Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 497/2016-T
Data da decisão: 2017-04-28  IRC  
Valor do pedido: € 80.576,82
Tema: IRC – Tributações autónomas; Empresarialidade – Presunção.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Pedro Galego e Marcolino Pisão Pedreiro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 05 de Agosto de 2016, A…, SGPS, S.A., contribuinte n.º…, com sede na Rua... n.º…, …, …-… …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade parcial do acto de liquidação de IRC n.º 2016…, do qual resulta imposto a pagar no montante de € 517.538.20, relativo ao exercício de 2012, do qual pretende a anulação de € 80.576,82, bem como da decisão de indeferimento do pedido de revisão de acto tributário com o n.º …2016…, que teve aquele acto de liquidação como objecto.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que apurou e suportou, indevidamente, a título de Tributações Autónomas, o montante de € 80.576,82, relativas a despesas incorridas com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, que não deveriam ter sido sujeitas a tributação atenta a sua essencialidade e indispensabilidade para a obtenção dos rendimentos tributáveis da Requerente e o seu caráter exclusivamente “empresarial”, dado que as viaturas em causa não teriam qualquer utilização particular.

 

  1. No dia 08-08-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários José Pedro Carvalho e Pedro Galego, bem como Nuno Oliveira Garcia, como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 19-10-2016, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 08-11-2016.

 

  1. No dia 12-12-2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.

 

  1. No dia 24-01-2017, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.

 

  1. No dia 17-03-2017 foi nomeado árbitro pelo Conselho Deontológico do CAAD o signatário Marcolino Pisão Pedreiro, em substituição do anteriormente nomeado Nuno Oliveira Garcia, que pediu escusa que mereceu deferimento.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da Requerida.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      A Requerente procedeu à entrega da Declaração de Rendimentos (Modelo 22) no âmbito do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, referente ao período de tributação de 2012, relativa ao grupo de sociedades, do qual é sociedade dominante, e ao qual foi aplicável o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades ("RETGS"), o que fez a 21de Maio de 2013.

2-      Na sequência da entrega da referida declaração, foi emitida a liquidação n.º 2013…, de 12 de Junho de 2013, que veio, em resultado de acções inspectivas levadas a cabo pela Administração tributária, a ser substituída pelo acto de liquidação n.º 2014…, de 23 de Dezembro de 2014, e do qual resultou um montante a pagar de € 585.773,32.

3-      A Requerente, no dia 23 de Março de 2016, solicitou a revisão do acto tributário referido, na parte que respeitava às tributações autónomas sobre despesas de representação, e encargos com viaturas ligeiras de passageiros. solicitando a restituição dos montantes autoliquidados a esse título.

4-      O projecto de decisão foi notificado à Requerente no dia 12 de Abril de 2016, e aquela exerceu, tempestivamente, o seu direito de audição prévia.

5-      Em sede de direito de audição prévia, solicitou a Requerente que a Administração tributária se pronunciasse sobre a questão de saber se os gastos incorridos pela Requerente, com veículos ligeiros de passageiros foram realizados com o intuito de obtenção de rendimentos e decorreram da prossecução da normal actividade da empresa e não constituíam uma vantagem particular para as pessoas singulares que utilizavam os veículos.

6-      Na decisão final do pedido de revisão oficiosa, consta, para além do mais, que a “empresarialidade dos encargos suportados com viaturas ligeiras de passageiros não constitui questão relevante a conhecer nos autos”.

7-      A pretensão da Requerente teve, parcialmente, acolhimento, tendo sido anulando o montante de € 68.235,12, relativo à tributação autónoma sobre as despesas de representação.

8-      Na parte relativa à tributação autónoma sobre os encargos suportados com viaturas ligeiras de passageiros, foi indeferido o pedido de revisão, sendo que o montante pago a esse título ascendeu a € 80.576.82.

9-      Para efeitos de concretização da decisão do pedido de revisão oficiosa, no que diz respeito à parte que foi deferido, foi emitido o acto de liquidação de IRC n.º 2016…, do qual resultou imposto a pagar no montante de € 517.538.20.

10-  O Grupo B… foi criado em 1992, e é um grupo relevante na área da comunicação e entretenimento em Portugal, com uma forte presença nos principais segmentos de média e produção de conteúdos audiovisuais.

11-  O Grupo B… desenvolve a sua actividade em sete áreas distintas, designadamente:

                                                              i.            televisão, através da …, incluindo os canais …, +…, … e a …;

                                                            ii.            rádio, através dos canais Rádio …, …, …, … e …, e do site de rádio online …;

                                                          iii.            produção audiovisual;

                                                          iv.            edição discográfica;

                                                            v.            realização de eventos, fundamentalmente musicais ou culturais;

                                                          vi.            internet, através da … e outras plataformas do grupo;

                                                        vii.            serviços corporativos.

12-  Em 2012, o Grupo B… era encabeçado, em Portugal, pela Requerente.

13-  Com referência ao exercício de 2012, o Grupo B… suportou encargos com viaturas ligeiras de passageiros cujo valor ascendeu a € 2.849.013,00.

14-  A distribuição dos referidos encargos pelas diferentes sociedades que compunham o Grupo dominado pela Requerente, foi a seguinte:

15-   O Grupo B…, no desenvolvimento normal da sua actividade faz uso de frota automóvel própria, na qual se incluem veículos ligeiros de passageiros, e esses veículos são necessários para a obtenção dos seus proveitos.

16-  As sociedades do grupo da Requerente que suportaram encargos com viaturas foram as seguintes:

                                                              i.            C…;

                                                            ii.            D…;

                                                          iii.            E…;

                                                          iv.            F…;

                                                            v.            G…; e

                                                          vi.            H… .

17-  A actividade empresarial levada a cabo pelas sociedades C…, D…, E…, F…, G… e H… exige, com carácter de regularidade, a deslocação de colaboradores, para diferentes pontos do país.

18-  No que concerne à C…, as deslocações de colaboradores são necessárias para efeitos de assegurar a cobertura jornalística de eventos de interesse público.

19-  A C… oferece aos seus espectadores informação em dois jornais diários e um programa informativo das manhãs de segunda a sexta-feira, cuja recolha de conteúdos importa a deslocação de colaboradores aos locais onde hajam ocorrido os eventos cuja cobertura pretende assegurar.

20-  Estas equipas fazem igualmente o acompanhamento diário das notícias da … .

21-  No âmbito da actividade da G…, uma parte significativa das produções ocorrem em estúdio, havendo também a necessidade de cobrir determinados acontecimentos de âmbito nacional, implicando a deslocação de colaboradores.

22-  A D… dedica-se à produção audiovisual, e tem necessidade de deslocar colaboradores, quando a sua actividade não se realiza integralmente em estúdio, exigindo filmagens no exterior.

23-  A D… é uma das maiores produtoras audiovisuais da Península Ibérica e a maior nacional, destacando-se na área de ficção em língua portuguesa, com mais de 800 horas de conteúdo produzido em 2012.

24-  A E…e a F… são fornecedoras de meios técnicos para as produções da D… e C… e prestadoras de serviços de construção de cenários, tendo necessidade de deslocar colaboradores no âmbito das produções em que participam, que não ocorrem nas suas instalações mas sim nas dos seus clientes ou no exterior.

25-  A H… presta serviços de recursos humanos, contabilidade, gestão financeira e tesouraria, e serviços gerais e compras a todas as entidades do Grupo B…, tendo, por vezes, a necessidade de deslocar colaboradores em contexto profissional.

26-  Às viaturas a que se referem as tributações autónomas em questão no presente processo arbitral, foram, na organização do grupo encabeçado pela Requerente, estabelecidas as seguintes afectações:

 

 

27-  O transporte ou deslocação de pessoas e equipamentos no âmbito das reportagens realizadas pela C… não era possível de ser realizado com recurso a transportes públicos.

28-  A grande maioria das viaturas constantes do quadro que integra o ponto 26 supra são caracterizadas, indicando de forma muito visível a entidade a que pertencem e o seu propósito, tendo em vista a identificação das mesmas pelo público.

29-  Acresce que a frota automóvel global das entidades que integram o Grupo B… inclui viaturas de diversas categorias - de ligeiras a pesadas, passageiros a mercadorias ou viaturas específicas do universo dos media.

30-  A realização de reportagens exteriores pela C… exige sempre a deslocação de duas pessoas - o repórter e o técnico de imagem – exigindo, por vezes, a deslocação de um técnico de som ou um assistente, e, ocasionalmente, de um entrevistado ou convidado para o local da reportagem.

31-  No âmbito da produção de programas ou outros conteúdos pelo país, que se dá frequentemente fora da zona da Grande Lisboa ou Porto, é normalmente necessário mobilizar uma equipa de técnicos e actores.

32-  A G… utiliza duas viaturas todo-o-terreno em reportagens e coberturas de acontecimentos realizadas em locais de difícil acesso.

33-  A escolha dos modelos de viaturas no Grupo da Requerente é da competência exclusiva da equipa de compras, obedecendo, para além do mais, aos seguintes critérios:

                                                              i.            Volumetria da bagageira - para efeitos de transporte de equipamento ou materiais diversos;

                                                            ii.            Altura da bagageira - no caso das viaturas usadas pelas equipas de reportagem ou filmagem, para que possam comportar o equipamento de filmagem;

                                                          iii.            Capacidade - no caso das viaturas usadas pelas equipas de reportagem ou filmagem. pode ser necessário transportar três ou mais pessoas;

34-  A gestão logística das viaturas de serviço, no grupo da Requerente, é da exclusiva responsabilidade da Direcção de Compras e Serviços Centrais Corporativos, comum às várias entidades que o compõem, a qual gere os planos de revisão, inspecção e manutenção das referidas viaturas.

35-  Adicionalmente, aquela Direcção realiza também a gestão dos consumos de combustível das viaturas - com base em planos de "frota" - bem como o acesso às auto-estradas ou vias rápidas, através dos dispositivos "via verde" e é responsável pelo duplicado da chave de cada viatura, sendo que a chave em uso bem como toda a documentação relativa à mesma, está sob a responsabilidade da portaria dos parques ou do utilizador da viatura.

36-  Por regra, as viaturas de serviço não são atribuídas a nenhum colaborador específico, havendo um parque de viaturas disponíveis que são requisitadas pelos colaboradores que delas necessitem no âmbito das suas funções e devolvidas após a utilização.

37-  Existem viaturas de serviço afectas às reportagens que estão (ou estiveram) alocadas a um colaborador específico - por regra o técnico de imagem - sendo o modelo da viatura seleccionado em função do equipamento de reportagem que aquele colaborador utiliza.

38-  A alocação das viaturas a condutores específicos nos termos do número anterior [sugestão: tinha] em vista:

                                                              i.            a necessidade de os utilizadores das viaturas de serviço se verem forçados a retirar e voltar a colocar o seu equipamento na viatura que utilizam de modo a obter uma economia de tempo e custo, em particular quando haja várias deslocações diárias;

                                                            ii.            aumentar o nível de responsabilização dos utilizadores das viaturas.

39-  No passado as viaturas de reportagem eram geridas numa lógica de frota livre, na qual não havia atribuição de viatura a um colaborador específico, mas antes um parque de viaturas disponíveis para os colaboradores que delas necessitassem no âmbito das suas funções.

40-  A inversão de procedimentos, para a alocação das referidas viaturas a colaboradores específicos, teve a ver com os elevados montantes de gastos com manutenção e conservação de viaturas, fruto do descuido e desmazelo no seu uso, com a consequente indisponibilidade das viaturas para o serviço.

41-  Os colaboradores que utilizem viaturas de serviço devem, como regra, subscrever um termo de utilização, no qual está expressa a respectiva política, incluindo que as viaturas de serviço devem ser unicamente utilizadas no âmbito do exercício da actividade das sociedades a que pertençam, não sendo permitida a utilização das mesmas a título pessoal, excepto quando devidamente autorizado, constando do ponto 6 do termo de utilização das viaturas de serviço que “O veiculo cedido destina-se exclusivamente a ser utilizado ao serviço da empresa, podendo mediante autorização ser utilizado para fins particulares”.

42-  Após a realização do trabalho para o qual as viaturas foram requisitadas, o colaborar requisitante está obrigado à sua entrega, e das correspondentes chaves, nas instalações das entidades respectivas.

43-  As entradas e saídas das viaturas do estacionamento das entidades em apreço, por regra, são registadas pela equipa de segurança que controla o parque em que as viaturas são parqueadas.

44-  Também por regra, aquela equipa é, ainda, responsável por preencher uma base de dados com aquela informação, à qual acresce ainda a identificação do condutor, formulando- se, com esses dados, um mapa de controlo.

45-  A generalidade das viaturas em causa permanecem nas instalações das sociedades em apreço, excepto quando, por motivos operacionais, não seja possível ou conveniente fazer a entrega das mesmas no dia em que são levantadas.

46-  Quando o projecto ou tarefa à qual foram afectas viaturas implique filmagens fora das áreas metropolitanas de Lisboa ou Porto, que exijam dormida fora destas áreas, ou filmagens que ocorram durante a noite, ou aos fins de semana e/ou feriados, os colaboradores que utilizam as viaturas podem não as devolver no mesmo dia em que as levantam.

 

A.2. Factos dados como não provados

1- Não seria possível à D… desenvolver a sua actividade em moldes economicamente adequados caso não possuísse as 29 viaturas utilizadas directamente na produção, os 3 carros de cena ou as 2 viaturas utilizadas para transporte de adereços.

2- A autorização a que se reporta o ponto 41 dos factos provados nunca foi concedida.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e testemunhal e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Para a fixação dos factos constantes dos pontos 10 a 12, 15, e 17 a 46, foi considerado o depoimento da testemunha inquirida, que depôs sobre os mesmos, tal como resultam provados, revelando conhecimento directo e de forma coerente, inexistido quaisquer razões para colocar em causa a sua veracidade.

Relativamente aos factos dados como não provados, funda-se o respectivo juízo, essencialmente, na falta de prova bastante a seu respeito.

Assim, relativamente ao facto não provado sob o ponto 1, inexiste qualquer prova que o ateste, sendo que a prova testemunhal inquirida apenas se referiu de forma genérica à necessidade veículos ligeiros para a actividade a D…, mas não em termos suficientemente precisos para que se possa afirmar, com a suficiente segurança e para lá de qualquer dúvida razoável, que essa necessidade cobre, igualmente, “as 29 viaturas utilizadas directamente na produção, os 3 carros de cena ou as 2 viaturas utilizadas para transporte de adereços”.

Relativamente ao ponto 2 dos factos dados como não provados, considera-se, também que a prova produzida a seu respeito não permite, com a suficiente segurança e para lá de qualquer dúvida razoável, afirmar que a autorização ali em causa nunca foi concedida.

Com efeito, embora a testemunha inquirida tenha referido que, do seu conhecimento, nunca haja sido concedida a autorização em questão, não é possível excluir que, sem o seu conhecimento, tal tenha ocorrido.

 

B. DO DIREITO

 

i. da excepção

 

            Previamente à discussão do mérito da causa, suscita a AT a questão da incompetência material do tribunal arbitral decorrente da circunstância do pedido de pronúncia arbitral ter sido formulado na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa.

Argumenta a Requerida, então, que o pedido de pronúncia arbitral sub judice vem formulado na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) relativo ao ano de 2012, formulado em 23 de Março de 2016, ou seja, em circunstâncias de tempo em que se mostrava já decorrido o prazo de reclamação graciosa a que alude o artigo 131º do CPPT, pelo que, atento o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, verificar-se-á a incompetência material do presente Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido.

Fundamenta a AT o seu entendimento essencialmente no disposto no artigo 2.º/a) da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de Março, que exclui dos litígios cognoscíveis pelos tribunais arbitrais em funcionamento no CAAD, as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

            Entende a Requerida, face a este normativo, que o mesmo deve ser entendido na literalidade com que o lê, proscrevendo do âmbito da jurisdição arbitral tributária as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidas de reclamação graciosa nos termos das normas do CPPT ali referidas.

            Toda a argumentação da Requerida na matéria, contudo, acaba por se reconduzir a sustentar que foi intenção do legislador restringir a competência da jurisdição arbitral tributária, no que ao conhecimento de ilegalidades de actos de autoliquidação diz respeito, unicamente às situações em que exista uma reclamação apresentada nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT, porquanto é isso que, na sua leitura, diz no texto da norma interpretada.

            Sempre ressalvado o respeito devido, não se descortina, de entre as razões oferecidas pela Requerida, uma razão substancial que explique a racionalidade do entendimento que sustenta. Efectivamente, não se vislumbra qualquer razão substancial – e a Requerida nada apresenta nesse sentido – para que, atentos os condicionalismos e especificidades próprios de cada um dos meios graciosos em causa, nos mesmos termos em que os tribunais tributários estão vinculados, não seja cognoscível em sede arbitral a legalidade dos actos de autoliquidação objecto de pedido de revisão oficiosa, apresentado para lá do prazo de reclamação graciosa.

            Por outro lado, mesmo uma leitura literalística da norma em questão, desde que devidamente contextualizada, não conduz inexoravelmente ao resultado defendido pela Requerida nos autos.

            Com efeito, a expressão empregue pela norma da alínea a) do artigo 2.º da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de Março é paralela à própria norma do artigo 131.º/1 do CPPT, o que deverá ser compreendido como uma concretização da assumida, e pacificamente reconhecida, intenção legislativa de que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial.

            A norma em causa deverá também ser entendida como explicando-se pela circunstância de, na sua ausência – e face ao teor do artigo 2.º do RJAT – se perfilar como possível a impugnação directa de actos de autoliquidação, sem precedência de pronúncia administrativa prévia.       

Ou seja, tendo em conta que face ao RJAT não se configurava como necessária qualquer intervenção administrativa prévia à impugnação arbitral de uma autoliquidação, o teor da Portaria deve ser interpretado como equiparando – nesta matéria – o processo arbitral tributário ao processo de impugnação judicial e não, como decorreria da posição sustentada pela Requerida, passar do 80 para o 8, pegando numa impugnabilidade mais ampla do que a possível nos Tribunais Tributários, e transmutando-a numa mais restrita.

            Assim, razão alguma se vê – e, uma vez mais, nenhum subsídio a Requerida dá nesse sentido – para que se interprete de forma diferente uma e outra norma, tanto mais que a letra da norma da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de Março, acaba por ser menos restritiva que a do CPPT, na medida em que não integra, como esta, a expressão “obrigatoriamente”, nem se refere a “reclamação graciosa” mas a “via administrativa”, conceito este notoriamente mais amplo do que aquele. Daí que seja possível uma leitura da própria letra da lei que se contenha no sentido de que apenas está afastado do âmbito da jurisdição arbitral tributária o conhecimento de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa em termos compatíveis com o que se entende por admissível à luz dos artigos 131.º a 133.º do CPPT, que inclui, consabidamente, o procedimento de revisão oficiosa do acto tributário[1].

E é esta a leitura que se subscreve, na sequência do Acórdão proferido no processo 48/2012T do CAAD, e jurisprudência arbitral subsequente, bem como da doutrina que se tem formado[2], não se deslindando, na medida em que interpretação efectuada se contém na letra da lei, que daí possa decorrer a violação de qualquer preceito constitucional, maxime, dos indicados artigos 2.º, 3.º, n.º 2, 111.º e 266.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP).

            Assim, e face a todo o exposto, não assistindo razão à Requerida nesta matéria, deve a excepção incompetência do Tribunal Arbitral ser julgada improcedente.

 

 

ii. do fundo da causa

 

As questões que se colocam nos presentes autos são as de saber, em primeiro lugar, se a norma em que assenta a tributação autónoma que a Requerente contesta tem subjacente uma presunção, se, em caso afirmativo, será legalmente possível ilidir tal presunção, e, por fim, se, no caso concreto, a Requerente logrou fazê-lo.

            Vejamos então.

 

*

            A tributação autónoma em questão nos presentes autos, incidiu sobre gastos da Requerente, com depreciações, seguros, manutenção e conservação e combustíveis, relativos a motociclos.

            A este respeito, dispunha o artigo 88.º do CIRC vigente no exercício de 2011, no que para aqui interessa, que:

“3 — São tributados autonomamente, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica:

a)      À taxa de 10 %, os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola;(...)

5 — Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.

6 — Excluem-se do disposto no n.º 3 os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, afectos à exploração de serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da actividade normal do sujeito passivo, bem como as depreciações relacionadas com viaturas relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no n.º 9) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.”.

            No ano de 2012, a redacção da referida norma passou a ser a seguinte, que vigorou também no ano de 2013:

“3 – São tributados autonomamente à taxa de 10 % os encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjetivamente e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja igual ou inferior ao montante fixado nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia elétrica.

5 – Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.

6 – Excluem-se do disposto no n.º 3 os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, afetos à exploração de serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da atividade normal do sujeito passivo, bem como as depreciações relacionadas com viaturas relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no n.º 9) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.”.

            Esta redacção vigorou até 2015, quando passou a ter o seguinte teor:

“3 - São tributados autonomamente os encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos que não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia elétrica, às seguintes taxas:

a) 10 % no caso de viaturas com um custo de aquisição inferior a €25 000;

b) 27,5 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a €25 000, e inferior a €35 000;

c) 35 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a €35 000.

5 - Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.

6 - Excluem-se do disposto no n.º 3 os encargos relacionados com:

a) Viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, afetos à exploração de serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da atividade normal do sujeito passivo; e

b) Viaturas automóveis relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no n.º 9) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.”

            Anteriormente a 2010, era a seguinte a redacção do artigo 81.º do CIRC, na parte que ora releva, correspondente ao artigo 88.º, supra transcrito:

“3 – São tributados autonomamente, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica:

a)      À taxa de 10 %, os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola; (...)

5 – Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, as reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, despesas com manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.

6 – Excluem-se do disposto no nº 3 os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, afectos à exploração do serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da actividade, normal do sujeito passivo, bem como as reintegrações relacionadas com viaturas relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no nº 8) da alínea b) do nº 3 do artigo 2º do Código do IRS.”

Em suma, o que ora se trata é de apurar a ratio legis da previsão do artigo 88.º/3 do CIRC/2012, acima transcrito, verificar se a mesma assenta numa presunção e, em caso de resposta afirmativa, se a mesma foi, ou não, in casu, ilidida.

 

*

Quando se fala em tributações autónomas, como é o caso, é conveniente desde logo ter presente que está em causa um conjunto de situações díspares, que abrangerão, pelo menos, três tipos distintos, a saber:

o   Tributação autónoma de determinados rendimentos (ex.: artigo 72.º do actual CIRS);

o   Tributação autónoma de determinados encargos dedutíveis (ex.: n.º 7 do artigo 88.º do actual CIRC);

o   Tributação autónoma de outros encargos independentemente da respetiva dedutibilidade (ex.: artigos 1 e 2 do artigo 88.º do actual CIRC).

Esta precisão torna-se importante porquanto se entende que, atenta a disparidade e heterogeneidade das situações sujeitas a tributações autónomas, será nesta sede, não só desnecessário mas, até, contraproducente, o esforço de sintetizar e procurar uma natureza jurídica própria e unitária, comum a todas aquelas situações.

            A natureza das específicas tributações autónomas em questão nos autos, tem sido objecto de ampla discussão na doutrina e jurisprudência recentes.

            Uma corrente tem olhado para as mesmas como um imposto sobre a despesa, que tributaria determinados tipos de gastos, de uma forma totalmente desligada do rendimento, em termos de haver mesmo quem sustente que as mesmas constituem um tributo próprio, que apenas casualmente estaria integrado nos códigos do IRS e IRC.

            Não obstante, tem obtido acolhimento recorrente na jurisprudência do CAAD[3], o entendimento de que as tributações autónomas sobre encargos dedutíveis, como as que estão em causa nos presentes autos, integram, ainda, o regime dos impostos regulados pelos códigos onde se integram, visando, ainda que de uma forma enrevesada, o rendimento tributado por aqueles.

            Naturalmente que quem considere as tributações autónomas que ora nos ocupam um tributo próprio, distinto do IRC e directamente incidente sobre a despesa, concluirá que a norma sob interpretação, não integrará qualquer presunção, formulando, directamente, o objecto da sua incidência – a despesa.

            Não tem sido esse, todavia, entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, que já de há algum tempo a esta parte, tem sustentado, por exemplo[4], que “as tributações autónomas não consubstanciam, ontologicamente, um tipo de imposto distinto do IRC, como, por exemplo, é a derrama”, com as quais “as características que as tornam um imposto distinto e especial em relação ao IRC”, pelo que “as tributações autónomas não são nem nunca foram um imposto especial autónomo”, e que “numa perspectiva teleológica, sistemática e funcional, (…) as tributações autónomas hão-de considerar-se um adicional do IRC”, assentando a AT tais conclusões no entendimento de que a finalidade das tributações autónomas “é indubitavelmente acessória à tributação do rendimento”, não sendo “correcto afirmar que a tributação autónoma se alheia, quer da função e natureza do IRC, quer mesmo do apuramento do lucro tributável.”.

            Também o Tribunal Constitucional[5], tem reconhecido que a matéria das tributações autónomas é “regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento”, não obstante afirmar que a mesma “é materialmente distinta da tributação em IRC”, e que “estamos (...) perante factos tributários distintos e que são objeto de um tratamento fiscal diferenciado”, infirmando assim a tese da AT porquanto “a tributação autónoma não pode ser entendida como um adicional ao imposto que o contribuinte deva pagar a título de IRC”, e indo mesmo ao ponto de referir que “o IRC e a tributação autónoma são impostos distintos” e que aquela tributação “nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros”, afirmações que terão de ser lidas, crê-se, cum grano salis, enquadrando-as nas limitações que as contextualizam, reportando-as à existência de uma “base de incidência” consistente em “certas despesas que constituem factos tributários autónomos”, e na “sujeição a taxas específicas”, compreendendo-se assim que a tributação autónoma “nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros imputáveis ao exercício económico da empresa” (o que não quer dizer que seja alheia ao rendimento e lucros em geral), e que a distinção entre a tributação autónoma e o IRC, sendo profunda e vincada, se deve cingir ao necessário para salvaguardar a especificidade daquela ao nível da respectiva teleologia, base de incidência e taxas específicas, sem prejudicar a integração no mesmo edifício normativo.

            Efectivamente, crê-se, não estará o TC a defender que a tributação autónoma constitui um imposto sobre a despesa stricto sensu, completamente alheio e distinto do IRC, sob pena de não só ser desmentido pela sistemática da lei fiscal[6] e, expressamente, pelo próprio legislador[7], como também de condenar irremediavelmente as tributações autónomas a uma inconstitucionalidade formal, por violação do disposto na al. i) do artigo 165.º/1 da CRP[8], na medida em que as leis autorizativas da criação daquelas não licenciaram a criação de um novo imposto sobre a despesa[9].

Com efeito, e como se teve oportunidade de escrever noutra sede[10], “a complexidade gerada pelas sucessivas alterações na arquitetura do CIRC conduziram (...) a um edifício normativo atípico, no qual se poderá discernir um core correspondente ao que se poderá chamar IRC tout court (ou em sentido estrito), que a Requerente pretende que esgote tudo o que seja designado por IRC, e uma periferia que integra regulamentações “marginais”, subtraídas, em grande parte, à lógica, natureza e princípios do IRC tout court, mas que, não obstante, ainda se situam no “campo gravitacional” daquele.

            E é no processo de concretização desta zona de difícil definição que todas as decisões analisadas (...) operam, não podendo as mesmas ser devidamente compreendidas sem que se compreenda também que, de facto, o que todas as decisões em questão estão a fazer é apurar quais as consequências que a “gravitação” em torno do core do IRC aportam para as matérias em cada uma delas abordadas.”.

Nesse sentido, “dentro do quadro hermenêutico acima desenhado, (...) por força da evolução histórica do respetivo regime legal, se constituiu um tipo de IRC que integra um núcleo duro (...) e um grupo de normações adjacente, que comunga de parte da lógica e do regime daquele, mas que em muitos aspetos diverge dos mesmos.”. E, mais adiante, “da consideração do texto legislativo, estaticamente e na sua evolução histórica, resulta que o legislador entendia, e continua a entender, que as tributações autónomas integram o IRC, senão enquanto imposto stricto sensu, pelo menos em termos de fazerem parte do mesmo regime fiscal unitário”.

Isto porque “o regime legal das tributações autónomas em questão nos autos apenas faz sentido no contexto da tributação em sede de IRC. Ou seja, desligado do regime legal deste imposto, carecerão aquelas do seu principal referente de sentido. A sua existência, o seu propósito, a sua explicação, no fundo, a sua juridicidade, apenas é devidamente compreensível e aceitável no quadro do regime legal do IRC.”.

Daí que não, “se entenda que “a definição de IRC constante dos artigos 1.º e 3.º do CIRC” esteja “realmente ultrapassada por uma nova definição de aplicação transversal/geral”, sendo essa uma postura epistemológica própria de um conceptualismo que, liminarmente, se repudiou.

Pelo contrário: trata-se do reconhecimento daquilo que, face ao quadro legal vigente, se impõe como o mais razoável: o abandono definitivo de qualquer definição de aplicação transversal/geral de IRC, e o reconhecimento do regime deste como uma realidade complexa e multifacetada, irredutível a uma definição daquela índole, que apenas um conceptualismo fundamentalisticamente abstracionista poderá pressupor.”.

            Por isso, “Tudo aquilo que se tem vindo a dizer evidencia que a evolução do regime legal do IRC transmutou-o numa realidade complexa e multifacetada, aos mais diversos níveis, que se reflete, na matéria que nos ocupa nestes autos, na tal “natureza dual” de que falava o Prof. Saldanha Sanches na passagem citada no Acórdão 617/2012 do TC.

O reconhecimento desta dualidade de natureza não prejudica, contudo, como se entende estar subjacente quer à citação em causa quer à jurisprudência que a cita, que se considere que o sistema, apesar de dual, seja o mesmo[11]. Dito de outro modo, apenas faz sentido falar-se de um sistema dual, se o sistema em questão, globalmente considerado, for, ainda, o mesmo. Caso contrário falar-se-ia não de um sistema de natureza dual, mas de dois sistemas distintos, o que, por tudo o que se vem dizendo, não será o que ocorre. E, in casu, o sistema será o regime do IRC, que operando ora pelo lucro, ora pelos gastos, visa e prossegue as finalidades próprias daquele imposto, incluindo, evidentemente, a arrecadação de receita para o Estado.”.

Neste quadro, julga-se que o entendimento mais correcto, será o de que as tributações autónomas em causa se poderão configurar como um imposto “híbrido” , incidindo sobre o rendimento das pessoas singulares e das pessoas colectivas, e não sobre o consumo ou a despesa, pois não apresentarão as principais características desta forma de tributação, não incidindo, igualmente, sobre o património, e enquadrando-se numa problemática da tributação dos rendimentos relativamente à qual o legislador entendeu actuar a dois níveis (separada ou simultaneamente): não aceitar a dedutibilidade de alguns gastos, na totalidade ou parcialmente e/ou tributá-los autonomamente.

As tributações autónomas ora em questão nos autos integrarão, também e para além do mais, o elenco de normas antiabuso específicas, sendo patente a similitude, por exemplo, com a norma do anterior artigo 65.º/1 do CIRC, que dispunha que:

“Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.”.

Ou seja, nos casos a que se reportam as tributações autónomas suportadas pela Requerente nos autos, o legislador podia ter optado por um regime semelhante ao estatuído na norma transcrita, vedando pura e simplesmente a respectiva dedutibilidade, ou condicionando-a nos mesmos termos dessa norma, ou noutros que entendesse adequados.

Em vez disso, optou o legislador por não ir tão longe, quedando-se o regime legal de IRC sobre os gastos em causa num patamar aquém daquele, ao permitir-se a dedutibilidade dos encargos em causa, contra o pagamento imediato de uma parte do lucro tributável que, presente ou futuramente, irá ser afectado por tal dedução.

Não obstante, será ainda assim inegável a similitude dos regimes, bem como das preocupações e finalidades que lhes estão subjacentes.

O que vem de se dizer tem, deste modo, subjacente a constatação de que as tributações autónomas, incluindo aquelas em questão nos autos, devem grande parte da sua razão de ser à circunstância de que será objectivamente inviável a tributação integral numa base rigorosa, em sede de IRS, nos potenciais beneficiários dos gastos sujeitos àquelas (o que equivaleria a uma tributação dos fringe benefits como foi concebida e aplicada na Austrália e na Nova Zelândia). Não se ignora assim que as tributações autónomas do tipo que aqui nos ocupa têm uma vertente dirigida directamente para o rendimento de pessoas singulares. Tal como têm, de resto, uma vertente sancionatória – no sentido de impositiva de um tratamento desfavorável[12] – relativamente ao tipo de despesas que as desencadeiam. Contudo, estas vertentes não esvaziam, nem, muito menos, impossibilitam, uma outra vertente, igualmente (senão mais) relevante, indissociavelmente interligada com o rendimento, no caso, das pessoas colectivas.

Entende-se, então, que, por via das imposições em causa, também se visa, pelo menos na mesma medida, disciplinar a utilização pelas empresas de gastos que podem ser necessários, numa parte, à prossecução da actividade normal, mas que – tendo por base um juízo de normalidade – também serão em benefício de pessoas singulares que acabam por deles fruir a título particular e não profissional. Só que, não dispondo a Administração Tributária de nenhuma “fita métrica” para fazer tal separação, vem o legislador optando, já há bastante tempo, pela introdução no Código do IRC desta parcela que já considerava objectivamente, à data dos autos, uma imposição, no mínimo, semelhante, ao IRC, mesmo que se considere questionável tal disposição (bem como a actual redação, a respeito da inclusão no IRC, das tributações autónomas no artigo 23º-A do Código do IRC).

Reconhecem-se aqui, assim, aquelas caraterísticas que há já alguns anos a doutrina vem apontando às tributações autónomas em causa, como sejam:

a)      a tributação autónoma só faz sentido porque os custos/gastos relevam como componentes negativas do lucro tributável do IRC. É isso que motiva os sujeitos passivos do IRC a relevar um valor tão elevado quanto possível desses gastos para diminuir a matéria tributável do IRC, a colecta e, consequentemente, o imposto a pagar;

b)      pretende-se desincentivar esse tipo de gastos em sujeitos passivos que apresentam resultados negativos mas que, independentemente disso, continuam a evidenciar estruturas de consumo pouco ou nada compagináveis com a saúde financeira das suas empresas;

c)      trata-se, em tese mais geral, de modelar o sistema fiscal de modo que este revele um certo equilíbrio tendo em vista uma melhor repartição da carga tributária efetiva entre contribuintes e tipos de rendimento;

d)      considera-se desfavoravelmente determinados gastos em que, reconhecidamente, não é fácil determinar a medida exacta da componente que corresponde a consumo privado, e relativamente aos quais é conhecida a prática geral de abuso na sua relevação.

Embora, ultimamente[13], a AT tenha procurado aditar ao elenco supra uma dimensão de extra-fiscalidade (fiscalidade verde), apontando que “a tributação autónoma constitui também um instrumento de política fiscal que atua como desincentivo à utilização de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos e motociclos movidos a combustíveis de origem fóssil, em razão das externalidades negativas que os mesmos provocam.”, não se vislumbra que tal seja um fundamento da imposição da tributação autónoma, mas, antes, da exclusão de determinadas viaturas da incidência daquelas.

Com efeito, desde logo, historicamente, não foi a criação e desenvolvimento das tributações autónomas ora em causa que foi motivada pela prossecução de objectivos ecológicos, mas antes o desagravamento daquelas relativamente a algumas viaturas que teve tal motivação.

Por outro lado, subjacente a tal desagravamento, afigura-se estar, não tanto uma proscrição dos combustíveis de origem fóssil, já que se assim fosse todas as viaturas que não utilizassem tais combustíveis deveriam ter o mesmo tratamento, por um lado, e todas as viaturas que os utilizassem deveriam igualmente, pelo menos na medida correspondente ao respectivo nível de poluição, ter o mesmo também o mesmo tratamento.

Enquadra-se, assim, a excepcionação dos veículos eléctricos da sujeição a tributação autónoma mais como uma medida pontual e casuística, até pelo seu contexto histórico, relacionada com promoção da industria e comércio de veículos movidos a electricidade, do que como uma medida estruturada de defesa da qualidade ambiental[14].

Melhor ou pior, as tributações autónomas ora em causa deverão ser assim entendidas como uma forma de obstar a determinadas actuações abusivas, que o “normal” funcionamento do sistema de tributação era incapaz de impedir, sendo que outras formas de combater tais actuações, incluindo formas mais gravosas para o contribuinte, eram possíveis.

Este carácter antiabuso das tributações autónomas ora em causa será não só coerente com a sua natureza “anti-sistémica” (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva, apontada quer pelo Prof. Saldanha Sanches quer pela jurisprudência que, amiúde, o cita.

 

*

Sob o prisma que vem de se expor, as tributações autónomas em análise terão então materialmente subjacente uma presunção de empresarialidade “parcial” das despesas sobre que incidem, em função da supra-apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá efectivamente na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular).

Confrontado com tal dificuldade[15], o legislador, em lugar de simplesmente afastar a sua dedutibilidade, ou inverter o ónus da prova da empresarialidade das despesas em questão (impondo, por exemplo, a demonstração de que “não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”, por exemplo, como faz no artigo 88.º/8 , e fazia no artigo 65.º/1, ambos do CIRC[16]), optou por consagrar o regime actualmente vigente, que, não obstante, tem precisamente o mesmo fundamento, a mesma finalidade, e o mesmo tipo de resultado, que outras formas utilizadas noutras situações típicas do regime (no caso) do IRC.

Assim, do facto conhecido que é a realização de determinado tipo de gastos, o legislador tira o facto desconhecido, que é a aferição do grau de afectação empresarial do produto de tais gastos.

E será este facto desconhecido, presumido pelo legislador, que desencadeia e justifica a tributação autónoma em questão no presente processo. Com efeito, foi por presumir que as despesas sobre que incide aquela tributação autónoma têm, por regra, uma afectação mista, havendo, por isso, um benefício injustificado na sua dedução integral, que o legislador começou, numa primeira fase, por limitar a percentagem daquelas que admitia como dedutível. Ulteriormente, por razões que pouco importarão ao caso, mas que passarão por constrangimentos de ordem orçamental, por um lado, e pela necessidade de assegurar a tributação de eventuais benefícios que particulares pudessem retirar daquelas despesas, o legislador adoptou o actual modelo de tributação autónoma das despesas que ora nos ocupam. Mas tal, não excluiu, antes complementou, aquela primitiva motivação de tributar, adequadamente, o rendimento das pessoas colectivas, distorcido pela dedução de despesas, que o legislador presume de afectação não totalmente empresarial. Ou seja: as finalidades orçamentais e, eventualmente, de tributação de fringe benefits, que possam assistir ao regime actual da tributação autónoma que nos ocupa, não excluem, antes assentam, na referida presunção de “empresarialidade parcial” das despesas sobre que recaem (e, complementarmente, na distorção da tributação do rendimento das pessoas colectivas daí decorrente).

Este entendimento, não só é compatível, como é uma decorrência, do quanto tem sustentado a AT em sede arbitral, afirmando, por exemplo[17], e de que “A razão de ser das tributações autónomas não se encontra no simples arrecadar de mais imposto, mas visa primacialmente desincentivar o recurso ao tipo de despesas que tributam, as quais, pela sua natureza, são propiciadoras de pagamento de rendimentos camuflados, e, em última análise até, permitir reaver algum imposto que deixou de ser pago pelo beneficiário dos rendimentos, transferindo a responsabilidade deste para a esfera de quem paga esse rendimento, (…) O que lhes confere uma clara natureza anti-abuso, manifestamente acessória/complementar à tributação segundo a capacidade contributiva revelada pelo rendimento, ainda que só aparentemente em prejuízo da tributação do rendimento real (leia-se, com base na contabilidade), porquanto o que com elas se pretende é justamente prevenir uma utilização abusiva de determinadas despesas e distribuição de dividendos e em fraude às normas que visam atingir o rendimento real dos sujeitos passivos.”, sendo “justamente a sua função anti-abuso que legitima as tributações autónomas à luz do princípio da capacidade contributiva.”.

            Também a recente jurisprudência do TC, já citada[18], tem afirmado que “A introdução do mecanismo de tributação autónoma é justificada, por outro lado, por se reportar a despesas cujo regime fiscal é difícil de discernir por se encontrarem numa “zona de interseção da esfera privada e da esfera empresarial” e tem em vista prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição oculta de lucros ou atribuam rendimentos que poderão não ser tributados na esfera dos respetivos beneficiários, tendo também o objetivo de combater a fraude e a evasão fiscais”, tendo “ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, (...) explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal.”, confirmando que “o legislador optou, por isso, por sujeitar os gastos a uma tributação autónoma como forma alternativa e mais eficaz à não dedutibilidade da despesa para efeitos de determinação do lucro tributável”, “pretendendo-se (…) reduzir, mediante a incidência do imposto, a vantagem fiscal que resulta para as empresas da realização de despesas que são dedutíveis mas não têm uma causa empresarial.” e “evitar a realização de despesas excessivas e desnecessárias do ponto de vista do interesse empresarial” que “sendo excessivas e não justificadas do ponto de vista empresarial, têm efeitos desfavoráveis para a obtenção da receita fiscal”, visando-se assim “penalizar certo tipo de despesas que, sendo excessivas, não se encontram justificadas por razões empresariais” e “compensar o resultado prejudicial que, por via da redução do lucro tributável, a despesa acarreta para o erário público”.

            Não deixa, assim, o TC dúvidas, de que é intrínseco à tributação autónoma, “estimular os contribuintes a evitar a realização de despesas excessivas que, injustificadamente, possam afetar os resultados económicos e provocar uma diminuição da receita fiscal”, atenta uma censura “do ponto de vista fiscal”, à “realização de despesas que determinam desnecessariamente uma redução do rendimento tributável” (sublinhados nossos).

Surpreende-se assim de maneira que se crê clara, na jurisprudência constitucional, um plano de justificação axiológico-normativo subjacente ao regime em questão, directamente relacionado com a desnecessidade ou injustificabilidade do gasto sujeito a tributação autónoma, em termos de, julga-se, não se verificando, para lá de qualquer dúvida razoável, essa desnecessidade ou injustificabilidade, desfalecer o fundamento normativo que sustenta aquele tipo de tributação.

 

*

            Face à conclusão que vem de se operar, de que as tributações autónomas que nos ocupam encerram uma presunção de que os gastos que sujeitam são, parcialmente, desnecessários ou injustificáveis do ponto de vista empresarial, cumpre então apurar se a presunção que assim se surpreende, é, ou não, susceptível de ser ilidida.

            A este propósito, dispõe o artigo 350.º/2 do Código Civil:

“As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.”

            Em coerência, dispõe o artigo 73.º da LGT:

“As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.”.

            Para que opere a estatuição desta última norma, é necessário, evidentemente, que esteja em causa uma norma de incidência tributária.

Ora, no caso, a norma em questão será, sem dúvida, uma norma de incidência tributária objectiva, como a própria Requerida, de resto, o reconhece[19], como já havia reconhecido o voto de vencido proferido no processo arbitral 628/2014T[20], já que prevê que determinados factos – os gastos com determinados bens que se presumem de afectação mista (empresarial e particular), como se viu já – implicam uma determinada obrigação de imposto.

A Requerida, embora reconhecendo, como se disse, que se está perante uma norma de incidência, procura afastar a aplicabilidade, alegando que “por um lado, não contém na sua redacção a expressão «presume-se», nem, por outro, procede à tributação com base em ficções de rendimentos ou da matéria colectável.”.

Ora, sempre ressalvado o respeito devido, nem ou nem outro daqueles argumentos deverá proceder.

Com efeito, e no que diz respeito ao primeiro daqueles, bastará notar que as presunções contidas em normas de incidência, por regra, não contém a expressão “presume-se”, ou equivalente[21].

Relativamente ao segundo dos argumentos apresentados pela Requerida, que o desenvolve, alegando que “os encargos que (...) são tributados autonomamente são os «efectuados ou suportados pelos sujeitos passivos», (…) são os encargos que contabilisticamente se encontram registados nas contas da Requerente e que concorreram, na qualidade de custos indispensáveis, para a formação do lucro tributável”, pelo que “a norma em causa não ficcionou um determinado montante a ser tributado a título de encargos com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas” ou “ficcionou a respectiva base tributável”, o mesmo apenas é compatível, embora a Requerida não o assuma expressamente, com o entendimento de que as tributações autónomas são um imposto sobre a despesa.

Efectivamente, apenas considerando que as tributações autónomas esgotam o seu fundamento impositório na despesa em que assenta o respectivo facto tributário, se poderá concluir que aquele se esgota nos “encargos que contabilisticamente se encontram registados nas contas da Requerente e que concorreram, na qualidade de custos indispensáveis, para a formação do lucro tributável”.

Pelo contrário, considerando-se que a finalidade das tributações autónomas “é indubitavelmente acessória à tributação do rendimento”, que não é “correcto afirmar que a tributação autónoma se alheia, quer da função e natureza do IRC, quer mesmo do apuramento do lucro tributável.”, e, sobretudo, que de que “o que com elas se pretende é justamente prevenir uma utilização abusiva de determinadas despesas e distribuição de dividendos e em fraude às normas que visam atingir o rendimento real dos sujeitos passivos.”, sendo “justamente a sua função anti-abuso que legitima as tributações autónomas à luz do princípio da capacidade contributiva.”, ou seja, e em suma, que as tributações autónomas são, ainda e em última linha, tributação sobre o rendimento, e não sobre a despesa, como se viu atrás, ter-se-á forçosamente que concluir que os encargos que integram o facto tributário mais não são do que o facto conhecido, do qual o legislador tira o facto desconhecido que é o rendimento, da pessoa colectiva (no caso), legitimador da tributação, afectado pela presumida empresarialidade parcial (incompleta, injustificada, desnecessária) dos encargos em causa.

Face ao exposto, haverá que concluir que a presunção de “empresarialidade parcial” em questão, deverá, em coerência, considerar-se como abrangida pela possibilidade de ilisão genericamente consagrada no art.º 350.º/2 do Código Civil e 73.º da LGT[22], o que se afigura, de resto, conforme a uma proporcional e adequada distribuição do ónus probatório, na medida em que incidindo as tributações autónomas em causa sobre despesas de empresarialidade integral à partida não evidente, será o contribuinte quem estará melhor posicionado para demonstrar que tal requisito se verifica em concreto.

Assim, as tributações autónomas cujo encargo pretende a Requerente ver subtraído ao seu lucro tributável, poderão ser encaradas como uma espécie de norma antiabuso consensual, em que o legislador propõe ao contribuinte que deduza o gasto nos termos gerais, aceitando a percentagem de empresarialidade fixada a forfait, corporizada no pagamento da tributação autónoma, como compensação pela erosão da base tributável decorrente de um gasto que a normalidade das coisas revela não terá, por norma, uma afectação exclusivamente empresarial, sem prejuízo de, por força das normas gerais aplicáveis às presunções, atrás analisadas, bem como dos princípios próprios do direito fiscal, incluindo, como reconhece a própria Requerida[23], o  “princípio da substância económica dos factos tributários, que impõe que a tributação, sempre que possível, assente na realidade económica subjacente aos factos tributários”, o contribuinte poder provar, em concreto, a efectiva empresarialidade integral da despesa, e, consequentemente, deduzi-la integralmente, não suportando a tributação autónoma[24], sendo que nos casos em que a tributação autónoma incida exclusivamente sobre encargos dedutíveis[25], excluindo, portanto, os não dedutíveis, poderá ainda o contribuinte, não deduzir[26] os gastos sujeitos a tal tributação, se dedutíveis, não se verificando, dessa forma, o pressuposto da tributação autónoma referida (sobre encargos dedutíveis)[27].  

Note-se aqui, até em função de alguma confusão que se possa gerar, que a empresarialidade integral de que se fala aqui não se identifica com a empresarialidade a que se reporta o artigo 23.º do CIRC. Antes, o preenchimento dos requisitos do artigo 23.º do CIRC, relativamente aos gastos em questão, é pressuposto da dedutibilidade do gasto e, no caso em que a tributação autónoma incida sobre encargos dedutíveis, da própria tributação autónoma.

Com efeito, e por exemplo, ao exigir na norma do artigo 88.º/3/a) do CIRC vigente até ao exercício de 2011, que sejam dedutíveis “os encargos (...) relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos” para os sujeitar a tributação autónoma, naturalmente que o legislador estava a remeter para o  critério geral do artigo 23.º do CIRC, como requisito para que operasse a tributação autónoma em causa, não podendo, crê-se, sob pena, para além do mais, de violação do princípio da tipicidade da lei fiscal, fazer incidir tal tributação autónoma sobre encargos não dedutíveis, o que, de resto, é coerente com a própria natureza daquela, que, como se viu já e é consensualmente reconhecido, bebe um dos seus principais fundamentos na necessidade de, nas palavras do TC, atrás citadas, eliminar “a vantagem fiscal que resulta para as empresas da realização de despesas que são dedutíveis mas não têm uma causa empresarial.”, ou de, nas palavras da Requerida nos autos[28], evitar a “erosão da base tributável em sede de IRC”, vantagem e erosão essas que não se consumam, no caso das despesas não dedutíveis.

Daí que, desde logo a “empresarialidade” (parcial) presumida pelas tributações autónomas em questão seja especial, em relação à empresarialidade do artigo 23.º, que pressupõem.

Dito de outro modo, e explicitando a articulação normativa entre os regimes em causa, de uma forma geral e como regra, o preenchimento dos critérios do artigo 23.º do CIRC conferem ao contribuinte o direito de deduzir integralmente ao lucro tributável os gastos correspondentes.

Todavia, relativamente aos gastos dedutíveis sujeitos a tributação autónoma,  tal direito fica onerado com a obrigação de arcar com as correspondentes tributações autónomas, no fundo porquanto o legislador, como se viu atrás, entende que, no quadro da normalidade, que está também subjacente ao regime do artigo 23.º do CIRC, tais gastos se revestem de características especiais, que indiciam uma empresarialidade não integral, ao contrário do que acontece com a generalidade dos gastos que preencham os pressupostos do referido artigo 23.º do CIRC, em termos de não se justificar como regra a sua não dedutibilidade, por se conceder que uma parte mais ou menos significativa, sempre no plano da normalidade das coisas onde se posiciona o legislador, do gasto será, de facto, empresarialmente necessária, mas em termos, igualmente, de não se justificar, pelas razões já atrás vistas, que a dedução do gasto afecte a receita tributária nos termos em que resultam da dedução nos termos do referido artigo 23.º, sem intervenção da tributação autónoma.

Assim, em ordem a justificar a não incidência de tributação autónoma sobre os gastos em causa, o contribuinte haja, não de ensaiar a demonstração da verificação dos pressupostos daquele artigo 23.º, mas, antes, demonstrar para lá de qualquer dúvida razoável que, em concreto, as despesas do género em questão, que pretende deduzir integralmente sem sujeitar a tributação autónoma, tiveram uma afectação exclusivamente empresarial.

Daí que a prova a realizar, em ordem a infirmar a presunção de empresarialidade parcial ora em causa, seja distinta da prova subjacente ao regime geral do artigo 23.º do CIRC, não sendo aplicável a abundante jurisprudência e doutrina produzida a esse respeito[29], implicando a demonstração, para lá de qualquer dúvida razoável, não meramente da relação dos gastos com a actividade prosseguida pelo sujeito passivo, que, de resto, pressupõe, mas de que, como se disse, em concreto, as despesas em questão tiveram uma afectação exclusivamente empresarial, sem que, no plano da normalidade do funcionamento da empresa, se detecte qualquer margem da designada zona cinzenta de despesa empresarial, produtiva, e despesa privada, de consumo, sendo que, qualquer dúvida terá de ser resolvida em desfavor do contribuinte, por força do funcionamento próprio das regras do ónus da prova[30].

Não procedem, deste modo, as considerações apresentadas pela Requerida na sua Resposta[31], segundo as quais estaríamos perante “uma manifesta redundância, pois que a obrigaria a um duplo ónus probatório, isso sob a égide do mesmo código tributário, ao abrigo de um mesmo imposto.”, por “para além de terem os contribuintes de comprovar a indispensabilidade dos custos concorrentes à formação do lucro tributável”, terem “de igual modo de provar a empresarialidade das despesas alvo de tributação, nos termos do disposto no artigo 88.º do CIRC.”, pelo que “seria legítimo ensaiar, então, duas (absurdas) conclusões, alternativas entre si: A primeira, a de que, nos termos e para os efeitos do artigo 23.º do CIRC, sempre que os contribuintes provassem a indispensabilidade de um custo, por sua vez sujeito a tributação autónoma, ficariam automaticamente excluídos da tributação do artigo 88.º do CIRC, pois que a empresarialidade já se escorava na indispensabilidade; A segunda, a de que, sempre que os contribuintes não conseguissem provar a empresarialidade de uma despesa – previamente aceite como custo fiscal para efeitos de apuramento do lucro tributável –, veriam o aludido custo ser corrigido e acrescido ao Q07 da sua Modelo 22, porquanto, se uma despesa não é tida como prosseguindo fins empresariais, não pode o dito custo, sob pena de incoerência, ser considerado indispensável para a respectiva fonte produtora.”.

De resto, nenhuma incoerência se apontará, seguramente, ao regime do artigo 88.º/8 do CIRC, na redacção ora em causa, ao impôr o ónus da prova ao contribuinte de que os gastos aí em causa correspondem a “operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado”, na medida em que se as tais operações não tivessem sido realizadas e/ou tivessem ou carácter anormal ou montante exagerado, não seriam também dedutíveis.

Ou seja, aqui, como ali, a prova especial necessária ao afastamento da tributação autónoma não se confunde com a prova necessária ao preenchimento dos requisitos gerais do artigo 23.º do CIRC.

Este reconhecimento da natureza presuntiva das tributações autónomas em causa nos autos, nos termos acima expostos, será, para além de tudo o mais, julga-se, uma salvaguarda da sua constitucionalidade, na medida em que estará garantida quer a possibilidade da respectiva dedução integral pelo contribuinte, quer a sua não dedução, consoante o lado para o qual a presunção que lhes está subjacente seja, concretamente e em cada caso, infirmada, assim se assegurando, devidamente, a conformidade do regime legal em questão com os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, que seriam desnecessária (e, ocasionalmente, desproporcionalmente) truncados, pela estatuição de uma presunção inilidível da parcialidade da afectação empresarial das despesas em questão.

Efectivamente, e no limite, a questão da possibilidade, ou não, de ilidir a presunção de empresarialidade parcial em que assentam as tributações autónomas que ora nos ocupam, reconduz-se à resposta a uma mais prosaica e evidente questão, que é a de saber se existe, e qual é, o fundamento material, inerente a um legislador razoável, para que um contribuinte que, em função da sua concreta actividade tem uma necessidade incontornável de utilizar determinado tipo de viaturas, eventualmente, até, especialmente modificadas e adaptadas a tal actividade, e que tem implementado um sistema, no quadro da respectiva organização empresarial, que exclui, sob um ponto de vista da regularidade e licitude do seu normal funcionamento, a utilização privada (não empresarial) das referidas viaturas, se veja onerado com a tributação autónoma, com as características, natureza e fundamentos da que ora nos ocupa.

A ausência de tal fundamento, e a imposição, nessas circunstâncias, de uma tributação que, não sendo, em última análise, como se viu, um imposto sobre a despesa ou o património, se reconduz, por isso, e de alguma forma, a um imposto sobre o rendimento em que se insere, não poderia, crê-se, deixar de redundar num défice de constitucionalidade, não só face aos já referidos os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, como ainda face aos princípios relativos à liberdade de iniciativa económica, concorrência, e, até propriedade privada, na medida em que, sem qualquer justificação atendível[32] se estaria a onerar com uma carga fiscal adicional determinadas actividades económicas, que não podem ser racionalmente exercidas de outra forma, prejudicando, consequentemente, o seu livre desenvolvimento, considerações que não deverão ter sido estranhas à informação vinculativa da AT de 14-09-2006, proferida no processo 2879/2005, onde se considerou que se pretendeu excluir do âmbito da aplicação do (então) artigo 81.º/3 do CIRC as viaturas utilizadas no exercício da actividade normal do sujeito passivo (no caso daquela informação, viaturas utilizadas por unidades hoteleiras em transfers) e que, não obstante a parca fundamentação e o diferente contexto histórico não deixa de evidenciar alguma sensibilidade da AT ao quanto se vem de dizer, tanto mais que, até à data, não foi revogada a informação em causa.

 

 

*

            Aqui chegados, torna-se necessário, então, aferir se, em concreto, a presunção da norma do artigo 81.º, n.º 3 do CIRC vigente à data do facto tributário, acima determinada, foi, ou não, ilidida.

            Como se escreveu no voto de vencido proferido no processo arbitral 628/2014T do CAAD, citado por ambas as partes, que nessa parte, e como tese geral, se subscreve, “a admissibilidade de aplicação do regime de exclusão” da tributação autónoma em causa deverá ser “acompanhada de especiais cuidados na comprovação da situação factual.”.

            Compulsada tal situação, à luz desse critério, julga-se que a prova produzida é insusceptível de fundar um juízo de ilisão da presunção em causa.   

Assim, não obstante estar provado que:

-          O Grupo B…, no desenvolvimento normal da sua actividade faz uso de frota automóvel própria, na qual se incluem veículos ligeiros de passageiros, e esses veículos são necessários para a obtenção dos seus proveitos; e que

-          A actividade empresarial levada a cabo pelas sociedades C…, D…, E…, F…, G… e H… exige, com carácter de regularidade, a deslocação de colaboradores, para diferentes pontos do país, seja para assegurar a cobertura jornalística (C…) ou radiofónica (G…) de eventos, seja para efeitos produção audiovisual (D…), seja para fornecimento de bens ou serviços (E…, F… e H …);

o certo é que tal será a situação normal de qualquer sujeito passivo de IRC que disponha de viaturas do tipo das referidas.

Com efeito, a necessidade de viaturas ligeiras de passageiros para a deslocação de colaboradores necessária ao exercício da actividade, corresponde à normalidade das coisas, e não pode deixar de considerar-se como estando subjacente ao fundamento material da presunção em causa, e, portanto, abrangida pela ratio legis da mesma, não constituindo tais factos, dessa forma, fundamento para a sua infirmação.

Também a circunstância de estar provado que às viaturas a que se referem as tributações autónomas em questão no presente processo arbitral, foram, na organização do grupo encabeçado pela Requerente, estabelecidas as afectações constantes do ponto 26 dos factos provados, e que a escolha dos modelos de viaturas, a gestão logística das viaturas de serviço, e correspondente gestão dos consumos de combustível, no Grupo da, Requerente ser da competência exclusiva da equipa de compras e serviços centrais, obedecendo a determinados critérios orientados em função da natureza das actividades a que se destinam, incluindo os de alocação de viaturas a condutores específicos, não interfere com o juízo em questão, dado que, tal situação corresponderá à normalidade das coisas, ou seja, o natural num sujeito de IRC que possua viaturas ligeiras de passageiros, será ter as mesmas afectadas a utilizações relevantes no quadro do exercício da sua actividade económica, estrutrando-se organizacionalmente da forma que tenha por conveniente de modo a obter a eficiência que repute necessária em tal gestão.

De resto, considera-se que o juízo de empresarialidade subjacente às presunções em causa é de natureza objectiva, ou seja, formulado face à situação de facto tal como ela se configura na sua globalidade juridicamente relevante, e não de natureza subjectiva, atendo-se, unicamente, ao propósito ou intenção do(s) sujeito(s) passivo(s) envolvido(s).

            As circunstâncias de alguns transportes ou deslocações de pessoas e equipamentos, designadamente no âmbito das reportagens realizadas pela C…, não ser possível de ser realizado com recurso a transportes públicos, e de implicarem, por vezes, a deslocação de 3 ou 4 pessoas, bem como de algumas deslocações se darem a locais de difícil acesso (no caso da rádio comercial), também se afiguram irrelevante para a questão em análise, desde logo porquanto não exclui a possibilidade de utilização de outras formas de transporte não abrangidas pela tributação autónoma, e, depois, porquanto não abrange a totalidade ou, sequer, a maior parte das viaturas em questão. Acresce que se tratam, também estas, de circunstâncias comuns à generalidade dos sujeitos passivos sujeitos às tributações autónomas em causa, e que nada adiantam relativamente à integralidade da utilização das viaturas exclusivamente no quadro empresarial.

            O facto de a grande maioria das viaturas a que se reportam as tributações autónomas serem caracterizadas, indicando de forma muito visível a entidade a que pertencem e o seu propósito, tendo em vista a identificação das mesmas pelo público, de per si e no caso concreto, nada adianta, já que, para além do mais, tal poderá propender a um interesse acrescido de utilização adicional das viaturas, para lá da sua função principal, como forma de publicidade ou divulgação das marcas.

            No caso, verifica-se que também, por regra, as viaturas de serviço não são atribuídas a nenhum colaborador específico, havendo um parque de viaturas disponíveis, estando a chave em uso bem como toda a documentação relativa àquelas, sob a responsabilidade da portaria dos parques ou do utilizador da viatura, e sendo requisitadas pelos colaboradores que delas necessitem no âmbito das suas funções e devolvidas após a utilização.

            Mais se verifica que após a realização do trabalho para o qual as viaturas foram requisitadas, o colaborar requisitante está obrigado à sua entrega, e das  correspondentes chaves, nas instalações das entidades respectivas, que as entradas e saídas das viaturas do estacionamento das entidades em apreço, por regra, são registadas pela equipa de segurança que controla o parque em que as viaturas são parqueadas, que, também por regra, aquela equipa é, ainda, responsável por preencher uma base de dados com aquela informação, à qual acresce ainda a identificação do condutor, formulando- se, com esses dados, um mapa de controlo e que a generalidade das viaturas em causa permanecem nas instalações das sociedades em apreço, excepto quando, por motivos operacionais, não seja possível ou conveniente fazer a entrega das mesmas no dia em que são levantadas.

            Este últimos factos, indiciando já um sistema de controle da utilização das viaturas abrangidas pelo mesmo, em termos de assegurar a exclusividade daquela no quadro da actividade empresarial em que foram adquiridas, assume já relevância na óptica da infirmação da presunção acima detectada.

            Não obstante, nos termos que foi possível apurar e dados como provados, julga-se que o acervo factual em causa, não é susceptível de, para lá de qualquer dúvida razoável, afirmar a integralidade da afectação empresarial das viaturas a que se refere a tributação autónoma ora contestada, deficiência essa que, porventura, poderá até resultar da circunstância da implementação do sistema em questão não ter tido, notoriamente, em vista, aquela demonstração.

            Com efeito, considera-se que a prova a fazer, conforme acima desenvolvido, deve ser no sentido de demonstrar, para lá de qualquer dúvida razoável, não meramente a relação dos gastos com a actividade prosseguida pelo sujeito passivo, mas de que, em concreto, as despesas em questão tiveram uma afectação exclusivamente empresarial, sem que, no plano da normalidade do funcionamento da empresa, se detecte qualquer margem da designada zona cinzenta de despesa empresarial, produtiva, e despesa privada, de consumo.

            Ora, no caso, considera-se que os factos provados, atrás referidos, não são suficientes para que, com a segurança necessária, se possa fazer tal juízo, sendo que, como se pontou, qualquer dúvida terá de ser resolvida em desfavor do contribuinte, por força do funcionamento próprio das regras do ónus da prova.

            Com efeito, e desde logo, o quadro factual apontado, desenha uma regra, uma normalidade, mas não exclui, tal como provado, outras situações.

            Acresce que, tal quadro se aplica, tal como contextualmente produzido, à actividade da C…, e com menor intensidade, à da G…, perdendo consistência no que diz respeito à actividade das restantes empresas, que não realizam reportagens noticiosas.

            Por outro lado, e mesmo dentro daquelas duas entidades (C… e G…), não é crível que todas as viaturas tenham por justificação exclusiva a realização de reportagens noticiosas, pelo que, dada a dimensão do parque automóvel, não é crível que todas elas estejam abrangidos pelos controles e critérios de utilização expostos, não sendo, de todo, possível a este tribunal determinar, sequer, quais as que estão e quais as que não estão.

Não se pode igualmente deixar de notar que a afectação de viaturas feita pelo próprio Grupo da Requerente, e constante do ponto, inclui um grupo significativo de viaturas destinado a “multiplicidades de fins”, que não é possível concretizar.

Acresce ainda que, como é compreensível e natural e foi confirmado até pela testemunha inquirida, o sistema de controle estabelecido terá uma rigidez maior para os funcionários menos qualificados na hierarquia das empresas, mas encerrará um relaxamento ou flexibilidade considerável em relação aos colaboradores posicionados no topo daquela, como directores e administradores.

            Por fim, verifica-se ainda que, no caso concreto, às viaturas em causa foi estabelecida expressamente pelo grupo da Requerente, uma afectação, ainda que potencial, ao uso particular.

            Com efeito, verifica-se que do termo de utilização das viaturas de serviço consta que “O veiculo cedido destina-se exclusivamente a ser utilizado ao serviço da empresa, podendo mediante autorização ser utilizado para fins particulares”.

            Deste modo, não se pode deixar de concluir que as viaturas em questão, têm prevista uma utilização para fins particulares. Se tal utilização foi, ou não concretizada, será já de relevância marginal, já que, como se apontou atrás, o juízo em questão se deverá revestir de uma natureza objectiva, abstraindo das intenções e/ou da concreta prática do contribuinte[33], sendo certo ainda que, no caso, não se apurou, sequer, que tal utilização não se haja, de todo, verificado.

Face a todo o exposto, forçoso é julgar que a Requerente não cumpriu o ónus que sobre ela impendia de ilidir a presunção de empresarialidade parcial das despesas em causa, pelo que deve o pedido arbitral improceder.

 

***

 

C. DECISÃO

            Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, manter o acto tributário objecto do presente processo arbitral tributário, e condenar a Requerente nas custas do processo.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 80.576,82, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa 28 de Abril de 2017

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

(Pedro Galego)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Marcolino Pisão Pedreiro)

 



[1] Cfr., por exemplo, o decidido no Ac. do STA de 12-07-2006, proferido no processo 0402/06, disponível em www.dgsi.pt.

[2] Cfr., neste sentido, Carla Castelo Trindade, “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária - Anotado”, Almeida, 2016, pp. 96 e ss.

[3] Cfr., p. ex., decisões dos processos 187/2013-T, 209/2013-T, 246/2013-T, 260/2013-T, 292-2013T, 37/2014-T, 94/2014-T e 242/2014-T.

[4] Exemplos retirados da resposta apresentada pela AT no processo arbitral 242/2014T do CAAD, em termos reiterados em vários outros processos sobre o mesmo tema.

[5] Cfr. Acórdão 197/2016, de 13-04-2016, disponível em: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20160197.html.

[6] Cfr., por exemplo, a tributação autónoma apenas é devida pelos contribuintes que possuam ou devam possuir contabilidade organizada, quer em sede de IRC (artigo 88.º/15 do CIRC actual), quer em sede de IRS (artigo 73.º/2 do CIRS actual), e já não pelos que optem pelo regime simplificado. Naturalmente que se a tributação autónoma fosse estritamente um imposto sobre a despesa, completamente alheio e distinto do impostos sobre o rendimento onde se insere, nada justificaria que os contribuintes empresariais, sujeitos ao regime simplificado, não vissem as suas despesas tributadas autonomamente.

[7] Cfr. os artigos 12.º, 23.º-A/1/a) e 88.º/21, todos do CIRC actual , de onde resulta expressamente que o IRC inclui as tributações autónomas.

[8]É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:(...) i) Criação de impostos” (sublinhado nosso).

[9] Cfr., por todas, a pioneira Lei 101/89, de 29-12, que, no n.º 3 do seu artigo 25.º, autorizou o Governo a “tributar autonomamente em IRS e IRC”, e não a criar um novo imposto, sobre a despesa.

[10] Cfr. por todos a decisão arbitral do processo 94/2014T, disponível em www.caad.org.pt.

[11] Daí a referência a um IRC em sentido estrito/amplo, reflexo da tal dualidade.

[12] Que não no sentido de punição de comportamentos ilícitos.

[13] Incluindo no presente processo. Cfr. artigos 143.º e ss. da resposta.

[14] Não se negando, evidentemente, que, de forma colateral, tem também esse efeito.

[15] Note-se que dificilmente se justificaria, que com base nesta dificuldade de prova, se impedisse a mesma, dizendo-se, no fundo, ao interessado, que como lhe será muito difícil fazer a prova da medida/exclusividade da utilização empresarial, está impedido de a fazer. Não procedem, por isso, as considerações da Requerida, na sua Resposta (cfr. artigos 150.º e ss), relativamente à dificuldade de prova na matéria em questão.

[16] A discricionaridade do processo legislativo licenciaria que o legislador aplicasse o mesmo mecanismo que entendeu adequado para as despesas a favor de sociedades off-shore, a outras despesas, designadamente as aqui em questão.

[17] Também retirado da resposta apresentada no supra-citado processo arbitral 242/2014T do CAAD.

[18] Acórdão 197/2016, de 13-04-2016.

[19] Cfr. artigo 156.º da Resposta.

[20] Embora qualificando-a como de incidência em sentido amplo, tipo de normas que, no entendimento daquele voto estaria arreado do âmbito do artigo 73.º da LGT, entendimento esse que, por falta de suporte legal, não se perfilha.

[21] Cfr., por exemplo, o artigo 89.º-A/4 da LGT (Ac. do STA de 02-05-2012, proferido no processo 0381/12), e o artigo 64.º do CIRC (Ac. do STA de 09-03-2016, proferido no processo 0820/15).

[22] Não colhendo, assim, também aqui, a argumentação da Requerida (cfr. artigos 67.º e ss. da Resposta), segundo a qual, a interpretação que a Requerente faz das normas não encontra o mínimo respaldo na letra da lei, e/ou se estaria a “abrir recurso à equidade, de justificar uma justiça no caso concreto”, já que a lei não se cinge, naturalmente, à norma analisada, mas a todo o sistema jurídico, incluindo especialmente outras normas que sejam aplicáveis.

[23] Artigo 160.º da Resposta.

[24] Esta admissibilidade não será contraditória com o reconhecimento, atrás feito, de que a presunção subjacente ao art.º 88.º/3 do CIRC vigente à data dos factos tributários, assenta num juízo de dificuldade de prova. Com efeito, a circunstância de se lograr num caso concreto uma prova difícil, não significará que a mesma não seja, por regra, difícil, e isto mesmo que no caso concreto tenha sido fácil tal prova. Ou seja, uma excepção não invalida a regra, sendo certo que até pode não ser excepção, por se ter, com ou sem efectiva dificuldade, logrado a prova.

[25] Como era o caso, na situação sub iudice, da previsão do artigo 88.º/3/a), vigente no ano de 2011.

[26] Não se está aqui a sustentar, evidentemente, que as tributações autónomas são optativas. Antes, o que o será (num certo sentido, pelo menos) é a classificação ou não de determinado encargo como dedutível, na medida em que o mesmo pressupõe a sua necessidade para a manutenção da fonte produtora, e tal juízo compete ao sujeito passivo (neste sentido, cfr. p. ex. o Ac. do STA de 30-11-2011, proferido no processo 0107/11, disponível em www.dgsi.pt).

Não se trata aqui, de igual modo, de sugerir que se possam “omitir despesas”. Efectivamente, a contabilização de determinado encargo como não dedutível implica, justamente, a sua relevância na contabilidade, que é, precisamente, o oposto da sua omissão.

[27] Aqui se manifestando, uma vez mais, a extrema dificuldade, senão impossibilidade, de um “teoria geral” das tributações autónomas, derivada da sua diversidade de regimes e fundamentos.

[28] Artigo 170.º da Resposta.

[29] Que, sumariamente, assenta no entendimento num “conceito de indispensabilidade que, afastando-se definitivamente da ideia de causalidade entre os gastos e rendimentos, põe a tónica na relação dos gastos com a actividade prosseguida pelo sujeito passivo, ou seja, considerando que o referido conceito de indispensabilidade se verifica sempre que os gastos sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respectivas actividades.” (Ac. STA, proferido a 04-09-2013, no processo n.º 0164/12, disponível em www.dgsi.pt).

[30] Manifestando-se aqui mais uma distinção em relação ao regime do art.º 23.º do CIRC, onde, por exemplo, os gastos elencados no n.º 2 se devem presumir (não obstante em parte alguma do mesmo ser empregue a expressão “presume-se”, ou equivalente) como empresariais, conforme já defendia o Prof. Teixeira Ribeiro (Comentário ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Outubro de 1985, RLJ n.º3743, p. 39-43.).

[31] Artigos 166.º e ss.

[32] Sendo certo que a mera intenção de incrementar a receita tributária não poderá ser atendível, não só porque, genericamente, aquele incremento não pode ser prosseguido cegamente e a qualquer custo, como, no caso concreto, a própria AT, atrás citada, reconhece que “A razão de ser das tributações autónomas não se encontra no simples arrecadar de mais imposto”.

[33] Ou seja: uma viatura entrgue a um colaborador para seu uso pessoal, terá uma afectação (total ou parcialmente) não empresarial, ainda que tenha estado parqueada e não tenha circulado durante todo o període de tributação.