Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 497/2015-T
Data da decisão: 2016-04-14  Selo  
Valor do pedido: € 76.216,40
Tema: IS - Verba 28 TGIS - Prédio Urbano; Terreno para Construção.
Versão em PDF

 

Acórdão Arbitral

 

 

 

 

Os árbitros Juiz Desembargador Manuel Luis Macaísta Malheiros (árbitro-presidente), Prof.ª Doutora Maria do Rosário Anjos e Dr. Luis Ricardo Farinha Ricardo Sequeira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 20 de outubro de 2015, acordam em proferir o seguinte acórdão:

 

 

I – Relatório

 

1. Em 28 de julho de 2015, o A…(A…), património autónomo com o número de identificação fiscal…, doravante designado “Requerente”, representado pela sua Sociedade Gestora B…, S.A., com sede na Rua…, n.º…, … andar, …-… Lisboa, pediu pronúncia arbitral, nos termos do disposto na alínea a) do número 1 do artigo 2.º, na alínea a) do número 3 do artigo 5.º e na alínea a) do número 1 do artigo 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, tendo em vista a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo (IS), ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo (doravante TGIS) anexa à Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, que aprova ao Código do Imposto do Selo sobre os prédios urbanos, consubstanciados nos documentos de cobrança com os seguintes números e valores: 2015 … = €39.949,30; 2015 … = €19.705,10 e 2015…= €16.562,00, tudo no total de € 76.216,40, bem como a devolução dos montantes de impostos pagos e a pagar durante a pendência dos autos, acrescida de juros indemnizatórios desde as datas dos pagamentos até integral pagamento.

2.   No pedido de pronúncia arbitral o Requerente optou por não designar árbitro;

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 29 de julho de 2015 e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante a Requerida ou AT) na mesma data.

4.   Nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, foram designados árbitros o Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros (Presidente), a Dr.ª Maria do Rosário Anjos e o Dr. Luís Ricardo Farinha Sequeira.

  1. O Tribunal Arbitral ficou constituído a 20 de outubro de 2015, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.
  2. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou a sua resposta no dia 18 de novembro de 2015.

7. O Requerente foi notificado, em 20 de novembro de 2015, do despacho do tribunal que lhe solicitou a apresentação das cadernetas prediais dos prédios sobre que incidiu o imposto a que se refere o pedido de pronúncia.

8.  Em 18 de dezembro de 2015, o Requerente fez presentes ao tribunal as cadernetas prediais, que não foram apresentadas dentro do prazo devido à circunstância de o Requerente ter interpretado o despacho arbitral de forma errada.

9. Nessa mesma data o Requerente juntou comprovativo de ter procedido no mês anterior ao pagamento da 3ª prestação do imposto de selo, no montante de € 13 316,43.

10.  Ainda nessa mesma data o Requerente declarou prescindir da realização da reunião a que se refere o art.º 18º do RJAT, por considerar encontrar-se toda a prova feita documentalmente.

11.  Havendo acordo das partes, por despacho de 29 de dezembro de 2015, o tribunal dispensou a reunião a que alude o número anterior e concedeu prazo às partes para apresentação das respetivas alegações.

12.   Por despacho de 13 de janeiro de 2016 foi fixado o dia 25 de fevereiro para a prolação da decisão.

 

 

II – Posição das Partes

 

1.      O Requerente sustenta, em síntese, o seguinte:

 

1.1.            O Requerente é o único proprietário dos seguintes imóveis:

§  terreno para construção inscrito na matriz predial urbana de ... sob o artigo matricial U-… (Ex-…) da Freguesia … –…e ... (Ex -… –…), Concelho de ... e Distrito do Porto, e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número de registo…;

§  terreno para construção inscrito na matriz predial urbana de ... sob o artigo matricial U-… (Ex-…) da Freguesia … –…e ... (Ex-… –…), Concelho de ... e Distrito do Porto, e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número de registo…;

§  prédio urbano inscrito na matriz predial urbana de Lisboa sob o artigo matricial … (Ex-…), sito na Rua…, nº … a…, no Distrito … – Lisboa, Concelho…– Lisboa e Freguesia … –…, que se encontra na área da competência geográfica do Serviço de Finanças de Lisboa... .

1.2.            Sobre os prédios referidos no número anterior a AT liquidou imposto de selo, aplicando a norma prevista na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, perfazendo o total de IS liquidado de € 76.216,40.

1.3.            Contudo, o Requerente não se conforma com as referidas liquidações, uma vez que considera que a norma de incidência tributária prevista na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva.

1.4.            No que concerne ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana de Lisboa sob o artigo matricial… (Ex-…), da Freguesia…, o Requerente entende que a liquidação de IS sobre o mesmo padece ainda de erro nos pressupostos de facto e direito, porquanto o mesmo não integra o âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS, uma vez que não se encontra afeto a habitação.

1.5.            O Requerente baseia a inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade em três ordens de razão:

a)      Em primeiro lugar, numa perspetiva de igualdade horizontal, porque admite que determinado contribuinte, com património imobiliário que no seu conjunto excede o patamar de 1 milhão de euros “escape” a esta incidência pelo facto de cada prédio individualmente considerado ser inferior a 1 milhão de euros;

b)      Em segundo lugar, igualmente numa perspetiva de igualdade horizontal, pelo facto de apenas onerar proprietários de prédios urbanos ou terrenos para construção com afetação habitacional, deixando de fora os proprietários de prédios urbanos afetos a comércio, serviços ou indústria, ainda que o VPT daqueles prédios seja igualmente superior a 1 milhão de euros;

c)      Finalmente, porque, numa perspetiva de igualdade vertical, onera exclusivamente proprietários de prédios urbanos habitacionais com VPT superior a 1 milhão, deixando de fora  todos os proprietários de imóveis abaixo daquele patamar.

1.6.        Sendo corolário do princípio da igualdade a generalidade e impessoalidade das leis, é certo que o princípio da igualdade não se traduz num tratamento linear de todos os cidadãos, no sentido de que o que verdadeiramente se impõe é um tratamento idêntico de situações idênticas (igualdade horizontal) e um tratamento diferenciado de situações diferenciadas, na medida dessa diferenciação (igualdade vertical). O que se proíbe, por outro lado, é o arbítrio, isto é, qualquer opção de diferenciar deve ser tomada com base em fundamentos objetivos e respeitar a medida, a proporção dessa diferença.

1.7.            No plano fiscal o princípio da igualdade traduz-se, conforme Casalta Nabais[1], na “ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério.

1.8.            Acrescenta o Requerente que o n.º 1 do artigo 103.º da CRP determina que cabe ao sistema fiscal efetuar uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza. E que deste preceito podemos retirar, ainda que implicitamente, o critério geral de tributação que é o da capacidade contributiva: apenas se obtém uma repartição justa se o imposto for repartido na medida da capacidade que cada um mostre para o suportar.

1.9.            Para suporte da sua afirmação invoca o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 142/04, de 10 de Março de 2004, “O Princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de ‘uniformidade’ – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação», entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos – dos ‘impostos fiscais’ mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou ‘capacidade de gastar’ (-) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício) ”.  

1.10.         Conclui defendendo que  a capacidade contributiva surge como pressuposto, como critério e como limite de tributação à luz do nosso sistema fiscal, impedindo, por isso, soluções arbitrárias. Embora, naturalmente  o principio tenha de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal; contudo a validade constitucional de determinada opção fiscal depende ainda da existência de fundamentos razoáveis e objetivos na sua imposição.

1.11.        A questão no caso em apreço será saber se a oneração fiscal imposta aos proprietários de prédios urbanos afetos a habitação e aos proprietários de terrenos para construção corresponde a um tratamento proporcionalmente diferenciador relativamente aos proprietários de prédios urbanos afetos a outras finalidades [maxime, comércio, indústria ou serviços ou outros].

1.12.        Impõe-se ainda discernir se a oneração imposta apenas aos proprietários de prédios urbanos habitacionais ou terrenos para construção com um VPT individualmente considerado superior a 1 Milhão de euros é razoável, atentos os desígnios invocados em sede parlamentar, de obter uma “justa e equitativa distribuição de esforço fiscal”, e que todos contribuam “de acordo com a sua capacidade contributiva”.

1.13.        Ora, o princípio da capacidade contributiva implica, até aos limites da praticabilidade dessa mesma tributação, uma tributação global, i.e., tributação de todos os rendimentos, tributação de todo o património, tributação de todo o consumo. Enfim, todos os meios económicos devem ser empregues no pagamento do imposto.

1.14.        Também a legitimação da verba 28.1 da TGIS à luz do princípio da igualdade e capacidade contributiva impõe que a tributação incida sobre toda a força económica do contribuinte, sobre todo o património imobiliário, e na medida dessa força. Implica, pois, que todo o património imobiliário concorra para aferição dessa capacidade contributiva e que o quantum dessa tributação seja aferido em proporção dessa capacidade, contribuindo simultaneamente “para a igualdade entre os cidadãos”.

1.15.        Admite-se o Requerente que a qualificação do imóvel [tipo / finalidade] possa ser usada na aferição dessa mesma capacidade contributiva. Aliás, já o é necessariamente por força do modelo de avaliação de imóveis vigente. Contudo, até no âmbito da avaliação de imóveis têm uma ponderação superior os imóveis afetos a comércio e serviços.

1.16.        E ainda que se pretendesse afastar a arbitrariedade daquela diferenciação com base no entendimento de que a capacidade contributiva seria revelada pelo facto de o contribuinte deter o prédio urbano para sua habitação própria e permanente (na ótica de “consumo de rendimento”, conforme se defende na Decisão Arbitral n.º 487/2014-T, de 13 de Janeiro de 2015) tal entendimento não é de todo aplicável ao Requerente, que configura uma pessoa coletiva que pela sua natureza não ocupa imóveis para habitação própria permanente.

1.17.        No mesmo contexto, essa ótica de consumo de rendimento, de especial capacidade contributiva revelada pela detenção de uma casa de elevado valor para habitação própria permanente, não pode ser transposta per se ao proprietário de um terreno para construção o qual não habita a casa projetada, nem é certo que a venha habitar. Como de igual modo não se verifica relativamente ao proprietário de um imóvel que o detenha meramente para fins de investimento [arrendamento]. Pelo que não existe uma evidência de uma especial capacidade contributiva na consideração de uns tipos de imóveis e não de outros.

1.18.        Imóveis com idênticos valores patrimoniais tributários revelam idênticas capacidades contributivas, independentemente do uso que esses imóveis tenham, não havendo nenhuma razão que objetivamente justifique a exclusão dos demais tipos de prédios urbanos.

1.19.        Por outro lado, porque apenas considera relevantes para efeitos de tributação os prédios individualmente considerados que tenham um VPT superior a 1 milhão de euros, a verba 28.1 impõe a discriminação de situações patrimonialmente idênticas: se a revelação da disponibilidade de meios económicos surge relativamente ao proprietário que dispõe de um imóvel com esse valor, terá tanta ou maior capacidade contributiva o proprietário que detenha dois ou mais imóveis que no seu conjunto perfaçam esse mesmo valor.

1.20.        Com efeito, e uma vez que essa capacidade contributiva não deixa de ser uma aparência (porque a detenção de património imobiliário não é necessariamente reveladora da existência de rendimento suficiente para suportar o imposto que onera aquele mesmo património imobiliário) mais facilmente consegue suportar o encargo do imposto o proprietário de vários imóveis – que para fazer face a esse encargo poderia alienar um deles – do que aquele que apenas dispõe de um, e que suponha-se, nele habita.

1.21.        Não se vislumbra, consequentemente, uma “conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico – capacidade contributiva - selecionado para objeto do imposto.

1.22.        Invoca depois o Requerente o decidido no Processo Arbitral n.º 218/2013, em de 24 de Fevereiro de 2014.

1.23.        Relativamente ao erro nos pressupostos de facto e de direito da liquidação de Imposto do Selo sobre o prédio urbano com o artigo matricial U-… (Ex-…), entende ainda o Requerente que o mesmo não se encontra sujeito a IS ao abrigo da verba 28.1 uma vez que não é um prédio habitacional conforme previsto na respetiva verba de incidência. De facto, conforme se encontra devidamente descrito na Caderneta Predial Urbana atualizada do prédio urbano em referência, estamos perante um “prédio urbano todo destinado à atividade da proprietária”. Na verdade, no referido prédio encontram-se instalados, seguramente desde a sua aquisição pelo A…, diversos departamentos e serviços do Banco C…, S.A., instituição financeira que encabeça o Grupo D… e promotora do Fundo de Pensões proprietário do prédio urbano em crise.

1.24.        Face ao exposto, atenta a necessária afetação habitacional e o facto de o imóvel em referência não possuir a referida afetação, será inadmissível a liquidação de Imposto do Selo em apreço, impondo-se a declaração da sua ilegalidade.

1.25.        Aliás, junta o Requerente, nem se entende a presente liquidação quando os próprios serviços da AT já reconheceram, no âmbito do processo de Reclamação Graciosa n.º …2013… no qual se discutia a Liquidação de IS ao abrigo da verba 28.1 relativa ao ano de 2012, a existência de “erro de transcrição dos elementos cadastrais ou das inscrições constantes de quaisquer elementos oficiais”, concluindo pela necessidade “de corrigir a afectação do prédio para serviços

1.26.        Acresce que procurando impulsionar a AT a corrigir o erro supra evidenciado, em 22/01/2015 o Requerente apresentou Reclamação da Matriz, visando a correção do erro de transcrição, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 130.º do CIMI.

1.27.        Pedido relativamente ao qual obteve deferimento, conforme Decisão da qual foi notificado por Ofício n.º … de 20/05/2015, com entrada nos serviços do Requerente em 25/05/2015.

1.28.        Adicionalmente, também no âmbito da discussão da legalidade da liquidação de IS / verba 28.1 da TGIS sobre o prédio urbano em apreço, relativa ao exercício de 2013, em que o Recorrente recorreu à via arbitral, se reconheceu, no processo n.º 328/2014-T a ilegalidade da liquidação perpetrada pela AT.

 

 

2.      A Requerida sustenta, em síntese, o seguinte:

 

I – Sobre a falta de razão do Requerente:

 

2.1.            A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro introduziu a verba 28.1. à TGIS e com essa alteração legislativa visou fazer incidir o IS também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a €1.000.000,00.

2.2.            Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afetação habitacional, em sede de IS há que recorrer ao CIMI na procura de uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no n.º 2 do art.º 67.º do CIS na redação dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro. Nos termos da referida disposição legal, às matérias não reguladas no Código, respeitantes à verba 28.1 da TGIS aplica-se subsidiariamente o disposto no CIMI.

2.3.            Ora, de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 6.º do CIMI, os prédios urbanos dividem-se em prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros.

2.4.            Por seu turno a classificação dos prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, está dependente do respetivo licenciamento, ou na sua falta do destino normal para o fim em causa e não da sua afetação (cf. n.º 2 do art.º 6.º do CIMI).

2.5.            Por outro lado, a noção de afetação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação.

2.6.            Conforme resulta da expressão “…valor das edificações autorizadas”, constante do n.º 2 do art. 45.º do CIMI o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afetação previsto no art.º 41.º do CIMI.

2.7.            Para apoio da sua argumentação, a Requerida invoca o Acórdão nº 04950/11, de 14-02-2012, do Tribunal Central Administrativo

2.8.            Assim, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário (VPT) dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afetação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS não pode ser ignorada.

2.9.            Ao contrário do propugnado pela Requerente, a AT entende que o conceito de “prédios com afetação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28.1 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma. Note-se que o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afetação habitacional”, expressão diferente e mais ampla, cujo sentido haverá de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas na alínea a) do n.º 1 do art.º 6.º do CIMI.

2.10.        Sendo certo que a única referência à “afetação” dos prédios urbanos surge no capítulo relativo à determinação do valor patrimonial tributário (VPT) dos prédios urbanos - cf. art.º 37.º a 46.º do CIMI -, resultando do artigo 38.º do CIMI que o VPT dos prédios urbanos para habitação é determinado pela aplicação de uma fórmula que integra diversos fatores, sendo um deles o coeficiente de afetação.

2.11.        No que aos terrenos para construção diz respeito, o VPT corresponde, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 45.º do CIMI, ao «somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.». Esclarecendo o n.º 2 deste preceito que o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

2.12.        Deste modo, resulta claro que na avaliação do terreno para construção, atende-se necessariamente à área a construir autorizada e à utilização a ser dada a essa construção, ou seja, às características do prédio urbano que nele se vai construir.

2.13.        Em consonância, resultando clara a aplicação do coeficiente de afetação para efeitos de apuramento do VPT dos terrenos para construção, é sintomático que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS (na redação anterior) não pode ser ignorada.

2.14.        A legislação urbanística, chamada à colação pelo Requerente não tem, para efeitos de determinação do conceito de prédio urbano com afetação habitacional, qualquer aplicação, porquanto a classificação fiscal dos prédios urbanos não está vinculada ao respetivo licenciamento. Um prédio licenciado ou destinado a habitação não é o mesmo que um prédio com afetação habitacional.

2.15.        Não se podendo ignorar que o alvará de licença para a realização de operações urbanísticas deverá conter, entre outros elementos, o número de lotes e a indicação da área de localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos de número de fogos de cada um dos lotes, com especificação dos fogos destinados a habitações a custos controlados, quando previstos, nos termos da alínea a) do art.º 77.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE).

2.16.        E ainda que o art.º 77.º do RJUE contenha especificações obrigatórias, desde logo para os alvarás de operação de loteamento ou obras de urbanização, e para as obras de construção, também os Planos Diretores Municipais estabelecem a estratégia de desenvolvimento municipal, a política municipal de ordenamento do território e de urbanismo e as demais políticas urbanas. Integra e articula as orientações estabelecidas pelos instrumentos de gestão territorial de âmbito nacional e regional e estabelece o modelo de organização espacial do território municipal.

2.17.        Por quanto referiu, defende a Requerida  que muito antes da efetiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afetação do terreno para construção.

2.18.        Mais refere a Requerida, que as taxas progressivas de IMT previstas nas alíneas a) e b) do art.º 17.º do CIMT aplicam-se às aquisições de prédios urbanos destinados a habitação própria permanente e a habitação e não a prédios com afetação habitacional.

2.19.        Para além disso, nenhuma dúvida poderá colocar-se relativamente a 2014, porquanto, com a Lei n.º 83-C/2013 de 31-12-2013, foi alterada a letra daquele dispositivo passando a incluir expressamente os terrenos para construção como elemento objetivo de incidência da norma, pelo que falece necessariamente qualquer tentativa de chamar à colação qualquer questão interpretativa da letra da Lei.

 

II – Sobre a alegada inconstitucionalidade da verba 28.1:

 

2.20.        O princípio da igualdade, tal como emerge do art. 13.° da CRP, implica que Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. Por outro lado, o art.º 104º, n.º 3, também da CRP, determina que A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos.

2.21.        Porém no que respeita ao n.º 3 do art.º 104.º da CRP previne a doutrina que o princípio da igualdade, no que concerne ao património tem que ser interpretado com alguma parcimónia, no sentido que  não envolve um particular e autónomo conteúdo jurídico do princípio da igualdade no âmbito da tributação sobre o património. Para justificar esta posição a AT cita alguma doutrina, nomeadamente Américo Brás Carlos e Xavier de Basto e José Casalta Nabais.

2.22.        Em termos jurisprudenciais, a Requerida cita o Acórdão do Tribunal Constitucional  n.º 197/2013, de 9 de Abril, e afirma que as decisões mais recentes do Tribunal Constitucional, na vertente que aqui nos interessa, assinalam corretamente que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, i.e., as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante. Neste sentido o princípio da igualdade concretiza-se e possui diversas dimensões, como sejam (i) a proibição do arbítrio, (ii) a proibição da discriminação e (iii) a obrigação de diferenciação.

2.23.        Considera que a Requerente suscita a violação do princípio da igualdade perante a lei fiscal apenas na dimensão da proibição de diferenciação em situações iguais e que, a propósito desta dimensão se pronunciou o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 563/96, de 16 de maio, em que foi dito, nomeadamente, que O princípio não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, "razoável, racional e objectivamente fundadas", sob pena de, assim não sucedendo, "estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes", no ponderar do citado acórdão nº 335/94. Ponto é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada (o que importa é que não se discrimine para discriminar, diz-nos J.C. Vieira de Andrade - Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, pág. 299).

2.24.        Reforça ainda a sua posição com a citação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 187/2013, de 5 de abril: só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que dela resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, perceptíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem”, bem como que este princípio, na sua dimensão de proibição do arbítrio, constitui um critério essencialmente negativo (...) que, não eliminando a "liberdade de conformação legislativa" - entendida como a liberdade que ao legislador pertence de "definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente" -, comete aos tribunais não a faculdade de se substituírem ao legislador, "ponderando a situação como se estivessem no lugar dele e impondo a sua própria ideia do que seria, no caso, a solução razoável, justa e oportuna (do que seria a solução ideal do caso)", mas sim a de "afastar aquelas soluções legais de todo o ponto insuscetíveis de se credenciarem racionalmente.

2.25.        Para concluir que a verba 28 é uma norma conforme à Constituição da República Portuguesa. Incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00 ou seja, incide sobre o valor do imóvel. O legislador definiu um pressuposto económico, constitucionalmente válido, como manifestação da capacidade contributiva (cujos destinatários têm efetivamente uma especial capacidade contributiva em face do critério adotado) exigida para o pagamento deste imposto.

2.26.        É, inequivocamente, uma norma de caráter geral e abstrato, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se preencham os respetivos pressupostos de facto e de direito. o facto de o legislador estabelecer um valor (€1.000.000,00) como critério delimitativo da incidência do imposto, abaixo do qual não se preenche a previsão da norma tributária, constitui uma legítima escolha do legislador quanto à fixação do âmbito material dos “imóveis habitacionais de luxo” que se pretende tributar de modo mais gravoso, até porque qualquer outro valor de grandeza análoga assumiria, do mesmo modo, um carácter artificial que é conatural a qualquer fixação quantitativa de um nível ou limite.

2.27.        A diferente valoração e tributação de um imóvel com afetação habitacional face a um imóvel destinado a comércio, indústria ou serviços, ou até a um prédio rústico, resulta da diferente aptidão dos imóveis em causa (habitação/serviços/comércio/indústria/atividade agrícola), a qual sustenta o diferente tratamento dado pelo legislador que, por razões económicas e sociais, decidiu, no âmbito da sua liberdade conformadora, afastar da incidência do imposto os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais.

2.28.        Defende a Requerida ser essencial, para avaliar da constitucionalidade da verba 28.1 TGIS, verificar o contexto histórico e cronológico em que a mesma surgiu, que foi num contexto excecional e de evidentes dificuldades que o País, em especial as contas públicas, enfrentavam no decorrer do cumprimento do programa de ajustamento a que a República Portuguesa se obrigou e que teve como documento orientador o Memorando de Entendimento Sobre as Condicionalidades de Política Económica, de 17 de maio de 2011. Não podemos, de todo, ignorar que o ano de 2012 ficou marcado como um ano particularmente gravoso em termos de medidas de contenção orçamental, visando os titulares de rendimento do trabalho, o que esteve indubitavelmente na origem não só da criação da Verba 28.1 TGIS, como da previsão de um facto tributário adicional, como forma de repartição equitativa dos sacrifícios. Contexto que obrigou a medidas extraordinárias de arrecadação de mais receita fiscal e, onde, o legislador, sem que aqui se deva discutir sobre bondade da medida legislativa e do seu alcance, mas tão só a sua manifesta conformação constitucional, decidiu chamar ao esforço coletivo franjas da sociedade que antes estavam ao largo do espectro fiscal.

2.29.        Para apoio da sua posição, a Requerida cita a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 96/XII (2ª), as declarações do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais aquando da discussão na generalidade desta proposta, bem como o Relatório que acompanhou a Proposta de Orçamento de Estado para 2013, de onde diz poder concluir-se que era a intenção, inequívoca, do legislador integrar no esforço coletivo de combate ao défice orçamental e de cumprimento do programa de ajustamento, os setores da sociedade portuguesa que revelassem riqueza através da titularidade de imóveis cujo valor patrimonial tributário fosse igual ou superior a €1.000.000, abrangendo assim equitativamente um conjunto alargado de setores da sociedade portuguesa, que revelassem riqueza através da titularidade de imóveis cujo valor patrimonial tributário fosse igual ou superior a € 1.000.000,00.

2.30.        Para o legislador, a verba 28.1 da TGIS visava, reequilibrar a repartição dos sacrifícios, de modo a que estes não incidissem apenas sobre «aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho» (o que, evidentemente, tinha em mente as medidas concretizadas em sede de IRS quanto à alteração da estrutura de taxas e de escalões do IRS, à sobretaxa de 3,5%, e à taxa adicional de solidariedade). A tributação em sede de imposto de selo está sujeita ao critério de adequação, na exata medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade dos imóveis com afetação habitacional de elevado valor e surge num contexto de crise económica que não pode ser ignorado.

2.31.        No concernente a uma diferença de situações entre a titularidade de património imobiliário “concentrado” (um só prédio com valor de €1.000.000) ou de património imobiliário “disperso” (vários prédios cujo valor total perfaz €1.000.000) tem imediatamente que se notar que a medida consagrada com a verba 28.1 da TGIS é, na sua essência própria, inteiramente alheia a qualquer ponderação ou avaliação global do património imobiliário do contribuinte. Pretendeu-se, pois, configurar uma tributação que incidisse, de modo específico, sobre componentes prediais individuais do património do contribuinte que se reputassem de luxo (não sobre o próprio património globalmente considerado), por se entender que a titularidade de tais bens imobiliários habitacionais de elevado valor refletia uma capacidade contributiva acrescida suscetível de explicar a contribuição reforçada dos respetivos titulares para o esforço comum de consolidação orçamental. a realidade fáctico-jurídica selecionada pelo legislador para constituir a base da incidência do imposto é o prédio em si considerado, em atenção à sua afetação e ao seu valor patrimonial tributário, não o património predial global dos sujeitos passivos.

2.32.        A Requerida afirma que a sua posição contida no número anterior resulta desde logo:

i.                    da referência dessa verba 28.1 TGIS a “por prédio com afetação habitacional’’;

ii.                  evidencia-se ainda pelo disposto no n.º 7 do art.º 23.º do CIS que estabelece que o “imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral’’ “é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira’’;

iii.                confirma-se, por fim, com a remissão, determinada pelo n.º 2 do art.º 67.º do CIS, para o disposto no CIMI, sabido que o “imposto municipal sobre imóveis (IMI) incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português’’ (cf. art.º. 1.º e art.º 2.° do CIMI) e que “o imposto é devido pelo proprietário do prédio’’ (art.º 8.º, n.º 1 do CIMI, sem prejuízo do disposto no n.º 2 quanto ao usufrutuário e superficiário).

2.33.        No que respeita a prédios com afetação diversa da habitacional, sobre os quais não incide a verba 28.1,  a Requerida defende que o o CIS enuncia no seu art. 6.º, n.º 1 como "espécies de prédios urbanos’’ os prédios: a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção;d) Outros’, diferenciando, pois, inteiramente, como categorias autónomas, por um lado, os edifícios ou construções habitacionais e, por outro lado, os edifícios ou construções comerciais, industriais ou para serviços, bem como os terrenos para construção e a espécie indeterminada dos "outros”, diferença essa que se manifesta nas diferentes regulações objeto dos n.ºs 1, 2, 3 e 5 do art.º 40.º-A e dos arts. 41.º e 45.º do CIMI. Pelo que, ao contrário do que pretende a Requerente não se pode sequer admitir que essas situações devam ser objeto da mesma espécie de regulação, sendo certo que se diferenciam em substância, pelo que é imperativo tratar de maneira desigual aquilo que não é igual, dando cabal cumprimento ao dispositivo constitucional da igualdade.

2.34.        Considera também que a não inclusão dos prédios comerciais, industriais ou para serviços, é intuitiva em face das circunstâncias históricas, políticas, sociais e económica que envolveram a criação da verba 28.1, pois que sendo consabido e público que a reanimação da atividade económica e o aumento das exportações são as portas de saída para a crise, compreende-se que não se tomassem legislativamente medidas que dificultassem a atividade económica, designadamente o agravamento da carga fiscal que a dificulta e afeta a competitividade em termos internacionais. Constitui um legítimo critério de diferenciação racional e lógico, em nada violador dos ditames constitucionais, que impõe a limitação de incidência da tributação em causa aos prédios habitacionais de luxo ou com afetação habitacional, com exclusão e em detrimento dos prédios com afetações estritamente económicas.

2.35.        Ainda segundo a AT, é, pois, inquestionável que não constitui solução absolutamente desrazoável que, no contexto conjuntural particular de uma grave crise económica e financeira, de desequilíbrio orçamental e de degradação das finanças públicas, se faça incidir um esforço tributário adicional sobre os proprietários de prédios habitacionais de luxo, sem abranger igualmente os proprietários de prédios com afetações não habitacionais, que se encontram destinados ao desenvolvimento de atividades económicas, acrescendo que, que o princípio da igualdade, na sua sub-dimensão do princípio da proporcionalidade, impõe a verificação pelo julgador de que as soluções legislativas não se mostrem indubitavelmente, gritantemente, absolutamente desrazoáveis, tendo como

pressuposto uma diferenciação que se impõe.

2.36.        Não há que confundir esta dimensão de proporcionalidade do princípio da igualdade com a clássica separação entre tributação proporcional e tributação progressiva, nada impedindo a nível constitucional que a tributação patrimonial em causa assente numa taxa ad valorem proporcional (cf. o art.º 104.º, n.º 3 da CRP). Lapidarmente, decorre indiscutivelmente que, se a afetação do imóvel e a respetiva função social são diferentes, pode – e deve- a situação ser tratada de forma diferente, como aliás, impõe o próprio princípio da igualdade. Desta forma, como o tratamento diferenciado encontra justificação material bastante, mostra-se respeitado o princípio da igualdade, quer per si, quer na sua dimensão da igualdade proporcional.

2.37.        Importa, ainda, referir que a tributação em sede de imposto do selo obedece ao critério da adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afetação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis, fenecendo qualquer inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade ou da capacidade contributiva. A medida implementada procura buscar um máximo de eficácia quanto ao objetivo a atingir, com o mínimo de lesão para outros interesses públicos que não se consubstanciam em qualquer arbitrariedade da distinção feita pela Verba 28.1 em função da afetação habitacional dos prédios.

2.38.        Segundo a Requerida, a referida verba é uma opção legítima, legal e constitucional do legislador, como decorre do recentíssimo Acórdão de 11 de Novembro de 2015 pelo Tribunal Constitucional, no âmbito do processo n.º 542/14, que já se referindo às  alterações introduzidas pela Lei n.º 83-C/20123 de 31 de Dezembro decidiu: «(…) Não julgar inconstitucional a norma da verba 28. e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/20121, de 29 de outubro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00»

 

III – Saneamento

1.      O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.

2.      As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são  legítimas e encontram-se regularmente representadas, em conformidade com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

3.      Não foram invocadas nem identificadas nulidades no processo.

4.      A Requerente suscitou uma questão prévia, alegando a inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS..

5.      Na pendência dos presentes autos, através de requerimento apresentado pela Requerente, adveio ao conhecimento deste tribunal arbitral coletivo que a Autoridade Tributária procedeu à emissão de liquidação referente ao ano de 2014, de Imposto do Selo, Verba 28.1 da TGIS, através do documento 2015…, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana de Lisboa sob o artigo matricial …da freguesia de…, com um valor a pagar de € 0,0, a qual foi recebida pela Requerente em 20 de Outubro de 2015.

6.      A Autoridade Tributária procedeu ao estorno dos valores pagos pela Requerente relativamente à 1ª e 2ª prestações do Imposto do Selo de 2014, Verba 28.1. da TGIS - € 11.041,34 - relativa ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana de Lisboa sob o artigo matricial … da freguesia de…, a qual foi recebida pela Requerente em 22 de Outubro de 2015.

7.      O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado eletronicamente em 28.07.2015.

8.      Um dos pedidos formulados pela Requerente tem por objeto a liquidação relativa a Imposto de Selo de 2014, Verba 28.1. da TGIS, que recaiu sobre artigo … da freguesia de…, sobre a qual aquela peticionou a anulação do respetivo ato tributário.

9.      Ora, a instância extingue-se por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 277º al. e) do C. P. Civil, quando uma ocorrência processual torna a instância desnecessária.

10.  Conforme anota José Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, Volume 1, a pág. 512 “A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litigio deixa de interessar - além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui; por ele já ter sido atingido por outro meio”.

11.  No caso vertente, a anulação da liquidação de Imposto do Selo de 2014 sobre o artigo … da freguesia de … levada a efeito pela Autoridade Tributária (em momento posterior à dedução do presente pedido de pronúncia arbitral) configura a extinção do versado ato tributário e assim mesmo, significa o seu desaparecimento da ordem jurídico-tributária, razão pela qual a sindicância arbitral sobre a ilegalidade da referida liquidação de imposto perdeu o seu objeto em virtude da sua entretanto anulação oficiosa.

12.  Radica assim do exposto, que não vigorando já na ordem jurídico-tributária tal ato tributário, não só tal pretensão anulatória perdeu o seu objeto, como igualmente o seu conhecimento por este tribunal se encontra necessariamente prejudicado, sendo que o resultado pretendido e peticionado pela Requerente se encontra já alcançado.

13.  Destarte, ante o vindo de expor, impõe-se reconhecer a existência de exceção dilatória por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, nos termos da al. e) do artigo 277ºdo CPC e, em consequência, abster-se este tribunal de conhecer de tal pedido referente à anulação do Imposto de Selo de 2014 que recaiu sobre o artigo … da freguesia de…, julgando extinta a instância e absolvendo-se a Requerida da instância nos termos do artigo 278º do referido compêndio legal.

 

IV – Fundamentação

1.      Matéria de facto

O Tribunal considera provados os seguintes factos:

1.1.            O Requerente é o único proprietário dos seguintes imóveis:

§  terreno para construção inscrito na matriz predial urbana de ... sob o artigo matricial U-… (Ex-…) da Freguesia … –…e ... (Ex -… –…), Concelho de ... e Distrito do Porto, e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número de registo…;

§  terreno para construção inscrito na matriz predial urbana de ... sob o artigo matricial U-… (Ex-…) da Freguesia … – Mafamude e ... (Ex-… –…), Concelho de ... e Distrito do Porto, e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número de registo…;

1.2.            A AT liquidou imposto de selo, relativo ao ano de 2014, aplicando a norma prevista na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, perfazendo o total de Imposto do Selo liquidado de € 76.216,40.

1.3.            A Requerente foi notificada para o pagamento das liquidações de Imposto do Selo identificadas pelos documentos 2015 …e 2015… .

1.4.            O Requerente apresentou reclamação graciosa n.º …2013…, a qual foi parcialmente deferida, provendo a correção da afetação do imóvel de Habitação para Serviços, tendo em 22/01/2015 apresentado junto do Serviço de Finanças de Lisboa…, reclamação da matriz com fundamento em “Erro de transcrição dos elementos cadastrais ou das inscrições constantes de quaisquer elementos oficiais, nos termos do artigo 130.º do CIMI”- a qual veio a ser instruída sob o n.º … …/2015 – merecendo despacho concordante de 20/03/2015, promovendo-se a elaboração de declaração Modelo 1 oficiosa com a sua correta afetação.

 

 

 

2.      Matéria de direito

Fixada a matéria de facto, importa conhecer das questões de direito em discussão nos presentes autos, correspondendo, em síntese, às questões suscitadas pela Requerente no presente pedido arbitral.

Questões essas que passam por aferir da aventada desconformidade constitucionalidade da norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS, à luz do princípio constitucional da igualdade tributária e capacidade contributiva, que recaiu sobre os dois terrenos para construção de que a Requerente é titular.

Atentemos, antes de mais, na sucessão de redações que a Verba 28.1. TGIS já conheceu, não obstante a sua ainda curta vigência.

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, efetuou várias alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28, com a seguinte redação:

 

            “28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1 %;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5 %. “

 

Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras atinentes à liquidação do imposto previsto naquela verba:

 

1 – Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral:

a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro de 2012;

b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;

d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efectuada até ao final do mês de Novembro de 2012;

e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de Dezembro de 2012;

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afectação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

ii) Prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;

iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.

2 – Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efectuar nesse ano.

3 – A não entrega, total ou parcial, no prazo indicado, das quantias liquidadas a título de imposto do selo constitui infracção tributária, punida nos termos da lei.”

 

Utilizou-se na referida verba 28.1 e nas subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária, nestes precisos termos, que é o de “prédio com afectação habitacional”.

Designadamente no CIMI, que em várias normas do Código do Imposto do Selo introduzidas por aquela Lei é indicado como diploma de aplicação subsidiária relativamente ao tributo previstos na referida verba n.º 28 [artigos 2.º, n.º 4, 3.º, n.º 3, alínea u), 5.º, alínea u), 23.º, n.º 7, e 46.º e 67.º do CIS], não é utilizado um conceito com aquela designação.

A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, a qual veio a entrar em vigor em 1 de janeiro de 2014, alterou a redação daquela norma (verba n.º 28.1), conferindo-lhe a seguinte redação:

 

“ 28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1 %

 

No caso dos autos, está-se perante liquidações de Imposto do Selo referente ao ano de 2014, cujos períodos de pagamento tiveram lugar em 2015, através de três prestações, vencidas em Abril, Julho e Novembro.

Considerando a aplicação do princípio do tempus regit actum, segundo a qual a se deverá aplicar ao facto (in casu, tributário) o diploma legal que à data daquele se encontra vigente, não poderá a resolução deste litígio deixar de obedecer à redação legislativa vigente, ou seja, à lei em vigor em 2014.

 

Tal redação da norma legal trazida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, trouxe, entre outras alterações à base da incidência do Imposto do Selo, a expressa previsão dos terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja para habitação.

Assim o conceito de prédio para efeitos de incidência do imposto de selo está, agora, mais de acordo com o conceito de prédio consagrado no CIMI.

 

No domínio do Código do IMI, enumeram-se as espécies de prédios nos seus artigos 3.º a 6.º nos seguintes termos:

 

Artigo 2.º

Conceito de prédio

“1 – Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

2 – Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

3 – Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4 – Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.

Artigo 3.º

Prédios rústicos

1 – São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:

a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);

b) Não tendo a afectação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.

2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação.

3 – São ainda prédios rústicos:

a) Os edifícios e construções directamente afectos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;

b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º

4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.

 

Artigo 4.º

Prédios urbanos

Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.

 

Artigo 5.º

Prédios mistos

1 – Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.

2 – Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.

Artigo 6.º

Espécies de prédios urbanos

 

1 – Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos. (Redacção da Lei n.º 64-A/08, de 31-12)

4 – Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.”

Concatenados os normativos vindos de citar e a letra da lei atualmente em vigor, ou seja, a redação da verba 28.1 da TGIS introduzida pela Lei 83-C/2013 de 31 de dezembro (LOE para 2014), o conceito de prédio contido na norma de incidência do imposto abrange, sem margem para hesitações, os terrenos para construção, cuja edificação autorizada ou prevista seja para construção de habitação.

Conclusão essa que não se extraía da versão anterior – aplicável até 2013 - como, de resto, resulta objetivamente não só de inúmeras decisões arbitrais, como igualmente da jurisprudência dos nossos tribunais superiores.

Sucede que a redação em vigor a partir de 2014 e ainda vigente na presente data relativamente à Verba 28.1 da TGIS é inequívoca no sentido de fazer incluir no âmbito de sujeição a tal verba da tabela de Imposto do Selo, os terrenos para construção, desde que autorizados ou licenciados para construção de habitação.

Ora, nessa matéria a Requerente não se afigura dissentir, nada arguindo relativamente à eventual não incidência sobre tal espécie de prédios urbanos.

Nesta conformidade, a questão da incidência ou não de Imposto do Selo sobre os terrenos para construção afigura-se presentemente pacificada, porquanto da letra da lei resulta claramente prevista a incidência da Verba 28.1. da TGIS relativamente aos terrenos para construção com edificação autorizada ou prevista seja para a construção de habitação.

Não obstante, argui a Requerente questões atinentes à desconformidade de tal norma com a Constituição, imputando àquela a violação do artigo 13º - Princípio da Igualdade – e dos artigos 103º e 104º - Princípio da Capacidade Contributiva.

Face à fundamentação vertida no pedido de pronúncia arbitral em apreço, importa apurar se subsistirá alguma razão de natureza constitucional que imponha a sua não aplicação ao caso concreto.

Estando como está, o Tribunal Arbitral vinculado à lei, deve esta ser interpretada em conformidade com as regras de interpretação e aplicação da norma jurídica e em conformidade com a Constituição.

 

Sendo que, estabelece o artigo 11.º da Lei Geral Tributária as regras essenciais da interpretação das leis tributárias nos seguintes termos:

Artigo 11.º

Interpretação

“1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.”

 

Por outro lado, os princípios gerais da interpretação das leis, para o qual remete o n.º 1 do artigo 11.º da LGT, são estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil, que prevê o seguinte:

Artigo 9.º

Interpretação da lei

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

Tendo como referencial os princípios decorrentes das normas supra citadas, cumpre apreciar a sua aplicação ao caso concreto, atendendo aos princípios constitucionais alegadamente violados - artigos 13º, 103º e 104º da CRP - pela norma de incidência constante da Verba 28.1. da TGIS.

A grande alteração introduzida pelo legislador com a LOE para 2014 consistiu na alteração do conceito de referência para incidência do imposto, o qual deixou de ser o de “prédio com afetação habitacional”, tendo o legislador alterado e alargado o âmbito da incidência aos prédios habitacionais ou terrenos para construção, desde que, a edificação autorizada ou prevista seja para habitação, nos termos do disposto no CIMI.

Tal norma afigura-se clara e não permite qualquer dúvida sobre os propósitos do legislador incluir os terrenos para construção cuja edificação se destine a habitação no âmbito de incidência do imposto. Neste sentido, o prédio em causa nos presentes autos cumpre as condições legais para a sua qualificação como objeto de incidência de imposto.

É certo que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas o aplicador da norma jurídica não pode alcançar uma interpretação que se afaste ou mesmo contrarie o que claramente resulta daquela. Deve reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, de modo a alcançar a “ratio legis”, o sentido e alcance da norma, caso esta suscite dúvidas sobre o pensamento do legislador.

O legislador foi claro na intenção de introduzir no âmbito de incidência da norma contida na verba 28.1 da TGIS os terrenos para construção, se a edificação prevista ou autorizada for a habitação. As razões de política fiscal, subjacentes a este normativo, podem ser criticáveis mas afiguram-se claras, partindo do ponto de partida expresso nos trabalhos preparatórios, os quais apontam no sentido de tributar os prédios de maior valor patrimonial, destinados a habitação (construída ou a construir) de “luxo”. Isso mesmo explica o valor elevado a que o legislador recorreu como critério quantitativo a partir do qual se verifica a incidência do imposto.

Mas, alega a Requerente que a norma em causa, tal como resulta da atual versão, viola princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, devendo, por isso, não ser aplicada e as liquidações de imposto, anuladas.

A introdução na ordem jurídica tributária da presente Verba 28.1 da TGIS teve por fator relevante a manifestação de capacidade contributiva relativa a prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção aptos a tal finalidade habitacional, de elevado valor, mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir Imposto do Selo.

Pretendeu assim o legislador introduzir um mecanismo de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície sobre todo e qualquer prédio habitacional ou terreno para construção ato por via de autorização/previsão para tal finalidade habitacional, tendo o critério legislativo feito aplicar tal Imposto do Selo sobre as supra versadas espécies de prédios urbanos, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00.

Tal conclusão pode retirar-se da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de outubro de 2012.

A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir Imposto do Selo, por via da Verba 28.1. da TGIS.

Subsequentemente e porventura face às diversas decisões jurisprudenciais no sentido de não considerarem no âmbito da previsão da norma de incidência os terrenos para construção, o legislador veio alterar a redação a tal Verba 281. da TGIS, incluindo os terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja para habitação, tendo-o feito, como já supra referimos de forma interpretativamente inequívoca e isenta de dúvidas quanto ao seu alcance.

Desta forma, parece claro que o legislador entendeu que este valor (um milhão de euros ou superior, nos prédios urbanos de fito habitacional), traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.

Mas não menos evidente, traduz uma linha de opção legislativa que pretendeu onerar concretamente os prédios urbanos de fito habitacional.

Note-se que, o valor patrimonial tributário é, desde a reforma da tributação sobre o património levada a efeito em 2003, mensurada com base em elementos objetivos, como sejam a área, a localização, entre outros.

O que significa afirmar que e independentemente das considerações ideológicas que sobre tal opção política se possam efetuar, o legislador teve um objetivo concreto e definido: sujeitar a tributação em Imposto do Selo os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor, o que na prática se traduziu na fixação de um patamar mensurável através do VPT: valor igual ou superior a € 1.000.000,00.

E é radicando desta constatação que se deve apreciar a questão relativa à violação do princípio da igualdade na sua vertente material referente à capacidade contributiva.

Como vem sendo uniformemente assente quer pela doutrina, quer pela jurisprudência (do próprio Tribunal Constitucional), o princípio da igualdade implica que se dê tratamento desigual àquilo que não é igual.

A este respeito, pronunciou-se o Tribunal Central Administrativo Sul, em acórdão de 14.11.2013, no âmbito do processo 6971/13, segundo o qual:

“O princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional português, encontrando consagração genérica no artº.13, da C.R.P.

As decisões mais recentes do Tribunal Constitucional,  na vertente que aqui nos interessa, assinalam corretamente que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.341; Ac. Tribunal Constitucional 232/2003, de 13/5/2003; Ac. Tribunal Constitucional 45/2010, de 3/2/2010).”

Ora, ressalvado o devido respeito pelo raciocínio trilhado pela Requerente, esta, no exemplo por si formulado, parte de um pressuposto de igualdade na comparação efetuada relativamente a quem possa ser titular de dez prédios urbanos habitacionais com um valor somado igual ou superior a € 1.000.000,00, que efetivamente não se encontra preenchido.

Isto porque, na formulação hipotética comparativa, não se está sequer perante a titularidade, seja a título de propriedade, usufruto ou direito de superfície de um único prédio urbano habitacional cujo VPT iguale ou ultrapasse € 1.000.000,00.

O que inquina ab initio qualquer juízo de comparabilidade com base na igualdade, tal como o exercício efetuado pela Requerente.

Sendo que, ademais, como supra se expôs, o intuito legislativo se afigura claro no sentido de fazer recair sobre uma realidade imobiliária habitacional de valor elevado, ainda que potencial como no caso dos terrenos para construção, um esforço adicional em matéria de tributação na consecução dos objetivos do sistema fiscal, na conjuntura desfavorável económica que o País atravessa.

 E para aferir de tal valor elevado, o legislador muniu-se de um critério objetivo: prédio urbano habitacional e terreno para construção com autorização ou previsão de tal finalidade, de valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00.

Sendo que e aqui não menos relevante, a fixação de tal VPT é efetuado com base em elementos objetivos que influenciam o valor dos prédios (vide artigo 45º e n.º 3 do artigo 42º, ambos do CIMI) e ainda tendo em consideração fatores majorativos e minorativos (como sejam os constantes das tabelas do artigo 43º do CIMI, no caso dos prédios urbanos habitacionais) previstos na lei, os quais resultam não só de aplicação geral como uniformes e que permitem, com um grau de confiança elevada, afastar qualquer apreciação de índole subjetiva na avaliação do prédio em questão. 

No entanto e não perdendo de vista a hipótese equacionada pela Requerente e usada para dar lastro ao seu raciocínio comparativo e conclusão, até porque a tónica da violação do princípio da igualdade se encontra colocada na vertente da capacidade contributiva, não se poderá deixar de se observar que sobre um mesmo quantum recai muitas vezes um nível distinto de tributação em função da natureza ou da forma subjacente à sua origem, sem que tal signifique, necessariamente, qualquer violação do princípio da igualdade, em qualquer uma das suas vertentes.

O mesmo se passando, de resto, com impostos sobre o património, como é o caso do IMT, em que a aquisição de prédio urbano destinado a habitação própria e permanente, em função do maior ou menor valor patrimonial tributário daquele, está sujeita a uma maior ou menor (podendo mesmo ser nula) taxa efetiva de IMT, em função do maior ou menor VPT do prédio objeto de transmissão.

Regressando à comparação erigida pela Requerente enquanto aparente demonstração da violação do princípio da igualdade, na sua vertente da capacidade contributiva, não pode deixar de se referir que a capacidade contributiva de alguém que adquire onerosamente um prédio urbano habitacional com um VPT de € 1.000.000,00 não é necessariamente idêntica à do contribuinte que adquire dez prédios urbanos habitacionais com um VPT de € 100.000,00.

Desde logo, pelo encargo financeiro relevante que decorre da componente fiscal que tal ou tais aquisições (respetivamente) importam ao nível de IMT (exemplo de aquisição onerosa).

Isto é, enquanto a aquisição de cada um dos 10 prédios urbanos habitacionais com VPT de € 100.000,00 importaria a sujeição a uma taxa de IMT inferior a 1% desse mesmo VPT, já no caso da aquisição onerosa de um prédio com um VPT de € 1.000.000,00 a taxa efetiva de IMT seria exponencialmente superior à taxa dos prédios com VPT de € 100.000,00.

De onde, a comparação que vem servindo de base à argumentação da Requerente não conduz, como decorre do exemplo supra, a uma conclusão segundo a qual a capacidade contributiva terá de ser, necessariamente, idêntica em ambas as situações.

Concluímos e secundamos, na esteira do que o faz Sérgio Vasques, in Capacidade Contributiva, Rendimento e Patrimônio, publicada na Revista Fórum de Direito Tributário, de Set./Out. de 2004, página 27, segundo o qual: ”Na verdade, um imposto não se pode dizer em correspondência com o princípio da capacidade contributiva simplesmente por incidir sobre a riqueza mas apenas quando incida sobre a riqueza de modo determinado. 

De que modo? De um modo que reflita a força econômica geral do contribuinte, os recursos da sua vida pessoal e familiar lhe deixa disponíveis para o pagamento do imposto. O imposto só deve começar onde comece esta força econômica, operando a capacidade como pressuposto da tributação, e deve terminar aí onde termine também, servindo, então a capacidade contributiva de limite ao imposto.”

Ora, não se afigura absolutamente indiferente ser proprietário (usufrutuário ou titular de direito de superfície) de um prédio urbano com um VPT de € 1.000.000,00 ou de dez prédios com um VPT de € 1000.000,00 cada.

E desta questão radica, na nossa perspetiva, um pressuposto não validável a que recorre o raciocínio expendido pela Requerente, o qual decorre do facto de parecer fazer centrar a Verba 28.1. da TGIS no sentido de através desta se pretender tributar a globalidade de todo um património imobiliário na titularidade de um mesmo contribuinte, quando, na verdade, não se afigura ser esse o objeto de tal verba da TGIS, muito menos o objetivo legislativo que lhe está subjacente.

É que, salvo o devido respeito por entendimento diverso, a verba 28.1.da TGIS não pretende fazer recair uma tributação geral sobre todo o acervo patrimonial imobiliário de cada um dos contribuintes, porque a ser assim, desde logo a redação do preceito teria de ser diametralmente distinta.

Ao invés, a verba 28.1. da TGIS e em nosso entendimento, o objetivo definido pelo legislador para esta, foi o de sujeitar a tributação todo e cada um dos prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção aptos a essa mesma finalidade habitacional de valor mais elevado, pertencentes a um dito segmento prémio ou dito de luxo.

Mas tal tributação sobre os referidos prédios de valor dito elevado não poderia efetuar-se sem o recurso a critérios de avaliação que radiquem das próprias características endógenas desses mesmos prédios.

Razão pela qual o legislador erigiu o conceito do valor patrimonial tributário enquanto conceito de determinação para a avaliação de cada um desses prédios habitacionais, tendo por base mínima para essa tributação através da Verba 28.1. sempre que o VPT seja igual ou superior a um milhão de euros.

Logo, qualquer exercício comparativo de prédios urbanos habitacionais que não atinjam sequer esse patamar ou parâmetro de comparabilidade objetivo de um milhão de euros não são a nosso ver aptos a tal raciocínio, na medida em que o propósito legislativo parece ser claramente o de sujeitar a tributação todo e cada um dos prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção aptos a tal finalidade que, pelas suas caraterísticas (localização, áreas de construção, etc.) ultrapassem o patamar de um milhão de euros, objetivamente definido pelo legislador.

Fazendo recair sobre estes últimos, em razão das suas características diferenciadoras, densificadas no seu VPT um esforço adicional ao nível do encargo tributário do seu titular.

De todo o modo, não se vislumbra que pelo simples facto de um contribuinte ser titular de dez prédios urbanos habitacionais (ou de terrenos para construção cuja edificação prevista ou autorizada seja para habitação) com um VPT de € 100.000,00 cada, tenha necessariamente de ter uma capacidade contributiva idêntica à do contribuinte que é titular de um prédio urbano habitacional com um VPT de € 1.000.000,00 (sendo que como já se referiu não é intuito da norma tributar a globalidade do património imobiliário habitacional).

De onde, ante o vindo de expender, não colhem os fundamentos aduzidos pela Requerente no sentido da violação do princípio da igualdade (e capacidade) contributiva, na perspetiva de igualdade horizontal pela redação aplicável aos atos tributários ora impugnados.

Por outro lado, no tocante ao princípio da igualdade, na perspetiva vertical, a Requerente considera que a fixação de tal patamar de € 1.000.000,00 consubstancia violação a tal princípio constitucional, na medida em que permite que não recaia Verba 28.1.1 da TGIS sobre um prédio urbano habitacional ou terreno para construção com tal finalidade com um VPT de € 950.000,00, por exemplo.

Do ponto de vista das opções do poder político, a sujeição a tributação da realidade tributária trazida pela Verba 28.1. da TGIS encerra uma escolha e opção universal e aparentemente racional, assente em critérios de objetividade e de uniformidade e que fazem afastar qualquer ideia de arbitrariedade nas distinções efetuadas pelo legislador.  

A opção legislativa que subjaz à Verba 28.1. da TGIS traduz uma linha de orientação política que pretendeu onerar concretamente os prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção com tal aptidão, de valor elevado, convocando-os assim especialmente para participar no esforço de garantir as necessidades financeiras do Estado e do Estado social através de uma justa repartição do esforço fiscal.

 Ora, conforme decorre do acórdão nº 306/10, proferido pelo Tribunal Constitucional em 14/7/2010, publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 186, de 23/9/2010, “Por outro lado, o Tribunal tem também considerado que o princípio da capacidade contributiva tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal (o citado Acórdão n.º 142/04). 

O Tribunal Constitucional tem vindo, portanto, a afastar-se de um controlo meramente negativo da igualdade tributária, passando a adoptar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos; mas não deixa de aceitar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa, relacionadas com a racionalização do sistema. 

Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem excepção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (cfr. Rogério Fernandes Ferreira/Sérgio Vasques, ob. cit., p. 974).”

Ora, é em face da jurisprudência que vem de se citar, que não podemos deixar de concluir não existir na redação da Verba 28.1. relativamente ao caso dos autos, qualquer violação ao princípio da igualdade constante do artigo 13º, 103º e 104º, na vertente da capacidade contributiva, porquanto embora a solução de fixação do VPT a partir do qual existe sujeição à Verba 28.1. da TGIS pudesse eventualmente do ponto de vista político-legislativo ser outra, não se vislumbra que a mesma resulte arbitrária ou manifestamente desconforme com o fito legislativo, o qual se consubstancia na tributação de prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção com tal finalidade e aptidão de elevado valor ou prémio.

A atual redação da Verba 28.1. da TGIS afigura-se apta a assegurar o cumprimento desse mesmo propósito legislativo, com uma base objetivamente mensurável através do VPT, estabelecendo como VPT mínimo para efeitos de sujeição à Verba 28.1. da TGIS o valor de € 1.000.000,00, fasquia esta que é apta, no contexto económico imobiliário nacional, a não sujeitar a imposto a esmagadora maioria do parque imobiliário do País, justamente devido ao seu valor tributário ser inferior a tal fasquia.

E o estabelecimento de tal critério quantitativo pelo legislador não se afigura como configuradora de qualquer violação do princípio da igualdade na vertente de capacidade contributiva, visto que o critério legislativo, assente em método de avaliação absolutamente objetivo, assegura uma absoluta igualdade dos contribuintes na sujeição a tal imposto, não decorrendo, de resto, de tais princípios constitucionais a imperatividade de uma tributação assente na progressividade do imposto.

Pelo que, também neste segmento, não pode proceder a argumentação expendida pela Requerente.

Por outro lado, no tocante à alegada violação do princípio da igualdade, também na vertente horizontal, na medida em que o legislador optou por sujeitar a Imposto do Selo os prédios urbanos habitacionais ou terrenos para construção aptos a tal finalidade e já não aqueles que se destinam a comércio, indústria ou serviços, igualmente não se vislumbra subsistir qualquer desconformidade para com a Constituição.

Sendo que, especificamente, em matéria de capacidade contributiva ressalta evidente que a solução adotada trata distintamente realidades imobiliárias diferentes com base em critério objetivo e racional (valor patrimonial tributário e finalidade atual ou potencial desse mesmo acervo imobiliário) convocando apenas os prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção com tal fito, os quais pelas suas próprias características têm um VPT mais elevado (igual ou superior a € 1.000.000,00) para o pagamento de tal verba e preservando os demais prédios de valor inferior dessa mesma contribuição adicional para o esforço tributário.

A este respeito e como e de acordo com o sentido reiterado e uniforme da jurisprudência do Tribunal Constitucional: “só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, percetíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 47/2010).

 

A opção legislativa que a Verba 28.1. da TGIS encerra, no sentido de limitar a tributação em Imposto do Selo aos «prédios urbanos habitacionais e terenos para construção cuja edificação prevista ou autorizada seja para habitação» deixa perceber o propósito consciente de não sujeitar a tributação desta verba, os prédios com afetação a serviços, indústria ou comércio, o que é, em tese, entendível em face da sua afetação à atividade económica e ao clima económico de recessivo que se vem vivendo em Portugal, com particular gravidade desde 2011.

Num contexto económico extremamente adverso como o vindo de notoriamente observar nos últimos anos e a precariedade económico-financeira do País, a sujeição a tal verba poderia funcionar como um detonador com efeitos fortemente destrutivos sobre o já de si frágil tecido empresarial e consequentemente, não menos nefasto para o emprego e a coesão social.

A opção legislativa de apenas sujeitar a tributação os prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja habitação enquadra-se, a nosso ver e igualmente, numa opção política de fundo, com substrato de racionalidade e justificação objetivas ao nível das escolhas que cabem ao legislador, sem que daí decorra uma sobrecarga gratuita ou arbitrária.

É que, em qualquer caso, o valor da capacidade contributiva, não obstante da maior relevância para a aferição do princípio da igualdade em matéria tributária, não representa um valor constitucionalmente absoluto, pelo que não poderá deixar de ser ponderado e aferido tendo igualmente em atenção os objetivos do sistema fiscal com idêntica consagração constitucional e a racionalidade e justificabilidade das opções político-legislativas que no quadro do concreto contexto económico existente melhor defendam e acomodem uma justa repartição dos encargos fiscais, com vista a uma justa repartição da riqueza e fazer face às necessidades financeiras do Estado (Social).

Por tudo o que se deixa exposto é entendimento deste Tribunal que a verba 28.1, na redação introduzida pela Lei nº 83-C/2013 de 31 de dezembro se aplica aos terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja habitação, e que essa aplicação não padece de qualquer inconstitucionalidade. Nestes termos, deve ser considerado improcedente o presente pedido arbitral mantendo-se os atos de liquidação de Imposto do Selo com referência ao ano de 2014 nos termos e pelas razões supra expostas.

 

 

 Decisão

 

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral Coletivo:

 

a)      Julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide relativamente à liquidação de Imposto do Selo de 2014, referente ao artigo…, da freguesia de … e, em consequência absolver a Requerida da instância.

 

b) Julgar improcedente o pedido de anulação relativamente às liquidações de Imposto do Selo de 2014 relativas aos artigos … e…;

 

 

Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 76.216,40

 

 

 

VI. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente em 78% e os restantes 22% a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 14 de Abril de 2016

 

 

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

 

________________________________________

Manuel Luís Macaísta Malheiros (Árbitro Presidente)

 

           

 

 

 

___________________________________

 Maria do Rosário Anjos

 

 

 

 

__________________________________

   Luís Ricardo Farinha Sequeira

 



[1] Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5.ª edição, Coimbra, 2009, pp 151-152.