Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 487/2021-T
Data da decisão: 2022-10-07  ISV  
Valor do pedido: € 56.000,41
Tema: ISV – Revogação do ato tributário – inutilidade superveniente da lide
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SUMÁRIO

 

  1. A revogação do ato tributário pode ocorrer após a constituição do tribunal arbitral.
  2. A revogação do ato tributário, expressamente aceite pelo contribuinte, determina a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, já que o fim visado com a instauração da impugnação foi plenamente atingido por outro meio.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A árbitra Marisa Almeida Araújo, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 26 de outubro de 2021, decide:

 

  1. Relatório

 

A…, Lda., NIPC …, com sede na Estrada …, Gondomar, (adiante apenas “Requerente”) veio, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante apenas designado por RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, requerer a constituição de tribunal arbitral.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante “Requerida” ou “AT”).

 

A Requerente pretende que o Tribunal declare a anulação parcial da liquidação de imposto sobre veículos e decisão de indeferimento de pedido de revisão oficiosa e seja a AT condenada a reembolsar o Requerente no montante de € 56.000,41, acrescida de juros indemnizatórios.

 

A Requente alega, sumariamente, que procedeu à importação intracomunitária de diversos veículos automóveis usados no período compreendido entre 2017 a 2019 que entraram em território nacional.

 

A Requerente suscita que, sobre a componente ambiental, não foi aplicada qualquer percentagem de dedução sendo que a norma jurídica que esteve na base da respetiva liquidação – art. 11.º do CISV – viola o art. 110.º do TFUE.

 

Apesar disso, a Requerente, procedeu ao pagamento da totalidade do ISV.

 

A Requerente, não se conformando com a liquidação respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental, por não ter sido aplicada qualquer percentagem de dedução nos termos legais que entende aplicáveis, requereu em 18 de dezembro de 2020, junto da Alfândega do Freixieiro, a revisão da liquidação do impostos liquidado aos veículos em apreço nos autos, o que foi indeferido e notificado à Requerente em 13 de maio de 2021.

 

A Requerente considera que a liquidação efetuada do ISV está ferida de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental ou CO2 uma vez que, na sua perspetiva, a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – o art. 11.º do CISV – viola o art. 110.º do TFEU (Tratado de Funcionamento da União Europeia).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado a 11 de agosto de 2021 tendo sido aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD a 12 de agosto de 2021 e seguiu a sua normal tramitação.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou a árbitra do Tribunal Arbitral Singular, aqui signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes, notificadas dessa designação em 6 de outubro de 2021, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 26 de outubro de 2021.

 

Em 28 de novembro de 2021, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por exceção e pugna pela improcedência do pedido com a consequente absolvição do pedido quanto às liquidações identificadas no âmbito da matéria de exceção, e juntou o processo administrativo.

A Requerente foi notificada para, querendo, exercer o contraditório a 14 de dezembro de 2021.

 

Posteriormente a Requerente veio, a 11 de janeiro de 2022, juntar aos autos decisão de revogação parcial dos atos tributários no âmbito do processo n.º 725/2021-T que, segundo a Requerente, se referem aos atos em apreço nos presentes autos.

A 12 de janeiro de 2022 foi a Requerida notificada para se pronunciar em relação ao requerimento que antecedeu.

 

A 23 de fevereiro de 2022 foi dispensada a realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT e foram as partes notificadas para, querendo, apresentarem as suas alegações. A 28 de março de 2022 fixou-se o dia 22 de abril de 2022 para a prolação da decisão final que, pelas vicissitudes processuais, acabou por ser prorrogado o prazo.

 

Notificada para o efeito, a Requerida veio, a 31 de agosto de 2022, juntar aos autos a decisão de revogação parcial proferida no âmbito do processo n.º 725/2021-T e cuja junção aos autos requereu.

Em cumprimento do exercício do contraditório a Requerente, mantendo posição explanada no seu requerimento de 11 de janeiro de 2022, e expressamente requereu a extinção do processo por inutilidade superveniente da lide.

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Não há nulidades ou matéria de exceção para.

 

  1. Fundamentação

 

III.I. Matéria de facto

 

  1. Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

  1. A Requerente procedeu à sua importação e deu entrada com o mesmo em território nacional dos seguintes veículos automóveis, todos usados, e provenientes de diversos Estados Membros.
  2. A 9 de agosto de 2021 foi apresentado um pedido de constituição do tribunal arbitral que foi cancelado no dia 10 de agosto do mesmo ano.
  3. No dia 11 de agosto de 2021 foi submetido novo pedido, em relação aos mesmos atos tributários, aceite pelo CAAD a 12 de agosto de 2021, e ao qual foi atribuído o n.º 487/2021-T.
  4. Acontece que o primeiro pedido referido no ponto 2. supra – ainda que cancelado – acabou por ser também aceite pelo CAAD a 10 de novembro de 2021 tendo-lhe sido atribuído o n.º 725/2021-T.
  5. No âmbito do processo referido no número anterior, a AT, nos termos do n.º 1 do art. 13.º do RJAT, decidiu-se pela revogação parcial do ato por despacho de 30/11/2021.
  6. Os atos tributários em apreço em ambos os processos – o que se decide e aquela a que foi atribuído o n.º 725/2021-T – são os mesmos.

 

  1. Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.

 

  1. Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes e nos documentos juntos pelas Partes, mormente processo administrativo.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.

 

 

III.II Matéria de Direito (fundamentação)

 

            Quanto à revogação do ato impugnado por parte da AT há que considerar as vicissitudes concretas pelas quais a tramitação processual passou, mormente tendo em conta que a AT procedeu á revogação parcial do ato tributário, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art. 13.º do RJAT, por despacho de 30/11/2021 no âmbito do processo n.º 725/2021-T, cujo objeto e causa de pedir coincide com o que está em apreço nos presentes autos. Coincidência esta que se verificou, por lapso e tendo em conta, como refere a Requerente, a toda a logística processual associada às limitações e constrangimentos decorrentes da situação de COVID e por manifesto lapso levou o CAAD a aceitar, também, um processo que já havia sido cancelado.

            Desta forma, tanto este processo, como o aludido processo 725/2021-T visam a apreciação do mesmo ato tributário, em relação ao qual a AT já proferiu despacho de revogação parcial.

            Tendo em conta as vicissitudes descritas e o lapso verificado haverá que ter em conta e dar relevância à atuação da AT e ao momento em que o faz – ainda que no processo 725/2021-T – sendo que, dessa forma, há que convocar o disposto no artigo 13.º n.º 1 do RJAT, que determina o seguinte:

 

Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º.”

           

Desta forma, – e, uma vez mais, tendo como referência aquelas vicissitudes descritas – a AT veio juntar aos autos do processo 725/2021-T a decisão de revogação parcial dos atos por despacho de 30/11/2022.

            Tendo em conta os factos descritos pela própria Requerente entende-se que a revogação ocorreu, também para os efeitos consignados para este processo, nos termos do transcrito art. 13.º do RJAT.

            Ao que sempre acresceria o facto, que também não se pode olvidar, que a Requerente, notificada para o efeito, expressamente aceitou e não se opondo à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide o que, dessa forma, se conclui que o fim visado pela Requerente com a instauração do processo foi plenamente atingido por outro meio.

Conforme explicam LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA, RUI PINTO, a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide “dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou se encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio” – cfr. Código de Processo Civil anotado” volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 555.

                                                                                                       

Verifica-se, pois, a inutilidade superveniente da lide no que concerne ao pedido de anulação do ato tributário objeto do presente processo, o que determina a extinção da correspondente instância, ficando assim prejudicado o conhecimento das demais questões elencadas.

 

 

  1. Decisão

 

Nestes termos, este Tribunal Arbitral Singular decide julgar verificada a inutilidade superveniente da lide, determinando-se, em consequência, a extinção da instância arbitral, nos termos do disposto no artigo 277.º, al. e) do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT, com custas a cargo da Requerida.

 

 

  1. Valor do processo

Tendo em consideração o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1 do CPPT e no artigo 3.º, nº. 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 56.000,41.

 

  1. Custas

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em € 2.142,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 7 de outubro de 2022

 

A Árbitra,

 

 

 

(Marisa Almeida Araújo)