileiras, os rendimentos em causa não ficam dispensados da tributação em sede de IRC e, consequentemente, da retenção na fonte a título definitivo.

 

E para além disso, nos termos do artigo 123.º do CIRC, as transferências para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a IRC, obtidos em território nacional por entidades não residentes, não poderá ser efetuada sem que se mostre pago ou assegurado o imposto que for devido.

 

E a Requerida conclui que, face ao exposto, bem andaram os SI ao concluir que a ora Requerente deveria “aquando do pagamento ou da colocação à disposição do rendimento derivado do exercício em território português da atividade de desportistas, a entidade não residente, ter efetuado a retenção na fonte à taxa de 25%, que deveria ter sido entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram colocados à disposição esses rendimentos (cfr. n.º 6 do artigo 88.º do CIRC)”.

 

A terminar a Requerida ressalta que, nesta vertente, terão de soçobrar os argumentos esgrimidos pela Requerente, sendo legais, legítimas e exigíveis as correções aritméticas, respetivamente no valor de € 31.250,00, € 80.140,00 e € 161.290,25.

 

 

6.6. Rendimentos derivados do jogo de futebol com o K...

 

6.6.1. Posição da Requerente

 

Refere a Requerente que, conforme ponto III.1.2.2.6 do relatório de inspeção, a AT promoveu uma correção, no montante de € 100.00,00, correspondente à retenção na fonte alegadamente devida sobre o pagamento efetuado pela Requerente ao K... (“K…”), entidade residente para efeitos fiscais na Itália, no montante de € 400.000,00, pela realização de um jogo de futebol amigável disputado em território nacional entre as equipas da A... e do K….

 

A posição da AT, segundo a Requerente, é a de que o pagamento “decorre da atividade praticada pelo clube desportivo”, pelo que “dada a sua conexão direta e indissociável com o exercício da atividade desportiva da equipa titular do direito[17]” será enquadrável na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC, encontrando-se como tal sujeito a retenção na fonte em território português, à taxa de 25%.

 

A Requerente não concorda com entendimento da AT e remete para o que dispõe a alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC que inclui “os rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de profissionais de espetáculos ou desportistas[18]”.

 

Assim, continua a Requerente, a intenção do legislador não foi a de sujeitar a tributação em Portugal os rendimentos derivados do exercício da atividade desportista, mas tão-só os rendimentos derivados da atividade exercida pessoalmente pelos desportistas, nessa qualidade.

 

E que, de facto, a atividade praticada pela sociedade anónima desportiva é uma atividade desenvolvida, não de forma individual, mas coletiva, em equipa, e que os profissionais que constituem a equipa estão subordinados à orientação e supervisão da sociedade anónima desportiva, sendo trabalhadores por conta de outrem e remunerados como tal.

 

Por conseguinte, realça a Requerente, o seu rendimento não tem qualquer conexão direta e indissociável com o exercício, em território português, da atividade de desportista, na aceção da alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC, advindo antes do facto de terem celebrado contratos de trabalho desportivo com a sociedade anónima desportiva de cujo coletivo fazem parte integrante.

 

Assim, tendo o jogo em causa sido realizado entre a equipa do A... e o K... e não entre quaisquer individualidades, o titular do direito foram ambas as equipas.

 

E realça a Requerente que “na lógica da AT se pelo facto de a equipa do K...realizar um jogo em Portugal seria devida retenção sobre o rendimento auferido, então, por absurdo, caso a equipa do A... realizasse um jogo fora de Portugal, parte do rendimento auferido não seria objeto de tributação em território português”.

 

E remete para o n.º 2 do art.º 17.º do ADT entre Portugal e a Itália, também citado pela AT para sustentar a correção em causa, segundo o qual “os rendimentos da atividade exercida pessoalmente pelos (…) desportistas, nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas essas atividades”.

 

Assim, diz a requerente, o artigo em causa não terá aplicação ao caso concreto uma vez que o jogo em apreço foi realizado entre duas sociedades anónimas desportivas e não entre quaisquer jogadores em específico.

 

Mais realça a Requerente que quer o K...quer o A... são sociedades anónimas desportivas que têm como objeto a obtenção do lucro através da participação em competições profissionais de futebol, da promoção e organização de espetáculos desportivos, exercendo ambos uma atividade empresarial que transcende o mero “clube” de futebol.

 

Ora, de acordo com os Comentários da Convenção Modelo sobre o preceito em causa, este será aplicável aos “rendimentos obtidos por uma sociedade de promoção de artistas ou desportistas”, ou quando uma sociedade de gestão aufere rendimentos pela vinda de um grupo de desportistas (destituído de personalidade jurídica) ou, ainda, quando os rendimentos são auferidos pela equipa e não por cada jogador individualmente.

 

Deste modo, os rendimentos pagos ao K... não serão enquadráveis no n.º 2 do artigo 17.º do ADT celebrado entre Portugal e Itália, porquanto foram auferidos por uma sociedade anónima desportiva, assumindo a natureza de lucros desta.

 

E, deste modo, o rendimento em causa deverá ser enquadramento no artigo 7.º do ADT celebrado entre Portugal e Itália, encontrando-se apenas sujeito a tributação em Itália.

 

Pelo que, entende a Requerente que a correção em apreço, no montante de € 100.000,00 e respetivos juros compensatórios não é devida.  

 

6.6.2. Resposta da Requerida

 

O sujeito passivo A... e ora Requerente efetuou em 31/7/2009 um pagamento no montante de € 400.000,00, à entidade K... não residente sem estabelecimento estável em Portugal, que não foi objeto de retenção, respeitante à realização de um jogo amigável de futebol disputado em território nacional entre as equipas do A... e do K….

 

A Requerida começa por invocar a posição dos SIT que, com fundamento na alínea f) do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC e por estarem em causa rendimentos referidos na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC obtidos por entidades não residentes em território português, concluíram que os mesmos se encontram sujeitos a retenção na fonte, à taxa de 25%, tendo apurado imposto em falta no montante de € 100.000,00 (€ 400.000,00 X 25%).

 

Por seu lado, a Requerente tinha deduzido Reclamação Graciosa em 26/7/2012, com idênticos fundamentos aos do ora pedido de pronúncia arbitral, onde defendeu que do preceito constante da alínea d) do n.º 3 do art.º 4.º do CIRC resulta que a intenção do legislador fiscal não foi a de sujeitar a tributação em Portugal os rendimentos derivados da atividade desportiva, mas tão-só os rendimentos derivados da atividade comercial exercida pessoalmente pelos desportistas, mais alegando que nessa qualidade, esse rendimento não tem a conexão direta e indissociável com o exercício em território português da atividade de desportistas, na aceção da alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, e que o n.º 2 do artigo 17.º da CDT celebrada entre Portugal e Itália não tem aplicação ao caso concreto, desde logo porque “o jogo em apreço foi disputado entre duas sociedades desportivas e não entre quaisquer jogadores em específico”.

 

A Requerida começa por observar que esta situação tributária deverá ter o mesmo enquadramento do que supra defende em relação aos direitos de imagem de três jogadores, devendo pois concluir-se que estão em causa rendimentos obtidos em território português, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, pagos a entidades não residentes sem estabelecimento estável, provenientes de uma actividade de desportistas exercida em território português.

 

Quanto aos aspetos normativos, a Requerida remete para o n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, que estabelece que os rendimentos referidos na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º, obtidos por não residentes em território português, quando o devedor dos mesmos seja sujeito passivo do IRC, são objeto de retenção na fonte, obrigação a que a Requerente não deu cumprimento.

 

A Requerida refere a Requerente justificou a não retenção com base na existência de uma CDT celebrada com o país de residência da entidade beneficiária dos rendimentos.

 

Porém, volta a realçar que, não obstante existir a CDT celebrada entre Portugal e a Itália, nela se estatui no n.º 2 do artigo 17.º, relativo à tributação dos artistas e desportistas, que “…os rendimentos da actividade exercida pessoalmente pelos (…) desportistas, nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas essas actividades”.

 

E em reforço desta tese, a Requerida remete para os Comentários ao n.º 2 do artigo 17.º do Modelo de Convenção da OCDE, em matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Património, conclui-se que o Estado onde são exercidas as atividades de desportista fica autorizado a tributar os rendimentos obtidos dessas atividades e atribuídos a uma outra pessoa, independentemente das outras disposições da Convenção que seriam de outro modo aplicáveis.

 

Assim sendo, defende a Requerida, que relativamente a estes rendimentos, mesmo existindo uma CDT celebrada com o país de residência da entidade beneficiária não residente, neste caso a Itália, fica o Estado da fonte habilitado a exercer os seus direitos de tributação sobre as importâncias atribuídas a entidades interpostas entre a entidade desportiva e o Clube/SAD pagador dos rendimentos.

 

Estando, portanto, segundo a Requerida, prevista a tributação em território português, nos termos da já mencionada alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, fica o sujeito passivo, enquanto substituto tributário, obrigado a fazer a entrega da quantia que deveria ter sido retida (cfr. n.º 5 do artigo 90.º-A do CIRC).

 

E a Requerida conclui que, face ao exposto, bem andaram os SI ao concluir que a ora Requerente deveria “aquando do pagamento ou da colocação à disposição do rendimento derivado do exercício em território português da atividade de desportistas, a entidade não residente, ter efetuado a retenção na fonte à taxa de 25%, que deveria ter sido entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram colocados à disposição esses rendimentos (cfr. n.º 6 do artigo 88.º do CIRC)”.

 

A Requerida termina afirmando que “terão de soçobrar os argumentos esgrimidos pela Requerente, sendo legal, legítima e exigível a correção no valor de € 100.000,00 (€ 400.000,00 X 25%), a título de retenção na fonte”.

 

 

6.7. Pagamentos que a Requerente considera efectuados à entidade AA... LTD, residente em MALTA e que, segundo a Requerida, devem ser considerados como rendimento da entidade BB... LTD, residente em GIBRALTAR

 

 

6.7.1. Posição da Requerente

 

A... e ora Requerente celebrou em 8/6/2005 um acordo com a entidade BB... Limited (doravante “BB…”), registada em Gibraltar, com vista à cedência de direitos económicos relativos a direitos desportivos de vários atletas, nomeadamente CC… (“CC…”), numa percentagem de 50% (cfr texto do acordo como Anexo n.º 99 ao Relatório Final da ação inspetiva).

 

A mesma Requerente em 26/8/2007 procedeu à alienação da totalidade dos direitos desportivos e económicos que detinha sobre o atleta CC… ao DD..., SAD, pelo montante de € 18.000.000,00, que seria pago através de um plano de pagamentos que se prolongava até 10/12/2010 (cfr. Doc. n.º 3 junto à reclamação graciosa).

 

Em 20/8/2008 a Requerente foi informada, através de “Notice of Assignment” do facto de que através de um contrato celebrado em 19/8/2008 entre a EE… (anteriormente BB…) e a AA... Limited (“AA…”), a 1.ª efetuou a cedência dos direitos económicos detidos ao abrigo do contrato anteriormente celebrado com a Requerente A..., para a esfera da 2.ª entidade.

 

Informa a Requerente que, na sequência das operações antes referidas e das divergências surgidas quanto à interpretação a dar ao contrato originário, designadamente quanto ao apuramento do rendimento que deveria ser considerado abrangido pelos “direitos económicos” cedidos no âmbito do referido contrato, a Requerente A... celebrou no dia 9/1/2009 um acordo com a AA… (“Agreement”), de modo a fixar um entendimento conjunto sobre o mesmo[19].

 

Ora, face a esta cedência, indica a Requerente que a AT considerou que se tratava de uma cedência de créditos entre a BB...e a AA...[20] e que, por isso, concluiu que “(…) quanto ao rendimento, para efeitos tributários, considera-se obtido na esfera da BB…, pois era esta a titular dos direitos económicos do jogador e, com a transmissão de créditos não é criado um novo facto tributário mas, apenas, são transferidos os créditos existentes entre estas duas entidades distintas (…)”[21].

 

Acrescentando que tais rendimentos foram qualificados pela AT como enquadráveis no n.º 1 do artigo 5.º do CIRS e, portanto, como rendimento de capitais, tendo esta concluído que “(…) deveria o sujeito passivo aquando dos pagamentos efectuados ter efectuado a retenção na fonte devida, à taxa de 20%, em função dos rendimentos de capitais obtidos, por parte da BB…, de € 855.879,76 em cada pagamento. Posto isto, deveria ter sido retido na fonte a quantia de € 171.175,95 no mês de Janeiro de 2009 e a quantia de € 171.175,95 no mês de Março de 2009”[22].

 

A Requerente não concorda com o entendimento da AT no que se refere a esta correção, no montante total de € 342.351,90, à qual correspondem juros compensatórios no valor de € 37.949,47, pelos fundamentos que expressa.

 

A Requerente começa por realçar que sobre a matéria da natureza dos rendimentos obtidos por entidades não desportivas decorrentes de direitos económicos sobre atletas a AT não tem tido uma posição clara e definida.

 

Para ilustrar o que afirma, a Requerente cita um Relatório sobre o enquadramento fiscal das operações realizadas por entidades ligadas ao setor do futebol profissional, aprovado pelo Subdiretor-Geral substituto, datado de 23/10/2007[23], segundo o qual “…os rendimentos obtidos pela entidade não desportiva não residente cabem na qualificação de rendimentos de capitais quer porque assumem a natureza de juros ou dividendos ou simplesmente porque se subsumem na definição geral contida no n.º 1 do artigo 5.º do CIRS[24], desde que a fonte do rendimento (situação da sede da entidade devedora se localize em território português)”.

 

Realça a Requerente que do referido relatório decorrem três possíveis qualificações distintas, não sendo clara a razão que levaria a opção de uma em detrimento das outras.

 

Assim, segundo uma das possíveis qualificações “considera-se que o interesse dessa entidade se materializa num investimento financeiro (aplicação de capitais), cuja remuneração é qualificável como rendimento de capitais, à luz da definição constante do n.º 1 do artigo 5.º do CIRS”[25].

 

Por outro lado, o citado relatório levanta também a possibilidade de tais operações poderem reconduzir-se à figura de associação em participação, onde “os rendimentos obtidos pelo associado (fundo de investimento ou instituição financeira) constituem rendimentos de capitais, nos termos da alínea i) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS, sujeitos a retenção na fonte à taxa de 20%”[26].

 

Donde, conclui a Requerente, se manteve uma dupla solução de enquadramento, a qual permanece mesmo após a emissão da Circular n.º 18/2011, relativa à cedência de direitos económicos relativos a direitos desportivos de jogadores.

 

Com a publicação da referida Circular e a propósito do caso de transferência de um jogador para uma entidade desportiva não residente, efetuada por um Clube/SAD residente em território português, que, previamente procedeu à cedência de uma parte do “passe” a uma entidade não desportiva não residente, conclui-se que os rendimentos “(…) obtidos pela entidade não desportiva não residente [quantia auferida com direitos cedidos, líquida do capital investido], encontram-se sujeitos a IRC, como rendimento de capitais, nos termos da subalínea 3) da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC, uma vez que se subsuma na definição geral do n.º 1 do artigo 5.º do Código do IRS [e na alínea l) do n.º 2 do mesmo Código, no caso de associação em participação]”[27].

 

Não obstante tudo o que vem sendo referido pela Requerente, esta realça que confrontada a AT com a situação concreta do GG..., e em resposta ao pedido de informação vinculativo (Processo n.º …/..), “conclui a Direção de Serviços de IRC estarmos perante contratos de associação em participação, pelo que os respetivos rendimentos auferidos pelo fundo são subsumíveis na alínea l) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS”.

 

Assim sendo e feito este breve enquadramento, nota a Requerente que os serviços da AT optaram por enquadrar os rendimentos em apreço enquanto “fruto ou vantagem económica, resultante do investimento financeiro efectuado na aquisição de percentagem dos direitos económicos-desportivos dos jogadores[28], reconduzindo assim para a definição genérica de rendimentos de capitais.

 

E a Requerente realça que “não tendo sido qualificado de outra forma específica, apenas se pode concluir do Relatório de Inspeção que a AT entende este rendimento enquanto um outro rendimento de aplicação de capitais[29].

 

Mais esclarece a Requerente que os serviços da AT sustentam ainda a correção em apreço no facto de a AA... não ser, alegadamente, a beneficiária efetiva do rendimento, mas sim a BB….

 

A Requerente não concorda com a posição da AT que, segundo ela, não possui qualquer aderência à substância dos factos, como passa a demonstrar.

 

Quanto à entidade sujeita a tributação a Requerente recorda que os serviços da AT concluem que “quanto ao rendimento, para efeitos tributários, considera-se obtido na esfera da BB…, pois era esta a titular dos direitos económicos do jogador e, com a transmissão dos créditos não é criado um novo facto tributário mas, apenas são transferidos os créditos existentes entre estas duas entidades distintas (…)”[30].

 

A AT sustenta esta posição com base na análise efetuada ao “Agreement”, no qual constata “que a entidade AA... Limited assume a posição da BB…, originando-se uma cedência de créditos da BB...à AA... Limited, relativamente aos créditos detidos sobre a A...”[31].

 

Para a Requerente este entendimento da AT fundamenta a sua correção em meras especulações desprovidas de qualquer fundamento.

 

É assim que se pode qualificar, em seu entender, a afirmação da AT de que a dita cedência foi feita “com o intuito de se aproveitar, de modo abusivo, do desagravamento fiscal previsto na Convenção celebrada por Portugal com Malta[32], que na operação terá sido introduzido um terceiro interveniente, residente em Malta (…) e que a sociedade maltesa (conduit company) terá agido apenas na qualidade de fiduciário da sociedade de Gibraltar (beneficial owner), não constituindo assim o beneficiário efetivo dos rendimentos pagos pela Recorrente [ora Requerente][33].

 

Salienta a Requerente que o comportamento da AT “choca contra os mais basilares princípios de Direito, ao arrogar-se na faculdade de questionar arbitrariamente as operações efetuadas, (…) nos moldes antes descritos, “sem apresentação de qualquer elemento de prova, como se o simples facto de o afirmarem seja facto bastante para que assim o seja”.

 

Ora, diz também a Requerente, esta postura “não só se revela claramente abusiva, como sobrecarrega a Requerente com um ónus que originariamente não recai sobre si, mas sim sobre a Autoridade Tributária, já que é esta que invoca os factos”.

 

A Requerente contesta esta postura e a interpretação extensiva que a AT faz ao documento em causa.

 

Ou seja, se a AT considera que o contrato em apreço constitui elemento probatório bastante para promover a correção em causa, então deverá seguir o conteúdo do respetivo clausulado, evitando “interpretações livres” sem qualquer fundamento.

 

E do referido documento resulta apenas que a AA... passou a assumir a posição da BB...no contrato originário entre a BB...e a A..., carecendo de fundamento as restantes conclusões.

 

E realça a Requerente que desconhecendo os termos concretos em que foi efetuada a cessão da posição contratual entre a BB...e a AA..., de que apenas tomou conhecimento através da “Notice of Assignment”, a AT conclui que “estamos perante a transmissão de dívida, resultante do rendimento obtido pela BB...com o investimento efectuado na aquisição dos direitos económicos dos jogadores à AA...[34].

 

E a Requerente precisa e recorda que, em termos factuais “foi através da celebração do “Agreement” com a AA..., no dia 9/1/2009, que se estabeleceu um acordo quanto à interpretação dos termos do contrato originário, permitindo o apuramento do rendimento que deveria ser considerado abrangido pelos “direitos económicos” cedidos no âmbito do referido contrato.

 

Nestes termos e não tendo sido demonstrado o contrário, entende a Requerente que “foi a AA..., em nome próprio, e assumindo para efeitos legais a contraparte no contrato originário, que defendeu os seus interesses, abdicando, exigindo e negociando os termos concretos do acordo, que em última análise permitiram o apuramento do seu rendimento”.

 

E realça a Requerente que para além da interpretação sustentada pela AT não ter “assento na letra do referido contrato”, é a própria AT que reconhece “que se coloca a questão de dirimir (…) sobre se se está perante situação de cessão de créditos ou de cessão de posição contratual, aqui entre a BB...(Gibraltar) e a AA... Limited”[35].

 

Mais refere a Requerente que sem que a AT se tenha debruçado sobre esta questão, conclui, sem fundamento, que “a beneficiária efetiva dos rendimentos, do ponto de vista fiscal, é a BB...(Gibraltrar)”.

 

Outra questão que a Requerente levanta é a da data do facto gerador do imposto, depreendendo que a AT defende que este ocorre nas datas dos pagamentos efetuados, quando refere que “ a A... encontrava-se obrigada a reter na fonte nas datas da colocação à disposição dos rendimentos, que ocorreram nas datas dos pagamentos efectuados”, quando a Requerente entende, face aos n.ºs 7 e 8 do artigo 8.º do Código do IRC, o facto gerador ocorre no último dia do período de tributação, sendo uma das exceções relativa aos rendimentos objeto de retenção na fonte a título definitivo por entidades não residentes, não imputáveis a estabelecimento estável em território português, em que o facto gerador do imposto se considera verificado na data em que ocorre a obrigação de retenção.

 

Assim, conclui a Requerente que “decorrente do próprio entendimento da Autoridade Tributária, o facto gerador do imposto apenas ocorreu em 2009 aquando dos pagamentos efectuados[36], pelo que a relação jurídica tributária constitui-se apenas nesse momento[37].

 

Atento o exposto, a Requerente conclui que “a relação jurídica existente nesse momento encontra-se circunscrita à AA...”.

 

Pelo que, a Requerente não entende a referência efetuada pela Autoridade Tributária à existência a um facto tributário anterior aos pagamentos efetuados no ano civil de 2009, quando menciona que “com a transmissão de créditos não é criado um novo facto tributário mas, apenas são transferidos os créditos existentes entre duas entidades distintas”[38].

 

E mais refere a Requerente que “se por absurdo se compreendesse existir um facto tributário em momento anterior à cessão da posição contratual entre a BB...e a AA..., que permitisse a consideração da BB...como a entidade sujeita a tributação, então, nos termos do Código do IRC, a retenção na fonte deveria ter sido exigida nesse momento, o que não revela, e bem (até porque naquela data, tão-pouco havia sido apurado o rendimento), ser a posição assumida pela Autoridade Tributária”.

 

Termos em que a Requerente conclui que a entidade sujeita a tributação deverá ser a AA... e não a BB...conforme sustenta a AT.

 

Quanto a questão da retenção na fonte refere a Requerente que segundo o Relatório de Inspeção “sobre os rendimentos pagos a não residentes sem estabelecimento estável, ou com estabelecimento estável ao qual o rendimento não seja imputável, será de aplicar uma taxa interna de retenção na fonte de 20%, quando os rendimentos em causa resultarem de (outros) rendimentos de capitais não expressamente tributados a taxa diferente (…)[39]-[40].

 

E mais refere que “adicionalmente, “a obrigação de efectuar retenção na fonte, no todo ou em parte, pode ser dispensada nos termos do n.º 2 do artigo 90.º-A do CIRC, i.e. nos casos de existência e acionamento de convenção destinada a eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal e o país de residência do beneficiário dos rendimentos”[41].

 

Ora, a Requerente entende que face à existência de Convenção celebrada entre Portugal e Malta e à qualificação do rendimento preconizada pela AT, deveria ser afastada a obrigação de retenção na fonte, na medida em que ao abrigo do art.º 21.º da Convenção, o direito de tributação é atribuído ao país da residência do beneficiário (Malta).

 

E até porque a Requerente obteve um formulário 21-RFI, devidamente certificado pela A.F. Maltesas em 16/3/2011 (cfr. Doc. n.º 6 junto à Reclamação Graciosa) e que, após análise da documentação arquivada, apercebeu-se a Requerente que dispunha de um outro formulário 21-RFI relativo à AA..., datado de 24/10/2008 e, portanto, válido à data em que a retenção na fonte foi efetuada (que junta como Doc. n.º 10),

 

Assim, segundo a Requerente, estão cumpridos os requisitos de caráter formal para aplicação da dispensa de retenção na fonte, pelo que conclui que não seria devida qualquer retenção na fonte sobre os pagamentos efetuados à AA....

 

Quanto à questão do imposto entregue pela Requerente nos cofres do Estado a este respeito,

 

Realça a Requerente que dada a complexidade dos contratos e numa altura em que a posição assumida pela AT sobre esta matéria não era clara, admitindo diversas qualificações alternativas para a operação, optou, até à existência de um esclarecimento sobre a matéria, por fazer uma abordagem conservadora na sua relação com a AA..., levando-a a estabelecer com a mesma um acordo que salvaguardasse a situação da Requerente como substituto tributário.

 

 Nesse sentido e apesar de não concordar com a posição sufragada pela AT, optou, numa ótica de prudência, por efetuar retenção na fonte sobre o rendimento a ser pago e fê-lo por referência à AA... em Janeiro de 2009 (i.e. aquando do primeiro pagamento), demonstrando boa-fé e uma posição mais conservadora e menos penalizadora da AT.

 

E a Requerente acrescenta que, no caso dos rendimentos em apreço, admitindo que a retenção na fonte não seja devida sobre o montante bruto (regra geral em sede de IRC no que concerne aos pagamentos a entidades não residentes), mas pelo valor líquido, atendendo ao investimento efetuado para a sua obtenção (vide págs. 194 e 195 do relatório de Inspeção, posição entretanto vertida na Circular n.º 18/2011).

 

Assim, a Requerente, em termos teóricos, equacionou os seguintes três cenários quanto ao momento em que seria devida a retenção na fonte:

 

  1. Após o retorno do investimento efetuado (correspondente ao custo de aquisição dos direitos económicos);
  2. À medida que o retorno do investimento fosse sendo obtido, na devida proporção; ou
  3. Na totalidade após o primeiro pagamento efetuado.

 

E a Requerente deduz que, face às alternativas que apresenta, compreende-se que “a mais conservadora e menos penalizadora para a AT consiste em efetuar a retenção na fonte aquando do primeiro pagamento, tendo sido este o procedimento que a Requerente, numa óptica de boa-fé, adoptou (ao passo que a AT parece defender a exigibilidade do imposto na proporção da obtenção do retorno do investimento, de acordo com a posição sustentada no Relatório de Inspeção)”.

 

A Requerente refere que o imposto retido foi entregue nos cofres do Estado em Outubro de 2010, tendo juntado os seguintes documentos:

 

1.      Guia de pagamento (junta à Reclamação Graciosa como Doc. n.º 7);

2.      Cópia da Declaração mod. 30 relativa ao exercício de 2009; e

3.      Extrato da conta #2429, junto como Doc. n.º 11, na qual se evidencia o registo do montante de € 487.008,00 enquanto valor a receber do Estado, em virtude da entrega nos cofres do Estado do mesmo.

 

Mais conclui a Requerente que, no respeitante ao imposto retido sobre os rendimentos pagos à AA..., a AT afirmou que não havia sido comprovado que aquele montante respeitava à correção em causa, sem, contudo adiantar, então, a que o mesmo se referia.

 

E mais esclarece a Requerente que o montante constava expressamente do clausulado do próprio contrato celebrado entre a Recorrente e a AA..., enquanto obrigação fiscal cujo cumprimento recaía sobre a Recorrente[42], facto este que a AT pura e simplesmente ignorou, afirmando não estar “demonstrado que a referida quantia de € 487.008,00, esteja correlacionada com a questão em apreço”.

 

A Requerente estranha esta conclusão da AT, porquanto esta transcreve a cláusula em questão na decisão do indeferimento do recurso hierárquico, concluindo que “em 9 de Janeiro de 2009 a Recorrente [ora Requerente] reconheceu que existia a obrigação de efetuar a retenção na fonte do imposto devido em Portugal pelos pagamentos que viessem a ser efectuados e quis, especificamente, salvaguardar o seu cumprimento, ficando a constar no acordo a responsabilidade da sociedade maltesa nesse domínio. O que denuncia o entendimento de que o facto tributário seria de tributar no Estado da fonte (Portugal) e que essa entidade pagadora estaria onerada com a retenção na fonte do imposto”.

 

E mais conclui a Requerente que “a Autoridade Tributária identificou a cláusula que estabelece a obrigação de efetuar a retenção na fonte e o respetivo montante, mas optou por ignorar este elemento na sua decisão”.

 

E esclarece a Requerente que em sede de audição prévia sobre a proposta de indeferimento da reclamação graciosa, juntou extrato da Declaração Modelo 30, relativa ao exercício de 2009, na qual se encontrava inscrito o montante em apreço, identificando como quantia paga à AA..., através do respetivo número de identificação fiscal.

 

E realça a Requerente que, face à referida Declaração Mod. 30, os serviços da AT consideraram que a referida guia “não comprova de modo algum que nele constem as importâncias dos rendimentos de capitais aqui em apreço” e que a Declaração Mod. 30, “refere mesmo expressamente que ‘esta listagem não serve como comprovativo’”, ignorando, sem mais, o elemento de prova que aquela declaração acrescentava para a apreciação da questão controvertida.

 

E a Requerente acrescenta que sabendo a AT que o comprovativo de submissão da Declaração Modelo 30 não contém informação detalhada dos pagamentos efetuados a entidades não residentes, por forma a que seja possível confirmar a entidade que sofreu a retenção na fonte no montante de € 487.008,00, sempre poderia a AT ter procedido à consulta daquela declaração.

 

E mais esclarece a Requerente que “a obrigação de efectuar a retenção na fonte sobre o montante pago à AA... e o respectivo montante encontravam-se inclusivamente previstos no contrato celebrado entre a ora Requerente e aquela entidade”, situação que a AT poderia ter averiguado e ter presente o seu conteúdo.

 

Do apuramento do imposto retido pela Requerente 

 

Recorda a Requerente que em 8/6/2005 celebrou um acordo com a BB...para cedência de direitos económicos relativos a direitos desportivos de vários atletas.

 

Ora, nos termos desse contrato, a Requerente comprometeu-se a efetuar a futura transferência dos jogadores em causa, a seguir referidos e pelos valores mínimos seguintes:

 

 

Jogadores

Valor mínimo de venda €

Direitos adquiridos pela AA...

Valor dos direitos económicos Adquiridos - €

Custo de aquisição  €

CC...

16.000.000,00

50%

8.000.000,00

5.401.709,00

HH…

10.000.000,00

25%

2.500.000,00

1.688.034,00

II…

2.000.000,00

20%

400.000,00

270.085,00

JJ…

2.000.000,00

20%

400.000,00

270.085,00

KK…

2.000,000,00

20%

400.000,00

270.085,00

 

32.000.000.00

 

11.700.000,00

7.900.000,00

 

Mais refere a Requerente que em 26/8/2007 procedeu à alienação da totalidade dos direitos desportivos e económicos que detinha sobre o atleta CC... ao DD…, S.A.D. por € 18.000.000,00, que seria pago através de um plano de pagamentos que se prolongava ate 10/12/2010 (Cfr. Doc. 3 anexo à reclamação graciosa).

 

Em 20/8/2008, a A... foi informada, através da “Notice of Assignment” (Cfr. Doc. n.º 4 anexo à reclamação graciosa), do facto de através de um contrato celebrado em 19/8/2008 entre a BB...e a AA..., que a primeira efetuou a cedência dos direitos económicos detidos ao abrigo do contrato anteriormente celebrado com a A..., para a esfera da segunda entidade.

 

Assim, em consequência destas operações e face à existência de divergências quanto à interpretação a dar ao contrato originário, designadamente quanto ao apuramento do rendimento que deveria ser abrangido pelos “direitos económicos” cedidos no âmbito do referido contrato, no dia 9 de Janeiro de 2009, a A... celebrou um acordo com a AA... (“Agreement”), de modo a fixar um entendimento conjunto sobre o mesmo (Cfr. Doc. n.º 5 anexo à reclamação graciosa)[43].

 

Realça a Requerente que, à data, dada a ausência de entendimento uniforme da AT quanto ao enquadramento fiscal a conferir a esta realidade (nomeadamente pelo facto de ainda não ter sido objeto de divulgação a já referida Circular n.º 18/2011), foi definido o montante do rendimento a ser considerado para efeitos da remuneração da AA..., nos termos do referido contrato.

 

Sendo inclusivamente mencionado expressamente o montante do imposto a reter na cláusula 1.6, nos termos do qual “the parties hereby further agree that, in line with new Portuguese tax authorities rules, upon payment by A… to AA... of any monies relating to CC… A… shall incur certain withholding tax  liabilities which shall total € 487.000”.

 

Pelo que, esclarece, a cláusula supra indica, de forma expressa e inequívoca, que a Requerente deveria efetuar a retenção na fonte no montante de € 487.008,00, sobre o pagamento efetuado à AA... (e não à BB…), em conexão com a transferência dos direitos económicos do jogador CC....

 

Esclarece, de seguida, a Requerente, o detalhe e o modo como o montante que consta da cláusula 1.6 foi apurado.

 

Assim, refere que os direitos económicos do jogador CC... foram alienados pelo montante de € 18.000.000,00.

 

E que a cláusula 1.3 do “Agreement” estabelece que a AA... teria direito a 50% do rendimento que a A... auferisse em conexão com o jogador CC..., incluindo o montante referente ao empréstimo do jogador ao LL…[44] e à transferência deste para o DD…, S.A.D.[45], sendo que este montante deveria ainda ser ajustado em função dos encargos incorridos para a obtenção do mesmo (à luz, aliás, do entendimento que posteriormente veio a constar da Circular n.º 18/2011).

 

Assim, diz a Requerente, estabelece a cláusula 1.4 do referido contrato que a AA... seria responsável pelos encargos associados a notas promissórias devidas em relação ao jogador CC..., no montante de € 49.979,00, o qual havia sido suportado pela A..., devendo ser abatido ao rendimento a auferir pela AA....

 

Mais refere a Requerente que, adicionalmente, nos termos do contrato em apreço, ao rendimento da AA... seria ainda abatido 50% dos encargos suportados pela A... em conexão com o jogador CC..., relativos a:

 

 

    i.      comissões pagas aos agentes do jogador, no montante de € 900.000,00;

  ii.      ao mecanismo de solidariedade contemplado no regulamento da FIFA e associado à alienação de direitos de inscrição desportiva de jogadores, no montante de € 72.000,00;

iii.      ao salário do jogador durante o período em que se encontrou emprestado ao MM…, no montante de € 131.183,46, que, não tendo sido pago por aquele clube, foi suportado pela A....

 

 E a Requerente conclui que, deste modo, ao abrigo do contrato em apreço, a AA... auferiu rendimentos no montante de € 9.250.000,00, aos quais foram abatidos encargos no montante de € 601.570,73 e o respetivo custo de aquisição dos direitos económicos de € 5.401.709,00, perfazendo um rendimento líquido de € 3.246.720,27, conforme se detalha na seguinte tabela:

 

 

 

Montante auferido pela A...

Montante auferido pela AA...

Empréstimo ao LL…

 

500.000,00

250.000,00

Transferência para o DD...

 

18.000.000,00

9.000.000,00

 

Total dos rendimentos

18.500.000,00

9.250.000,00

 

 

 

 

 

 

Encargos suportados pela A...

Encargos a imputar à AA...

Gastos incorridos com a transferência

 

-1.103.103,46

-551.591,73

Gastos associados às notas promissórias

 

-49.979,00

-49.979,00

 

Total encargos

-1.153.162,46

-601.570,73

 

 

 

 

Rendimento líquido da AA... (A)

 

 

8.648.429,27

 

 

 

 

Custo aquisição dos direitos económicos (B)

 

 

5.401.709,00

 

 

 

 

 

 

Total do rendimento líquido da AA... (A) - (B)

3.246.720,27

 

Assim, refere a Requerente que tendo apurado o rendimento líquido auferido pela AA..., procedeu à retenção na fonte sobre o mesmo, à taxa de 15% (€ 3.246,720,27 X 15% = € 487.008,04).

 

A Requerente faz questão de realçar que optou pelo procedimento mais prudente, que menos penaliza a AT e efetuou a retenção na fonte sobre o rendimento líquido e não de forma proporcional (como a AT veio a entender), quando do primeiro pagamento e também ao contrário do que defende a AT.

 

Quanto à taxa de retenção aplicada, a Requerente defende que é a correta e que decorre da qualificação da operação em apreço, como contrato de associação em participação, aliás, na esteira da resposta dada pela AT ao pedido de informação vinculativa relativo à situação do GG…..

 

E para tanto, a Requerente transcreve parte do ADT celebrado entre Portugal e Malta, na parte que entende ser aplicável ao caso, em que “são considerados dividendos os rendimentos provenientes de ações, ações ou bónus de fruição, partes de minas, partes de fundadores ou outros direitos, com excepção dos créditos que permitam participar nos lucros, assim como os rendimentos sujeitos ao mesmo regime fiscal que os rendimentos de ações pela legislação do Estado de que é residente a sociedade que os distribuiu”.

 

E a Requerente acrescenta que consubstanciando a associação em participação “um contrato pelo qual uma pessoa (o investidor ou associado) se associa à actividade económica exercida por outra (o associante), ficando a primeira a participar nos lucros ou lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda, os rendimentos devidos pelo associante ao associado configuram-se como rendimentos de capitais assimiláveis a lucros, recebendo um tratamento fiscal inteiramente paralelo ao dos lucros do associante”.

 

Assim, esclarece a Requerente que efetuou a retenção na fonte sobre os rendimentos pagos à AA... à taxa de 15%, de acordo com o disposto na subalínea i) da alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do ADT celebrado entre Portugal e Malta.

 

Recorda, finalmente, a Requerente, que o procedimento descrito e adotado foi efetuado numa ótica de prudência, atendendo á incerteza quanto à qualificação dos rendimentos pagos à AA... à data e que a Requerente pretendia evitar ser prejudicada enquanto substituta tributária[46].

 

 

Face à argumentação deduzida e aos documentos apresentados, a Requerente conclui que a correção promovida pela AT, no montante total de € 380.301,37, incluindo juros compensatórios, não se mostra devida, na medida em que o imposto devido nesta sede já foi entregue nos cofres do Estado.

 

 

6.7.2.      Resposta da Requerida

 

 

Na presente correção estão em causa rendimentos de capitais pagos a uma sociedade com sede em Malta, denominada “AA... Limited” (adiante AA...), cujo beneficiário efetivo é, segundo a Requerida, uma entidade denominada “BB... Ltd” (adiante BB…), com sede em Gibraltar, não podendo, por conseguinte, beneficiar da dispensa de retenção na fonte prevista no n.º 5 do art.º 90.º-A do CIRC.

 

Conjugando o relatório de inspeção com a Resposta em análise resulta que a Requerida parte da constatação que em 2009 a Requerente registou dois pagamentos à AA..., no montante de € 2.558.532,00 cada um, no total de € 5.117.064,00.

 

Como se explicita na página 195 do relatório de inspeção, estes pagamentos foram transformados num rendimento líquido de 1.711.759,52, que a Requerida apresenta no quadro seguinte:

 

Não residente

País

Data do docum.to

Descrição

Rendimento sujeito

Retenção na fonte

BB…

Gibraltar

01/2009

Rendim. capitais

€ 855.879,76

€ 171.175,95

 

 

03/2009

Rendim. capitais

€ 855.879,76

€ 171.175,95

 

 

 

 

€ 1.711.759,52

€ 342.351,90

 

 

No âmbito da ação inspetiva constatou a IT que aqueles pagamentos tinham origem no “agreement” celebrado entre a Requerente e a BB…, com sede em Gibraltar, relativo à cedência de direitos económicos referentes a direitos desportivos de vários atletas, tendo a Requerente apresentado ainda um “agreement” celebrado com a AA... a 9/01/2009, no qual a AA... se apresenta titular de créditos da BB….

 

Refere a Requerida que a Requerente não podia desconhecer, face aos elementos recolhidos pela IT, que havia um investimento efetuado pela BB...que gerou frutos ou vantagens económicas, que se consideram rendimentos obtidos em Portugal, a título de rendimento de capitais, nos termos da subalínea 3 da alínea c) do n.º 3 do art.º 4.º do CIRC e n.º 1 do art.º 5.º do CIRS, sujeito a retenção na fonte a título definitivo à taxa de 20%, de acordo com a alínea c) do n.º 1 do art.º 88.º do CIRC.

 

Relativamente à entidade sujeita a tributação, realça a Requerida que, por se estar perante uma cessão de crédito da BB...a favor da AA..., e não de uma cessão de posição contratual, conforme pretende a Requerente, também entende que não restam dúvidas que o rendimento, para efeitos tributários, se deve considerar obtido na esfera da BB….

 

Assim, uma vez que não existe CDT entre Portugal e Gibraltar, a Requerente não estava dispensada de efetuar a retenção na fonte nos termos do n.º 5 do art.º 90.º-A do CIRC e devia ter retido, à taxa de 20%, imposto sobre os rendimentos de capitais obtidos pela BB…, havendo assim imposto em falta no montante total de e 342.351,90.

 

Não se conformando a Requerente com a correção lançada pela AT reclamou graciosamente, alegando, em síntese, que a entidade que beneficiou dos pagamentos efetuados, a título de rendimento de capitais, foi a AA..., por na data dos mesmos já ter sido celebrado o “Agreement” que cede a esta os direitos económicos sobre jogadores detidos pela BB....

 

Assim, a Requerente juntou o formulário 21-RFI obtido em 16/3/2011, certificado pelas AF Maltesas, invocando, por isso, estar dispensada de retenção na fonte, mais reclamando a restituição de imposto, no montante de € 487.008,00, que alegadamente terá pago com referência à operação em apreço, juntando a guia n.º …, referente a retenções na fonte efetuadas em Janeiro de 2009 e efetuado o seu pagamento em 22/10/2010.

 

A reclamação foi indeferida com a invocação de que a guia de pagamento junta pela Requerente não comprova que os rendimentos de capitais aí referidos sejam os rendimentos de capitais em discussão e, por outro lado, pelo facto de não se estar perante uma cessão de posição contratual, mas antes perante uma simples cessão de créditos, donde os rendimentos de capitais devem considerar-se obtidos pela BB..., a qual, por ter a sede em Gibraltar, não está a coberto de qualquer CDT.

 

E mais refere a Requerida que, mesmo que assim não se entendesse, o formulário 21-RFI apresentado em nome da AA... não poderia dispensar a retenção na fonte de imposto, por respeitar ao exercício de 2011 e não ao exercício em causa de 2009.

 

Não se conformando a Requerente deduziu Recurso Hierárquico, dizendo, em síntese, que a AA... foi a beneficiária do rendimento, mais requerendo a devolução da importância de € 487.000,00 paga a título de imposto retido na fonte, em virtude de os mesmos se encontrarem dispensados de retenção, por força do formulário 21-RFI certificado pelas AF Maltesas que juntou com a audição prévia à Reclamação Graciosa;

 

A Requerida informa que este recurso foi também indeferido com os mesmos fundamentos acrescentando que foi utilizado um esquema de planeamento fiscal com vista à obtenção de um desagravamento fiscal previsto na CDT celebrada entre Portugal e Malta, sendo que a sociedade maltesa (conduit company) terá agido apenas como fiduciário da BB… sediada em Gibraltar (beneficial owner), sendo esta e não aquela o beneficiário efetivo dos rendimentos pagos pela Requerente, tratando-se, pois de um aproveitamento abusivo da CDT, que implica a participação de uma sociedade sujeita a um regime fiscal privilegiado, esquema referenciado no Decreto-Lei n.º 29/2008, de 25/02, cujo tratamento dispensou a aplicação da cláusula geral anti-abuso prevista no n.º 2 do art.º 38.º da LGT, por não ter na sua base aquilo que a Requerente defende ser uma cessão de posição contratual, mas comprovadamente uma mera cessão de créditos.

 

Além disso, acrescenta a Requerida que o “Agreement” assinado a 9/01/2009 entre a Requerente e a AA... previa o pagamento em Portugal de imposto a reter na fonte pela Requerente aquando dos aludidos pagamentos, o que vem a ser a posição subscrita pela AT.

 

Na verdade, aos rendimentos obtidos e sujeitos a retenção na fonte não se aplica a CDT com Malta, porque o beneficiário efetivo não é residente em Malta e, mesmo que fosse aí residente, não foi exibido qualquer formulário modelo 21-RFI para o efeito.

 

Quanto à qualificação dos rendimentos obtidos como rendimentos de capitais, foi chamado à colação o Relatório Síntese efetuado pela AT sobre o enquadramento fiscal de operações realizadas por entidades ligadas ao setor do futebol profissional, sendo este enquadramento reiterado nas instruções administrativas contidas na circular n.º 18/2011, de 19/05, concluindo, em suma, que nunca poderia ser aplicada a pretendida CDT, mas tão-somente o direito interno.

 

Relativamente ao pagamento efetuado através da Guia n.º …, no valor de € 487.000,00 e paga a 22/02/2010, diz a Requerida que nada comprova que a mesma respeite ao imposto ora controvertido, uma vez que aquela não identifica o beneficiário e o montante de rendimento nem a taxa de retenção, a que acresce o facto de, à data, a Requerente tão-pouco havia solicitado o registo da AA... como contribuinte especial para efeitos de retenção na fonte, o que só veio a suceder a 03/02/2012.

 

Mais realça que importa reter que à data da inspeção tributária, a sociedade maltesa não estava registada em Portugal, nem constava a entrega de modelo 30 a identifica-la como beneficiária daqueles rendimentos (a declaração modelo 30 foi entregue a 20/11/2012 e apresentada à AT no decurso da audição prévia na reclamação graciosa) ou sequer um formulário 21-RFI para efeitos de dispensa de retenção na fonte.

 

Mais refere a AT que estando a correr termos o processo de execução fiscal n.º …2012…, com uma dívida exequenda no valor de € 1.486.267,96, derivada de retenções na fonte de IRC não entregues em 2009, objeto do documento de correção n.º …, sempre prejudica o reembolso de quaisquer importâncias entregues a título de retenção na fonte.

 

 

6.8.      Resumo esquemático das posições da Requerente e da Requerida acabadas de transcrever:

 

 

O mapa a seguir serve apenas para indicar esquematicamente as matérias a analisar e a decidir e as posições das partes quanto às questões controvertidas nos presentes autos:

 

 

Tipo de Contrato

Data do pagamento

Entidade beneficiária

País de Residência do beneficiário

Posição da Requerente

Posição da Requerida

De serviços de intermediação na contratação de jogador e outras prestações de serviços

17/02/2009

B..., LTDA

Brasil

Não é devida retenção por lhe ter sido apresentado Formulário 21-RFI assinado por funcionária da AF Brasileira

O Formulário apresentado não preenchia os requisitos, nem as condições fixadas pelo Despacho do MF n.º 22600/2009 publicado no DR n.º199, II Série, de 14 de Outubro de 2009.

Idem

18/6/2009

Idem

Brasil

Idem

Idem

Idem

16/7/2009

Idem

Idem

Idem

Idem

Idem

22/9/2009

Idem

Idem

Idem

Idem

Idem

17/7/2009

C…

França

Apresentado formulário

Aceite c/deferimento parcial da Reclamação Graciosa

Idem

30/6/2009

N...

Espanha

Aceitou a correção da AT

Não respondeu.

De serviços de intermediação na contratação de jogador

10/11/2009

D...B.V. – atleta NN… ou O…

Holanda

Apresentou Formulário 21-RFI certificado pelas A.F. Holandesas

Diz que beneficiária agiu em nome e p/conta de outra entidade (o verdadeiro beneficiário) que é residente nas Ilhas Virgens Britânicas, logo houve aproveitamento abusivo da CDT

Rendimentos pagos em consequência de “agreement” entre Req. e a BB..., por cedência de direitos económicos

9/01/2009

BB... LTD

(que efetuou investimento)

___

AA... LTD – AA...,

por cessão de créditos da BB...

 

Gibraltar

 

 

 

 

AA...

Apresentou um “agreement” celebrado com a AA..., na qual esta se apresenta como titular e, por isso apresentou formulário 21-RFI.

Argumenta que não houve cessão de créditos, mas de cessão de posição contratual.

Argumenta que os 2 pagamentos foram efetuados à AA..., LTD- (AA...) por ser titular de créditos da BB...e que, portanto,  trata-se de rendimento de capitais, não sendo possível utilizar o formulário por a AA... ser residente em Gibraltar.

Contrato de aquisição de 75% de direitos económicos e  desportivos do atleta P...

19/11/2009

Agente E...

Brasil

E… adquiriu os direitos do atleta P…. ao Q… e, tendo posteriormente vendido 75% desses direitos ao A...

A... entende que pagou um rendimento ao E… para poder utilizar os serviços do atleta em território português (que se encontrava livre) e, portanto, considerado como rendimento obtido em território português.

Contrato de aquisição de direitos económicos e serviços prestados relativos aos jogadores R… e S…

20/10/2009

F... LTDA-EPP

(F…)

Brasil

Alega que o pagamento envolve, em simultâneo, a contrapartida pela cessão dos direitos económicos e pelos serviços prestados pelo F… no âmbito da referida transação.

Alega que os jogadores se encontravam sem vínculo profissional a um clube e que, por isso, o montante pago a F… corresponde a “um prémio de jogo”.

Contrato de cessão dos direitos de imagem do jogador G…

10/12/2009

T... B.V.

Holanda

Defende que o rendimento pago à T... não tem enquadramento na Circular n.º 18/2011, nem  na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, não havendo, portanto, lugar a tributação.

Entende que há lugar a retenção por se tratar de cessão de direitos de imagem derivados da atividade de desportistas, com base nas Circulares n.º 17/2011, de 19/5 e 18/2011.

Por isso, defende que com base na alínea f) do n.º 1 do art.º 88.º do CIRC, tais rendimentos referidos na alínea d) do n.º 3 do art.º 4.º do CIRC, estão sujeitos a retenção à taxa de 25%.

Remete para n.º 2 do art.º 17.º da CDT celebrada entre Portugal e o Reino dos Países Baixos.

Idem do jogador H...

17/3/2009

17/6/2009

09/09/2009

01/12/2009

U…

Irlanda

Idem

Tratando-se de pagamento de rendimentos a não residente, defende que com base na alínea f) do n.º 1 do art.º 88.º do CIRC, tais rendimentos referidos na alínea d) do n.º 3 do art.º 4.º do CIRC, estão sujeitos a retenção à taxa de 25%.

 Remete para n.º 2 do art.º 17.º da CDT celebrada entre Portugal e Irlanda.

Idem do Jogador I…

11/11/2009

V…

Holanda

Idem

Por se tratar de pagamento efetuado no âmbito de um “agreement” de utilização do direito de imagem, defende que com base na alínea f) do n.º 1 do art.º 88.º do CIRC, tais rendimentos referidos na alínea d) do n.º 3 do art.º 4.º do CIRC, estão sujeitos a retenção à taxa de 25%.

Remete para n.º 2 do art.º 17.º da CDT celebrada entre Portugal e Irlanda.

Realização do Jogo de exibição entre o A... e o K...SPA

3177/2009

K...

Milão

Diz não ser devido imposto em Portugal e não ser aplicável o n.º 2 do artigo 17.º da ADT celebrado entre Portugal e Itália, mas no artigo 7.º.

O pagamento efetuado ao K...deve enquadrar-se na alínea f) do n.º 1 do art.º 88.º do CIRC, tais rendimentos referidos na alínea d) do n.º 3 do art.º 4.º do CIRC, estão sujeitos a retenção à taxa de 25%.

 

 

 

 

II. SANEAMENTO

 

II. 1. Indicações genéricas sobre a competência do tribunal, sobre as partes e sobre o valor da causa

 

O tribunal é competente em razão da matéria e do território.

 

O pedido é legítimo e foi aceite pelo tribunal.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas.

 

Fixa-se à causa o valor de € 1.460.187,56 nos termos previstos no artigo 306.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, e por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT.

Este valor decorre do facto de na p.i. ter sido indicado como valor do processo a quantia de € 1.483.956,71, constatando-se, no entanto, da própria petição e do processo, que os valores da liquidação impugnada foram reduzidos para € 1.339.032,15 (1.362.801,30 – 23.769,15), acrescida dos juros compensatórios de € 121.155,41, perfazendo a referida quantia de € 1.460.187,56

 

 

II.2. Da questão prejudicial apresentada pela Requerida sobre a caducidade parcial do direito de ação

 

Na sua Resposta a Requerida apresenta uma questão prévia invocando a extemporaneidade parcial do pedido de pronúncia arbitral, exceção que passa de seguida a analisar-se e a decidir-se.

 

II.2.1. Argumentação da Requerida

A Requerida defende-se por exceção argumentando que em relação a um conjunto de correções (infra identificadas) já se produziu caso decidido, com preclusão do prazo para a Requerente reagir contra as mesmas, quer por via de impugnação no prazo de 15 dias a contar da decisão da reclamação graciosa (art.º 102.º, n.º 2, do CPPT), quer por via do presente pedido de pronúncia arbitral (art.º 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

 

Com efeito, continua a Requerida, o sujeito passivo e ora Requerente deduziu reclamação graciosa em 26/07/2012, a que coube o n.º …2012…, contra todas as correções efetuadas pela inspeção tributária que deram origem à liquidação de IRC do ano de 2009 n.º 2012 …, relativas a retenções na fonte sobre rendimentos pagos a entidades não residentes no total de € 1.362.801,30, acrescido de juros compensatórios no montante de € 123.466,66, no total de € 1.486.267,96.

 

Ora, na petição da reclamação graciosa a Requerente descreveu e abrangeu expressamente todas as situações objeto das correções que deram origem à liquidação ora impugnada.

 

Por sua vez a reclamação foi parcialmente deferida por despacho de 30/11/2012, do Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes, notificado à ora Requerente pelo ofício n.º …, recebido a 11/02/2013 (cfr. ofício n.º …, de 7/02/2013, com registo postal nos CTT n.º RM … PT).

 

Da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, a ora Requerente interpôs recurso hierárquico, apresentado em 13/03/2013, instaurado sob o processo n.º …2011…, tendo reagido apenas contra algumas correções, conforme, aliás, vem referido nos artigos 11 e 12 do pedido de pronúncia arbitral que a Resposta transcreve: 

 

“11. Em 13 de Março de 2013 a ora Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa (que se junta como Documento n.º 6), no qual foram objeto de contestação as seguintes correções:

i) Rendimentos pagos à B... LTDA

ii) Rendimentos pagos à D...B.V. – Atleta O...

iii) Pagamento efectuado à entidade BB... LTD

12. Quanto às restantes correções, a ora requerente optou por não se pronunciar sobre as mesmas no recurso hierárquico, tendo-se reservado o direito de as contestar posteriormente em sede judicial”.

 

Mais refere a Requerida que “a requerente foi notificada a 03/01/2014 do projeto de indeferimento do recurso hierárquico, sobre o qual não exerceu o direito de audição prévia, tendo sido notificada da decisão final de indeferimento do recurso a 22/04/2014” e que “a 21/07/2014, no prazo de 90 dias a contar da notificação do indeferimento do recurso hierárquico, a requerente apresenta junto do CAAD o seu pedido de pronúncia arbitral, onde vem contra este indeferimento, mas também contra outras correções cuja anulação não alcançou em sede de reclamação graciosa e das quais não recorreu hierarquicamente”.

 

Assim, defende a Requerida, “ao contrário do que pretende no art.º 12 da sua PI, a requerente não pode reservar-se o direito de contestar posteriormente em sede judicial as correções mantidas em sede de reclamação graciosa, nos termos em que o fez…”;

“…pois não recorrendo hierarquicamente, como não recorreu, nem impugnando ou deduzindo pedido de pronúncia arbitral nos prazos legais previstos para o efeito, respetivamente de 15 dias e de 90 dias a contar da decisão de deferimento parcial da reclamação, de que foi notificado a 11/02/2013, terminando aquele a 26/02/2013 e este a 13/05/2013, produziu-se, forçosamente, caso decidido quanto às mesmas, as quais não podem já ser atacadas judicialmente”.

 

Por outro lado, realça a AT e ora Requerida, “a requerente não suscitou em sede do procedimento administrativo de 2.º grau a questão dos rendimentos da atividade de desportistas, referentes a pagamentos efetuados num total de € 957.680,25, com retenção na fonte liquidada no montante de € 79.743,82, os quais inicialmente havia levantado no procedimento administrativo de 1.º grau…,

“…Daqui se inferindo que a Requerente se conformou parcialmente com a decisão proferida no âmbito da Reclamação Graciosa, na parte em que esta negou provimento à pretendida anulação daquelas correções referentes a rendimentos derivados da atividade de desportistas”.

 

Certo é que, diz a ainda a Requerida, “através do presente pedido de pronúncia arbitral a requerente reage contra o indeferimento do recurso hierárquico por si interposto (objeto imediato do pedido), invocando, porém, argumentos adicionais face ao seu articulado recursório: os rendimentos da atividade de desportistas suscitados em sede de Reclamação Graciosa”.

 

E continua a Requerida a argumentar e a concluir que “considerando que o objeto imediato do presente processo arbitral é o indeferimento do Recurso Hierárquico e que não foi neste último suscitada a questão dos rendimentos derivados da atividade de desportistas, então, naturalmente que tal questão não pode aqui ser apreciada”.

 

Mais acrescentando que “dito de outra forma, ficou parcialmente consolidada na ordem jurídica a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa no que tange à questão dos rendimentos derivados da atividade de desportistas, não mais sendo passível a sua discussão na presenta instância arbitral sob pena de fraude à lei, pois ‘tempus regit actum’ “.

 

E, por isso, “vedada que está à requerente a possibilidade de ver agora sindicada aquela questão, impõe-se então a absolvição parcial do pedido deduzido por aquela face à requerida, sem prejuízo do que infra se dirá”.

 

Em reforço da sua pretensão, a Requerida remete para uma situação semelhante objeto de “acórdão proferido no processo arbitral que correu seus termos no CAAD com o n.º 44/2014-T, que absolveu a entidade Requerida relativamente a parte do pedido, com fundamento na exceção de caducidade do direito de ação, por entender que a decisão proferida em reclamação graciosa, na parte em que não foi suscitada em sede recursória, ficou (parcialmente) consolidada na ordem jurídica, não mais sendo possível a sua discussão na presente instância arbitral”.

 

E porque, diz a Requerida, “também nos presentes autos, ao não suscitar atempadamente, em sede de procedimento administrativo de 2.º grau (recurso hierárquico), a questão relativa aos rendimentos derivados da atividade de desportistas que havia decaído no procedimento administrativo de 1.º grau (reclamação graciosa), a requerente conformou-se parcialmente com a decisão proferida na reclamação graciosa, a qual se tornou, desse modo, caso decidido”.

 

A Requerida, em reforço da sua posição, remete ainda para o facto de que “o prazo para apresentar o pedido de pronúncia arbitral, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT se conta, no que aos autos interessa, a partir da decisão do recurso hierárquico, a qual delimita o objeto do presente pedido arbitral, que, relativamente aos rendimentos derivados da atividade de desportistas, se deverá considerar desprovido de qualquer objeto”.

 

Termos em que conclui que “deve a exceção de caducidade do direito de ação ser julgada procedente e a entidade requerida absolvida do pedido quanto a esta parte”.

 

 

II.2.2. Decisão sobre a matéria da exceção invocada pela Requerida

 

 

O que está em causa decidir previamente é a questão de saber se, como invoca a Requerida, se deu a caducidade parcial do direito de ação, com a inerente absolvição parcial do pedido, relativamente a um conjunto de correções cuja ilegalidade foi objeto da reclamação graciosa e que, não tendo aí obtido provimento, não foram incluídas na petição do recurso hierárquico, omissão esta que não só determinou que a Requerente se tivesse conformado com a decisão proferida na reclamação como fez com que, entretanto, tivesse decorrido o prazo legal para suscitar a sua ilegalidade junto do tribunal arbitral.

 

Vejamos,

 

A petição do recurso hierárquico foi estruturada nos termos que passam a resumir-se. Assim:

 

a)          Começa por uma “Introdução” (numerada de 1 a 11) na qual é apresentado um resumo dos procedimentos que antecederam a liquidação ora impugnada e dando conta no seu n.º 6 que “deduziu reclamação graciosa (…) na qual foram objeto de contestação todas as correções promovidas pelos serviços de inspeção tributária”;

b)          No n.º 9 da dita “Introdução” a então recorrente e ora Requerente faz consignar que não se vai pronunciar sobre um conjunto de correções que tinham sido objeto da reclamação graciosa, que apresenta de seguida nas alíneas a) a g) desse n.º 9, advertindo no entanto que tal não significa que esteja a “prescindir da argumentação apresentada na reclamação graciosa e, bem assim, do direito de as contestar posteriormente em sede judicial”;

c)          No n.º 10 da “Introdução”, a então recorrente apresenta a justificação para eleger e desenvolver no recurso hierárquico apenas algumas correções que deram origem à liquidação ora impugnada, dizendo que visava desse modo “evitar injustificadamente uma litigância judicial pelo facto da Autoridade Tributária se encontrar a ignorar sistematicamente os elementos de prova que têm vindo a ser apresentados pela recorrente” apelando às instancias superiores da AT para “que se apure a verdade material subjacente às correções promovidas pelos serviços da Autoridade Tributária”;

d)     No n.º 11 da “Introdução” a então recorrente reafirma que mantém a argumentação já aduzida e os elementos de prova juntos em sede de reclamação graciosa e na audição prévia à proposta do seu indeferimento “os quais se consideram integralmente reproduzidos para efeitos do presente recurso hierárquico”;

e)      Nos números 12 e seguintes da petição de recurso a então recorrente elegeu as três situações abaixo referenciadas as quais desenvolveu, tendo reforçado e ampliado a argumentação já utilizada na petição da reclamação graciosa contra as posições da AT.

 

As referidas situações são as seguintes:

 

1.      Pagamentos efetuados à sociedade B..., LDA;

2.       Pagamentos efetuados à Sociedade D..., BV – Atleta O...;

3.      Pagamentos efetuados à sociedade BB... LTD.

 

Quanto às restantes correções refletidas na liquidação impugnada que já tinham sido objeto da reclamação graciosa, a ora Requerente não as incluiu na petição do recurso hierárquico, como, aliás, é assumido no n.º 9 da dita petição que se transcreve:

 

“9. Das restantes correções promovidas, a Recorrente não se irá pronunciar, por ora, sobre as correções indicadas infra, sem prescindir da argumentação aduzida na reclamação graciosa, e, bem assim, do direito de as contestar posteriormente em sede judicial”, a saber:

 

a)      N..., a título de serviços de intermediação e outras prestações de serviços (€ 20.925,00)[47];

b)      Agente E… pela aquisição de 75% dos direitos económicos do atleta P... (€ 497.500,00);

c)      F… LTDA-EPP pela aquisição de direitos económicos e serviços prestados (€ 87.500,00);

d)     “T...B.V. pela cessão dos direitos de imagem do atleta G... (€ 31.250,00);

e)      “U… Limited pela cessão dos direitos de imagem do atleta H... (€ 80.140,00);

f)       V… B.V. pela cessão dos direitos de imagem do atleta I...(€ 161.290,25);

g)      K... pela realização de um jogo de exibição (€ 100.000,00).

 

 

Não se acompanha a posição da Requerida acima transcrita quanto à invocação da caducidade parcial do direito de ação.

Na verdade, analisando a petição do recurso hierárquico não só não é claro que a ora Requerente se tenha conformado com a decisão da reclamação graciosa, na parte em que foi denegado provimento à sua pretensão de ver anulada a totalidade da liquidação objeto da mesma, como, ao contrário, manifestou mesmo que era sua intenção suscitar a reapreciação hierárquica dessa liquidação não obstante ter eleito e desenvolvido na petição do recurso hierárquico apenas uma parte das correções que deram origem à liquidação.

 

Aliás, constata-se logo no início da petição de recurso que com ela se pretendeu “interpor recurso hierárquico da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa referente ao processo …2012…” terminando a mesma a pedir a “revogação da decisão em apreço”.

Além desta manifestação de vontade quanto ao objeto e abrangência do recurso hierárquico, vários trechos desta mesma petição dão conta da intenção da sua autora de submeter à apreciação da entidade ad quem toda a parte da liquidação que não tinha sido anulada no âmbito da reclamação graciosa.

Com efeito, como se observou a propósito da análise da estrutura da petição do recurso hierárquico (vd. supra n.º 10), é manifesto que a então recorrente se deu conta que poderia haver dúvidas sobre se tal recurso abrangia apenas a parte da liquidação que tinha a ver com as três situações desenvolvidas na petição ou se se deveria considerar que pretendia a reapreciação da totalidade da liquidação subsistente, tendo advertido expressamente a entidade tributária ad quem que o facto de se debruçar apenas sobre algumas correções não significava que estivesse a prescindir da argumentação apresentada na reclamação graciosa sobre toda a liquidação nem do posterior direito de acesso à via judicial.

Logo de seguida a então recorrente reafirma que mantém a argumentação já aduzida e os elementos de prova juntos em sede de reclamação graciosa e na audição prévia à proposta do seu indeferimento “os quais se consideram integralmente reproduzidos para efeitos do presente recurso hierárquico”.

O que pode desde logo concluir-se é que a ora requerente procedeu à incorporação material do ato da liquidação no próprio objeto do recurso hierárquico e que ao reagir à decisão deste recurso para a via judicial continuou legitimada para arguir aqui as ilegalidades dessa mesma liquidação.

 

No ordenamento tributário nacional, os atos de liquidação dos impostos enquadram-se no conceito definido no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição da República como atos que afetam direitos e interesses legalmente protegidos e por isso imediatamente impugnáveis para a via judicial (vd. art.º 95, n.º 1 da LGT e art.º 96.º, n.º1 do CPPT).

No entanto, o sistema procedimental tributário, certamente para permitir que as eventuais ilegalidades dos atos de liquidação de tributos sejam o mais possível sanadas pela própria administração sem necessidade de recurso imediato aos tribunais, instituiu um complexo e nem sempre coerente mecanismo de reapreciação administrativa desses atos que passa pela possibilidade de reclamar para o próprio autor do ato ou para o seu superior hierárquico imediato (vd. art.º 68.º do CPPT) e, depois disso, ainda na via administrativa, permite uma nova reapreciação por parte de uma segunda instância hierárquica de quem praticou o ato (vd. art.º 76.º do CPPT).

A questão que aqui se coloca é a de saber se, uma vez decidido o recurso hierárquico, o objeto da impugnação judicial que o interessado venha a colocar ao tribunal é apenas o conteúdo do ato de decisão do recursão hierárquico ou continua a ser o próprio ato da liquidação?

A resposta não pode deixar de ser no sentido de que, mesmo depois da reclamação e do recurso hierárquico, o pedido apresentado ao tribunal continua a ser a anulação total ou parcial do ato originário da liquidação e a causa de pedir continuam a ser as ilegalidades de que o ato enferma.

Neste contexto pode ainda perguntar-se se a lei impõe que o interessado, nos casos em que, facultativamente, suscite ao superior hierárquico, seja apenas através da reclamação graciosa seja também pela via do recurso hierárquico, terá que suscitar a plena reapreciação de todas as ilegalidades do ato sob pena de, se o fizer apenas parcialmente, perder o direito de subsequentemente o fazer perante o tribunal?

No sistema fiscal nacional nada permite concluir, salvo em caso de renúncia expressa, que o interessado perca o direito de acesso à via jurisdicional só pela razão de não ter repetido, na reclamação e no próprio recurso hierárquico, todas as ilegalidades que pretende assacar ao ato da liquidação, mormente quando através de uma formulação ampla e abrangente seja manifesto, como acontece no caso dos presentes autos, que a ora Requerente sempre manifestou a intenção, quer na reclamação graciosa quer no recurso hierárquico, de ver reapreciado todo o ato da liquidação.

Tanto mais que a própria autoridade tributária, quando é chamada a reapreciar os seus próprios atos, está obrigada ao dever de agir (vd. art.º 56.º da LGT) e ao dever de o fazer em subordinação aos princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade (vd. art.º 55.º da LGT) não estando limitada aos vícios e nem sequer aos factos invocados pelos interessados.

 

A jurisprudência e a doutrina vão no sentido acabado de expor. Cita-se, por exemplo, o acórdão do STA de 18-05.2011, proferido no processo n.º 0156/11, onde foi considerado que a invocação de vícios na impugnação judicial não está limitada aos que foram invocados em reclamação graciosa, dizendo:

«I - O objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise.

II - A impugnação não está, por isso, limitada pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do acto tributário. O objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise”.

A doutrina mais atualizada vai no mesmo sentido defendendo que “Na impugnação judicial subsequente a reclamação graciosa ou recurso hierárquico interposto da respectiva decisão, poderão ser invocados quaisquer vícios do acto de liquidação e não apenas os invocados na reclamação ou no recurso hierárquico.

Desde logo, o art.º 99.º do CPPT, ao proclamar que «constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade», aponta no sentido de não haver qualquer restrição relativamente aos vícios do acto de liquidação que podem ser invocados.

É certo que poderia aventar-se que, não tendo o contribuinte invocado em reclamação graciosa, no prazo respectivo, vícios geradores de mera anulabilidade, teria caducado o direito de os invocar.

Porém, no tortuoso regime da impugnabilidade dos actos de liquidação, em que se viabiliza que, depois de perdido por caducidade o direito de impugnação judicial directamente o acto de liquidação ele possa ser obtido através da apresentação tempestiva de reclamação graciosa, cujo prazo é mais longo do que o de impugnação judicial (   ), será de entender que enquanto o contribuinte estiver em tempo de impugnar judicialmente o acto de liquidação (seja directamente através de impugnação judicial, seja através de impugnação de decisão de indeferimento de reclamação graciosa ou recurso hierárquico interposto da respectiva decisão), poderá discutir a sua legalidade sem qualquer restrição.

É, aliás, a solução mais razoável, uma vez que enquanto o acto de liquidação não atinge a presumível estabilidade que proporciona o esgotamento absoluto da viabilidade de ser impugnado com fundamento em vícios geradores de mera anulabilidade (relativamente a vícios geradores de nulidade a impugnação pode fazer-se a todo o tempo, pelo que a estabilidade é sempre relativa), não há razões de segurança jurídica que justifiquem a não invocação de novos vícios, o que, actualmente, resulta com evidência do n.º 2 do art.95.º do CPTA, que permite ao juiz identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas.

É verdade que, não havendo razões de segurança jurídica que justifiquem a proibição de invocação de vícios geradores de mera anulabilidade enquanto o acto não adquire estabilidade, há outras razões que justificam restrições, designadamente de ordem processual, pois o bom andamento dos processos judiciais não se compatibiliza com a possibilidade de o impugnante arguir vícios quando lhe apetecer, ao longo do processo, obrigando a assegurar repetidamente o contraditório e eventualmente realizar mas que uma fase de instrução.

Mas, obviamente, estas perturbações processuais não existem quando o processo de impugnação judicial ainda não se iniciou, no momento em que vai ser impugnada judicialmente a decisão de indeferimento da reclamação graciosa ou do recurso hierárquico que foi interposto da respectiva decisão, pelo que não se justifica que se restrinjam os vícios invocáveis em impugnação judicial em função dos invocados em reclamação graciosa ou recurso hierárquico da sua decisão. (Vd. CPPT anotado e comentado por Jorge Lopes de Sousa, 6.ª edição, volume II, anotação 22 ao artigo 99.º).

 

Nestes termos improcede a exceção de caducidade parcial do direito de ação e o correspondente pedido de absolvição formulados pela Requerida na sua Resposta.

 

 

 

III – DA DECISÂO

 

Indicações genéricas e metodologia seguida

 

Os factos tributários objeto dos presentes autos estão relacionados com vários tipos de rendimentos pagos a pessoas singulares e colectivas não residentes, por força da celebração de diversos contratos entre a Requerente A... e outros agentes desportivos e não desportivos, cuja qualificação, por um lado, se mostra por vezes controversa entre Requerente e Requerida, sendo também divergente o enquadramento fiscal dos rendimentos que lhe está associado, os requisitos de aplicação de normas das Convenções celebradas entre Portugal e os diferentes países de residência dos beneficiários e, consequentemente, a sujeição ou não a retenção na fonte e também a questão das taxas aplicáveis.

 

O princípio da territorialidade previsto no sistema tributário nacional determina que os não residentes em Portugal são tributados pelos rendimentos aqui obtidos através de uma retenção definitiva na fonte que incide sobre os rendimentos brutos provenientes de fontes nacionais que lhes forem pagos ou colocados à disposição.

Nos casos em que haja Convenções sobre dupla tributação a tendência é a tributação no estado da residência havendo alguns rendimentos, como o caso dos rendimentos da atividade desportiva, que podem ser tributados no Estado da fonte.

Em termos de direito interno, a incidência sobre as pessoas singulares residentes no estrangeiro encontra-se definida no artigo 13.º, n.º 1, in fine, do CIRS, segundo o qual ficam sujeitos a IRS as pessoas singulares que, não residindo no território português, aqui obtenham rendimentos, acrescentando o n.º 2 do artigo 15.º que, tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.

Quanto às pessoas coletivas a alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRC prevê que o IRC incide sobre os rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS obtidos em território nacional por não residentes que aqui não tenham estabelecimento estável ao qual sejam imputáveis esses rendimentos.

O n.º 1 do artigo 88.º do CIRC enumera os tipos de rendimento obtidos por não residentes sujeitos a retenção definitiva e que, no caso relevante para as correcções em que se baseou a liquidação impugnada, são, no essencial, rendimentos conexos com a actividade desportiva, rendimentos provenientes da intermediação de contratos e rendimentos de capitais (vd. igualmente artigo 18.º do CIRS e n.º 3 do artigo 4.º do CIRC).

Quanto ao momento em que a retenção a título definitivo deve ser feita, a lei prevê que deve ser no acto que ocorrer primeiro entre a data do pagamento, do vencimento, da colocação à disposição ou da liquidação (vd. artigo 98.º do CIRS e nº 10 do artigo 8.º e artigo 88.º do CIRC) a taxas liberatórias que incidem sobre os rendimentos ilíquidos (vd. artigo 71.º, n.º 5 do CIRS). 

Observa-se, por outro lado, que a liquidação do imposto opera através da figura da substituição tributária em que a capacidade contributiva é dos titulares do direito ao rendimento sendo o sujeito passivo a entidade devedora desses rendimentos.

Nestes casos de retenção definitiva o substituto é o devedor principal do imposto ficando o substituído responsável apenas pela diferença entre o imposto que tenha sido deduzido e o que deveria tê-lo sido (vd. artigo 28.º da LGT, n.º 3 do artigo 103.º do CIRS e n.º 5 do artigo 106.º do CIRC).

Feita esta breve introdução muito genérica, apenas para fazer menção a alguns dos factos tributários e a algumas das normas que infra se vão analisar, passa-se à análise e decisão de cada uma das várias situações tributárias que constituem o objeto do presente processo.

 

Em termos metodológicos e quanto à invocação da matéria de facto e à apresentação da motivação jurídica com que se sustenta a decisão final considera-se que, em face da variedade das situações tributárias que estão na base da liquidação impugnada, o tribunal vai analisar e decidir cada uma das situações tributárias subjacentes à liquidação pela ordem com que supra foi apresentado o resumo da argumentação da Requerente e da Requerida

 

 

 

Assim: 

 

 

III. 1. Pagamento a B...  LDA como contrapartida pela intermediação na contratação de um jogador de futebol

 

A situação tributária que aqui cumpre analisar e decidir tem a ver com a questão de saber se estão reunidos os pressupostos para operar a dispensa de retenção na fonte relativamente a um pagamento efetuado pela ora Requerente à entidade B… LDA, não residente e sem estabelecimento estável em Portugal, como contrapartida pela intermediação na contratação de um jogador de futebol.

 

 

III. 1.1. Da matéria de facto

 

A A... e ora Requerente pagou a B... LTDA, através de pagamentos parciais cujos documentos estão datados de 17/02/2009, 18/06/2009, 16/07/2009 e 22/09/2009, no valor respetivamente de € 42.500,00, € 25.500,00, € 12.000,00 e € 30.000,00, no total de € 110.000,00, como contrapartida pela intermediação na contratação de um jogador de futebol.

A entidade pagadora dos rendimentos não procedeu à retenção na fonte do imposto referente a estes pagamentos tendo a AT procedido à liquidação correspondente de € 6375,00, € 3825,00, € 1800,00, € 4500,00, no total de € 16.500,00 montante este acrescido dos correspondentes juros compensatórios

Segundo decorre dos autos a beneficiária deste rendimento não residia nem tinha estabelecimento estável em Portugal no referido ano de 2009, tendo Requerente e Requerida afirmado que tinha sede no Brasil.

No decurso da ação inspetiva a Requerente facultou à AT o formulário RFI, preenchido, com a aposição de carimbo de recebimento com data de 05/02/2009 e uma assinatura, mas sem preenchimento do quadro III na parte referente à sua certificação.

 

Em face da falta de certificação, a AT informa que se dirigiu à Administração Fiscal Brasileira, nos termos do artigo 26.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal, celebrada com a República Federativa do Brasil, solicitando informação sobre se a entidade beneficiária era considerada residente no Brasil, se estava aí sujeita a tributação, se existia um selo ou carimbo oficial para atestar a certificação e se o carimbo aposto no referido formulário correspondia a uma certificação.

 

Embora a resposta da Administração Fiscal Brasileira não esteja junta aos autos, diz o relatório de inspeção que a mesma informou que “o Formulário RFI está em branco, que não foi recebido por organismo competente e, como tal, não está devidamente certificado”.

 

Encontrando-se o dito modelo junto como anexo 90 ao relatório de inspeção dá-se por provada a omissão referida quanto ao preenchimento do quadro III do formulário 21-RFI.

 

III.1.2. Do direito aplicável

 

Dão-se por reproduzidas as posições que Requerente e Requerida apresentaram sobre a presente situação tributária e que supra se encontram descritas (vd. n.º 6.1 do Relatório da presente decisão arbitral).

 

Não havendo divergências entre Requerente e Requerida quanto à qualificação do rendimento pago nem quanto à sua sujeição a imposto, as diferenças de posição entre as partes, amplamente debatidas nos procedimentos administrativos e agora na p.i e na Resposta, têm a ver com a validade do formulário previsto no artigo 90.º A do CIRC acima transcrito que foi apresentado ao substituto tributário a ora Requerente, mormente sobre se tal formulário estava ou não deviamente preenchido e autenticado e sobre quem tinha competência e o ónus para reunir os pressupostos que permitissem a não retenção na fonte do imposto correspondente ao referido rendimento.

Segundo alega a Requerente o formulário foi-lhe entregue pelo beneficiário do rendimento, a referida B..., devidamente preenchido e com prova de que foi recebido pelas autoridades tributárias brasileiras uma vez que no seu campo III estava indicada a data de 05/02/2009 como data da sua receção e o nome de uma funcionária das referidas autoridades que o rececionou.

Por sua vez a Requerida anota na sua Resposta que o dito formulário não era válido porque o seu campo III não estava devidamente preenchido, mormente por lhe faltar a confirmação de que a entidade B... foi o efectivo beneficiário do rendimento pago pela A..., se tinha a sua residência no Brasil e se aí era sujeito passivo do imposto sobre o rendimento.

Anota-se que Requerente e Requerida estão de acordo e confirmam que as autoridades tributárias brasileiras não autenticaram o formulário em causa porque, segundo informam, a sua legislação interna o não prevê.

Nem a Convenção com o Brasil nem a lei interna previam a maneira de suprir a falta de autenticação do formulário em causa.

Assim, Requerente e Requerida vêm-se debatendo, desde a reclamação graciosa, passando pelo recurso hierárquico e agora na p.i e na Resposta, como supra se dá conta na transcrição das referidas peças processuais, sobre como deveria suprir-se a ausência de autenticação do formulário e sobre quem tinha competência para obter a confirmação dos elementos em falta.

Para a Requerente deveria ser a AT e ora Requerida a indagar sobre esses elementos junto da AT Brasileira, não se contentando com a resposta vaga que o relatório de inspeção diz que obteve das autoridades brasileiras, e que a mesma deveria ter insistido até obter respostas concretas sobre os elementos em falta.

Para a Requerida esse ónus estaria do lado da Requerente e para sustentar a sua posição vem invocar o Despacho do Ministro das Finanças n.º 22600/2009, de 7 de Outubro, que diz como se faz quando as autoridades fiscais de um Estado Contratante não autenticam o quadro III do modelo 21-RFI.

Segundo tal despacho essas autoridades devem emitir um modelo próprio, à vontade de cada um, desde que seja indicada a identificação do destinatário do rendimento (não residente e sem estabelecimento estável em Portugal), a menção de que é residente para efeitos fiscais nesse Estado Contratante e que aí é sujeito passivo de imposto sobre o rendimento e, quanto às autoridades tributárias, a identificação de quem fez a autenticação, a data, a assinatura e aposição de um selo ou carimbo oficial em vigor nesse Estado.

Assim, nestes casos, para que a entidade pagadora de rendimentos fique dispensada de proceder à retenção do imposto deverá ser-lhe presente o modelo 21-RFI devidamente preenchido (embora sem o quadro III) e este outro modelo livre emitido pelas referidas autoridades.

Em qualquer caso, defende a Requerida que o ónus de se assegurar da referida prova, em que o modelo é um meio insubstituível, compete à entidade pagadora dos rendimentos.

Quid Juris?

Na economia do sistema tributário actual, mormente no direito interno que a Convenção não contraria, o modelo em vigor a que se referia a alínea a) do n.º 2 do artigo 90.ºA do CIRC, ao tempo em vigor, foi aprovado pelo Despacho n.º 30359/2007, de 29/11, alterado pelo Despacho n.º 4743-A/2008, de 08/02, devia ser certificado pelas autoridades fiscais do Estado contratante em que residir e for sujeito passivo o beneficiário do rendimento, sendo o mesmo decisivo como prova e como requisito para habilitar a entidade pagadora a não proceder à retenção na fonte do imposto correspondente ao rendimento que pagar ou colocar à disposição de não residentes.

No caso em apreço quando o rendimento foi pago à entidade não residente B..., LTDA, o modelo 21-RFI apresentado pela referida entidade à pagadora do rendimento e ora Requerente, que foi junto ao relatório de inspeção como anexo 90, não estava devidamente autenticado no espaço reservado para o efeito, o seu quadro III.

É certo que, como nas datas acima indicadas, em que tiveram lugar os pagamentos em causa, não tinha ainda sido publicado o dito Despacho n.º 22600/2009, não poderia o conhecimento do seu conteúdo e o cumprimento dos seus procedimentos ser exigíveis aos intervenientes na operação tributária em apreço.

A lacuna em causa sobre como deveria ser suprida a recusa de autenticação de um formulário em vigor na legislação interna de um Estado contratante e que, como foi o caso do Brasil, o outro Estado não reconhecia, deveria permitir uma maior flexibilização na obtenção da prova sobre os elementos que poderiam permitir o reconhecimento do princípio convencional da tributação no Estado da residência com dispensa da mesma no Estado da fonte.

A própria administração fiscal portuguesa, perante a informação que obteve das autoridades fiscais brasileiras sobre o não reconhecimento e recusa de autenticação do formulário, poderia ter obtido a informação em falta, como bastamente foi invocado pela Requerente.

A AT e ora Requerida, refugiando-se na omissão e exigência da lei, na força probatória do formulário e no ónus da prova que incumbia a quem invocava o direito, não pode ou não quis colaborar na obtenção dos elementos em falta.

Seja como for, em termos dos elementos de prova que constam nos autos, a manifesta falta de autenticação do formulário que foi apresentado à entidade pagadora dos rendimentos e a falta de confirmação oficial dos dados tributários da entidade a quem os mesmos foram pagos mantiveram-se inalterados desde a ação de inspeção até à fase de produção de prova no presente processo arbitral.

E nesse decurso de tempo a entidade pagadora e ora Requerente não demonstrou que tivesse tido a iniciativa de exigir à beneficiária do rendimento que lhe apresentasse provas oficiais, em documento livre a emitir pelas autoridades tributárias brasileiras, de que a mesma era residente fiscal no Brasil e que era aí sujeito passivo do imposto sobre o rendimento e, sobretudo, não apresentou qualquer documento oficial que contivesse esses elementos.

Ora, não sendo exigível ou havendo dúvidas sobre a maneira de obter esses elementos nas datas em que procedeu aos pagamentos poderia tê-lo feito, tal como diz a Requerida, no decurso dos procedimentos da reclamação graciosa, do recurso hierárquico e até com a prova que poderia ter junto à petição inicial com que requereu a abertura dos presentes autos.

Se tal tivesse acontecido outra seria certamente a análise e conclusão que aqui poderia ser acolhida.

Não o tendo feito, a Requerente omitiu um ónus que estava a seu encargo de provar que a retenção na fonte à taxa de 15% do imposto correspondente ao rendimento que pagou, a que estava obrigado por força do disposto nos números 1, alínea g), 3 alínea b) e 5 do artigo 88.º do CIRC, poderia ser dispensada caso tivessem sido cumpridos os pressupostos previstos na parte aplicável do artigo 90.º-A do mesmo código ao tempo em vigor.

 

Decisão

Nestes termos considera-se que não estavam reunidos os pressupostos para dispensar a retenção na fonte do imposto à taxa de 15% a incidir sobre a quantia de € 110.000,00 paga pela Requerente a B... LTDA, na quantia de € 16500,00, improcedendo assim esta parte do pedido arbitral.

 

 

III. 2. Pagamento de € 150.000,00 à entidade “D...BV”, residente na Holanda, pela intermediação na negociação e contratação do jogador de futebol O...

 

O objeto essencial da situação tributária que passa a analisar-se e a decidir-se tem a ver com a validade do formulário 21-RFI e sobre os requisitos necessários para arguir a sua falsidade.

 

 

III.2.1. Da matéria de facto

 

A A... e ora Requerente procedeu em 10/11/2009 ao pagamento da quantia de € 150.000,00, à entidade com sede na Holanda denominada “D...B.V”, pagamento que relevou na conta 432163 da sua contabilidade, como contrapartida pela intermediação na negociação, contratação e celebração de um contrato de trabalho desportivo do jogador O....

 

Este pagamento teve suporte num contrato datado de 5 de Maio de 2009, celebrado entre “A…SAD” e “D...B.V”, com sede Amsterdam, Holanda, com cópia junta como anexo 92 do relatório de inspeção, através do qual esta entidade se obrigou a “levar a cabo todas as diligências conducentes à preparação, elaboração e instrução de todos os documentos necessários à desvinculação do jogador O… do contrato de trabalho que o vincula ao OO… e de forma concomitante a assegurar a celebração de um contrato de trabalho desportivo entre o A… e o identificado jogador”.

 

Foi igualmente junta a cópia de uma fatura no montante de € 150.000,00, dirigida a A… SAD, emitida por D... B.V., datada de 31 de Julho de 2009, remetendo para o contrato celebrado entre as duas entidades.

 

Foi também junto ao relatório de inspeção, como anexo 93, cópia de um modelo 21-RFI, datado de 29 de Julho de 2009, cujo quadro I referente à Identificação do beneficiário efetivo dos rendimentos está preenchido indicando que é D… BV, com sede em Amsterdam, NETHERLANDS, número de identificação fiscal …, cujo quadro VIII está preenchido com a indicação de que o beneficiário efetivo dos rendimentos é D...B.V, contendo este quadro a assinatura de PP…, Managing director, e cujo quadro III relativo à “certificação das autoridades fiscais competentes do Estado de Residência do Beneficiário efetivo” está devidamente preenchido e autenticado, em 29 de Julho de 2009, com assinatura de QQ… e aposição de selo oficial.

 

Foi junta cópia de uma carta dirigida pela D...a A..., datada de 28 de Agosto de 2009, em que a primeira remeteu uma “Declaration of Residence/Withholding tax” “executed by the Dutch Tax Authorities”.

 

A AT juntou ainda um extrato, sem data, com informação Referente a D...l, emitida por “Câmara de Comércio Vestnr” com indicação de que aquela entidade terá por objeto a “Exploração e empresa de financiamento, investindo, operacional, aluguel, compra e venda de imóveis, licenças e empresa de royalties, prestação de serviços de consultoria no sentido mais amplo”.

Observa-se que no verso desta informação consta ainda um conjunto de palavras em língua holandesa que indiciam tratar-se da informação original sobre o objeto da D...acabado de referir (documento que o relatório de inspeção não invocou e que o tribunal não considerou necessário mandar traduzir por concluir que nada acrescentaria à informação já disponível).

 

A ora requerente não procedeu à retenção na fonte do imposto correspondente a este pagamento por lhe ter sido apresentado o referido formulário, tendo a AT procedido à liquidação de € 22.500,00 acrescido de juros compensatórios.

 

 

III.2.2. Do Direito aplicável

 

Dão-se por reproduzidas as posições que Requerente e Requerida apresentaram sobre a presente situação tributária e que supra se encontram descritas (vd. n.º 6.2 do Relatório da presente decisão arbitral), a que passam a fazer-se apenas algumas breves referências no enquadramento apresentado a seguir.

 

O que está em causa na presente situação tributária prende-se com a questão de saber se estavam ou não reunidos os requisitos legais para que, ao abrigo da Convenção entre Portugal e a Holanda e da lei interna portuguesa aplicável, a A... e ora Requerente poderia ou não abster-se de proceder à retenção na fonte do imposto devido pelo pagamento efetuada à citada entidade não residente.

 

No âmbito da ação de inspeção que serviu de base à liquidação impugnada a Requerente informou na p.i. que disponibilizou aos serviços da autoridade tributária o formulário 21-RFI, devidamente preenchido e autenticado pela autoridade tributária holandesa o qual lhe tinha sido apresentado pela beneficiária do rendimento, a dita D..., tendo sido com base nesse formulário que se absteve de reter na fonte o imposto correspondente.

De acordo com a Requerente, estando o formulário devidamente autenticado e constando no mesmo que a D...foi a beneficiária efetiva do rendimento e que esta é residente na Holanda, nada mais lhe poderia ser exigido em matéria de diligências indagatórias suplementares sobre a verificação dos requisitos para a dita dispensa de retenção.

 

Por sua vez a Requerida dá conta das razões que a levaram a desconsiderar a validade do formulário 21-RFI e a consequente liquidação adicional de € 22.500,00.

A liquidação é sustentada pela AT com o facto de não ter sido possível recolher indícios de que a D...prestou os serviços que a Requerente diz que lhe foram prestados e que justificaram, face ao contrato entre ambas celebrado, o rendimento que lhe foi pago.

Atentando nos factos invocados pela Requerida constata-se que os mesmos se referem ao objeto da D..., que foi apresentada como uma empresa com grande experiência na intermediação dos negócios relacionados com o mundo do desporto profissional, sendo que, continua a Requerida, nem a administração fiscal holandesa nem a administração fiscal portuguesa conseguiram confirmar tal informação.

Na verdade, segundo o relatório, na pesquisa efetuada através de ferramentas disponíveis na internet a única informação que foi obtida é que a D...tem por objeto a “prestação de serviços de consultoria no sentido mais amplo”.

O relatório de inspeção e a resposta da AT afirmam, como um dos fundamentos para desconsiderar a validade do formulário 21-RFI, que a D...não foi a beneficiária do pagamento feito pela A... dado que o mesmo se destinou a uma “sociedade localizada nas Ilhas Virgens Britânicas”, sendo esta, de facto, a beneficiária do rendimento.

Acrescenta ainda a AT que houve um “aproveitamento abusivo da convenção para evitar a dupla tributação” e que “uma entidade desportiva residente em Portugal pretende adquirir direitos sobre um jogador a uma sociedade residente nas Ilhas Virgens Britânicas (offshore), de modo a aproveitar abusivamente do desagravamento fiscal previsto na Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada por Portugal com outro Estado, e que na operação foi introduzido um terceiro interveniente, residente nesse outro Estado, a quem a entidade residente efetuou os pagamentos relativos à aquisição de direitos, e que a sociedade holandesa agiu apenas na qualidade de fiduciário da sociedade offshore, sendo remunerada enquanto tal e não constituindo assim o beneficiário efetivo do rendimento pago pela Requerente” (vd. pag. 17 da Resposta).

Segundo também informa a AT estas conclusões decorrem da informação que foi obtida da AFH a qual informou que “aquele rendimento não foi sujeito a tributação na Holanda porque a D...terá agido em nome e por conta de outra entidade residente nas Ilhas Virgens Britânicas sendo esta que terá prestado o serviço na negociação do jogador à A... atuando a D...apenas como “conduit company”, tudo sustentado, diz a AT, em documentos e fluxos monetários”.

 

A ora Requerente, confrontada com esta informação, não juntou outros elementos e reiterou que foi a D...que prestou o serviço, tal como consta no contrato de 05/05/2009, exibido à AT, a qual, perante o texto do contrato diz que reforçou a sua convicção dado que a sua cláusula 3.ª prevê que a D...deveria manter a A... informada sobre as diligências que efetuasse em execução do contrato, o que não terá acontecido.

 

Quid juris

 

A divergência que opõe Requerente e Requerida desenvolve-se à volta da questão da validade do formulário 21-RFI que foi apresentado à A... pela D...e com base no qual não foi efetuada retenção na fonte correspondente ao rendimento pago.

 

Para responder à questão da validade do formulário teremos que nos cingir à prova constante nos autos que se encontra descrita supra em III.2.1.

Assim, dão-se por provados os factos aí descritos, sendo que o relatório de inspeção, tal como a Resposta da Requerida, embora tenham consignado que a administração fiscal holandesa informou a portuguesa de que os valores faturados pela D... B.V. não constituíram rendimentos desta empresa pois a D...apenas agiu como intermediária por conta de uma outra sociedade, empresa esta constituída nas Ilhas Virgens Britânicas, não juntou cópia da correspondência trocada com a administração holandesa, para que pudesse examinar-se e sobre ela ser exercido o direito ao contraditório, nem juntou qualquer outro documento que sustentasse as suas afirmações e conclusões.

 

Em termos mais específicos afirma a Requerida, nas páginas 15 e 16 da Resposta, que o formulário 21-RFI não tinha indicado no seu quadro I quem era beneficiário do rendimento.

Porém, analisando o referido formulário, junto em anexo ao relatório de inspeção pelos próprios serviços fiscais, como se fez em III.2.1., está lá claramente indicado, no campo reservado para tal efeito, que o nome do “beneficiário efetivo do rendimento” é a “D...BV”, tal como está indicada a sua morada na Holanda e o seu número de identificação fiscal (no quadro I está apenas por preencher o espaço destinado ao email do “beneficiário efetivo do rendimento” o que é irrelevante).

 

O formulário em causa está igualmente preenchido no seu quadro III, destinado à “certificação das autoridades fiscais competentes do Estado de Residência do Beneficiário efetivo” está devidamente preenchido e autenticado, com data de 29 de Julho de 2009, com assinatura de QQ… e com aposição de selo oficial.

 

Segundo a Requerida a Administração Fiscal Holandesa terá informado que a “D...é residente na Holanda para efeitos fiscais mas que o rendimento em causa não foi aí objeto de tributação” (pagina 161 do relatório de inspeção).

Porém, nada se diz se a AFH informou sobre as razões dessa não tributação nem sobre os termos e em que qualidade é que essa tal entidade residente nas Ilhas Virgens Britânicas, cuja identificação nem sequer foi indicada, veio afinal a beneficiar do rendimento pago pela A... à D....

 

O processo não mostra como é que a Holanda respondeu à questão do local da residência da beneficiária do rendimento e da sua articulação com outra entidade residente nas ditas Ilhas Virgens na qual participa ou pela qual é participada.

E essa clarificação poderia ser decisiva e indispensável para entender a aparente contradição entre a autenticação que fez do formulário 21-RFI e a indicação paralela que terá fornecido quanto ao beneficiário do rendimento.

 

O conceito de residência ocupa uma posição central no direito tributário internacional. Alberto Xavier salienta que a noção de residência ou domicílio para efeitos de delimitação da incidência das normas tributárias de cada Estado contratante é também distinta da noção de domicílio para efeitos do direito tributário interno sendo este referente a um lugar bem determinado para o exercício de direitos e o cumprimento de deveres e para localizar os serviços da administração com os quais o contribuinte se deve relacionar.

Assim, em regra os conceitos de domicílio e de residência nos diversos Estados contratantes têm regimes jurídicos distintos sendo comum a ideia que o domicílio é um elemento de conexão mais forte que a residência, dando origem a obrigações tributárias mais extensas, distinguindo-se desta por exigir, no caso das pessoas singulares, uma presença duradoura num dado território acompanhada de efectiva intenção de aí permanecer (Vd. Direito Tributário Internacional, página 281, Alberto Xavier, 2.ª edição Atualizada, Almedina).

No caso das pessoas coletivas – e a D...é uma pessoa colectiva – o conceito de residência consagrado na generalidade das leis internas e das Convenções estabelece que deverá permanecer o critério do local da direcção efectiva, sendo este o lugar onde os negócios são dirigidos ou fiscalizados, isto é, onde são praticados os atos de gestão global da empresa (Ibidem, pag. 295).

 

Pelo maneira como o relatório de inspecção se encontra redigido nem sequer é possível escrutinar se a administração fiscal holandesa foi devidamente questionada sobre a residência da beneficiária do rendimento e sobre o destino desse mesmo rendimento.

 

Seja como for, os termos com que o relatório de inspecção alvitra a eventual utilização abusiva do formulário 21-RFI não permitiriam a sua desconsideração e a consequente retirada de efeitos na dispensa da retenção do imposto devido pelo pagamento em apreço.

 

Com efeito, o referido formulário 21-RFI é afinal um documento formalmente bem preenchido, pelo menos quanto aos seus elementos essenciais, constituindo um documento oficial com os efeitos que legalmente lhe são atribuídos, ficando assim por entender como é que, por um lado, esse formulário é certificado pela administração fiscal holandesa, que certamente não desconhecia os seus efeitos legais, e, por outro lado, como é que essa mesma administração vem dizer à parte que, afinal, não é bem assim, que afinal a autenticação e o seu conteúdo não devem ser levados a sério.

 

Na economia da tributação dos pagamentos a não residentes o formulário RFI tem força probatória plena, como acontece com as demais provas legais.

Ora, nos termos do artigo 347.º do Código Civil, tal força probatória só pode ser contrariada por outro meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto.

Isto significa, no caso especial de um documento autêntico, que se deve cumprir com a especialmente exigente regra da contra-prova, ou seja, a prova de um facto contrário ao atestado num documento só será admissível pela arguição da falsidade desse documento, e da correspondente prova dessa falsidade, sem admissão de qualquer outro meio de prova apresentado pela contraparte (vd. A Residência no Direito Internacional Fiscal, páginas 450 e seguintes, por Gustavo Lopes Courinha, coleção Teses 2015, Almedina).

Este autor assinala que, em casos de pagamentos a não residentes, o contribuinte fica “refém” da certificação pela autoridade fiscal do país da residência e que pese embora se pudessem demonstrar os requisitos de aplicação das Convenções sobre dupla tributação (CDT) por outros meios, nomeadamente prova documental particular, prova testemunhal ou mesmo por outros documentos autênticos emitidos pelas autoridades fiscais, fica-lhe vedada essa possibilidade por se tratar de uma prova de cariz legal.

Para as autoridades fiscais portuguesas, a destruição dos efeitos probatórios de documento autêntico atestado pelas autoridades fiscais estrangeiras passa necessariamente pela demonstração da falsidade do mesmo e com o ónus a recair por inteiro em quem alega (Ibidem, pagina 452).

 

Em conclusão, analisando a prova produzida nos autos haverá que concluir que não foi demonstrada qualquer omissão, irregularidade ou falsidade do formulário 21-RFI que permita afastar a sua validade, tal como não foi feita qualquer prova de que os rendimentos não se destinaram à entidade aí constante como sendo a beneficiária efetiva do quantitativo pago em 10/11/2009 pela A..., como contrapartida pelos serviços que lhe foram prestados por uma entidade residente na Holanda e sem estabelecimento estável em Portugal, devendo assim considerar-se que não merece qualquer censura a dispensa da retenção na fonte do imposto relativo à referida quantia de € 150.000,00, devendo, pois dar-se por cumpridos os requisitos previstos na parte aplicável do artigo 90.º-A do CIRC, redação então em vigor, para suportar essa dispensa.

 

Decisão

 

Nestes termos declara-se a procedência do pedido de anulação da parte da liquidação impugnada correspondente à situação tributária acabada de descrever e analisar, devendo proceder-se à anulação da liquidação de imposto no montante de € 22.500,00 e dos juros compensatórios liquidados no montante de € 1.817,26.

 

 

 

III.3. Pagamento ao empresário E... como contrapartida pela aquisição de 75% dos direitos económicos do jogador de futebol P...

 

Nesta situação tributária está em causa apreciar e decidir se o rendimento pago a um empresário de nome E..., não residente e sem estabelecimento estável em Portugal, deve ser considerado como rendimento proveniente do exercício de uma actividade desportiva e consequentemente sujeito ao regime tributário específico aplicável a esse tipo de actividades, legitimando a liquidação impugnada, como pretende a autoridade Requerida, ou se pelo contrário não reúne os requisitos para essa qualificação e tributação, devendo anular-se a liquidação, como pretende a Requerente.

 

 

III.3.1. Da matéria de facto

 

A A... e ora Requerente efetuou em 19/11/2009 um pagamento de € 1.990.000,00 a E..., como contrapartida pela aquisição de 75% dos direitos económicos do jogador de futebol P...

A transação foi acordada através de um contrato celebrado em 31 de Agosto de 2009, em Lisboa, pelos outorgantes A… SAD, sociedade anónima desportiva com sede em Lisboa e E..., residente na cidade de São Paulo, Brasil, encontrando-se cópia do mesmo como anexo 97 do relatório de inspeção em que se baseou a correção da liquidação impugnada aqui em apreço.

No referido contrato está consignado que o cedente E..., por força de um contrato celebrado com o Q..., era, à data, único e exclusivo titular do direito de dispor de todos os direitos desportivos e financeiros emergentes do contrato de trabalho celebrado entre aquele Clube e o jogador profissional de futebol P....

No mesmo contrato foi aposto que o A... celebrou na mesma data um contrato de trabalho desportivo com o atleta P... para vigorar nas épocas de 2009/2010 a 2013/2014, decorrendo daqui que foi a celebração do contrato desportivo com o jogador que motivou a celebração do contrato com o empresário.

Neste contexto, foi clausulado que o cedente cedeu à A... a “totalidade dos direitos federativos e 75% dos direitos económicos inerentes ao atestado liberatório do atleta P..., obrigando-se para tal a diligenciar junto do Q... Clube pela libertação do Certificado Internacional de Transferência do atleta”. ´

Quanto à contrapartida que foi acordada que a cessionária iria pagar ao cedente foi fixada em € 1.990.000,00 que deveria ser paga no prazo de 30 dias a contar da receção do Certificado Internacional da Transferência do atleta P... na Federação Portuguesa de Futebol.

O contrato clausulou ainda diversas outras matérias nomeadamente a assunção por parte do cedente de eventuais indemnizações que o clube a que o atleta pertencia ou qualquer outro clube ou entidade venham a reivindicar pelo facto do novo contrato celebrado entre o jogador e o A....

Não foi efetuada qualquer retenção na fonte de imposto a incidir sobre o pagamento em causa.

No anexo 95 ao relatório de inspeção está junta cópia de uma fatura, datada de 26 de Outubro de 2009, em que E... solicitava ao A… que creditasse uma conta sedeada no Bank RR.., pela quantia de € 1990.000,00, referente à venda de 75% dos direitos económicos do jogador de futebol P… conforme contrato assinado em 31 de Agosto de 2009.

O relatório de inspeção informa que, perante este contrato e pagamento, foi notificada a A... para esta esclarecer se o jogador se encontrava livre ou se veio transferido de outro clube.

Como resposta a A... informou que o jogador foi transferido ao abrigo do contrato acima analisado, de que juntou cópia, informando que não tinha qualquer outro elemento ou documento adicional referente à transferência do atleta P....

Por seu lado, o relatório de inspeção informa que “em pesquisa efetuada a site da especialidade (Gazeta Esportiva) foi possível identificar a notícia de que o atleta se encontrava “Livre” antes de assinar pela A..., pois, terá por intermédio do empresário E... negociado a sua rescisão junto do clube Q…".

O objeto da referida pesquisa foi junto ao relatório de inspeção como anexo 96 tratando-se de um print com uma notícia da “Gazeta Esportiva.Net”, datada de 27/08/2009 e atualizada em 28/08/2009, segundo a qual “P... é vendido a grupo de Empresários e deixa o Q…”.

A notícia desenvolvia que o atleta P..., um dos melhores dessa edição do campeonato brasileiro, foi vendido pela sua “equipe” a um grupo de empresários representados por uma pessoa de São Paulo cuja intenção “é repassar o atleta para um time do futebol português, provavelmente o A…”.

Segundo a notícia esta venda foi confirmada pelo presidente do Q… SS… que informou que os empresários consultaram o Q… e “fizeram uma oferta para nós” e que “devido aos valores acabamos aceitando”.

Perante esta factualidade, a inspeção tributária considerou que o pagamento feito pela A... devia ser qualificado com rendimento sujeito a tributação em Portugal, nos termos infra analisados, tendo proposto uma correção de imposto de € 497.500,00 acrescida dos correspondentes juros compensatórios que vieram a ser liquidados no montante de € 40.181,64, proposta que foi aceite pela entidade liquidadora.

 

III.2.2. Do direito aplicável

Dão-se por reproduzidas as posições que Requerente e Requerida apresentaram sobre a presente situação tributária e que supra se encontram reproduzidas (vd. n.º 6.3 do Relatório da presente decisão arbitral).

 

A notícia recolhida da “Gazeta esportiva” constitui a primeira e principal base de invocação da AT e ora Requerida para afirmar que o jogador P... estava “livre” quando assinou o contrato de trabalho desportivo com o seu novo clube, o A..., e que o montante pago ao empresário foi uma contrapartida pela assinatura desse contrato, donde resulta que se está perante um rendimento obtido em Portugal por um não residente, sujeito a IRC, uma vez que se tratou de rendimentos derivados do exercício em território português de uma atividade desportiva, devendo assim esse rendimento ser tributado pelo método da retenção na fonte à taxa de 25% (pag. 169 do relatório de inspeção).

A Requerida afirma também que como reforço de prova de que o jogador estava “livre” foi o facto de não ter existido um contrato de transferência entre clubes/SAD e que, nesses casos, o Certificado Internacional de transferência do jogador é requisitado através da Federação Portuguesa de Futebol que solicita à outra Federação envolvida ou então à FIFA, conforme previsto no artigo 9.º do Regulamento relativo ao Estatuto e Transferência de Jogadores.

 

E mais refere a AT que encontrando-se o jogador “livre”, ou seja, sem direitos económicos pendentes de direitos desportivos em vigor, há que analisar qual a origem dos direitos, a fim de se avaliar a natureza dos rendimentos auferidos, para efeitos da sua sujeição a tributação.

 

Ora, continua a Requerida, nos termos da Lei n.º 28/98, de 26/6, os direitos desportivos emergentes da celebração de um contrato de trabalho desportivo não são mais do que os direitos de inscrição do jogador numa competição por parte da entidade empregadora desportiva, devidamente reconhecida pela entidade responsável na organização e supervisão do futebol profissional (v.g. Liga Portuguesa de Futebol Profissional no caso da A...).

 

 

Assim, afirma a AT, só deste modo é que um Clube se pode declarar detentor de direitos desportivos, uma vez que se encontra em vigor, na sua plenitude, em contrato de trabalho desportivo em obediência às exigências legais e regulamentares, podendo utilizar o jogador nas competições em que participa.

 

Pelo que, no seu entender, bem andaram os SIT ao concluir que “a existência de direitos desportivos só ocorre nos termos acima descritos, não sendo possível a outras entidades (v.g. empresas sem capacidade de disputar competições desportivas com uma equipa própria de jogadores) reclamarem a posse de direitos desportivos sobre jogadores. Logo, o agente E... não era detentor de direitos desportivos”.

 

E que, continua a AT, “não existindo direitos desportivos, pois o jogador não detinha em vigor um contrato de trabalho desportivo válido com uma entidade desportiva, também não se pode considerar que se constituam direitos económico/financeiros relativos a direitos desportivos, vulgo passe, detidos por uma entidade terceira não desportiva, uma vez que estes pressupõem a existência, como sempre, de um contrato de trabalho desportivo, logicamente, com uma entidade desportiva”.

 

Deste modo, conclui a Requerida, estando o jogador “livre”, sem contrato de trabalho desportivo, a contrapartida exigida aquando da celebração do novo contrato trata-se do vulgarmente designado prémio de assinatura.

 

Assim a Requerida acrescenta que embora o agente E... tenha declarado ser “à presente data, único e exclusivo titular do direito de dispor de todos os direitos desportivos e financeiros emergentes do contrato de trabalho…” do jogador, o seu direito circunscrevia-se a uma remuneração pela celebração do novo contrato de trabalho desportivo, que decorre única e indiscutivelmente da celebração de um novo contrato, pelo jogador, donde deriva a sua utilização ao serviço do clube residente em território Português.

 

Assim sendo, a AT e ora Requerida mantém a posição de que se trata de “um rendimento que é pago para que se possam utilizar os serviços do jogador em território nacional”, e como tal considerado como rendimento obtido em Portugal por um não residente, sujeito a IRC, por força da norma de localização constante na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, uma vez que se trata de rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas.

 

Acrescentando que é indiscutível que a atividade em causa é a de desportista, e que o elemento de conexão está presente, desde logo, porque o adquirente é um clube Português e a atividade desportiva será desenvolvida em território nacional.

 

E conclui que assim sendo, a tributação deve concretizar-se pelo mecanismo de retenção na fonte, com caráter definitivo, tal como preceituado na alínea f) do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, em virtude dos rendimentos serem auferidos por entidades não residentes em território português.

 

E, em abono desta posição, remete ainda para o n.º 2 do artigo 17.º da CDT entre Portugal e o Brasil, onde se refere que a tributação ocorre no Estado contratante em que são exercidas as atividades (Cfr. pag. 170 do RI).

 

E invoca também o artigo 123.º do CIRC segundo o qual as transferências para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a IRC, obtidos em território nacional por entidades não residentes, não poderão ser efetuadas sem que se mostre pago ou assegurado o imposto que for devido.

 

Assim, conclui a Requerida, aquando do pagamento do rendimento derivado do exercício em território português da atividade de desportistas a entidade não residente, no valor de € 1.990.000,00, a ora Requerente estava obrigada a efetuar a retenção na fonte à taxa de 25%, que deveria ter sido entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram colocados à disposição esses rendimentos (cfr. n.º 6 do artigo 88.º do CIRC).

 

E a Requerida termina referindo que, pelo exposto, decaem na sua totalidade os argumentos esgrimidos pela Requerente, sendo a correção, inequivocamente, legal e legítima.

 

A Requerente não concorda com a correção em causa, porquanto, segundo diz, a qualificação do rendimento feita pela AT assenta num pressuposto incorreto, por não atender à substância dos factos e por carecer de fundamentação legal.

 

A Requerente refuta as afirmações da Requerida no sentido de que o jogador estava “livre” e que o montante pago foi um “prémio de assinatura” destinado ao próprio atleta e discorda também que esteja assim provado que se tratou de um rendimento derivado da atividade de desportista exercida em território português e, como tal, sujeita a retenção na fonte em Portugal.

 

Com efeito, continua a Requerente, como probatório para sustentar a sua conclusão de que o atleta P... se encontrava “livre” à data dos factos, a AT recorre a uma notícia publicada num site da especialidade (Gazeta Esportiva), de que junta um excerto como anexo 96 ao relatório de inspeção, tendo concluído que a referida notícia possui idoneidade para sustentar a conclusão e a correção em causa.

 

No entanto, a Requerente contrapõe com os factos, referindo que o atleta P... “encontrava-se inicialmente vinculado ao Q…, tendo o E... adquirido àquela entidade os direitos do referido jogador e diligenciado junto da mesma o procedimento de libertação do Certificado Internacional de Transferência (como aliás é referido na citada notícia)”.

 

E a Requerente põe em realce o que consta da referida notícia, segundo a qual a aquisição dos direitos do atleta foi efetuada por “um grupo de empresários representados por uma pessoa de São Paulo (E...).

 

Ora, refere a Requerente que “através do contrato celebrado entre si e E..., foi realizada a aquisição de 75% dos direitos desportivos e financeiros do jogador P..., pelo montante de € 1.990.000,00, pago numa única tranche”.

 

Assim, realça a Requerente que E..., fruto da sua capacidade negocial e financeira, apurou um ganho em resultado da aquisição dos direitos do atleta P... e da venda parcial dos mesmos à Requerente, mantendo na sua esfera parte desses direitos.

 

Ou seja, “o rendimento obtido por E... decorre do investimento por este efetuado e das diligências realizadas em nome próprio, na defesa dos seus interesses, consistindo, precisamente, na diferença entre o custo de aquisição dos direitos do atleta e o seu valor de venda à Requerente, pelo que não estamos perante um rendimento obtido pelo atleta ou em conexão com a atividade deste enquanto desportista”.

 

A Requerente realça que “a natureza diversa dos rendimentos que poderão estar em causa numa operação desta natureza é evidenciada na Lei n.º 103/97, de 13 de Setembro, na redação conferida pela Lei n.º 56/2013, de 14 de Agosto, a qual estabelece o regime fiscal das sociedades desportivas”.

 

Com efeito, de acordo com o n.º 3 do art.º 3.º daquela lei, sendo os direitos de contratação registados como ativos intangíveis, o valor amortizável dos mesmos poderá incluir:

 

  • “as quantias pagas pela sociedade desportiva às entidades detentoras dos direitos económico-desportivos relativos ao jogador como contrapartida da transferência”;
  • “as importâncias pagas ao próprio jogador pelo facto de celebrar ou renovar contrato” e
  • “os montantes pagos pela sociedade desportiva a agentes ou mandatários, relativos a transferências de jogadores”.

 

Assim sendo, realça a Requerente que apenas o eventual rendimento pago ao próprio jogador ou a um terceiro em sua representação é que assumiria a natureza de “prémio de assinatura”, o que, desde logo, na operação em análise “não só não possui qualquer aderência à realidade, como não se encontra devidamente sustentada”.

 

E mais refere a Requerente que não há norma de incidência que determine que, na ausência de direitos económicos e/ou desportivos, a importância auferida por terceiros de um clube que pretenda celebrar contrato de trabalho desportivo com o atleta se presume derivada da atividade exercida pelo próprio atleta, ou que constitui rendimento tributável na esfera desse mesmo atleta (pese embora este não aufira qualquer rendimento).

 

A Requerente realça que a AT se viu compelida, para enquadrar esta situação, a socorrer-se do entendimento vertido na Circular n.º 18/2011, de 19 de Maio, nos termos do qual “no caso de o jogador se encontrar livre, ou seja, sem contrato de trabalho desportivo em vigor, quando surge uma entidade não desportiva não residente a cobrar uma importância a um clube/SAD residente que pretende celebrar um contrato de trabalho desportivo com o jogador, estes direitos económicos não têm na sua origem direitos desportivos, uma vez que inexiste contrato de trabalho desportivo. Nestas condições, a celebração de um futuro contrato de trabalho desportivo subsume-se no direito equivalente ao prémio de assinatura que um jogador poderia exigir pela celebração do novo contrato”.   

 

Ora, diz a Requerente, o que a AT faz é impor uma ficção que cria uma norma de incidência, pois como se reconhece no texto da Circular, encontrando-se o jogador livre não existem, de facto, direitos desportivos.

 

Segundo a Requerente, esta norma de incidência assim criada assenta numa presunção inilidível.

 

Diz também a Requerente que em momento algum a AT provou que “E... auferiu rendimento em nome e por conta do atleta em resultado da sua contratação pela Requerente”.

 

E a Requerente esclarece que “tendo o contrato sido realizado por E... que promoveu a ‘libertação’ do jogador do anterior clube onde se encontrava e tendo sido este a apurar um rendimento, a única forma de o atleta ter auferido algum rendimento no âmbito da operação em apreço seria a eventual celebração de um acordo prévio com o E..., no qual se previsse que este entregaria o rendimento auferido ao atleta”…” o qual, ainda que existisse, seria prévio à assinatura do contrato de trabalho desportivo com a Requerente (ou seja, num momento em que este ainda seria atleta do Q…), pelo que nunca poderia ser considerado como obtido em território português por falta de elemento de conexão”.

 

Donde, conclui a Requerente que “em face dos factos não estamos perante um prémio de assinatura, mas sim perante um ganho apurado pelo E..., em resultado de um investimento efetuado”.

 

A concluir, a Requerente, além de reforçar as afirmações já transcritas, diz que os fundamentos da AT enfermam de ilegalidade, porquanto é imposta uma ficção inilidível, sem qualquer assento na lei, que cria uma verdadeira norma de incidência, a qual, saliente-se, nem sequer era do conhecimento geral à data dos factos, dado que a publicação da Circular n.º 18/2011 apenas ocorreu em Maio de 2011”.

 

E, por conseguinte, “considera a Requerente que o rendimento pago ao agente E... não é enquadrável na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC na medida em que não consubstancia um rendimento decorrente do exercício em território português da atividade de desportistas, mas sim um ganho apurado na esfera de uma entidade em virtude de aquisição, por parte da Requerente, de um ativo intangível”.

 

Pelo que requer que a correção referente à situação tributária em apreço, no montante de € 497.500,00 e respetivos juros compensatórios, seja anulada.

 

Quid Juris?

 

A apreciação da presente situação tributária passa por definir a natureza do rendimento pago pela impugnante a um empresário residente no Brasil detentor do direito de transferência de um jogador de futebol, mormente no sentido de saber se este rendimento tem natureza empresarial ou pode ainda reconduzir-se à qualidade de constituir uma remuneração pela prática da atividade desportiva em Portugal e, em simultâneo, por determinar se o princípio da territorialidade consagrado no sistema fiscal nacional em conjugação com a Convenção com o Brasil impõe ou recusa a tributação desse rendimento em Portugal.

 

Vejamos,

 

Dispõe a alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC que as pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede, nem direção efetiva, nem estabelecimento estável em território português ficam sujeitas a IRC quando aqui obtenham “rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de profissionais de espetáculos ou desportistas” (vd. conjugação dos números 2 e 3, alínea d), do artigo 4.º do CIRC, redação em vigor em 2009).

Por sua vez a alínea f) do n.º 1 do artigo 88.º do mesmo Código prevê que “o IRC é objeto de retenção na fonte (…) relativamente aos rendimentos referidos na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º obtidos por entidades não residentes em território português quando o devedor dos mesmos seja sujeito passivo de IRC (…)”.

Por outro lado a “Convenção entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria dos Impostos sobre o Rendimento” determina no seu artigo 17.º, n.º 2, igualmente invocado pela Requerida para sustentar esta parte da liquidação impugnada, que “(…) os rendimentos de atividade exercida pessoalmente pelos profissionais de espetáculos ou desportistas, nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas essas atividades dos profissionais de espetáculos ou dos desportistas”.

Isto depois de ser determinado no artigo 7.º, n.º 1, da mesma Convenção que “os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer a sua atividade deste modo, os seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável”.

Refira-se por último que a tributação dos rendimentos enquadráveis nos preceitos acima transcritos opera por retenção na fonte, à taxa de 25%, conforme resulta do disposto no n.º 4 do artigo 80.º em conjugação com o n.º 6 do artigo 88.º ambos do CIRC.

Ciente da vigência do regime tributário transcrito, a Requerida estrutura a sua análise da operação de contratação do jogador P... no sentido de enquadrar o pagamento ao seu empresário nos referidos preceitos legais.

Assim, começa por desconsiderar os termos do contrato celebrado entre a A... e o empresário brasileiro dizendo que os rendimentos pagos pela ora Requerente se destinavam ao próprio jogador P... que “terá cedido os direitos económicos ao agente E... (ou a entidade representada por este) sendo que, à data da negociação efetuada com a A..., esta se apresentava como detentora destes” e, por conseguinte, que o atleta se encontrava “Livre”.

Para fundamentar esta tese a inspeção tributária apresenta uma notícia da “Gazeta esportiva” segundo a qual o jogador P... estava “livre” quando assinou o contrato de trabalho desportivo com o seu novo clube, o A..., e que o montante pago foi uma contrapartida pela assinatura desse contrato, donde resulta, no seu entender, que se está perante um rendimento obtido em Portugal por um não residente, sujeito a IRC, uma vez que se tratou de rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas (pag. 169 do relatório de inspeção), devendo assim esse rendimento ser tributado pelo método da retenção na fonte à taxa de 25%.

 

No entender do tribunal haverá que determinar se efetivamente o pagamento feito ao empresário E... deve ser qualificado com um rendimento derivado do exercício de uma atividade desportiva em Portugal ou se tem natureza meramente empresarial.

 

A qualificação deste rendimento deverá atender à vertente formal em se baseou o nascimento do direito de o receber e o dever de o pagar e também à sua natureza substantiva, numa caso e noutro à luz dos elementos de prova constantes nos autos.

 

Começando pela vertente formal, entende o tribunal que em face da letra do contrato celebrado entre A... em 31 de Agosto de 2009, e o dito empresário que não restam dúvidas que a A... adquiriu e pagou uma determinada quantia por um “bem” de que, chame-se o que se chamar, necessitava para inscrever e utilizar um novo atleta nas competições desportivas em que participava em Portugal, ou seja, para adquirir os “direitos federativos e 75% dos direitos económicos”, o “passe”, o “atestado liberatório” ou o “certificado internacional de transferência” do atleta.

 

Decorre do mesmo contrato que quem se apresentou com detentor do referido “bem” foi o empresário “E...” que outorgou como cedente uma vez que tinha previamente investido uma determinada quantia, não revelada no contrato, junto do clube a que o jogador pertencia para adquirir esse “bem”.

 

Esta conclusão decorre dos termos do contrato e é também confirmada pelo “notícia” publicada na “Gazeta Esportiva.Net”, em que o relatório de inspeção se fundamenta para concluir que o jogador estava “livre” quando assinou pela A..., notícia essa que até dizia que os empresários que adquiriram os “direitos federativos do jogador” pagaram ao clube Q… a que o mesmo pertencia a quantia de “R$ 3 milhões”.

 

Ora, decorre também dos documentos juntos que a A... confiou no empresário E… dado que lhe transferiu para a sua conta bancária a dita quantia de € 1.990.000,00 e nada consta dos autos que ponha em causa a efetivação do contrato e a inscrição do jogador nos organismos futebolísticos competentes em Portugal.

 

Assim, entende o tribunal que de um ponto de vista dos documentos juntos aos autos, é manifestamente insuficiente para alicerçar a conclusão da Requerida de que como o jogador estava livre o montante de € 1.990.000,00 pago ao empresário foi a contrapartida pela assinatura de um contrato de trabalho desportivo entre o atleta e a A....

 

Esta afirmação de ligar o pagamento à assinatura do contrato de trabalho desportivo não fica mais consistente com a constatação da Requerida de que o jogador estava “livre”, que não existiu um contrato de transferência entre clubes/SAD e que, nesses casos, o Certificado Internacional de transferência do jogador é requisitado através da Federação Portuguesa de Futebol que solicita à outra Federação envolvida ou então à FIFA, conforme previsto no artigo 9.º do Regulamento relativo ao Estatuto e Transferência de Jogadores.

Esta afirmação também não se pode considerar devidamente sustentada porque não se faz acompanhar de qualquer prova, de qualquer referência expressa ou ligação ao caso do contrato e do jogador em causa que pudesse fundamentar a tese da Requerida de que o montante pago foi apenas uma contrapartida pela assinatura do contrato desportivo do jogador.

 

A seguir, o relatório de inspeção, com acolhimento na Resposta da AT, invoca também a Lei n.º 28/98, de 26/6, afirmando que os direitos desportivos emergentes da celebração de um contrato de trabalho desportivo não são mais do que os direitos de inscrição do jogador numa competição por parte da entidade empregadora desportiva, devidamente reconhecida pela entidade responsável na organização e supervisão do futebol profissional (v.g. Liga Portuguesa de Futebol Profissional no caso da A...).

 

Além de não indicar a que preceito ou preceitos da referida lei se pretende referir, também não se estabelece qualquer ligação concreta entre esta lei e o contrato assinado pelo A... e o empresário E... nem, muito menos, que seja possível demonstrar através de tal invocação que o contrato apresentado não foi um contrato válido nem muito menos que o pagamento feito pela A... constituiu a contrapartida pela assinatura do contrato desportivo por parte do jogador em causa.

 

Não se vê onde se possa chegar e o que se pretende provar com a mera invocação genérica daquela Lei dizendo que os direitos desportivos emergentes de um contrato de trabalho desportivo não são mais do que os direitos de inscrição do jogador numa competição.

 

Com efeito, no caso em apreço não há um contrato de trabalho desportivo para analisar e enquadrar.

O que deve ser qualificado e enquadrado nas normas da tributação é um contrato, cujos termos e validade não foram adequadamente postos em causa, celebrado entre uma instituição desportiva nacional e um empresário de futebol através do qual foram assumidas obrigações recíprocas entre as quais o pagamento de uma dada quantia pela instituição A... e o compromisso do empresário de libertar o jogador do anterior clube a que o mesmo pertencia para o mesmo se poder inscrever e jogar em Portugal.

 

O que está em análise também não é o regime legal da contratação e da inscrição dos jogadores de futebol em Portugal nem o regime jurídico da relação laboral desportiva.

Não obstante, mesmo que se invoquem alguns preceitos do referido regime onde se pode divisar alguma ligação com a situação em apreço, nem aí se encontra apoio para a tese da Requerida.

 

A lei 28/98, de 26 de Junho, estabelece o regime jurídico do contrato de trabalho dos praticantes desportivos profissionais, começando por definir “contrato de trabalho desportivo” como aquele pelo qual o praticante desportivo se obriga, mediante retribuição, a prestar atividade desportiva a uma pessoa singular ou coletiva que promova ou participe em atividades desportistas, sob a autoridade e a direção efetiva desta.

Toda esta lei está estruturada no sentido de reconhecer a especificidade do contrato de trabalho desportivo com as suas regras essenciais tipificadas, como sejam, entre outras, a sua duração limitada no tempo (vd. artigo 8.º), a obrigatoriedade da forma escrita sob pena de nulidade (vd. n.º 2 do artigo 5.º), a sua sujeição a registo na federação do desporto nacional (vd. artigo 6.º), os termos da sua retribuição (vd. artigo 14.º) e, ao contrário da lei laboral comum, a possibilidade da entidade empregadora poder ceder o atleta a outra entidade empregadora desportiva (vd. artigo 19.º).

Ora, pergunta-se, o que tem o contrato celebrado entre a A... e o empresário brasileiro a ver com o contrato desportivo de cujo regime legal acaba de se fazer esta breve referência, mormente quando a posição da Requerida vem desacompanhado sequer de uma indagação sobre os elementos oficiais que pudessem existir nas instituições desportivas nacionais sobre factos que pudessem desconsiderar os termos daquele contrato?

 

Quanto aos empresários desportivos, esta lei prevê também a sua existência, definindo-o como um interveniente relevante da atividade desportiva em sentido económico, vindo definido como a pessoa singular ou coletiva que, estando devidamente credenciada, exerça a atividade de representação ou intermediação, ocasional ou permanente, mediante remuneração, na celebração de contratos desportivos (vd. alínea d) do artigo 2.º e artigos 22.º e seguintes da Lei 28/98).

A doutrina assinala que este tipo de empresários vem desempenhando um papel cada vez mais relevante e abrangente na atividade desportiva, que extravasa o campo da negociação contratual, dedicando-se a gerir na plenitude a carreira do praticante desportivo, designadamente intervindo, ao nível da negociação de patrocínios, da rentabilização da imagem do jogador, do merchandising, entre outras atividades.

A figura do empresário desportivo, como conhecedor dos meandros e dos contactos do futebol profissional aparece assim cada vez mais associada aos processos negociais cada vez mais exigentes e desgastantes do futebol e do mercado dos jogadores, ele próprio cada vez mais competitivo devido à liberdade de circulação dos praticantes (vd. por exemplo A Profissão do Empresário Desportivo, in Desporto & Direito, Revista Jurídica do Desporto, Jan/Abril 2004, Coimbra Editora; e estudo de André Dinis de Carvalho, in Congresso do Direito Desportivo, 2005, Almedina).

 

Ora, é certo que como o empresário E... não tem domicílio em Portugal e certamente não estará cá registado não está o mesmo sujeito ao regime legal nacional.

 Porém, analisando o contrato celebrado entre a A... e o referido empresário não se vê que diferença pode haver entre o seu papel na contratação do jogador P..., vertida no contrato celebrado, e o papel reconhecido à generalidade dos empresários desta atividade que está descrito na breve referência doutrinal acima transcrita.

 

 

Voltando à parte central do tema em análise deve concluir-se que nada permite concluir que o contrato celebrado entre a A... e o empresário E... violou qualquer disposição legal vigente em Portugal atinente ao regime legal da atividade desportiva, nada permite concluir que as suas cláusulas não correspondam à realidade efetivamente acordada entre os referidos outorgantes, e nada permite concluir que o referido contrato se deve considerar inserido ou confundido no contrato de trabalho desportivo celebrado entre o jogador P... e o A....

 

Por outro lado, quanto à argumentação invocada para sustentar a liquidação impugnada, haverá que concluir que, em face dos elementos de prova carreados para os autos, nada foi demonstrado no sentido de provar que o contrato celebrado entre A... e o empresário E... tem por objeto a prática da actividade desportiva, nem está demonstrado que a remuneração auferida pelo dito empresário se deva circunscrever a uma remuneração pela celebração do novo contrato de trabalho desportivo.

Tal como não está demonstrada a afirmação da Requerida de que a cláusula contratual em que o empresário E... é apresentado como único e exclusivo titular do direito de dispor de todos os direitos desportivos e financeiros emergentes do contrato de trabalho do jogador P... com o seu anterior clube não corresponde à realidade material da situação em apreço.

 

Posto isto, não podemos aderir à conclusão da Requerida de que estamos perante um rendimento que deve ser considerado como rendimento obtido em Portugal por um não residente, sujeito a IRC, por força do disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC e com o fundamento de que se trata de rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas.

 

E a conclusão não poderá ser diferente mesmo que se queira atender menos aos aspetos formais conexos com a contratação em apreço e mais à sua vertente material ou substantiva.

Com efeito, sendo certo que pode sempre ver-se no pagamento ao empresário brasileiro, alguma ligação com a celebração do contrato de trabalho desportivo, com a inscrição em Portugal do jogador transferido e, consequentemente, com a prática da atividade desportiva, a verdade é que com os dados em presença fica-se longe de poder qualificar o rendimento do empresário como contrapartida do exercício da atividade desportiva que o jogador veio desenvolver em Portugal.

Como está demonstrado, o empresário comportou-se como tal ao investir na compra prévia  dos direitos do jogador e, tenha ou não feito uma boa negociação com o anterior e com o futuro clube do jogador, ganhando mais ou ganhando menos, a verdade é que os seus ganhos advieram de um investimento prévio à “venda” e transferência do jogador, foram ganhos resultantes de uma atividade empresarial que até poderiam não se ter concretizado se, por exemplo, o novo clube tivesse mudado de ideias.

Está consignado no contrato de transferência que, além da própria transferência, foi paralelamente celebrado um contrato desportivo com o jogador em causa.

A versão e elementos desse contrato não foram juntos aos autos, mas será aí que certamente, obedecendo aos requisitos do respetivo regime legal, foram fixadas as contrapartidas que a nova entidade patronal do jogador assumiu pagar pela prática da atividade desportiva para que foi contratado.

As normas que no direito tributário interno e também no direito tributário convencional tipificam a incidência dos rendimentos artísticos e desportivos e as regras de territorialidade que lhe são aplicáveis terão que ser interpretadas no sentido em que só os rendimentos que efetivamente sejam qualificáveis como contrapartida pelo exercício dessas atividades é que serão abrangidos pelo regime tributário específico aí previsto.

Se, por exemplo, um artista musical ou um corredor olímpico de um país estrangeiro vierem atuar ou correr em Portugal, a contrapartida dessa atuação estará sujeita a imposto, nos termos supra referidos, quer seja paga ao próprio artista ou atleta quer seja paga na totalidade a um terceiro que é o seu empresário.

Neste caso o pagamento, tal como determinam as referidas normas, estará integralmente sujeito a retenção na fonte em Portugal à taxa de 25%.

Porém, a solução poderá já não ser a mesma, se, por exemplo, a sua vinda for condicionada à celebração de contratos com o próprio artista ou atleta e lhes for pago diretamente o preço da sua atuação, ainda que o seu empresário possa debitar à parte alguma contrapartida por alguns serviços que tenha prestado à entidade portuguesa que os contratou ou até para pagar a licença de atuação que porventura tivesse sido acordada entre o empresário e o artista ou o atleta em causa.

Noutra situação, se um grupo musical estrangeiro vier atuar a Portugal, pode dar-se o caso da entidade nacional que o contratou celebrar um contrato com esse grupo pagando-lhe o que for acordado pela sua atuação e celebrar outro contrato com uma empresa também não residente em Portugal para montar o palco e toda a infraestrutura necessária ao espetáculo.

É óbvio que o tratamento tributário destes contratos não poderá ser o mesmo e que só os pagamentos feitos no âmbito dos contratos com os artistas e desportistas poderão ser qualificados rendimento de atividade artística ou desportiva.

 

O mesmo acontece na situação em apreço. Foi celebrado um contrato de trabalho desportivo que visa remunerar a prestação do desportista que veio atuar para Portugal, e paralelamente foi celebrado um contrato com o respetivo empresário para remunerar os seus serviços e para que o jogador pudesse ser transferido e inscrito nos organismos desportivos nacionais em conformidade com a legislação aplicável.

 

O pagamento ao empresário não deixará de ter o enquadramento tributário adequado mas não é certamente com base nas normas invocadas pela autoridade Requerida para proceder à correcção inserida na liquidação impugnada.    

 

Decisão

Nestes termos declara-se a procedência do pedido de anulação da parte da liquidação impugnada correspondente à situação tributária acabada de descrever e analisar, devendo proceder-se à anulação da liquidação de imposto no montante de € 497.500,00 e dos juros compensatórios liquidados no montante de € 40.181,64.

 

 

III.4. Pagamentos a “F…LTDA-EPP”, pela contrapartida de direitos económicos e serviços prestados relativos aos jogadores de futebol R… e S…

 

Esta situação tributária versa o enquadramento tributário de um pagamento de € 350.000,00 a uma entidade denominada “F… LTDA-EPP”, não residente e sem estabelecimento estável em Portugal, no sentido de saber e decidir se esse rendimento deve ser considerado como rendimento proveniente do exercício de uma actividade desportiva e consequentemente sujeito ao regime tributário específico aplicável a esse tipo de actividades, legitimando a liquidação impugnada, como pretende a autoridade Requerida, ou se pelo contrário não reúne os requisitos para essa qualificação e tributação, devendo anular-se a liquidação, como pretende a Requerente.

 

 

III.4.1. Da matéria de facto

 

A A... pagou em 20.10.2009 a quantia de € 350.000,00 a “F… LTDA-EPP” (doravante F…), residente no Brasil, como contrapartida da aquisição de direitos económicos e por serviços prestados relativos aos jogadores de futebol R… e S…, conforme dois contratos de idêntico teor datados de 22 de Julho de 2009, cuja cópia se encontra junta como anexo 98 ao relatório de inspeção tributária que serviu de base à liquidação impugnada.

Os contratos, ambos do mesmo teor, contêm os seguintes dados com relevância para a análise e decisão da situação em apreço:

1.º No primeiro considerando de cada um dos contratos começa por se dar conta que ambos os atletas, de nacionalidade e residência brasileira, eram menores de idade na data da sua celebração, tendo o S… nascido 16 de Março de 1992 e o R… nascido a 3 de Julho de 1992;

2.º No mesmo considerando consta que na mesma data dos contratos foi também celebrado entre a A... e cada um dos atletas um contrato de formação desportiva para vigorar até 30 de Junho de 2011;

3.º Ainda no mesmo considerando ficou consignado que entre a A... e cada um deles foi acordada a promessa de celebração de um contrato de trabalho desportivo, com celebração do contrato prometido quando os atletas atingirem a maioridade (vd. cláusula terceira n.º 2) para vigorarem nas épocas desportivas de 2011/2012, 2012/2013 e 2013/2014;

4.º No segundo considerando e seguintes de cada um dos contratos dá-se conta, entre outros aspetos, que a outorgante F… é “titular da totalidade dos direitos económicos decorrentes do vínculo desportivo” que cada um dos atletas R… e S… viessem a outorgar, os quais se encontram livres de quaisquer ónus ou encargos, e que a mesma outorgante F… “tem ainda a seu cargo a representação e gestão da sua carreira desportiva”, facto este que foi considerado determinante para a celebração do contrato de cedência em análise;

5.º As cláusulas de cada um dos contratos afirmam-se como concretizadoras da vontade dos outorgantes no sentido da outorgante F… ceder à A... “a totalidade dos direitos económicos decorrentes do vínculo desportivo” celebrado com cada um dos atletas, obrigando-se a cessionária A... a pagar, em duas vezes, a quantia de € 350.000,00 pela aquisição dos direitos de cada um dos mesmos atletas;

6.º Anota-se ainda que foi estipulado na cláusula terceira n.º 2 de cada um dos contratos que só se considera ter ocorrido a “efetiva transferência” dos atletas quando for recebida pela A... o “Certificado Internacional de Transferência” de cada um deles. 

7.º Observa-se finalmente que cada um dos contratos estipulou que a empresa F… se manteve titular de um direito a 50% da “mais-valia” que vier a ser eventualmente obtida pela A... com a transferência de cada um dos atletas, sendo essa mais-valia constituída pela diferença entre o valor de venda e o valor do investimento efetuado de € 350.000,00 (vd. cláusula quinta).  

 

Perante estes contratos – no relatório de inspeção nem nas demais partes do processo não consta que a AT teve acesso a outros documentos ou fontes de informação – a Requerida desconsiderou os seus termos, quanto à natureza dos pagamentos acordados, e considerou que esses pagamentos devem ser qualificados como originados pelo exercício da atividade desportiva em território nacional e, em face desta conclusão e por ter constatado que a A... não fez qualquer pagamento de imposto, considerou que estavam em causa rendimentos sujeitos a tributação em Portugal, nos termos infra analisados, tendo proposto uma correção de imposto de € 87.500,00, acrescida dos correspondentes juros compensatórios (que vieram a ser liquidados no montante de € 7.364,38), proposta que foi aceite pela entidade liquidadora e que foi convertida para a liquidação impugnada.

 

 

III.4.2. Do direito aplicável

Dão-se por reproduzidas as posições que Requerente e Requerida apresentaram sobre a presente situação tributária e que supra se encontram descritas (vd. n.º 6.4 do Relatório da presente decisão arbitral).

 

O relatório de inspeção começa por informar que, perante a análise dos contratos, no decurso da ação de inspeção notificou a A... para informar se os jogadores se encontravam livres ou se vieram transferidos de outro clube.

 

A esta notificação o A... responde que a cedente F… era titular da totalidade dos direitos económicos dos referidos atletas e que os mesmos se encontravam livres de qualquer outro contrato ou compromisso, tendo ainda informado que na data em que foram celebrados os contratos de cedência de direitos económicos, entre ela própria e a empresa F…, foi também celebrado um contrato de formação com cada um dos atletas para vigorar até 30 de Junho de 2011 e uma promessa de celebração de contrato de trabalho desportivo para vigorar nas épocas desportivas de 2011/2012, 2012/2013 e 2013/2014, tudo conforme clausulado nos contratos acima referidos.

A A... foi também notificada para discriminar o montante total pago entre valores referentes a “direitos económicos” e a “serviços prestados”.

Uma vez que tal discriminação não foi apresentada pela A... a inspeção tributária depreendeu, como consignou no relatório, que a quantia em causa era na totalidade referente aos “direitos económicos” transmitidos e não a qualquer serviço prestado.

 

Por outro lado o relatório de inspeção conclui, também com base nos contratos em análise, que “os jogadores se encontravam livres sem contrato de trabalho desportivo em vigor com outra entidade desportiva aquando da sua contratação pela A...”.

 

Quanto à natureza dos rendimentos pagos pela A... a F…, o relatório de inspeção apresenta as seguintes conclusões que foram posteriormente acolhidas pelas várias intervenções da AT:

Em primeiro lugar que os contratos celebrados não se devem reconduzir a contratos de transferência de jogadores entre clubes, já que a cedente F… não era um clube desportivo, deixando assim implícito, ao dizer que “o certificado internacional de transferência de jogadores seria requisitado pela Federação Portuguesa de Futebol, conforme artigo 9.º do Regulamento do Estatuto e Transferência de Jogadores”, que a intervenção da empresa F… na dita transferência não era necessária.

 

Em segundo lugar o relatório de inspeção conclui que nos termos da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, “os direitos desportivos emergentes da celebração de um contrato de trabalho desportivo celebrado não são mais do que os direitos de inscrição do jogador numa competição por parte da entidade empregadora desportiva”, mais acrescentando que só os clubes inscritos na Liga Portuguesa de Futebol Profissional se podem declarar detentores de direitos desportivos que por sua vez decorrem da celebração de contrato de trabalho desportivo.

Assim, considera a AT que não havia direitos desportivos para transferir dado que “os jogadores não detinham em vigor um contrato de trabalho desportivo válido com uma entidade desportiva” e que, portanto, também não se pode considerar que constituíram direitos económicos relativos a direitos desportivos.

Daqui decorre, continua a AT, que os jogadores em causa se encontravam livres de qualquer contrato de trabalho desportivo quando foram celebrados os contratos de cedência de 22 de Julho de 2009 e que, por isso, a quantia recebida pela BUGA mais não foi do que uma quantia que esta entidade recebeu “em vez dos jogadores” pela celebração do novo contrato de trabalho desportivo.

Assim, conclui a AT, “os rendimentos obtidos pela entidade não residente em contrapartida pela assinatura de contrato de trabalho desportivo dos jogadores com o seu novo clube decorreu inequívoca e indissociavelmente da celebração deste novo contrato de trabalho desportivo, celebrado pelo jogador na sua qualidade de desportista”.

 

Assim sendo diz a AT que se trata de rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas por um não residente, sujeito a IRC, por força da alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, e da alínea f) do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, pela modalidade da retenção na fonte à taxa de 25%, retenção esta que o A... não fez.

 

Esta sujeição a imposto em território nacional não pode ser dispensada, reforça ainda a AT, pela apresentação do formulário 21-RFI o qual, segundo também consta no relatório de inspeção, foi apresentado devidamente preenchido e autenticado, uma vez que a Convenção com o Brasil e a própria Convenção Modelo da OCDE determinam que a tributação deste tipo de rendimentos deve ocorrer no Estado da sua fonte “independentemente desses rendimentos reverterem para o desportista ou para outra pessoa”.

 

A Requerente, por seu lado, discorda do entendimento da AT desde logo quanto à qualificação da totalidade do rendimento pago como contrapartida dos direitos económicos sem considerar que parte do que foi pago deveria também ser qualificado e atribuído a serviços prestados sem que, contudo, tivesse fornecido qualquer critério para fazer a sua discriminação.

Quanto à componente referente à qualificação que a AT faz dos direitos económicos envolvidos na transferência dos jogadores, a Requerente discorda também e remete para a argumentação aduzida na p.i. a propósito do contrato com o empresário E... sobre a transferência do atleta P....

 

Quid Juris?

 

A apreciação da presente situação tributária passa por definir a natureza do rendimento pago pela ora Requerente a uma empresa com sede no Brasil detentora dos direitos económicos referentes a dois jogadores de futebol e, em simultâneo, por determinar se o princípio da territorialidade consagrado no sistema fiscal nacional em conjugação com a Convenção com o Brasil impõe ou recusa a tributação desse rendimento em Portugal.

 

Vejamos,

 

A AT sustentou a liquidação impugnada com a invocação da alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC que determina que se consideram obtidos em Portugal os rendimentos auferidos pelo exercício em território português da atividade de profissionais de espetáculos ou desportistas, mesmo que o seu beneficiário não tenha residência nem estabelecimento estável em Portugal.

Por sua vez a alínea f) do n.º 1 do artigo 88.º do mesmo Código prevê que “o IRC é objeto de retenção na fonte (…) relativamente aos rendimentos referidos na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º obtidos por entidades não residentes em território português quando o devedor dos mesmos seja sujeito passivo de IRC (…)”.

Por outro lado a “Convenção entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria dos Impostos sobre o Rendimento” determina no seu artigo 17.º, n.º 2, igualmente invocado pela Requerida para sustentar esta parte da liquidação impugnada, que “(…) os rendimentos de atividade exercida pessoalmente pelos profissionais de espetáculos ou desportistas, nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas essas atividades dos profissionais de espetáculos ou dos desportistas”.

A AT invocou também os “comentários ao n.2 do artigo 17.º do Modelo de Convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico” segundo a qual os rendimentos derivados da atividade desportista, independentemente desse rendimento reverter para o desportista ou para outra pessoa, podem ser tributados, sem qualquer limitação, por esse Estado de origem dos rendimentos.

Anota-se que os preceitos de direito interno e de direito internacional invocados se aplicam aos rendimentos da atividade desportiva, e não a outros rendimentos empresariais em geral, dispondo o artigo 7.º, n.º 1, da Convenção com o Brasil que “os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer a sua atividade deste modo, os seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável”.

Assim, começamos já por observar que é muito relevante a qualificação que se possa atribuir aos pagamentos feitos pela A... à empresa F… já que dessa qualificação depende a sua tributação em Portugal pelo regime específico invocado na liquidação impugnada.

Refira-se por último que a tributação dos rendimentos enquadráveis nos preceitos acima transcritos, caso se conclua nesse sentido, opera por retenção na fonte, à taxa de 25%, conforme resulta do disposto no n.º 4 do artigo 80.º em conjugação com o n.º 6 do artigo 88.º ambos do CIRC.

Ciente da vigência do regime tributário transcrito, a Requerida estrutura a sua análise da operação de transferência dos jogadores em causa no sentido de qualificar os contratos como contratos de trabalho desportivo para, face a tais contratos, qualificar o rendimento pago como contrapartida de uma atividade desportiva exercida em Portugal e consequentemente aqui sujeita a tributação.

Assim, começa por desconsiderar os termos e cláusulas dos contratos celebrados entre a A... e a empresa F… dizendo que não podem ser considerados contratos de transferência de jogadores entre clubes, já que a cedente F… não era um clube desportivo.

O tribunal observa, por seu lado, que não vê fundamentos suficientes para transformar os contratos cujas cópias constam neste processo em contratos de trabalho desportivo.

Desde logo porque, como se verá infra, um contrato de trabalho desportivo, como qualquer contrato de trabalho, implica, além doutras cláusulas essenciais, a intervenção da entidade patronal e do trabalhador, nada disso se tendo aqui verificado.

É certo que nada indica que a cedente F… fosse um clube desportivo. Mas será isso suficiente para transformar os contratos celebrados em contratos de trabalho desportivo?

Vejamos,

 

A qualificação deste rendimento deverá atender à vertente formal em se baseou o nascimento do direito de o receber e o dever de o pagar e também à sua natureza substantiva, numa caso e noutro à luz dos elementos de prova constantes nos autos.

 

Começando pela vertente formal, entende o tribunal que em face da letra dos contratos celebrados entre A... a dita empresa E… não restam dúvidas que a A... adquiriu e pagou uma determinada quantia por um “bem” de que, chame-se o que se chamar, necessitava para preparar, inscrever e utilizar dois novos atletas na sua equipa desportiva, ou seja adquiriu os “direitos federativos”, os “direitos económicos”, o “passe”, o “atestado liberatório”, o “certificado internacional de transferência”, ou qualquer outra designação que se possa atribuir a esse “bem”.

 

Decorre dos mesmos contratos que quem se apresentou com detentor do referido “bem” foi a empresa F… que outorgou como cedente uma vez que tinha previamente investido na sua aquisição.

 

A Requerida sugere que pelo facto dos jogadores estarem “livres” o montante pago à entidade empresarial F… deve ser considerado como contrapartida pela assinatura de contratos de trabalho desportivo entre os atletas e a A....

A Requerida afirma também que uma das provas de que os jogadores estavam “livres” decorre do facto de não ter existido um contrato de transferência entre clubes – a cedente não era um clube – e que, nesses casos, o Certificado Internacional de transferência do jogador é requisitado através da Federação Portuguesa de Futebol que solicita à outra Federação envolvida ou então à FIFA, conforme previsto no artigo 9.º do Regulamento relativo ao Estatuto e Transferência de Jogadores.

Ora, o que se constata é que Requerida invoca aqui uma norma do “Regulamento do Estatuto da Inscrição e Transferência de Jogadores para Portugal”, referente aos termos em que se pode procede à inscrição dos jogadores estrangeiros, para sustentar a ideia que desenvolveu que os jogadores estavam “livres” e que tal conclusão se pode provar com o facto do Certificado Internacional de transferência do jogador até se poder requisitar através da Federação Portuguesa de Futebol que o solicita à outra Federação envolvida sem que, está subjacente à invocação, fosse necessário pagar qualquer valor a um empresário para o obter.

 

Porém, esta afirmação não está devidamente sustentada e não se faz acompanhar de qualquer prova, de qualquer referência expressa ou ligação ao caso dos contratos e dos jogadores em causa que pudesse fundamentar a sua tese de que o montante pago foi apenas uma contrapartida pela assinatura de contratos de trabalho desportivo.

 

A seguir, o relatório de inspeção, com acolhimento na Resposta da AT, invoca também a Lei n.º 28/98, de 26/6, afirmando que “os direitos desportivos emergentes da celebração de um contrato de trabalho desportivo não são mais do que os direitos de inscrição do jogador numa competição por parte da entidade empregadora desportiva, devidamente reconhecida pela entidade responsável na organização e supervisão do futebol profissional (v.g. Liga Portuguesa de Futebol Profissional no caso da A...)”.

 

Além de não indicar a que preceito ou preceitos da referida lei se pretende referir, também não se estabelece qualquer ligação concreta entre esta lei e o contrato assinado pelo A... e pela empresa F… nem, muito menos, que seja possível demonstrar através de tal invocação que os contratos apresentados não foram válidos nem muito menos que o pagamento feito pela A... constituiu a contrapartida pela assinatura de contratos desportivos por parte dos jogadores em causa.

 

Não se vê onde se possa chegar e o que se pretende provar com a mera invocação genérica daquela Lei dizendo que os direitos desportivos emergentes de um contrato de trabalho desportivo não são mais do que os direitos de inscrição do jogador numa competição.

 

Com efeito, no caso em apreço não há contrato de trabalho desportivo para analisar e enquadrar.

O que deve ser qualificado e enquadrado nas normas da tributação são contratos, cujos termos e validade não foram adequadamente postos em causa, que foram celebrados entre uma instituição desportiva nacional e uma empresa não residente através dos quais foram assumidas obrigações recíprocas entre as quais o pagamento de uma dada quantia pela instituição A... e o compromisso da empresa cedente de abrir caminho para que os jogadores pudessem ser inscritos como tais nos organismos nacionais competentes.

Adianta-se que o que está em análise também não é o regime legal da contratação e da inscrição dos jogadores de futebol em Portugal nem o regime jurídico da relação laboral desportiva.

Não obstante, mesmo que se invoquem alguns preceitos do referido regime onde se pode divisar alguma ligação com a situação em apreço, nem aí se encontra apoio para as teses da Requerida.

A lei 28/98, de 26 de Junho, estabelece o regime jurídico do contrato de trabalho dos praticantes desportivos profissionais, começando por definir “contrato de trabalho desportivo” como aquele pelo qual o praticante desportivo se obriga, mediante retribuição, a prestar atividade desportiva a uma pessoa singular ou coletiva que promova ou participe em atividades desportistas, sob a autoridade e a direção efetiva desta.

Toda esta lei está estruturada no sentido de reconhecer a especificidade do contrato de trabalho desportivo com as suas regras essenciais tipificadas, como sejam, entre outras, a sua duração limitada no tempo (vd. artigo 8.º), a obrigatoriedade da forma escrita sob pena de nulidade (vd. n.º 2 do artigo 5.º), a sua sujeição a registo na federação do desporto nacional (vd. artigo 6.º), os termos da sua retribuição (vd. artigo 14.º) e, ao contrário da lei laboral comum, a possibilidade da entidade empregadora poder ceder o atleta a outra entidade empregadora desportiva (vd. artigo 19.º).

Ora, pergunta-se, o que têm os contratos celebrados entre a A... e a F… a ver com o contrato desportivo de cujo regime legal acaba de se fazer esta breve referência, que a Requerida viu nos contratos celebrados, mormente quando essa “visão” foi desacompanhada de qualquer indagação, por parte da Requerida, sobre os elementos oficiais que pudessem existir nas instituições desportivas nacionais sobre factos que pudessem sustentar que afinal estamos perante contratos de trabalho desportivo?

 

Quanto aos empresários desportivos, esta lei prevê também a sua existência, definindo-os como intervenientes relevantes da atividade desportiva em sentido económico, estando o empresário desportivo definido como a pessoa singular ou coletiva que, estando devidamente credenciada, exerça a atividade de representação ou intermediação, ocasional ou permanente, mediante remuneração, na celebração de contratos desportivos (vd. alínea d) do artigo 2.º e artigos 22.º e seguintes da Lei 28/98).

A doutrina assinala que este tipo de empresários vem desempenhando um papel cada vez mais relevante e abrangente na atividade desportiva, que extravasa o campo da negociação contratual, dedicando-se a gerir na plenitude a carreira do praticante desportivo, designadamente intervindo, ao nível da negociação de patrocínios, da rentabilização da imagem do jogador, do merchandising, entre outras atividades.

A figura do empresário desportivo, como conhecedor dos meandros e dos contactos do futebol profissional aparece assim cada vez mais associada aos processos negociais cada vez mais exigentes e desgastantes do futebol e do mercado dos jogadores, ele próprio cada vez mais competitivo devido à liberdade de circulação dos praticantes (vd. por exemplo A Profissão do Empresário Desportivo, in Desporto & Direito, Revista Jurídica do Desporto, Jan/Abril 2004, Coimbra Editora; e estudo de André Dinis de Carvalho, in Congresso do Direito Desportivo, 2005, Almedina).

 

Ora, é certo que como a empresa F… não tem domicílio em Portugal e certamente não estará cá registada não está a mesma sujeita ao regime legal nacional.

 Porém, analisando os contratos celebrados entre a A... e a dita empresa F… não se vê, face à breve caraterização que acaba de ser feita, que esta não possa reivindicar a titularidade de direitos económicos sobre jogadores de futebol e que não os possa alienar a um clube de futebol interessado na sua aquisição.

 

 Voltando à parte central do tema em análise deve concluir-se que nada permite concluir que os contratos celebrados entre a A... e a empresa F… violaram qualquer disposição legal vigente em Portugal atinente ao regime legal da atividade desportiva, nada permite concluir que as suas cláusulas não correspondam à realidade efetivamente acordada entre os referidos outorgantes, e nada permite concluir que os referidos contratos se devam considerar inseridos na moldura legal do contrato de trabalho desportivo.

 

Posto isto, não podemos aderir à conclusão da Requerida de que estamos perante um rendimento que deve ser considerado como rendimento obtido em Portugal por um não residente, sujeito a IRC, por força da norma de localização constante na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC com o fundamento que estão em causa rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas.

 

E a conclusão não poderá ser diferente mesmo que se queira atender menos aos aspetos formais conexos com os contratos e mais à sua vertente material ou substantiva.

 

Com efeito, sendo certo que pode sempre ver-se no pagamento à empresa F… alguma ligação com a celebração do contrato de trabalho desportivo, com a inscrição em Portugal dos jogadores “adquiridos” e, consequentemente, com a prática da atividade desportiva, a verdade é que com os dados em presença fica-se longe de poder qualificar esse pagamento como contrapartida do exercício da atividade desportiva em Portugal.

 

Na situação em apreço o que decorre da atuação dos outorgantes nos contratos é que a empresa brasileira se apresenta como detentora dos direitos económicos e desportivos dos jogadores, tendo a A... confiado nessa titularidade e outorgado nesses contratos como adquirente daqueles direitos.

 

Os elementos constantes no processo não demonstram como é que a empresa acedeu à titularidades dos referidos direitos. Porém, tanto quanto se pode divisar do teor dos contratos, a aquisição desses direitos por parte da empresa F… foi feita no âmbito da sua actividade empresarial e foram esses e só esses os direitos que constituíram o objeto dos contratos e os recebimentos que obteve constituíram a contrapartida da sua alienação à A....

A versão e elementos dos outros contratos conexos com a transferência dos jogadores, mormente o contrato de formação, a promessa de contratação dos jogadores ou a celebração dos contratos definitivos de trabalho desportivo não foram juntos ao processo.

Porém, será aí que certamente, obedecendo aos requisitos do respetivo regime legal, foram fixadas as contrapartidas que a nova entidade patronal dos jogadores assumiu pagar pela prática da atividade desportiva para que foram contratados.

 

As normas que no direito tributário interno e também no direito tributário convencional tipificam a incidência dos rendimentos artísticos e desportivos e as regras de territorialidade que lhe são aplicáveis terão que ser interpretadas no sentido em que só os rendimentos que efetivamente sejam qualificáveis como contrapartida pelo exercício dessas atividades é que serão abrangidos pelo regime tributário específico aí previsto.

 

Se, por exemplo, um artista musical ou um corredor olímpico de um país estrangeiro vierem atuar ou correr em Portugal, a contrapartida dessa atuação estará sujeita a IRC, nos termos supra referidos, quer seja paga ao próprio artista ou atleta quer seja paga na totalidade a um terceiro que é o seu empresário.

Neste caso o pagamento, tal como determinam as referidas normas, estará integralmente sujeito a retenção na fonte em Portugal á taxa de 25%.

Porém, a solução poderá já não ser a mesma, se, por exemplo, a sua vinda ocorrer no âmbito de contrato celebrado com o próprio artista ou atleta e lhes for pago diretamente o preço da sua atuação, ainda que o seu empresário possa debitar à parte alguma contrapartida por alguns serviços que tenha prestado à entidade portuguesa que os contratou ou até para pagar a licença de atuação que porventura tivesse sido acordada entre o empresário e o artista ou o atleta em causa.

Noutra situação, se um grupo musical estrangeiro vier atuar a Portugal, pode dar-se o caso da entidade nacional que o contratou celebrar um contrato com esse grupo pagando-lhe o que for acordado pela sua atuação e celebrar outro contrato com uma empresa também não residente em Portugal para montar o palco e toda a infraestrutura necessária ao espetáculo.

É óbvio que o tratamento tributário destes contratos não poderá ser o mesmo e que só os pagamentos feitos no âmbito dos contratos com os artistas e desportistas poderão ser qualificados rendimento de atividade artística ou desportiva.

 

O mesmo acontece na situação em apreço. Foram celebrados contratos com dois atletas cujo objeto foi a sua contratação desportiva e paralelamente foram celebrados contratos com a empresa que se apresentou como sua empresária cujo objeto foi a remuneração dos serviços que prestou e o seu investimento prévio na criação de condições para que esse investimento constituísse um “bem” que a A... necessitava de adquirir para que os jogadores pudessem ser transferidos e inscritos nos organismos desportivos nacionais em conformidade com a legislação aplicável.

 

O pagamento ao empresário não deixará de ter o enquadramento tributário adequado mas não é certamente com base nas normas invocadas pela autoridade Requerida para proceder à correcção inserida na liquidação impugnada.    

 

A invocação da requerente de que era detentora do formulário 21-RFI não é aqui analisada na medida em que a liquidação impugnada não assenta nas normas que preveem a sua emissão.

 

 

Decisão

Nestes termos declara-se a procedência do pedido de anulação da parte da liquidação impugnada correspondente à situação tributária acabada de analisar, devendo proceder-se à anulação da liquidação de imposto no montante de € 87.500,00 e dos juros compensatórios liquidados no montante de € 7.364,38.

 

 

III.5. Pagamento de rendimentos a entidades não residentes como contrapartida pela aquisição por parte da A... de DIREITOS DE IMAGEM de três jogadores de futebol

 

Passa-se agora a analisar e decidir se os rendimentos auferidos pela cedência dos direitos de imagem de jogadores de futebol, por parte de entidades não residentes em Portugal, configuram rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas, enquadráveis na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC, como pretende a Requerida, ou se, ao contrário, esses rendimentos devem ser considerados autonomamente e sem enquadramento no exercício de uma actividade desportiva e, consequentemente, não enquadráveis na referida disposição legal.

 

A presente situação abrange a aquisição dos direitos de imagem de 3 jogadores de futebol, ao tempo integrando os quadros da  A..., a saber, G…, H... e I….

 

Ainda que as entidades não residentes que cederam à A... os direitos de imagem que detinham sobre estes jogadores não sejam as mesmas e que os montantes envolvidos variem de caso para caso, a verdade é que são os mesmos os pressupostos factuais e normativos para decidir da legalidade ou ilegalidade de cada uma das correspondentes correcções integradas na liquidação impugnada.

 

Daí que se apresentem isoladamente os elementos diferenciadores de cada um dos três casos, mas se elabore uma análise única quanto ao seu enquadramento jurídico tributário.

 

 

III.5.1. Da matéria de facto

 

Da matéria de facto respeitante ao jogador G…

 

Através de um acordo celebrado em 26 de Junho de 2009, entre A... e “T... B.V.”, entidade sem residência e sem estabelecimento estável em Portugal, residente fiscal em Amsterdão, Holanda, a A... pagou à T... a quantia de € 125.000 pela aquisição dos direitos de imagem do jogador de futebol G....

Este acordo permitiu à A... a utilização do direito de imagem do referido jogador por um período de três anos, acompanhando assim o período de vigência do contrato de trabalho desportivo celebrado entre clube e jogador (vd. anexos 72 e 73 ao relatório de inspecção).

Analisando as cláusulas mais relevantes do Acordo, que está redigido na língua inglesa e de que o tribunal faz uma tradução livre, constata-se que a T... se apresenta e intervém como a única entidade autorizada a usar os direitos de publicidade e de imagem de G..., não estando, porém, clausulado quando e como essa entidade adquiriu esses direitos.

No Acordo está consignado que a A... celebrou com o referido jogador um contrato de trabalho desportivo, válido entre 1 de Julho de 2009 e 30 de Junho de 2012, e que, por tal razão, a A... tem o desejo de usar os direitos de imagem do jogador para efeitos da sua exploração comercial.

Assim, estipula-se no referido Acordo que o mesmo permite ao A... usar e explorar comercialmente, direta e indirectamente, sem qualquer limitação, os direitos do nome e imagem do G… pelo período correspondente ao contrato de trabalho desportivo.

 

Uma vez que a A... não procedeu a retenção na fonte de qualquer montante de imposto referente a este pagamento, o relatório de inspecção tributária promoveu uma liquidação de € 31.250.00 de imposto acrescido de juros compensatórios que vieram a ser fixados em € 2.421,23.

 

Da matéria de facto referente ao jogador H...

 

Entre a A... e “U… Limited”, entidade residente em Dublin, Irlanda, e sem estabelecimento estável em Portugal, foi celebrado um Acordo, datado de 1 de Julho de 2008, em que a primeira adquiriu à segunda os direitos de imagem do jogador de futebol H....

 

Como contrapartida pela referida aquisição a A... efetuou em 17/3/2009, 17/6/2009, 9/9/2009 e 1/12/2009 quatro pagamentos, no montante total de € 320.560,00, à referida entidade U… Limited.

 

Este acordo permitiu à A... a utilização do direito de imagem do referido jogador por um período de cinco anos (01.07.2008 a 30.06.2013), acompanhando assim o período de vigência do contrato de trabalho desportivo celebrado entre clube e jogador (vd. anexos 70 e 71 ao relatório de inspecção).

Analisando as cláusulas mais relevantes do Acordo, que está redigido na língua inglesa e de que o tribunal faz uma tradução livre, constata-se que a U… se apresenta e intervém como a única entidade autorizada a usar os direitos de publicidade e de imagem de H…, não estando, porém, clausulado quando e como essa entidade adquiriu esses direitos.

No Acordo está consignado que a A... celebrou com o referido jogador um contrato de trabalho desportivo, válido entre 1 de Julho de 2008 e 30 de Junho de 2013, e que, por tal razão, a A... tem o desejo de usar os direitos de imagem do jogador para efeitos da sua exploração comercial.

Assim, estipula-se no referido Acordo que o mesmo permite ao A... usar e explorar comercialmente, direta e indirectamente, sem qualquer limitação, os direitos do nome e imagem do H... pelo período correspondente ao contrato de trabalho desportivo.

 

Uma vez que a A... não procedeu a retenção na fonte de qualquer montante de imposto referente a este pagamento, o relatório de inspecção tributária promoveu uma liquidação de € 80.140,00 (€ 320.560,00 X 25%) de imposto acrescido dos correspondentes juros compensatórios que vieram a ser fixados em € 7.324,98.

 

Da matéria de facto referente ao jogador I…

 

Entre a A... e “V… BV”, entidade residente na Holanda e sem estabelecimento estável em Portugal, foi celebrado um Acordo, datado de 17 de Julho de 2008, em que a primeira adquiriu à segunda os direitos de imagem do jogador de futebol I….

 

Como contrapartida pela referida aquisição a A... efetuou em 11/11/2009 um pagamento no montante total de € 645.161,00 à referida entidade V… B.V.

 

Este acordo permitiu à A... a utilização do direito de imagem do referido jogador por um período de quatro anos (de 17.07.2008 a 30.06.2012), acompanhando assim o período de vigência do contrato de trabalho desportivo celebrado entre clube e jogador (vd. anexos 74 e 75 ao relatório de inspecção).

Analisando as cláusulas mais relevantes do Acordo, que está redigido na língua inglesa e de que o tribunal faz uma tradução livre, constata-se que a V… BV se apresenta e intervém como a única entidade autorizada a usar os direitos de publicidade e de imagem de I…, não estando, porém, clausulado quando e como essa entidade adquiriu esses direitos.

No Acordo está consignado que a A... celebrou com o referido jogador um contrato de trabalho desportivo, válido entre 17 de Julho de 2008 e 30 de Junho de 2012, e que, por tal razão, a A... tem o desejo de usar os direitos de imagem do jogador para efeitos da sua exploração comercial.

Assim, estipula-se no referido Acordo que o mesmo permite ao A... usar e explorar comercialmente, direta e indirectamente, sem qualquer limitação, os direitos do nome e imagem do jogador I...pelo período correspondente ao contrato de trabalho desportivo.

 

Uma vez que a A... não procedeu a retenção na fonte de qualquer montante de imposto referente ao pagamento acima referido o relatório de inspecção tributária promoveu uma liquidação de imposto de € 161.290,25 (€ 645.290,25 X 25%), a título de retenção na fonte, acrescidos dos correspondentes juros compensatórios que vieram a ser fixados em € 13.026,94.

 

 

III.5.2. Do direito aplicável

Dão-se por reproduzidas as posições que Requerente e Requerida apresentaram sobre a presente situação tributária e que supra se encontram descritas (vd. n.º 6.5 do Relatório da presente decisão arbitral).

 

Vejamos,

 

Nas três situações acabadas de descrever um entidade não desportiva e também não residente em Portugal adquiriu oportunamente o direito de explorar comercialmente os direitos de imagem de três jogadores de futebol.

A A... celebrou, entretanto, um contrato de trabalho desportivo com cada um dos referidos jogadores.

Na sequência destes contratos, a A... foi adquirir, à referida entidade não desportiva e não residente em Portugal, os direitos de imagem que a mesma detinha sobre os jogadores.

 

A Requerida entende que o objeto do contrato de aquisição/cedência dos direitos de imagem se encontra interligado e se reconduz aos direitos inerentes ao contrato que cada um deles celebrou enquanto futebolista, donde deriva a sua imagem.

 

E tanto assim é, continua a Requerida, que a duração do contrato de cedência de direitos de imagem segue a do contrato de trabalho desportivo e que no caso de ocorrerem novas transferências, os direitos de imagem acompanham o novo contrato de trabalho desportivo.

 

E isto porque, esclarece a Requerida, existe uma conexão, inequívoca, entre a atividade desempenhada pelos jogadores e a potencial de exploração dos seus direitos de imagem, uma vez que quando o Clube/SAD adquire os direitos de imagem dos jogadores do seu plantel, fá-lo enquanto direitos associados aos desportistas que contrata e à imagem, intrinsecamente, derivada da sua atividade de desportistas.

 

E que o Club/SAD só adquire estes direitos de imagem enquanto os jogadores se mantêm ao seu serviço e a praticar uma atividade de desportista.

 

Posto isto, continua a Requerida, quando da esfera da terceira entidade, que neste caso é um não residente, são transferidos os rendimentos que derivam da imagem que estes atletas detêm, enquanto jogadores que desempenham (ou vão desempenhar) a atividade profissional de desportistas em território português, o elemento de conexão com o território nacional reside no facto de os rendimentos em causa derivarem do exercício em território português da sua atividade enquanto desportistas.

 

Assim, no entender da Requerida, dada a sua conexão direta e indissociável com o exercício da atividade desportiva, os rendimentos auferidos pela cedência dos direitos de imagem destes jogadores configuram rendimentos derivados do exercício em território português da sua atividade enquanto desportistas, os quais se encontram sujeitos a IRC face à disposição prevista na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC conjugada com a alínea b) do n.º 3 e n.º 5 do artigo 88.º, e n.º 4 do artigo 80.º, ambos do CIRC, que estabelecem que tais rendimentos obtidos por não residentes em território português, quando o devedor dos mesmos seja sujeito passivo de IRC, devem ser objeto de retenção na fonte à taxa de 25%,

 

A Requerida invoca a favor da sua tese o artigo 17.º, n.º 2, quer da Convenção com a Holanda (residência das entidades que cederam os direitos de imagem de G… I…), quer da Convenção com a Irlanda (residência da entidade que cedeu os direitos de imagem do jogador H...), cujo teor é o mesmo e dispõe que “os rendimentos da atividade exercida pessoalmente pelos (…) desportistas, nessa qualidade, atribuídos a outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas essas atividades”, bem como os comentários da Convenção Modelo da OCDE em que o Estado onde são exercidas as atividades de desportista, fica autorizado a tributar os rendimentos obtidos dessas atividades mesmo que atribuídos a uma outra pessoa.

 

Pelo que, conclui a Requerida, relativamente a esses rendimentos derivados da atividade de desportista, mesmo existindo uma CDT celebrada com o país de residência da entidade não residente beneficiária, o Estado da fonte dos rendimentos fica habilitado a exercer os seus direitos de tributação sobre as importâncias atribuídas a entidades interpostas entre a entidade desportista e o Clube/SAD pagadora dos rendimentos.

 

A Requerida continua a referir na sua Resposta que estando prevista a sua tributação em território português, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, mesmo com a apresentação do formulário modelo RFI, devidamente preenchido e certificado pelas autoridades fiscais, os rendimentos em causa não ficam dispensados da tributação em sede de IRC e, consequentemente, da retenção na fonte a título definitivo.

 

 

A Requerente discorda da AT sustentando, em resumo, que os jogadores tinham um direito autónomo de usar a explorar a sua imagem pública podendo ceder esse direito ao clube ao serviço do qual se encontra durante a vigência do respetivo contrato ou podendo ceder a sua exploração comercial a uma entidade terceira.

 

Assim é que os jogadores em causa, no pleno uso do seu direito de imagem, cederam a sua exploração a entidades não residentes em Portugal.

 

 

Mas que tal cedência não implicou a existência de um nexo de causalidade imediato e inevitável entre a celebração de um contrato de trabalho desportivo com a Requerente e a gestão do direito de imagem, podendo estes, opcionalmente, serem cedidos em exploração comercial a terceiros, acrescentando que foi também opcional a aquisição desses direitos por parte da A... com quem foram celebrados os contratos de trabalho desportivo.

 

 

Assim, conclui a Requerente, “a exploração do direito de imagem de um atleta não é, portanto, indissociável do contrato de trabalho desportivo(…) “sendo a atividade desportiva dos profissionais de futebol exercida pela sua intervenção nas competições de futebol profissional em que participa a entidade empregadora, com a qual celebraram um contrato de trabalho desportivo, sendo remunerados para o efeito de acordo com as cláusulas dos contratos de trabalho e no qual não foram cedidos os direitos de imagem”

 

 

Por sua vez a Requerente informa que não procedeu à retenção na fonte do imposto correspondente aos pagamentos feitos com base nas Convenções para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matérias de impostos sobre o rendimento e o capital, tendo apresentado para o efeito os Modelos RFI.

 

E a terminar a Requerente remete para os Comentários ao artigo 17.º da Convenção Modelo, segundo os quais “além dos direitos obtidos a título das manifestações em que participam diretamente, os artistas e desportista auferem muitas vezes rendimentos sob a forma de royalties, direitos publicitários ou de patrocínio. Em regra, são aplicáveis outros artigos sempre que não exista uma relação directa entre os rendimentos e um espectáculo público dado pelo artista ou pelo desportista no país em causa (…). Os rendimentos do mesmo tipo que não podem ser imputados a essas manifestações ou espetáculos relevam das regras normais do Artigo 7.º ou do Artigo 15.º, consoante o caso”.

 

Donde, refere a Requerente, “não pode a AT partir simplesmente do pressuposto de que, como regra geral, os direitos de imagem são “intrinsecamente” derivados da atividade de desportistas, sem determinar tal conexão direta no caso concreto, até porque, a verificar-se tal conexão, verificar-se-ia então a incidência de IRC.”

 

 Assim sendo, a Requerente entende que o rendimento em causa não é enquadrável na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC, na medida em que o mesmo não resulta direta e indissociavelmente do exercício da atividade desportiva dos jogadores em causa, solicitando assim a anulação das liquidações respetivas e dos correspondentes juros compensatórios.

 

Quid Juris

 

Em face da argumentação deduzida pela Requerida e da prova carreada para os autos, nada permite concluir que seja possível reconduzir os rendimentos pagos pela A... às entidades não residentes a quem adquiriu os direitos de imagem dos jogadores G…, H... e I…, como rendimentos obtidos em Portugal por um não residente, sujeito a IRC, por força do disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, com o fundamento de que se trata de rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas.

 

Com efeito, sendo certo que pode sempre ver-se no pagamento feito às referidas entidades alguma ligação com a actividade desportiva exercida por parte do titular do direito à imagem que foi alienada pelas referidas entidades não residentes, a verdade é que a origem ou fonte desses rendimentos está na alienação de um direito anteriormente adquirido ao seu titular, está, ao fim e ao cabo, na rentabilização de um investimento que foi feito na aquisição desse direito.

A relação jurídica estabelecida entre cada um dos três jogadores de futebol e cada uma das entidades que lhe adquiriram o direito de explorar comercialmente a sua imagem esgotou-se com a entrega desse direito, do direito a esse direito, e com o pagamento do preço que as adquirentes certamente terão pago a esses jogadores.

Agora, esta é uma nova relação jurídica, esta é uma relação jurídica de natureza comercial estabelecida entre cada uma das três entidades não residentes que eram titulares do direito de explorar comercialmente a imagem dos jogadores com quem a A... celebrou um contrato de trabalho desportivo.

Mas nenhum dessas três entidades teve ou teria que ter qualquer intervenção positiva ou negativa relativamente à celebração dos contratos de trabalho desportivo celebrados entre a A... e os jogadores de que detinham o direito à imagem.

Aliás, mesmo depois da celebração dos contratos de trabalho desportivo entre a A... e cada um dos jogadores em causa nada impedia que as entidades não residentes que antes lhe tinham adquirido o direito a explorar comercialmente o seu direito de imagem continuassem com essa titularidade, não os cedendo à A..., o que não afectaria nada os referidos contratos de trabalho desportivo.

Tal como nenhum desses jogadores teve ou teria que ter qualquer intervenção nos contratos celebrados entre a A... e cada um das entidades que lhe cedeu o direito a explorar comercial dos mesmos jogadores.

 

Cada uma das entidades que cederam o direito de explorar comercialmente a imagem dos jogadores comportou-se como um investidor, quer ao adquirir esse direito a cada um dos jogadores quer agora a alienar esse direito.

Foram investidores que se comportaram como tal ao investir na aquisição prévia de direitos de natureza comercial de jogadores e, tenham ou não feito bons negócios com o anterior e com o futuro titular desse direito, ganhando mais ou ganhando menos, a verdade é que os seus ganhos advieram de um investimento, foram ganhos resultantes de uma atividade empresarial e nunca de uma atividade desportiva.

 

As normas que no direito tributário interno e também no direito tributário convencional tipificam a incidência dos rendimentos artísticos e desportivos e as regras de territorialidade que lhe são aplicáveis terão que ser interpretadas no sentido em que só os rendimentos que efetivamente sejam qualificáveis como contrapartida pelo exercício dessas atividades é que serão abrangidos pelo regime tributário específico aí previsto.

 

Se, por exemplo, um pintor aliena a um galerista um quadro que previamente pintou, ele tem direitos sobre esse quadro, mormente quanto à protecção da sua inviolabilidade, quanto à indicação do nome do seu pintor, direitos esses que podem projectar-se para além da sua venda.

Porém, o direito à exploração comercial do quadro por parte do seu autor esgota-se com a venda ao galerista.

 

O galerista passou a ser o seu proprietário e os ganhos que auferir com a venda do quadro, as mais-valias que fizer entre o preço que pagou ao pintor pelo quadro e o preço de venda que faça a jusante são meros ganhos empresariais e, independentemente da qualificação fiscal que lhe possa ser dada, nunca poderão ser qualificados como ganhos provenientes de direitos de autor.

 

E no entanto o quadro só existe porque o pintor existe e existiu como tal e projectou a sua arte na confecção daquele quadro.

 

Se, por exemplo, um artista musical ou um corredor olímpico de um país estrangeiro vierem atuar ou correr em Portugal, a contrapartida dessa atuação estará sujeita a imposto, nos termos supra referidos, quer seja paga ao próprio artista ou atleta quer seja paga na totalidade a um terceiro que é o seu empresário.

Neste caso o pagamento, tal como determinam as referidas normas, estará integralmente sujeito a retenção na fonte em Portugal á taxa de 25%.

Porém, a solução poderá já não ser a mesma, se, por exemplo, a sua vinda for condicionada à celebração de contratos com o próprio artista ou atleta e lhes for pago diretamente o preço da sua atuação, ainda que o seu empresário possa debitar à parte alguma contrapartida por alguns serviços que tenha prestado à entidade portuguesa que os contratou ou até para pagar a licença de atuação que porventura tivesse sido acordada entre o empresário e o artista ou o atleta em causa.

Noutra situação, se um grupo musical estrangeiro vier atuar a Portugal, pode dar-se o caso da entidade nacional que o contratou celebrar um contrato com esse grupo pagando-lhe o que for acordado pela sua atuação e celebrar outro contrato com uma empresa também não residente em Portugal para montar o palco e toda a infraestrutura necessária ao espetáculo.

É óbvio que o tratamento tributário destes contratos não poderá ser o mesmo e que só os pagamentos feitos no âmbito dos contratos com os artistas e desportistas poderão ser qualificados rendimento de atividade artística ou desportiva.

 

A primeira conclusão a extrair é a de que os rendimentos pagos pela A... às entidades não residentes, como contrapartida da cedência da exploração comercial dos direitos de imagem de três jogadores do seu plantel, não assumem a natureza de rendimentos derivados do exercício de atividades desportistas na aceção da alínea b) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC.

 

E em reforço da conclusão acabada de extrair podem convocar-se as normas convencionais previstas nas Convenções celebradas por Portugal com a Irlanda (publicada no DR, I Série A, de 24 de Junho de 1994) e com o Reino dos Países Baixos (Publicada no DR, I Série A, n.º 159, de 12/07/2000).

 

A lei interna portuguesa, invocada por Requerente e Requerida em sentido diverso para sustentar a posição de cada uma, prevê um regime tributário especial para os “rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de profissionais de espetáculos ou desportistas” (vd. alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC) os quais, sendo obtidos por não residentes, são aqui tributados à taxa de 25% (vd. n.º 5 do artigo 88.º e artigo 80.º ambos do CIRC).

 

Uma vez que os rendimentos foram obtidos em Portugal por entidades residentes na Irlanda e nos Países Baixos, não podendo, pois, a situação tributária em causa cingir-se à aplicação do direito interno, haverá que trazer à colação as Convenções para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria dos Impostos sobre o Rendimento celebradas com cada um desses países e que acima foram identificadas.

 

Para enquadrar o caso em apreço e decidir qual a boa interpretação que deve ser conferida às disposições legais invocadas teremos, pois, que conjugar e interpretar as normas internas e convencionais à luz das regras interpretativas consideradas aplicáveis.

 

Segundo a melhor doutrina, os tratados internacionais que versem matéria fiscal devem ser interpretados de acordo com as regras gerais de interpretação das leis fiscais, obedecendo nomeadamente aos princípios da legalidade, da tipicidade fechada e da capacidade contributiva, sem prejuízo de alguns aspetos específicos que devem também ser considerados.

Ora, um dos elementos específicos de interpretação das convenções sobre dupla tributação internacional são os “Comentários à Convenção Modelo da OCDE”, elaborados pelo Comité de Assuntos Fiscais daquela organização, que são textos interpretativos preparados e elaborados consensualmente por peritos dos Estados membros daquela Organização, sendo que o conteúdo destes comentários não é vinculativo e deve-lhe ser reconhecido o valor que em geral é atribuído à doutrina (vd. Direito Tributário Internacional, páginas 149 e seguintes, por Alberto Xavier, 2.ª Edição Atualizada, Almedina).

 

Por outro lado, uma vez que os tratados de dupla tributação são aplicáveis a situações que se conexionam com o ordenamento de dois Estados, designados de Estados Contratantes, coloca-se a questão de saber como deve repartir-se a competência entre esses Estados para interpretar as normas e para qualificar os factos que podem relacionar-se com o sistema normativo de cada um dos referidos Estados.

 

A doutrina vai no sentido de que deve considerar-se que cada Estado contratante é competente para interpretar as normas e enquadrar os factos nos conceitos dos tratados em função do seu direito interno, sendo esta competência de natureza exclusiva de cada um dos Estados na parte que lhe diz respeito.

Por exemplo, se está em causa uma questão referente à interpretação e qualificação de um rendimento deve, face ao disposto no § 3.º do artigo 10.º e § 2.º do artigo 6.º da Convenção Modelo, ser o Estado da fonte a determinar essa qualificação e o Estado da residência deve acatar a qualificação feita pelo outro Estado sendo-lhe vedado proceder a nova qualificação autónoma com invocação do seu direito interno e, se estiver em causa qualificar os pressupostos da residência, só o Estado onde o contribuinte tiver o seu domicílio fiscal será competente para definir esse conceito que o Estado da fonte terá que aceitar (Ibidem, página 171 e seguintes).

 

Aplicando estas breves considerações ao caso em preço, temos que Portugal, enquanto Estado contratante nas Convenções que celebrou com a Irlanda e com os Países Baixos, tem competência para interpretar o conceito de rendimento pago por uma entidade residente em Portugal a beneficiários residentes nesses dois países, à luz do seu direito interno conjugado com o direito convencional, sendo que é justamente a interpretação deste conceito que constitui a matéria controvertida nesta componente dos autos.

 

Como já acima se observou, o direito nacional confere um regime tributário específico, sujeitando-o a uma retenção à taxa de 25%, no Estado da fonte, aos rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de profissionais de espetáculos ou desportistas. 

 

Sendo certo que o direito interno não define o que sejam rendimentos derivados de atividades “desportistas” nem quem são os sujeitos passivos abrangidos por tal regime específico, deve ser a norma convencional a completar a resposta que se procura.

Ora, diz o n.º 1 do artigo 17.º das referidas Convenções, que é de igual teor numa e noutra, estipula que “Não obstante o disposto nos artigos 14.º e 15.º, os rendimentos obtidos por um residente de um Estado contratante na qualidade de profissional de espetáculos, tal como artista de teatro, cinema, rádio ou televisão ou músico, bem como de desportista, proveniente das suas atividades pessoais exercidas nessa qualidade no outro estado contratante podem ser tributados nesse outro Estado”.

Por seu lado, o n.º 2 do mesmo preceito convencional estipula que “Não obstante o disposto nos artigos 7.º, 14.º e 15.º, os rendimentos da atividade exercida pessoalmente pelos profissionais de espetáculos ou desportistas, nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa podem ser tributados no Estado contratante em que são exercidas essas atividades dos profissionais de espetáculos ou dos desportistas”.

 

Como se constata, o elemento literal da norma do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC não é conclusivo para determinar a abrangência da expressão “desportistas”.

Porém, nos preceitos acabados de transcrever do direito convencional o elemento literal aparece claramente direcionado para que o direito de tributar no Estado da fonte se aplique apenas aos rendimentos obtidos “pessoalmente” pelos desportistas, isto é, enquanto executantes individuais.

Até porque no n.º 2 transcrito se ressalva a aplicação do artigo 7.º que determina que a tributação dos lucros empresariais só deve ocorrer no Estado da residência.

 

Será que o elemento literal é acompanhado e reforçado por outros elementos interpretativos usualmente invocados em matéria de interpretação das leis?

A resposta é claramente afirmativa. Desde logo podem invocar-se o elemento sistemático e o elemento racional ou lógico.

Com efeito, o citado artigo 17.º das Convenções em análise, tendo por epígrafe “os artistas e desportistas”, aparece inserido num conjunto de preceitos que regem a tributação das pessoas singulares, como sejam os profissionais independentes, os membros dos órgãos sociais, os rendimentos de penões, os estudantes, etc.

Em termos racionais, não faria sentido que os rendimentos empresariais em geral fossem abrangidos pela regra da tributação no Estado da residência e que neste caso a regra fosse diferente.

 

Quanto à Convenção Modelo da OCDE, os “Comentários ao Artigo 17.º relativo à tributação dos Artistas e Desportistas” apontam no mesmo sentido ao referir que “o n.º 1 se aplica ao rendimento obtido, direta ou indiretamente, a título individual, por artistas ou desportistas”, embora este artigo admita que a atividade de desportista possa ser exercida por uma entidade em que o desportista se encontra integrado podendo o Estado da fonte tributar as remunerações pagas a tais entidades em nome do indivíduo (vd. parágrafo 8 dos comentários ao artigo 17.º).

 

Esta posição é partilhada por outra doutrina, como, por exemplo, Maria Margarida Cordeiro Mesquita, in “Convenções Sobre Dupla Tributação” página 247, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 179, Centro de Estudos Fiscais, Lisboa 1998,observando, em anotações ao artigo 17.º da Convenção Modelo OCDE, que este preceito “menciona as atividades pessoais do artista ou desportista pelo que só pode aplicar-se a indivíduos e não a pessoas coletivas”.

Esta autora observa ainda que o regime do artigo 17.º, parágrafos 1 e 2, do Modelo OCDE coincide como regime do direito interno português ao observar que face ao artigo 4.º, n.ºs 2 e 3, alínea d) do CIRC, numa situação em que o rendimento em Portugal seja “auferido por uma pessoa coletiva sem estabelecimento estável em território português e seja feita a prova de que os profissionais de espetáculo ou desportistas em causa não a controlam direta ou indiretamente, neste caso, não haverá tributação em Portugal”.

 

Assim, além das beneficiárias serem pessoas coletivas residentes na Holanda e na Irlanda,  os rendimentos que auferiram foram a contrapartida por terem cedido direitos de natureza económica que detinham sobre jogadores de futebol, que não podem considerar-se como derivadas do exercício de atividades desportivas, sendo antes qualificáveis como rendimentos empresariais que a Requerida não considerou nos fundamentos das liquidações que efetuou.

 

Decisão

 

Nestes termos, uma vez que os rendimentos pagos pela A... a entidades coletivas residentes na República da Irlanda e nos Países Baixos, como contrapartida pela aquisição do direito à exploração comercial de direitos de imagem de três jogadores de futebol integrantes da sua equipa de futebol, não se subsumem na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, por não serem rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de desportistas, não poderão subsistir as liquidações impugnadas, nos montantes a seguir indicados, pelo que se determina a sua anulação, bem como dos juros compensatórios correspondentes, nos seguintes montantes:

 

  1. Imposto no montante de € 80.140,00, acrescido dos correspondentes juros compensatórios de € 7.324,98, que a AT fez incidir sobre a quantia de € 320.560,00 paga pelo A... a “U… Limited”, entidade residente na Irlanda, como contrapartida pela aquisição dos direitos de imagem do jogador de futebol H....

 

  1. Imposto no montante de € 161.290,25, acrescido dos correspondentes juros compensatórios de € 13.026,94, que a AT fez incidir sobre a quantia de € 645.161,00 paga pela A... à entidade “V… B.V”, entidade residente na Holanda, como contrapartida pela aquisição dos direitos de imagem do jogador de futebol I…;

 

  1.  Imposto no montante de € 31.250.00, acrescido de juros compensatórios de € 2.421,23, que a AT fez incidir sobre a quantia de € 125.000,00 paga pela A... à entidade “T... B.V.”, entidade residente na Holanda, pela aquisição dos direitos de imagem do jogador de futebol G....

 

 

III.6. Rendimentos derivados do jogo de futebol entre a A... e o K...

 

O que está em causa nesta situação tributária é a questão de saber se o pagamento feita a uma equipe de futebol italiana, o K…, como contrapartida de um jogo de futebol realizado em território nacional com a A..., deve ou não ser considerado como um rendimento derivado do exercício de uma atividade desportiva e como tal sujeito a tributação em Portugal,

 

 III.6.1. Da matéria de facto

 

A A... pagou em 31 de Julho de 2009 a quantia de € 400.000,00 à entidade K...S.P.A, não residente e sem estabelecimento estável em Portugal, pela participação num jogo de futebol entre as duas equipes realizado no território nacional português.

 

A A... não procedeu à retenção de qualquer imposto sobre o referido pagamento.

 

 

III.6.2. Aplicação do Direito

Dão-se por reproduzidas as posições que Requerente e Requerida apresentaram sobre a presente situação tributária e que supra se encontram descritas (vd. n.º 6.6 do Relatório da presente decisão arbitral).

 

A AT promoveu uma correção, no montante de € 100.00,00, correspondente à retenção na fonte sobre o pagamento de € 400.000,00 efetuado pela Requerente ao K..., entidade residente para efeitos fiscais na Itália, pela realização de um jogo de futebol amigável disputado em território nacional entre as equipas da A... e do K….

 

Segundo a AT este pagamento tem na sua fonte o exercício de uma atividade desportiva exercida em Portugal, gerando rendimentos obtidos por não residentes, devendo, pois, ser enquadráveis na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º em conjugação com a alínea f) do n.º 1 do artigo 88.º, ambos do CIRC, sujeitos a retenção na fonte, à taxa de 25%.

 

A Requerida sustenta a sua posição com os preceitos indicados do direito interno e também com a interpretação que defende que deve ser feita ao n.º 2 do artigo 17.º da CDT celebrada entre Portugal e a Itália que, quanto à tributação dos artistas e desportistas, determina “…os rendimentos da atividade exercida pessoalmente pelos (…) desportistas, nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas essas atividades”.

 

E em reforço desta tese, a Requerida remete para os Comentários ao n.º 2 do artigo 17.º do Modelo de Convenção da OCDE, em matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Património, onde se conclui que o Estado onde são exercidas as atividades de desportista fica autorizado a tributar os rendimentos obtidos dessas atividades atribuídos a entidades interpostas entre a entidade desportiva e o Clube/SAD pagador dos rendimentos.

 

A Requerente não concorda com o entendimento da AT e interpreta a invocada alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC no sentido de que só se aplica aos rendimentos derivados do exercício da atividade desportista exercida pessoalmente pelos desportistas, nessa qualidade.

 

Ora, diz a Requerente, de facto, a atividade praticada pela sociedade anónima desportiva é uma atividade desenvolvida, não de forma individual, mas coletiva, em equipa, sendo que os profissionais que constituem a equipa estão subordinados à orientação e supervisão da sociedade anónima desportiva como trabalhadores por conta de outrem e remunerados como tal.

 

Assim, tendo o jogo em causa sido realizado entre a equipa do A... e o K... e não entre quaisquer individualidades, o titular do direito foram ambas as equipas.

 

Invocando, tal como a Requerida, o n.º 2 do art.º 17.º do ADT entre Portugal e a Itália, mas neste caso para defender que o citado preceito não terá aplicação ao caso concreto uma vez que o jogo em apreço foi realizado entre duas sociedades anónimas desportivas e não entre quaisquer jogadores em específico, pelo que deverão assumir a natureza de lucros desta e, ao abrigo do artigo 7.º do ADT celebrado entre Portugal e Itália, encontrando-se apenas sujeito a tributação em Itália.

 

 

 

Quid juris?

 

A lei interna portuguesa, invocada por Requerente e Requerida em sentido diverso para sustentar a posição de cada uma, prevê um regime tributário especial para os “rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de profissionais de espetáculos ou desportistas” (vd. alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC) os quais, sendo obtidos por não residentes, são aqui tributados à taxa de 25% (vd. n.º 5 do artigo 88.º e artigo 80.º ambos do CIRC).

 

Uma vez que os rendimentos foram obtidos em Portugal por uma entidade considerada residente em Itália, não podendo, pois, a situação tributária em causa cingir-se à aplicação do direito interno, haverá que trazer à colação a “Convenção entre a República Portuguesa e a República Italiana para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria dos Impostos sobre o Rendimento”, aprovada pela Lei 10/82, de 1 de Junho.

 

Para enquadrar o caso em apreço e decidir qual a boa interpretação que deve ser conferida às disposições legais invocadas teremos, pois, que conjugar e interpretar as normas internas e convencionais à luz das regras interpretativas consideradas aplicáveis.

 

Segundo a melhor doutrina, os tratados internacionais que versem matéria fiscal devem ser interpretados de acordo com as regras gerais de interpretação das leis fiscais, obedecendo nomeadamente aos princípios da legalidade, da tipicidade fechada e da capacidade contributiva, sem prejuízo de alguns aspetos específicos que devem ser considerados.

Ora, um dos elementos específicos de interpretação das convenções sobre dupla tributação internacional são os “Comentários à Convenção Modelo da OCDE”, elaborados pelo Comité de Assuntos Fiscais daquela organização, que são textos interpretativos preparados e elaborados consensualmente por peritos dos Estados membros daquela Organização, sendo que o conteúdo destes comentários não é vinculativo e deve-lhe ser reconhecido o valor que em geral é atribuído à doutrina (vd. Direito Tributário Internacional, páginas 149 e seguintes, por Alberto Xavier, 2.ª Edição Atualizada, Almedina).

 

Por outro lado, uma vez que os tratados de dupla tributação são aplicáveis a situações que se conexionam com o ordenamento de dois Estados, designados de Estados Contratantes, coloca-se a questão de saber como deve repartir-se a competência entre esses Estados para interpretar as normas e para qualificar os factos que podem relacionar-se com o sistema normativo de cada um dos referidos Estados.

 

A doutrina vai no sentido de que deve considerar-se que cada Estado contratante é competente para interpretar as normas e enquadrar os factos nos conceitos dos tratados em função do seu direito interno, sendo esta competência de natureza exclusiva de cada um dos Estados na parte que lhe diz respeito.

Por exemplo, se está em causa uma questão referente à interpretação e qualificação de um rendimento deve, face ao disposto no § 3.º do artigo 10.º e § 2.º do artigo 6.º da Convenção Modelo, ser o Estado da fonte a determinar essa qualificação e o Estado da residência deve acatar a qualificação feita pelo outro Estado sendo-lhe vedado proceder a nova qualificação autónoma com invocação do seu direito interno e, se estiver em causa qualificar os pressupostos da residência, só o Estado onde o contribuinte tiver o seu domicílio fiscal será competente para definir esse conceito que o Estado da fonte terá que aceitar (Ibidem, página 171 e seguintes).

 

Aplicando estas breves considerações ao caso em preço, temos que Portugal, enquanto Estado contratante na Convenção que celebrou com a Itália, tem competência para interpretar o conceito de rendimento pago por uma entidade residente em Portugal a um beneficiário residente na Itália, à luz do seu direito interno conjugado com o direito convencional, sendo que é justamente a interpretação deste conceito que constitui a matéria controvertida nesta componente dos autos.

 

Como já acima se observou, o direito nacional confere um regime tributário específico, sujeitando-o a uma retenção à taxa de 25%, no Estado da fonte, aos rendimentos derivados do exercício em território português da atividade de profissionais de espetáculos ou desportistas. 

 

Sendo certo que o direito interno não define o que sejam rendimentos derivados de atividades “desportistas” nem quem são os sujeitos passivos abrangidos por tal regime específico, deve ser a norma convencional a completar a resposta que se procura.

Ora, diz o n.º 1 do artigo 17.º da Convenção com a Itália que “Não obstante o disposto nos artigos 14.º e 15.º, os rendimentos obtidos por um residente de um Estado contratante na qualidade de profissional de espetáculos, tal como artista de teatro, cinema, rádio ou televisão ou músico, bem como de desportista, proveniente das suas atividades pessoais exercidas nessa qualidade no outro estado contratante podem ser tributados nesse outro Estado”.

Por seu lado, o n.º 2 do mesmo preceito convencional estipula que “Não obstante o disposto nos artigos 7.º, 14.º e 15.º, os rendimentos da atividade exercida pessoalmente pelos profissionais de espetáculos ou desportistas, nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa podem ser tributados no Estado contratante em que são exercidas essas atividades dos profissionais de espetáculos ou dos desportistas”.

 

Como se constata, o elemento literal da norma do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC não é conclusivo para determinar a abrangência da expressão “desportistas”.

Porém, nos preceitos acabados de transcrever do direito convencional o elemento literal aparece claramente direcionado para que o direito de tributar no Estado da fonte se aplique apenas aos rendimentos obtidos “pessoalmente” pelos desportistas, isto é, enquanto executantes individuais.

Até porque no n.º 2 transcrito se ressalva a aplicação do artigo 7.º que determina que a tributação dos lucros empresariais só deve ocorrer no Estado da residência.

 

Será que o elemento literal é acompanhado e reforçado por outros elementos interpretativos usualmente invocados em matéria de interpretação das leis?

A resposta é claramente afirmativa. Desde logo podem invocar-se o elemento sistemático e o elemento racional ou lógico.

Com efeito, o citado artigo 17.º da Convenção em análise, tendo por epígrafe “os artistas e desportistas”, aparece inserido num conjunto de preceitos que regem a tributação das pessoas singulares, como sejam os profissionais independentes, os membros dos órgãos sociais, os rendimentos de penões, os estudantes, etc.

Em termos racionais, não faria sentido que os rendimentos empresariais em geral fossem abrangidos pela regra da tributação no Estado da residência e que neste caso a regra fosse diferente.

 

Quanto à Convenção Modelo da OCDE, os “Comentários ao Artigo 17.º relativo à tributação dos Artistas e Desportistas” apontam no mesmo sentido ao referir que “o n.º 1 se aplica ao rendimento obtido, direta ou indiretamente, a título individual, por artistas ou desportistas”, embora este artigo admita que a atividade de desportista possa ser exercida por uma entidade em que o desportista se encontra integrado podendo o Estado da fonte tributar as remunerações pagas a tais entidades em nome do indivíduo (vd. parágrafo 8 dos comentários ao artigo 17.º).

 

Esta posição é partilhada por outra doutrina, como, por exemplo, Maria Margarida Cordeiro Mesquita, in “Convenções Sobre Dupla Tributação” página 247, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 179, Centro de Estudos Fiscais, Lisboa 1998,observando, em anotações ao artigo 17.º da Convenção Modelo OCDE, que este preceito “menciona as atividades pessoais do artista ou desportista pelo que só pode aplicar-se a indivíduos e não a pessoas coletivas”.

Esta autora observa ainda que o regime do artigo 17.º, parágrafos 1 e 2, do Modelo OCDE coincide como regime do direito interno português ao observar que face ao artigo 4.º, n.ºs 2 e 3, alínea d) do CIRC, numa situação em que o rendimento em Portugal seja “auferido por uma pessoa coletiva sem estabelecimento estável em território português e seja feita a prova de que os profissionais de espetáculo ou desportistas em causa não a controlam direta ou indiretamente, neste caso, não haverá tributação em Portugal”.

 

Alberto Xavier assinala também alguns aspetos importantes sobre o enquadramento dos rendimentos relativos à atividade artística e desportiva (Ibidem, páginas 641 e seguintes).

Assim, depois de também manifestar a opinião que estas atividades têm a ver com o exercício individual por parte de artistas e desportistas, assinala que a “ heterogeneidade e multiplicidade dos tipos de remuneração dos artistas envolvem complexos problemas de qualificação. Assim, por exemplo, não são qualificáveis como remuneração de artistas ou desportistas, a remuneração do empresário, as royalties de propriedade intelectual, os fees de propaganda e patrocínio não diretamente relacionados com o espetáculo, bem como os pagamentos por cancelamentos do mesmo, enquadráveis nos artigos 7.º ou 15.º do Modelo OCDE”.

De seguida este autor, a propósito da tributação de artistas e desportistas que atuam integrados em orquestras ou equipas remete para os Comentários ao artigo 17.º, § 8.º, da Convenção Modelo OCDE, em que se consigna que “o número 1 se aplica ao rendimento obtido, direta ou indiretamente, a título individual, por um artista ou desportista. Em certos casos a remuneração não é paga diretamente ao executante ao seu agente. Assim, um músico de orquestra pode receber um salário em lugar de receber um cachet; o Estado Contratante onde se realiza um concerto tem o direito de tributar, nos termos do número 1, a parte do salário do músico correspondente ao referido concerto. De igual modo quando um artista ou desportista é empregado, por exemplo, por uma sociedade unipessoal, o Estado onde a atividade é exercida pode tributar uma fração adequada de qualquer remuneração paga ao indivíduo em causa. Além disso sempre que a legislação do país permitir abstrair dessas entidades e tratar os rendimentos como revertendo diretamente para o indivíduo, o número 1 permite que o Estado onde se realizou o espetáculo tribute o rendimento recebido pela entidade em nome do individuo, relativamente a esse espetáculo, ainda que esse rendimento não lhe seja efetivamente pago sob a forma de remuneração”.

 

Com base nestes Comentários, Alberto Xavier aborda os casos em que a remuneração é auferida por uma entidade coletiva, tal como uma orquestra, uma equipa ou clube, do qual o artista ou desportista recebe um salário, independentemente de cada espetáculo separado. Em tais casos, o Estado em que a atividade foi exercida poderá tributar a proporção do salário correspondente a cada exibição, acrescentando que nas “Convenções com Itália e Moçambique preveem, no parágrafo 2 do artigo 17.º que os rendimentos de atividade exercida pessoalmente pelos profissionais de espetáculos ou desportistas, nessa qualidade, atribuídos a outras pessoas, podem ser tributados no Estado Contratante em que são exercidas as atividades em causa” (Ibidem pagina 642).

 

No caso em apreço a atuação da AT consistiu na tributação integral do rendimento de € 400.000,00 pago pela A... ao K...pela participação deste clube num jogo de futebol realizado em Portugal entre ambas as equipas.

A tributação incidiu sobre a remuneração integral – os autos não dão conta que tivesse existido qualquer outra remuneração – que foi paga ao próprio clube, como entidade jurídica e empresarial autónoma dos jogadores.

Não se tratou, pois, de um espetáculo desportivo em que um conjunto de jogadores tivessem vindo atuar a título pessoal, como se exige no artigo 17.º da Convenção com a Itália e na Convenção Modelo, integrados num clube que tivesse recebido a remuneração destinada a esses mesmos jogadores pela sua atuação.

O que os autos apresentam é a atuação de uma entidade empresarial, cuja marca é dominante e absorve a notoriedade dos jogadores que a integram, que veio fornecer um espetáculo desportivo nessa qualidade, e que foi remunerada como tal, sem sequer ter sido requerida qualquer discriminação desse pagamento para distinguir a parte destinada à remuneração dos próprios desportistas e a parte destinada à entidade empresarial propriamente dita.

 

Não esteve, pois, em causa a vinda de um conjunto de desportistas organizados em pessoa coletiva, em clube ou em equipa, que, por seu lado, representasse os interesses dos desportistas e fosse remunerada como tal. Como escreve Maria Margarida Cordeiro Mesquita, no caso em apreço não deverá haver lugar a tributação em Portugal porque não foi feita prova que os desportistas que integravam a equipa a controlavam direta ou indiretamente (Ibidem, pagina 249). 

 

Nestes termos, a remuneração de € 400.000,00 paga pela A... ao K...pela sua participação num jogo de futebol realizado em Portugal não se enquadra na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, conjugado com o artigo 17.º da Convenção celebrada entre Portugal e Itália, como rendimento derivado de uma atividade desportiva exercida a título pessoal, pelo que esse rendimento não deverá ser sujeito a tributação com os fundamentos invocados pela Requerida.

 

Decisão

Nestes termos declara-se a procedência do pedido de anulação da parte da liquidação impugnada correspondente ao rendimento de € 400.000,00 pago pela A... ao clube K…, devendo proceder-se à anulação da liquidação de imposto no montante de € 100.000,00 e dos juros compensatórios liquidados no montante de € 9.424,65.

 

 

III. 7. Pagamentos que a Requerente considera efectuados à entidade AA... LTD, residente em MALTA e que, segundo a Requerida, devem ser considerados como rendimento da entidade BB... LTD, residente em GIBRALTAR

 

Na presente situação tributária está em causa saber se os rendimentos pagos a uma entidade residente em Malta devem ser enquadrados no regime tributário decorrente de se estar perante uma entidade com residência num Estado com quem Portugal celebrou uma convenção para evitar a dupla tributação, como defende a Requerente, ou se, ao contrário esses rendimentos devem ter o tratamento tributário decorrente do seu titular originário ser uma entidade residente em Gibraltar com quem Portugal não tem qualquer convenção sobre dupla tributação.

 

Não se toma conhecimento de um facto lateral à causa de pedir subjacente à situação tributária aqui em apreço – que Requerente e Requerida terão que clarificar e decidir pelos meios procedimentais e processuais competentes – e que tem a ver com uma discordância entre Requerente e Requerida sobre se o montante de € 487.008,00, que a primeira alega ter depositado nos cofres do Estado através da guia n.º …, referente a retenções na fonte referentes a Janeiro de 2009 e efetuado o seu pagamento em 22/10/2010, correspondeu ou não a imposto conexo com os rendimentos imputados à entidade AA... na liquidação impugnada, alegando a Requerida que a guia de pagamento junta pela Requerente não comprova que os rendimentos de capitais aí referidos sejam os rendimentos de capitais em discussão.

 

 

III.7.1. Da matéria de facto

 

Em matéria de facto passa a dar-se conta dos factos que serão considerados na análise e decisão da presente situação tributária.

 

Assim,

 

1). Considera-se desde logo a cópia junta ao relatório de inspecção de dois contratos, redigidos em língua inglesa, cujas cláusulas mais relevantes passam evidenciar-se (vd. anexos 99 e 100 juntos ao relatório de inspecção). Assim,

1.1.) Contrato datado de 8 de Junho de 2005 celebrado entre “A… SAD”, doravante A... e “BB... LTD”, doravante BB..., sociedade esta matriculada em Gibraltar e com endereço “para efeitos do presente contrato” em TEL-AVIV, Israel, e cujo objeto é ser “perito no sector das aquisições de direitos de jogadores de futebol e no aperfeiçoamento do valor económico desses jogadores”.

Através deste contrato a A... cedeu à BB...uma percentagem dos “direitos económicos” de cinco jogadores de futebol que nessa data integravam os seus quadros, pelo preço global de € 7.900.000,00 (cláusulas 2 a 5).

Pelo mesmo contrato a outorgante BB...obrigava-se a apoiar a outorgante A... na compra dos direitos de quatro novos jogadores (cláusulas 6,10 e 11) e obrigava-se também a colaborar na venda daqueles cinco jogadores (cláusulas 7, 8 e 9).

Ficou finalmente clausulado “que a BB...tem o direito de executar ou de ceder os seus direitos resultantes do presente contrato através da sociedade sua subsidiária e totalmente detida pela BB...denominada “TT…LTD”, com sede em Dublin, Irlanda (cláusula 13).

1.2). Contrato datado de 9 de Janeiro de 2009 celebrado entre A... e “AA... Limited”, doravante AA..., “uma sociedade organizada, matriculada e com existência legal ao abrigo das leis de MALTA” e com domicílio em Malta.

Em face das cláusulas deste contrato a outorgante AA... apresenta-se aí como titular dos direitos relativos ao jogador CC..., (que foi um dos jogadores cujos direitos tinham sido cedidos pelo A... à BB...através do contrato de 8 de Junho de 2005 acima transcrito), direitos esses que, segundo este contrato de 9 de Janeiro de 2009, lhe foram cedidos através de um outro contrato celebrado em 19 de Agosto de 2008 com “AA…” em que se tinha entretanto transformado a anterior “BB... Limited” (vd. “Antecedentes” consignados no contrato de 9 de Janeiro de 2009).

O objeto deste contrato visou estabelecer “os termos para o pagamento da parte da AA... do valor da transferência do jogador CC… (CC...) e custos relacionados e ainda a resolução de outras questões pendentes entre as partes” (vd. “Antecedentes” D consignados no contrato).

Entre outras questões não relevantes para a situação em apreço, o contrato de 9 de Janeiro de 2009 dá conta que o A... ainda tem a receber a quantia de € 9 milhões pela venda do jogador … (CC...) ao DD…a e que a AA... tem direito a 50% do montante total que o A… fica já recebeu ou ainda tem direito a receber (vd. Disposições Operacionais 1 a 1.5 do contrato).

Está também clausulado que “as partes acordam ainda que, em linha com as novas regras da autoridade tributária portuguesa, após o pagamento pelo A… à AA... de quaisquer montantes relacionados com o jogador CC…, o A… deverá incorrer em responsabilidade de retenção na fonte que totalizarão € 487.008,00 e que este montante será deduzido aos montantes devidos pelo A… da AA...” (vd. Disposições Operacionais 1.6) (Note-se que a cláusula transcrita referente à vertente fiscal foi desenvolvida nas Disposições Operacionais 5.3 a 5.7).

Observa-se finalmente que o contrato em análise dá conta dos termos como foi apurado e como deveria ser pago o montante de € 5.117.064,00 que a A... assumiu pagar à AA....

 

2). Dá-se por provado que o montante de € 5.117.064,00, apurado no contrato de 9 de Janeiro de 2009 acabado de analisar, foi aceite pelo relatório de inspeção e acolhido no processo administrativo e na Resposta apresentada nos autos como base para fixar a correcção agora em análise.

Dá-se igualmente por adquirido que estes pagamentos foram transformados pela Requerida num rendimento líquido de € 1.711.759,52, conforme apresenta no quadro seguinte (vd. página 195 do relatório de inspecção):

 

Não residente

País

Data do docum.to

Descrição

Rendimento sujeito

Retenção na fonte

BB...

Gibraltar

01/2009

Rendim. capitais

€ 855.879,76

€ 171.175,95

 

 

03/2009

Rendim. capitais

€ 855.879,76

€ 171.175,95

 

 

 

 

€ 1.711.759,52

€ 342.351,90

 

3). Uma vez que a Requerida, na ação inspectiva, constatou e deu conta no respectivo relatório que aqueles pagamentos tiveram origem no “agreement” celebrado entre a A... e a BB..., com sede em Gibraltar, relativo à cedência de direitos económicos referentes a direitos desportivos de vários atletas, dá-se também por adquirido que a Requerida formulou a sua posição com base nos contratos supra resumidos e que não apresentou nem mencionou qualquer outra documentação ou prova para sustentar a componente da liquidação impugnada ora em apreço.

 

4). Dá-se também por provado que a Requerente juntou um formulário 21-RFI, devidamente certificado pela Autoridades Fiscais Maltesas em 16/3/2011 (cfr. Doc. n.º 6 junto à Reclamação Graciosa) e um outro formulário 21-RFI relativo à AA..., datado de 24/10/2008 (junto como Doc. n.º 10).

 

5) A correcção efectuada pela AT e objeto do presente pedido de pronúncia arbitral é no montante total de € 342.351,90, à qual correspondem juros compensatórios no valor de € 37.949,47.

 

III.7.2. Do Direito aplicável

 

As posições defendidas por Requerente e Requerida estão amplamente descritas supra no n.º 6.7 do Relatório da presente decisão arbitral, pelo que lhe faremos a seguir apenas uma breve abordagem para introduzir a reflexão ao tema em apreço.

 

Na presente correção estão em causa rendimentos, no montante de € 5.117.064,00, pagos a uma sociedade com sede em Malta, denominada “AA... Limited” (adiante AA...), cujo beneficiário efetivo é, segundo a Requerida, uma entidade denominada “BB... Ltd” (adiante BB...), com sede em Gibraltar, não podendo, por conseguinte, beneficiar da dispensa de retenção na fonte prevista no n.º 5 do art.º 90.º-A do CIRC.

Ainda segundo a posição da Requerida tratou-se de um investimento efetuado pela BB...que gerou frutos ou vantagens económicas, que se consideram rendimentos obtidos em Portugal, a título de rendimento de capitais, nos termos da subalínea 3 da alínea c) do n.º 3 do art.º 4.º do CIRC e n.º 1 do art.º 5.º do CIRS, sujeito a retenção na fonte a título definitivo à taxa de 20%, de acordo com a alínea c) do n.º 1 do art.º 88.º do CIRC.

 

Relativamente à entidade sujeita a tributação, realça a Requerida que, por se estar perante uma cessão do crédito da BB...a favor da AA..., e não de uma cessão de posição contratual, como pretende a Requerente, também por isso entende a Requerida que não restam dúvidas que o rendimento, para efeitos tributários, se deve considerar obtido na esfera da BB....

 

Assim, uma vez que não existe CDT entre Portugal e Gibraltar, a Requerente não estava dispensada de efetuar a retenção na fonte nos termos do n.º 5 do art.º 90.º-A do CIRC e devia ter retido, à taxa de 20%, imposto sobre os rendimentos de capitais obtidos pela BB..., havendo assim imposto em falta no montante total de e 342.351,90.

 

E mais defende a Requerida que o sujeito passivo, aquando dos pagamentos efectuados, deveria ter efectuado a retenção na fonte do imposto, à taxa de 20%, em função dos rendimentos de capitais obtidos, por parte da BB..., de € 855.879,76 em cada pagamento.

Quanto a montantes, a Requerida considera que deveria ter sido retido na fonte a quantia de € 171.175,95 no mês de Janeiro de 2009 e a quantia de € 171.175,95 no mês de Março de 2009”[48].

 

Por outro lado, a Requerida acrescenta na Resposta que uma reclamação graciosa oportunamente apresentada pela Requerente foi indeferida dado que o formulário 21-RFI, datado de 16/03/2011, certificado pelas autoridades fiscais maltesas e apresentado pela Requerente, não poderia ter a virtualidade de dispensar a retenção na fonte uma vez que o beneficiário do rendimento não é a AA... mas sim a BB..., já com o fundamento retomado na Resposta de que não houve uma cessão de posição contratual mas antes uma simples cessão de créditos.

A Requerida acrescenta ainda que o formulário 21-RFI também não poderia dispensar a retenção na fonte por ter sido apresentado em 2011 quando o exercício dos pagamentos foi o de 2009.

A Requerida vai ainda mais longe e afirma que a “Requerente utilizou um esquema de planeamento fiscal com vista à obtenção de um desagravamento fiscal previsto na CDT celebrado entre Portugal e Malta uma vez que a sociedade maltesa era uma “conduit company” que terá agido apenas como fiduciária da BB...sediada em Gibraltar (beneficial owner), sendo esta e não aquela o beneficiário efectivo dos rendimentos pagos pela Requerente”, tratando-se, pois, de um aproveitamento abusivo da CDT, que implica a participação de uma sociedade sujeita a um regime fiscal privilegiado, esquema referenciado no Decreto-Lei n.º 29/2008, de 25/02, cujo tratamento dispensou a aplicação da cláusula geral anti-abuso prevista no n.º 2 do art.º 38.º da LGT, por não ter na sua base aquilo que a Requerente defende ser uma cessão de posição contratual, mas comprovadamente uma mera cessão de créditos.

Além disso, acrescenta a Requerida que o “Agreement” assinado a 9/01/2009 entre a Requerente e a AA... previa o pagamento em Portugal de imposto a reter na fonte pela Requerente aquando dos aludidos pagamentos, o que vem a ser a posição da AT.

 

A Requerente, por seu lado, sustentou, quer na fase administrativa quer na p.i., que a entidade que beneficiou dos pagamentos efetuados, a título de rendimento de capitais, foi a AA..., por na data dos mesmos já ter sido celebrado o “Agreement” que cedeu a esta os direitos económicos sobre jogadores detidos pela BB....

 

Ora, a Requerente entende que face à existência de Convenção celebrada entre Portugal e Malta e à qualificação do rendimento preconizada pela AT, deveria ser afastada a obrigação de retenção na fonte, na medida em que ao abrigo do art.º 21.º da Convenção, o direito de tributação é atribuído ao país da residência do beneficiário (Malta).

 

E até porque a Requerente obteve um formulário 21-RFI, devidamente certificado pela A.F. Maltesas em 16/3/2011 (cfr. Doc. n.º 6 junto à Reclamação Graciosa) e que, após análise da documentação arquivada, apercebeu-se a Requerente que dispunha de um outro formulário 21-RFI relativo à AA..., datado de 24/10/2008 e, portanto, válido à data em que a retenção na fonte foi efetuada (que junta como Doc. n.º 10),

 

Assim, segundo a Requerente, estão cumpridos os requisitos de caráter formal para aplicação da dispensa de retenção na fonte, pelo que conclui que não seria devida qualquer retenção na fonte sobre os pagamentos efetuados à AA....

 

 

Quid Juris?

 

Está em causa a questão de saber se o pagamento identificado como tendo sido à AA..., uma entidade residente em Malta, deve ser desconsiderado e tido, para efeitos fiscais, como feito à BB..., residente em Gibraltar.

Quanto à natureza do rendimento Requerente e Requerida convergem na opinião de que se trata de rendimento de capitais, sendo as divergências mais acentuadas entre Requerente e Requerida relacionadas com a definição do facto tributário e sobre quem deve ser fiscalmente considerado como beneficiário dos rendimentos.

Isto, porque não foi posto em causa, nem pela Requerente nem pela Requerida, que o beneficiário efetivo dos rendimentos foi a entidade denominada AA..., apresentada como uma entidade residente em Malta.

Assim, considere-se que o beneficiário dos rendimentos, para efeitos fiscais, foi a BB...ou a AA..., a verdade é que estamos em presença de um rendimento que foi obtido com a compra e venda de direitos económicos sobre jogadores de futebol.

O rendimento tem na sua génese a associação da A... com uma entidade não residente denominada BB..., em que esta começa por adquirir uma parte dos direitos económicos de alguns jogadores que integravam os quadros da  A..., na perspetiva da futura alienação dos direitos desses jogadores e da partilha dos custos e dos ganhos obtidos com essa alienação.

Sendo que não é decisivo qualificar o tipo de contrato celebrado entre as duas entidades em causa, a verdade é que ele se integra no conceito de associação em participação consistente numa associação de uma pessoa a uma atividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda (vd. artigo 21.º do DL 231/81, de 28 de Julho).

Ora foi esta parceria concretizada em subsequentes alienações dos direitos económicos de alguns jogadores, no caso do jogador CC..., que a AA... (ou a BB...na tese da AT) obteve o rendimento cuja tributação ora se encontra em análise.

 

Como vimos supra, estando em causa um rendimento cuja competência para a sua qualificação cai na esfera do direito interno, vejamos quais as normas que deverão ser convocadas para esse efeito.

 

O conceito de rendimentos de capitais encontra-se formulado no n.º 1 do artigo 5.º do CIRS segundo o qual se devem considerar “rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniárias ou em espécie, procedentes, direta ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação (…)”.

O artigo 5.º em análise desenvolve e densifica o conceito fornecido pelo seu n.º 1, indicando as várias espécies de rendimentos de capitais e fixando algumas regras específicas de cada uma delas.

Aceitando que o rendimento em causa se pode considerar enquadrado na alínea l) do n.º 1 deste artigo, por ter origem em contrato que pode qualificar-se como de associação em participação, convoca-se a subalínea 2) da alínea a) do n.º 3 do artigo 7.º do CIRS que determina que estes rendimentos ficam sujeitos a tributação no momento em que forem colocados à disposição do seu titular.

Quem deve, pois, ser considerado o titular desses rendimentos no momento em que, segundo os dados disponíveis, foram colocados à sua disposição, isto é, na falta de indicação de outra data, nas datas do respetivo pagamento?

Apesar de defender que o beneficiário do rendimento foi a BB... e que o enquadramento tributário da situação deve ser feito em função dessa posição, a verdade é que a Requerida não apresenta qualquer prova que contrarie o fato dos pagamentos terem sido feitos à AA..., que foi o efetivo beneficiário dos mesmos.

A lei interna elegendo assim como facto tributário a colocação à disposição de rendimentos obtidos de uma determinada fonte prescinde, em regra, da espécie contratual que deu origem aos rendimentos e dos termos em que os mesmos afluíram à esfera jurídica do beneficiário.

Pode mesmo dizer-se que estas são questões irrelevantes face a uma ampla formalização do conceito de rendimentos de capitais na medida em que, independentemente da sua natureza ou denominação, estes podem ter origem, direta ou indirectamente, em quaisquer elementos patrimoniais como bens, direitos ou situações jurídicas de natureza mobiliária e tanto pode ter origem em atos ou contratos originários como na sua modificação, transmissão ou cessação.

Mais uma vez estamos perante um conceito suficientemente amplo e indeterminado para que o intérprete e aplicador não tenha, digamos, preocupações com a denominação dos rendimentos, com a estrutura e clausulado dos contratos onde têm a sua fonte, nem com a questão de saber como é que tais rendimentos afluíram à esfera patrimonial do seu beneficiário.

No caso em apreço, o contrato celebrado em 8 de Junho de 2005 previa já que a outorgante originária BB... pudesse ceder a sua posição contratual ao ter sido consignado nesse contrato “que a BB... tem o direito de executar ou de ceder os seus direitos resultantes do presente contrato através da sociedade sua subsidiária e totalmente detida pela BB...denominada “TT… LTD”, com sede em Dublin, Irlanda (cláusula 13).

Por outro lado, o contrato datado de 9 de Janeiro de 2009, foi celebrado entre A... e “AA... Limited” (AA...), “uma sociedade organizada, matriculada e com existência legal ao abrigo das leis de MALTA” e com domicílio em Malta.

Em face das cláusulas deste segundo contrato a outorgante AA... apresenta-se aí como titular dos direitos relativos ao jogador CC... (que foi um dos jogadores cujos direitos tinham sido cedidos pelo A... à BB...através do contrato de 8 de Junho de 2005 acima transcrito), direitos esses que, segundo este contrato de 9 de Janeiro de 2009, lhe foram cedidos através de um outro contrato celebrado em 19 de Agosto de 2008 com “AA…” em que se tinha entretanto transformado a anterior “BB... Limited” (vd. “Antecedentes” consignados no contrato de 9 de Janeiro de 2009).

 

Ora, embora o processo não forneça o contrato nem as condições em que essa cedência se operou, a verdade é que também não fornece elementos para afastar que se tenha tratado de uma normal e legitima cedência de posição contratual.

 

Segundo a Requerida a retenção deve ser efectuada como se a beneficiária do rendimento fosse a outorgante inicial do contrato, residente em Gibraltar, dado que foi levada a cabo uma deslocalização intencional do credor de um território não abrangido por um tratado contra a dupla tributação económica para um Estado em que esse tratado existe e que esta deslocalização foi apenas para aproveitar os benefícios da convenção com Malta.

 

Para decidir se a tributação pode ser efetuada nos termos requeridos pela Requerida haverá que indagar se o direito interno nacional ou o direito convencional comportam alguma norma ou mecanismo que permita desconsiderar os efeitos tributários dos contratos em presença, se uma tal norma foi invocada e utilizada para sustentar a sua tributação como se parte das suas cláusulas não existissem.

 

A doutrina fiscalista trata do problema da elisão fiscal internacional apresentando as situações em que pode haver o aproveitamento abusivo dos tratados sobre dupla tributação para obter uma vantagem fiscal e analisando as normas internas e convencionais que poderão aplicar-se para o evitar ou para combater as situações evasivas.

 

Vejamos,

A essência da figura da elisão fiscal, diz Alberto Xavier (Ibidem, pagina 475 e seguintes), reside precisamente na faculdade de eleição da ordem tributária, pela via indireta, de localizar certo facto ou factos num dado ordenamento ou territórios, exercendo uma influência voluntária no elemento de conexão da norma de conflitos, em termos tais, que o facto jurídico em que este elemento se traduz arraste a aplicação do ordenamento mais favorável”.

E, continua o mesmo autor, a questão que se coloca, por outras palavras, é a de saber se as partes poderão manejar os elementos de conexão como alavancas de comando, se poderão determinar a seu arbítrio a lei aplicável?

Em regra, o direito tributário não cura do valor ou desvalor jurídico dos atos e dos contratos na esfera jurídica dos seus intervenientes, mas tão somente da relevância das suas cláusulas para efeitos estritamente fiscais.

Ora, acontece frequentemente que nos “comportamentos elisivos não ocorre a figura da simulação, pois as partes pretendem exatamente aquilo que ostensivamente realizaram, não existindo qualquer divergência entre a vontade real e a declarada.

Só que o resultado que realmente pretendem redunda numa economia de imposto obtida por atos ou conjunto de atos, em si mesmo válidos, mas reputados ardilosos, engenhosos, oblíquos, indiretos ou abusivos”.

A prevenção e luta contra a evasão tem que fazer-se através de normas especiais antielisivas em que a conduta que se pretende evitar é tipificada de modo expresso, quer nas leis internas, como existem diversas no ordenamento fiscal nacional, quer nos tratados internacionais, havendo ordenamentos tributários, como é o caso português, que preveem uma norma antiabuso de natureza geral (vd. artigo 38.º da LGT).

A questão que aqui se coloca é a de saber se, na ausência de uma norma específica interna para evitar as situações em apreço, se “pode admitir-se que os tratados contra a dupla tributação contenham, ainda que implicitamente, uma cláusula geral que autorize os Estados contratantes a desconsiderar operações cuja finalidade preponderante consista na obtenção de benefícios dos tratados?” (Ibidem, pagina 482).

Este autor conclui que não pode admitir-se, ao menos na atual fase da evolução do direito internacional público, a existência de uma cláusula geral antielisiva implícita nos tratados contra a dupla tributação”, e que a solução passa pelo aperfeiçoamento e utilização das cláusulas antievasivas específicas. 

Sendo assim, na ausência de qualquer norma interna ou convencional que permita desconsiderar os contratos apresentados pela Requerente e nos quais a própria Requerida se baseou para proceder à liquidação impugnada, na ausência de qualquer outra prova que permita concluir que os referidos contratos não são válidos, perante a constatação que a entidade beneficiária do rendimento tinha a sua residência em Malta, não poderá proceder a posição da Requerida no sentido de pretender que os efeitos desses contratos são válidos para determinar a existência de rendimentos e para os quantificar e já não o são quanto à indicação da entidade beneficiária desses mesmo rendimento.

 

Quanto à confirmação de que a entidade beneficiária do rendimento apresentou o formulário 21-RFI, devidamente preenchido e certificado pelas autoridades fiscais da República de Malta, não obstante a Requerida ter invocado a sua não apresentação válida por conter a data de certificação de 16/3/2011 (cfr. Doc. n.º 6 junto à Reclamação Graciosa), a Requerente apresentou posteriormente outro formulário 21-RFI, relativo à AA..., datado de 24/10/2008, (o qual foi junto à p.i. como Doc 10), considerando-se assim preenchido o requisito previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 90.º-A, do CIRC, ao tempo em vigor, para afastar a obrigação de efetuar a retenção na fonte do imposto correspondente ao rendimento em causa.

 

 

Decisão

Nestes termos declara-se procedente a parte do pedido referente à situação tributária acabada de analisar e determina-se a anulação da liquidação de € 342.351,90 e dos correspondentes juros compensatórios no valor de € 37.949,47.

 

 

IV DECISÃO FINAL

Nestes termos e com os fundamentos invocados no âmbito de cada uma das situações tributárias supra analisadas profere-se resumidamente a seguinte decisão arbitral:

1. Julga-se improcedente o pedido arbitral na parte referente ao pagamento da quantia de € 110.000,00 à entidade “B... LTDA”, no montante de imposto de € 16.500,00 e respetivos juros compensatórios.

2. Julga-se procedente a parte restante do pedido arbitral devendo proceder-se à anulação dos quantitativos de € 1.322.532,15 de imposto e de € 119.510,55 de juros compensatórios, referentes às anulações parciais a seguir indicadas:

2.1. Anulação de imposto no montante de € 22.500,00 e dos correspondentes juros compensatórios no montante de € 1.817,26, relativos ao pagamento de € 150.000,00 efetuado a “D...B.V”;

 

2.2. Anulação de imposto no montante de € 497.500,00 e dos correspondentes juros compensatórios no montante de € 40.181,64, relativos ao pagamento de € 1.990.000,00 efetuado a E...;

 

2.3. Anulação de imposto no montante de € 87.500,00 e dos correspondentes juros compensatórios de € 7.364,38, relativos ao pagamento de € 350.000,00 efetuado a “F…LTDA EPP”;

 

2.4. Anulação de imposto no montante de € 80.140,00 e dos correspondentes juros compensatórios de € 7.324,98, relativos ao pagamento de € 320.560,00 efetuado a “U… Limited”;

 

2.5. Anulação de imposto no montante de € 161.290,25 e dos correspondentes juros compensatórios de € 13.026,94, relativos ao pagamento de € 645.161,00 efetuado a “V… B.V”;

 

2.6. Anulação de imposto no montante de € 31.250.00 e dos correspondentes juros compensatórios de € 2.421,23, relativos ao pagamento de € 125.000,00 efetuado a “T...B.V.”;

 

2.7. Anulação de imposto no montante de € 100.000,00 e dos correspondentes juros compensatórios de € 9.424,65, relativos ao pagamento de € 400.000,00 efetuado a “K…”;

 

2.8. Anulação de imposto no montante de € 342.351,90 e dos correspondentes juros compensatórios de € 37.949,47, relativos ao rendimento calculado de € 1.711.759,52 a favor de “ AA... Limited”.

 

 

V VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º e 306.º do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 1.483.956,71.                   

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 20 de Maio de 2015

 

O árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo,

 

                                   _____________________________________

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

                                   _______________________________________

                                                (Joaquim Silvério Dias Mateus)

                                              

 

                                   _____________________________________

                                                 (José Rodrigo de Castro)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO SOBRE A DECISÃO TOMADA RELATIVAMENTE A EXCEÇÃO PRÉVIA OU DILATÓRIA

 

1.      A primeira questão que importa é a de conhecer se a Petição de Recurso Arbitral, aceite pelo CAAD em 21/07/2014, versa matéria da competência do Tribunal Arbitral e se foi apresentada dentro do prazo legal de Recurso.

 

2.      A Requerente na sua parte D do Recurso, artigos 346 a 348, sobre a COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL E A TEMPESTIVIDADE DO RECURSO, refere que existe competência, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Regime da Arbitragem em Matéria Tributária, que compreende “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação dos tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”.

 

3.      Mais refere “nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do regime da arbitragem em Matéria Tributária, o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado ‘(…) no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma (…)”.

 

4.      E, finalmente, no artigo 348 refere que “ora, na medida em que a Requerente foi notificada do indeferimento do recurso hierárquico no dia 22 de Abril de 2014 e vem, pelo presente requerimento, solicitar a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 2009, o Tribunal Arbitral tem competência e o presente pedido é tempestivo”.

 

5.      Apreciando, dir-se-á que nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na versão introduzida pelos artigos 228.º e 229.º da Lei 66.º-B/2012, de 31 de dezembro, o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:

 

“a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico”.

“b) No prazo de 30 dias, contado a partir da notificação dos actos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 2.º, nos restantes casos.

 

6.      Por sua vez, importa conhecer o que se dispõe no n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redação vigente à data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral:

 

“Artigo 102.º - Impugnação Judicial. Prazo de apresentação

1 – A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos seguintes factos (redação da Lei n.º 66.º-B/2012, de 31 de dezembro).

a)      Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;

b)      …

c)      …

d)     …

e)      Notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código;

f)       …

2 – Em caso de indeferimento de reclamação graciosa, o prazo de impugnação será de 15 dias após a notificação.

3 - …

4 – …

 

7.      Ora, o que a Requerente “requer é a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo com vista a:

a.       Declaração de ilegalidade da demonstração de liquidação de retenções na fonte de imposto sobre o rendimento n.º 2012 …, de 16/2/2012, relativa ao exercício de 2009 (Doc. n.º 1 anexo à reclamação graciosa),

b.      Do acto tributário de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do exercício de 2009…

c.       …Formalizado pela decisão de deferimento parcial do Processo de reclamação graciosa com o número …2012… (Documento n.º 5 que junta à PI)…

d.      …E pela decisão de indeferimento do Processo de recurso hierárquico com o número …2013…”.

 

8.      Ou seja, a Requerente contesta o deferimento parcial da Reclamação Graciosa, o indeferimento do Recurso Hierárquico e, em consequência, a consequente liquidação de IRC relativas a retenções na fonte com o n.º 2012 …, de 16/2/2012, relativa a pagamentos a não residentes, no valor total de € 1.362.801,30, acrescidas de juros compensatórios no montante de € 123.466,66, no valor global de € 1.483.956,71.

 

9.      De realçar, no entanto, que em sede de Reclamação Graciosa se verificou um deferimento parcial, de que resultou uma anulação de imposto no valor de € 2.844,15, relativamente ao PAGAMENTO À C…, por ter sido exibido o formulário mod. 21 – RFI, a certificar que no exercício de 2009 a beneficiária dos rendimentos estava sediada em França, cfr. Inf. n.º …/2012, da UGC – Unidade de Grandes Contribuintes e cuja decisão foi notificada à Requerente em 11/02/2013.

 

10.  Por todo o exposto, ao Tribunal cumpre apreciar e decidir a EXCEÇÃO PRÉVIA E PREJUDICIAL suscitada pela AT, tendo por base os seguintes factos:

 

  1. A Requerente A... deduziu em 26/07/2012 Reclamação Graciosa a que coube o n.º …2012… contra todas as correções[49] efetuadas pela Inspeção Tributária, de que resultou a liquidação de IRC do ano de 2009 n.º 2012 …, de que foi notificada em 16/2/2012, no montante de € 123.466,66, no total de € 1.486.267,96, que tiveram origem nos pagamentos a não residentes.

 

  1. Esta reclamação foi parcialmente deferida por despacho de 30/11/2012, notificado por carta registada com A/R em 11/02/2013, tendo determinado a anulação parcial da referida liquidação em causa, no montante de IRC de € 2.844,15, relativo ao PAGAMENTO À C….

 

  1. Do deferimento parcial da reclamação graciosa, nos termos antes referidos, resultaram retenções de IRC devidas no valor de € 1.359.957,15, face ao deferimento relativo a retenções no valor de € 2.844,15, do valor inicial de € 1.362.801,30.

 

  1. A Requerente A... interpôs recurso hierárquico em 13/03/2013, da decisão de deferimento parcial da referida reclamação graciosa, tendo cabido àquele processo o n.º …2011….

 

  1. No Recurso Hierárquico foram contestadas as seguintes correções:

 

                                                              i.      PAGAMENTOS EFETUADOS À SOCIEDADE B..., LTDA

                                                            ii.      PAGAMENTOS EFETUADOS À SOCIEDADE D..., BV – Atleta O...

                                                          iii.      PAGAMENTOS EFETUADOS À SOCIEDADE BB... LTD

 

  1. As restantes correções[50] efetuadas pela Inspeção Tributária, a Requerente não as quis contestar em sede de Recurso Hierárquico, conforme se pode comprovar pelos pontos 8. e 9. do Recurso.

 

  1. O Recurso Hierárquico foi totalmente indeferido por despacho de 19/02/2014, comunicado por carta registada com A/R, recebida em 22/04/2014.

 

  1. A Requerente vem requerer, em sede de Recurso Arbitral, a anulação do indeferimento do recurso hierárquico, invocando vício de violação de lei por erro da AT na aplicação do direito aos factos relativamente às correções da inspeção tributária descritas no ponto 2. e refletidas na liquidação de IRC:

 

                                                              i.      RENDIMENTOS DE SERVIÇOS DE INTERMEDIAÇÃO E OUTRAS PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS:

                                                              i.      B..., LTDA e N...

                                                            ii.      D… B.V. (Holanda) – atleta O…

 

b.      RENDIMENTOS DE CAPITAIS – BB... LTD

 

h)      A Requerente pede, ainda, em sede de Recurso Arbitral, a anulação das outras correções, refletidas na aludida liquidação, cuja anulação não obteve provimento em sede de reclamação graciosa, mas das quais não deduziu recurso hierárquico, conforme atrás se mostra especificado.

 

a.       RENDIMENTOS DERIVADOS DA ACTIVIDADE DE DESPORTISTAS

                                                              i.      Utilização desportiva do atleta P...

                                                            ii.      Direitos Económicos – F… LTDA – EPP

                                                          iii.      Direitos de imagem do atleta G…

                                                          iv.      Direitos de imagem do atleta H...

                                                            v.      Direitos de imagem do atleta I…

                                                          vi.      Jogo de exibição com o K...SPA

 

i)        O indeferimento do Recurso Hierárquico foi proferido por despacho de 19/12/2014, comunicado à Requerente pelo Ofício n.º …, de 16/04/2014, com informação de que, “caso não concorde com a decisão, face ao disposto no n.º 2 do art.º 76.º do CPPT, conjugado com o corpo do n.º 1 do artigo 102.º e alínea e) do n.º 1 do mesmo artigo do CPPT, poderá, no prazo de três meses, a contar da assinatura do aviso de receção, apresentar impugnação judicial contra aquela decisão, nos termos previstos nos artigos 99.º e seguintes do CPPT – Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro”.  

 

j)        O aviso de receção foi assinado em 22/04/2014.

 

k)      É, pois, contra o indeferimento do Recurso Hierárquico deduzido contra o deferimento parcial da reclamação graciosa e contra a liquidação das retenções em IRC por pagamentos a não residentes que está, no fundo, em causa, embora o Recurso Arbitral tenha sido deduzido contra todas as retenções reclamadas de início pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no montante antes referido.

 

l)        Assim sendo, estão em causa os seguintes prazos:

 

a.      Se se considerar que o Recurso Arbitral, apresentado em 21/07/2014, é contra a liquidação das Retenções na fonte com o n.º 2012…, de 16/2/2012, relativa a pagamentos a não residentes, no valor total de € 1.362.801,30, acrescidas de juros compensatórios no montante de € 123.466,66, no valor global de € 1.486.267,96, liquidação notificada à Requerente em 16/02/2012, para pagamento até 28/03/2012, então o prazo de 90 dias contados do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao Requerente já precludiu.

 

b.      Se se considerar que o Recurso Arbitral foi apresentado contra a decisão de deferimento parcial da Reclamação Graciosa, por despacho de 30/11/2012, notificado por carta registada com A/R em 11/02/2013, então o Recurso é também extemporâneo.   

 

c.       Finalmente, se se considerar que o Recurso Arbitral é diretamente contra o indeferimento do Recurso Hierárquico, por despacho de por despacho de 19/02/2014, comunicado por carta registada com A/R pelo Ofício n.º …, de 16/04/2014, recebida em 22/04/2014, então o prazo de 90 dias que lhe foi concedido - de 23/04/2014 a 21/07/2014 -, então o Recurso é atempado, face ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT – Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

 

m)    No entanto, porque em sede de Recurso Hierárquico a Requerente apenas contesta algumas das correções efetuadas pela Inspeção Tributária, cfr., alíás, refere nos artigos 11.º e 12.º da P.I. de Recurso Arbitral, que se recordam,

 

 

 

11. Em 13 de Março de 2013 a ora Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa (que se junta como Documento n.º 6), no qual foram objecto de contestação as seguintes correções:

i) Rendimentos pagos à B... LTDA

ii) Rendimentos pagos à D... B.V. – Atleta O...

iii) Pagamento efectuado à entidade BB… LTD

 

12. Quanto às restantes correções, a ora Requerente optou por não se pronunciar sobre as mesmas no recurso hierárquico, tendo-se reservado o direito de as contestar posteriormente em sede judicial

 

n)      Põe-se então a questão da legitimidade de, em sede de Recurso Arbitral, ampliar a matéria controvertida, sem qualquer exceção, quando em sede de Recurso Hierárquico apenas foram contestadas as retenções antes citadas.

 

o)      Não se esquece que acima de tudo estão em causa os atos tributários postos em crise – e foi isso que foi feito em sede de reclamação graciosa e de recurso hierárquico – mas para isso é necessário que não se tenham precludido os prazos de impugnação dos mesmos atos tributários, o que não é o caso.

 

Termos em que, em seu entender e com todo o respeito pelos Ex.mos Membros do Coletivo restantes, e que é mesmo muito, seria de conceder provimento à exceção prévia e prejudicial invocada pela Requerida e não como foi decidido pelos restantes membros do Tribunal Coletivo e, portanto,

- O meu voto contra a referida decisão.

 

Lisboa, 22 de Maio de 2015.

 

 

 

                                   _____________________________________

                                                       (José Rodrigo de Castro)



[1] Cfr. pág. 161 do Relatório de Inspeção.

[2] Cfr. pág. 162.

[3] Conforme pág. 168 do Relatório de Inspeção

[4] Idem

[5] Idem

[6] Idem, pág. 169

[7] Conforme pág. 168 do Relatório de Inspeção

[8] Sublinhado da Requerente

[9] In fls. 168 do RI. – Negrito da Requerida

[10] Negrito da Requerida.

[11] Pontos 1 e 4 da Notificação n.º …, de 21/7/2011.

[12] Negrito da Requerida

[13] In Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal n.º 192-2003.

[14] Negrito e destaques da Requerida.

[15] Conf. pág. 179 do Relatório de Inspeção.

[16] Sublinhado da Requerente

[17] Cfr. pág. 188 do Relatório de Inspeção.

[18] Sublinhado da Requerente.

[19] Conf. doc.s 4 e 5  juntos à Reclamação Graciosa.

[20] Cfr. pág. 192 do Relatório de Inspeção

[21] Cfr. pág. 194 do Relatório de Inspeção.

[22] Cfr. pág. 196 do Relatório de Inspeção.

[23] Cfr. pág. 13 do Relatório síntese.

[24] Sublinhado da Requerente.

[25] Cfr. pág.s 14 e 15 do Relatório Síntese.

23 Cfr. pág. 15 do Relatório Síntese, e no mesmo sentido do Parecer do CEF n.º …/2005, de 29/3, Documento de Trabalho “Sobre o Enquadramento Jurídico-Fiscal dos Contratos de Transferência de Jogadores Profissionais de Futebol” da Dr.ª FF

 

[27] Cfr. pontos 6 e 7 da referida Circular.

[28] Cfr. pág. 193 do Relatório de Inspeção.

[29] Vide pág. 195 e 196 do Relatório de Inspeção:”(…) os rendimentos em causa resultarem de (outros) rendimentos de capitais(…)”.

[30] Cfr. pág. 194 do Relatório de Inspeção.

[31] Cfr. pág. 193 do Relatório de Inspeção.

[32] Sublinhado da Requerente

[33] Vide pág. 21 da decisão de indeferimento do recurso hierárquico.

[34] Cfr. pág. 193 do Relatório de Inspeção.

[35] Cfr. pág. 16 da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa.

[36] Em face dos argumentos que apresentará mais adiante no que respeita à dispensa de retenção na fonte, a Requerente não considera relevante aprofundar a questão do momento de exigibilidade do imposto. Contudo, note-se que a conclusão expressa na pág. 195 do Relatório de Inspeção a este propósito (“a tributação não se deve concentrar somente quando o fluxo financeiro obtido traduza a vantagem patrimonial obtida pela entidade não residente, mas sim em cada pagamento que, proporcionalmente, incorpora a vantagem patrimonial obtida (…)”), pode revelar-se falível. Tome-se como exemplo que, por insolvência do Clube/SAD para o qual o atleta foi transferido, deixassem de ocorrer os pagamentos à A... relativos à sua transferência. Nesse caso, o rendimento da entidade não desportiva não residente, será menor, contudo, poderia porventura já ter sido efectuada retenção na fonte superior à devida, em virtude da aplicação do método proporcional. 

[37] Cfr. n.º 1 do artigo 36.º da Lei Geral Tributária.

[38] Cfr. pág. 194 do Relatório de Inspeção.

[39] Cfr. pág.s 195 e 196 do Relatório de Inspeção

[40] Sublinhado da Requerente.

[41] Cfr. pág. 196 do Relatório de Inspeção.

[42] Cfr. cláusula 1.6 do “Agreement”.

[43] Se dúvidas existissem sobre se se está perante situação de cessão de créditos ou de cessão de posição contratual (como aliás a própria Autoridade Tributária admite), o simples facto de ser a AA… a estabelecer o acordo mediante o qual se esclarece os termos e condições que permitem a definição do rendimento em apreço, deveria ser bastante para elidir as mesmas.

[44] O qual ascendeu a € 500.000,00, conforme cláusula 1.1.1 do contrato em apreço.

[45] O montante de € 18.000.000,00, conforme referido supra e § (B) dos Considerandos.

[46] De facto, e conforme referido, a Requerente entende que deveria ser afastada a obrigação de retenção na fonte, ao abrigo do artigo 21.º do ADT celebrado entre Portugal e Malta, o qual atribui o direito de tributação ao país de residência do beneficiário (Malta).

[47] Este imposto foi pago voluntariamente pera Requerente em 21 de Julho de 2014, com a invocação de que não lhe foi possível obter o modelo 21-RFI, pelo que esta correção não foi já objeto do pedido de pronúncia arbitral (vd. supra 6.8).

[48] Cfr. pág. 196 do Relatório de Inspeção.

[49] Itálico do Tribunal

[50] Itálico do Tribunal