Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 140/2016-T
Data da decisão: 2016-10-04  IUC  
Valor do pedido: € 392,43
Tema: IUC - Incidência subjetiva
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Decisão Arbitral

 

 

I. Relatório

 

1. A…, contribuinte n.º…, residente na Av.ª…, n.º …-…, …-… …, ..., requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária suscitando pedido de pronúncia arbitral contra o acto de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC), relativo ao período de tributação de 2015 e ao veículo automóvel com o número de matrícula …-…-…, no valor de € 392,43.

 

2. Como fundamento do pedido, apresentado em 8 de Março de 2016, o Requerente alega, em síntese, que o veiculo em causa já não se encontrava na sua posse no período a que respeita a questionada liquidação dado o mesmo ter sido transmitido a terceiro, por contrato de compra e venda, desde pelo menos Setembro de 1997.

 

3. Em resposta ao solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário impugnado e, em conformidade, pela absolvição da entidade Requerida, invocando, porém, a sua intempestividade, como exceção dilatória, impeditiva do conhecimento do mérito do pedido.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 18 de Março de 2016.

 

5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 4 de Maio de 2016.

 

6. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

7. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral singular foi constituído em 19 de Maio de 2016.

 

8. Regularmente constituído o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

9. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

10. Na sequência de notificação para a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e inquirição das testemunhas por ele arroladas, o Requerente veio declarar, por requerimento com entrada no dia 22-09-2016, prescindir da sua audição.

 

11. Assim, atento o conhecimento que decorre das peças processuais - designadamente do processo administrativo e documentos apresentados pelo Requerente - que se julga suficiente, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

II. Matéria de facto

 

12. Com relevância para a apreciação da questão suscitada, destacam-se os seguintes elementos factuais, que, com base nos elementos que integram o presente processo, se consideram provados:

 

 

12.1. Em 05-07-2015, por falta de pagamento atempado do IUC relativo ao período de tributação de 2015 e ao veículo automóvel com a matrícula …-…-…, foi emitida, pelos serviços competentes da AT, a liquidação oficiosa n-º 2015…, da importância de € 392,43, sendo € 386,00 de imposto e € 5,43, de juros compensatórios.

 

12.2. Conforme consta da notificação efetuada ao Requerente, a referida liquidação, tinha como prazo limite para o seu pagamento voluntário, o dia 29-07-2015.

 

12.3. Discordando da liquidação que lhe foi notificada, o Requerente, em 22-10-2015, dela reclamou graciosamente, ao abrigo do artigo 68.º do CPPT.

 

12.4. Como fundamento da reclamação, alega, no essencial, que à data da exigibilidade do imposto liquidado o veículo a que o mesmo respeita já não era propriedade sua, porquanto havia sido objeto de transmissão, por contrato de compra e venda, celebrado em 1997, não tendo o respetivo adquirente regularizado o registo de propriedade do veículo em causa.

 

12.5. Por despacho de 07-12-2015, do chefe do Serviço de Finanças competente, a reclamação foi totalmente indeferida, com o fundamento de que, de acordo com a informação residente na Conservatória do Registo Automóvel o veículo em causa se encontrava registado em nome do reclamante, pelo que, consequentemente, era ele o sujeito passivo da obrigação de imposto à data da sua exigibilidade com referência ao período de 2015.

 

12.6. A referida decisão, com a respetiva fundamentação, foi notificada ao reclamante em 11-12-2015, através do oficio n.º…, de … do mesmo mês, do Serviço de Finanças de ...… .

 

13. Não existem factos relevantes para a decisão de mérito que não se tenham provado.

 

III. Matéria de direito

 

14. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente submete à apreciação deste tribunal a legalidade do ato de liquidação de IUC, relativo ao período de 2015 e ao veículo com a matrícula …-…-…, invocando a circunstância de, à data a que se reporta o facto tributário que o originou o veículo a que respeita ter sido já objeto de transmissão para terceiro, pelo que, consequentemente, não assume a qualidade de sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado.

 

15. Está, pois, em causa determinar se o Requerente deve ou não ser considerado sujeito passivo de IUC quanto ao veículo e período a que o tributo respeita, considerando que o mesmo, muito embora continuasse então registado em seu nome, teria já sido objeto de transmissão por contrato de compra e venda, ainda que não tivesse sido atualizado o Registo Automóvel.

 

16. Relativamente a esta matéria, dispõe o artigo 3.º do CIUC, nos seus números 1 e 2, na redação em vigor à data do facto tributário a que respeita a liquidação impugnada, que: "1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados."

 

17. Segundo entendimento da Requerida, a referida norma não comporta qualquer presunção legal, considerando que "o legislador tributário ... estabeleceu expressa e intencionalmente que estes (sujeitos passivos) são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas) considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos (os veículos) se encontrem registados."

 

18. Por seu lado, sustenta o Requerente que aquela norma consagra uma presunção legal, ilidível nos termos gerais e, em especial, por força do disposto no artigo 73.º da LGT segundo o qual as presunções de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

 

19. Esta matéria tem sido objeto de numerosas decisões no âmbito dos tribunais arbitrais a funcionar no CAAD, em geral no sentido da procedência dos respetivos pedidos, com o fundamento de que a norma em causa encerra uma presunção legal que admite prova em contrário [i].

 

20. Aderindo sem reservas à posição acima referida, dispensa-se, por desnecessária e fastidiosa, a reprodução da respetiva fundamentação, porquanto no presente processo nada de novo se adianta nessa matéria.

 

III.1. Da exceção dilatória

 

21. Sintetizados os elementos factuais relevantes bem como as posições que, em matéria de interpretação do direito aplicável, vêm sustentadas pelas Partes, importa, antes de mais, analisar e decidir a exceção invocada pela Requerida.

 

22. Segundo alega a Requerida, o objeto do pedido é a liquidação de IUC relativa ao período de 2015 e ao veículo com a matrícula …-…-…, não tendo a Requerente formulado qualquer pedido tendente à anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa por si deduzida contra a questionada liquidação.

 

23. Com efeito, prossegue a Requerida, “da leitura do pedido de pronúncia arbitral afere-se que a Requerente não esgrimiu um único argumento contra a fundamentação expendida relativamente ao indeferimento da Reclamação Graciosa, nem contesta a argumentação invocada pela Requerida para o seu indeferimento.”

 

24. Assim, “...não tendo a Requerente esgrimido qualquer reparo ou contestação aos argumentos tecidos pela Requerida e que culminaram com o indeferimento da referida reclamação, forçoso é concluir que inexiste fundamento para se poder firmar a tempestividade do pedido e, consequentemente, a possibilidade deste Tribunal Arbitral Singular apreciar o pedido formulado relativamente ao ato de liquidação.”

 

25. Com os fundamento acima sintetizados conclui a Requerida que “Neste desiderato e resultando, clara e inequivocamente do pedido de pronúncia arbitral a impugnação direta dos atos de liquidação de IUC e não o indeferimento da Reclamação Graciosa deve o pedido formulado deve ser declarado intempestivo, tendo sido interposto para além dos 90 dias após o prazo para pagamento voluntário – finais de 2013 – e, consequentemente ser a Requerida absolvida da instância, nos termos do artigo 278.º/1-e) do CPC, ex vi do artigo 29.º/1-e) dp RJAT.”

 

26. Considera, pois, a AT que a Requerente define como objeto do pedido de pronúncia arbitral os atos de liquidação de IUC e juros compensatórios cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 29-07-2015, tendo o pedido sido apresentado em 08-03-2016. Ora, entregue já depois de decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 10.º, do RJAT, seria o mesmo manifestamente intempestivo.

 

27. Não se acompanha, porém, tal entendimento. Com efeito, resulta com clareza da norma do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT que, nas situações, como a que se evidencia no presente processo, em que tenha havido reclamação graciosa e/ou recurso hierárquico, o prazo para apresentar pedido de pronúncia arbitral conta-se da notificação da decisão naqueles proferida.

 

28. Salienta-se que esta matéria tem vindo a ser objeto de diversas decisões arbitrais, recordando-se, a este propósito a decisão arbitral proferida no processo 419/2014-T, de que se transcreve:

 

" Como decorre da competência atribuída aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a legalidade de actos de liquidação, e não de decisões de indeferimento de recursos hierárquicos ou reclamações graciosas, quando há lugar a impugnação administrativa de actos de liquidação, estes actos de liquidação são sempre impugnáveis em prazo a contar da notificação da decisão de indeferimento, pois o artigo 10.º, n.º 1, indica-os como termos iniciais. Por isso, o requerente da arbitragem não tem que impugnar os actos de segundo ou terceiro grau e, mesmo quando impugna estes, considera-se que o objecto do processo arbitral é sempre o objecto mediato que constituem os actos de liquidação mantidos por actos de segundo ou terceiro grau sempre que o Requerente não impute a estes vícios próprios. Mas, obviamente, se o requerente da arbitragem apenas pretende ver declarada a ilegalidade de actos de liquidação, que são os que, sendo susceptíveis de execução coerciva, afectam a sua esfera jurídica, não tem que impugnar os actos de segundo ou terceiro grau, que carecem de lesividade autónoma.

 De resto, uma hipotética deficiência na formulação do pedido não teria como corolário a absolvição da instância, apenas dando lugar, se necessário, mas sempre que necessário, a uma correcção, como impõe a alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do RJAT, em sintonia com o direito constitucional à impugnação contenciosa de todos os actos da Administração que lesem os direitos dos contribuintes (artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP)."

 

29. No mesmo sentido, pode ler-se, em decisão arbitral, de 27-10-2015, no proc. 124/2015-T:

 

" Estamos uma vez mais naquele caso em que parece confundir-se o âmbito material da arbitragem (artigo 2º, do RJAT) com a data a partir da qual o pedido de pronúncia arbitral pode ser interposto (artigo 10º, do RJAT) e também e mais uma vez, se trata aqui da abordagem da questão da recorribilidade, por intermédio da arbitragem, dos actos de segundo ou de terceiro graus. A problemática dos actos de segundo e terceiro graus na arbitragem tributária prende-se, ao que se julga, com pelo menos duas questões distintas: uma primeira, a de saber se tendo sido intentado um meio gracioso administrativo, o objecto do processo arbitral será a decisão que venha a ser proferida pela Administração Tributária – em sede de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa – ou, pelo contrário, o acto de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta; uma segunda, que interliga questões de competência e questões de prazo, e que é a de saber se o tribunal terá competência – e, se sim, em que medida – para apreciar um acto de primeiro grau quando o pedido seja apresentado na decorrência de um indeferimento tácito de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou pedido de revisão oficiosa previamente apresentados.

 No que respeita à primeira questão, já no âmbito da impugnação judicial, era discutível se, perante uma decisão expressa de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa, o contribuinte impugnava directamente o acto de liquidação anteriormente reclamado, recorrido ou revisto (o acto de primeiro grau) ou a própria decisão (de indeferimento) de reclamação, de recurso ou de pedido de revisão oficiosa que, por sua vez, apreciou a (i)legalidade do acto impugnado - o acto de segundo grau. O Supremo Tribunal Administrativo (STA) veio pronunciar-se sobre a questão, em acórdão datado de 18 de Maio de 2011, proferido no âmbito do processo n.º 0156/11[1], admitindo que“(…) o objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise(…).”

 “(…) a impugnação não está, por isso, limitada pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do acto tributário.(…)”

 Esta é a primeira questão que deve ficar clara: o objecto do processo arbitral é o acto de liquidação de IRS.

Questão diferente desta é a de saber se o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado dentro do prazo. Aqui entende o Tribunal que o legislador arbitral foi claro ao compartimentar questões de competência e questões de prazos.

Assim é que quanto à competência ou âmbito material em que o objecto da arbitragem é, como se concluiu, a apreciação da ilegalidade dos actos de liquidação IRS.

Quanto ao prazo, o contribuinte pode recorrer à arbitragem logo aquando da notificação dos actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta ou, tendo recorrido à via administrativa, após a notificação da decisão de indeferimento ou da formação do indeferimento tácito. Esta resposta encontra-se, por seu turno, no artigo 10.º. Desta norma não se deve porém retirar a competência para apreciação directa dos actos de segundo grau. Esta é uma norma que respeita única e exclusivamente ao dies a quo do prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral. É uma norma que respeita portanto ao momento a partir do qual se inicia a contagem do prazo para solicitar o pedido de constituição do tribunal arbitral.

Com efeito, o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), determina que os tribunais arbitrais têm competência para apreciar “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”. Não há, pois, qualquer referência aos actos de indeferimento de reclamação graciosa, de recurso hierárquico ou de pedido de revisão oficiosa, i.e., não se menciona a arbitrabilidade de decisões de indeferimento, expresso ou tácito, das vias administrativas prévias utilizadas. Não há nem tinha que haver.

Entende-se a este propósito que os actos de segundo ou terceiro graus poderão sempre ser arbitráveis, na medida em que comportem, e só nesta medida, eles próprios, a (i)legalidade dos actos de liquidação em causa. Na base deste entendimento estará para parte da Doutrina uma interpretação teleológica, designadamente por a alínea a) do n.º 1, do artigo 10.º referir expressamente a “decisão de recurso hierárquico” e está também, ao que se julga, o facto de o acto de segundo ou de terceiro grau estar a apreciar o acto de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte ou pagamento por conta objecto da arbitragem.

Defende-se aqui, por conseguinte, uma interpretação segundo a qual não são arbitráveis os vícios próprios dos actos de indeferimento de reclamações graciosas, de recursos hierárquicos ou de pedidos de revisão do acto tributário porque escapam ao âmbito material da arbitragem tributária. Por outras palavras, esses actos de indeferimento só poderão ser “trazidos” para a jurisdição arbitral, na estrita condição de terem, eles próprios, apreciado a (i)legalidade do acto tributário que o sujeito passivo, verdadeira e efectivamente, pretende impugnar pela via arbitral.

Neste sentido, veja-se a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 272/2014-T]:

“65 - O indeferimento de reclamação graciosa corporiza, no quadro da impugnação judicial, o caso previsto no n.º 2 do art.º 102.º do CPPT, colocando-se a questão de saber se, face às competências legalmente cometidas aos tribunais arbitrais, os mesmos serão competentes para, em quaisquer circunstâncias, apreciarem os actos de indeferimento de reclamações graciosas.

66 - Estando a competência dos tribunais arbitrais, que funcionam junto do CAAD, circunscrita e limitada, como já atrás se referiu, à declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, a apreciação dos actos de indeferimento de reclamações graciosas, por parte dos referidos tribunais, há de estar condicionada ao efectivo conhecimento que tais actos tiveram da legalidade dos actos de liquidação com que estão relacionados.

67 - A decisão de indeferimento da reclamação graciosa, proferida nas atrás mencionadas circunstâncias, reafirma a legalidade do acto de liquidação em causa e volta a confirmá-lo, tal como inicialmente fora configurado.

68 - O indeferimento da reclamação graciosa, é um acto lesivo susceptível de impugnação por parte do interessado, o qual, na medida em que procede à reafirmação do acto primário de liquidação subjacente e do qual é indissociável, não pode deixar de ter a sua apreciação cometida aos tribunais arbitrais, que, como já se referiu, têm as suas competências fundamentalmente centradas na declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos.””

 

30. Acompanhando-se a posição expressa nas decisões arbitrais nos segmentos que acima se transcrevem, a que, sem reservas se adere, constata-se, no presente caso, que a notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que apreciou o ato de liquidação em causa no presente processo, ocorreu em 11-12-2015 e o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado 08-03-2016, portanto dentro do prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

31. Nestes termos, considera-se improcedente a exceção invocada pela Requerida (AT).

 

III.2. Do mérito do pedido

 

32. Concluindo-se, na esteira da orientação que invariavelmente vem sendo seguida pela jurisprudência arbitral, que a norma de incidência subjetiva do IUC consagra uma presunção ilidível, importa analisar-se a documentação oferecida pela Requerente no sentido de se saber se a mesma constitui, ou não, prova bastante para a sua elisão, uma vez que o Requerente, em pedido entrado em 22-09-2016 veio declarar prescindir da audição das testemunhas por si arroladas.

 

33. Como acima referido, em sede de matéria factual, na situação a que se refere o presente pedido, está em causa a tributação em IUC de uma viatura automóvel que, à data da exigibilidade do tributo, seria já propriedade de terceiro, transacionada por contrato de compra e venda celebrado com o Requerente, conforme vem por este alegado.

 

34. Relativamente à situação referida são apresentados, como elemento probatórios, diversos documentos, de que se destacam:

 

a) Cópia de uma comunicação, datada de 18-09-1997, efetuada pelo Requerente à companhia de seguros a solicitar que fique sem efeito a apólice de seguro em virtude de venda do respetivo veículo (Doc.1);

 

b) Declaração emitida em 30-11-1998 pelo adquirente da viatura em causa em que este declara ser responsável por quaisquer encargos a ela relativos ocorridos no período em que circular com o registo em nome do ora Requerente (Doc.2);

 

c) Informação relativa ao registo automóvel da viatura de que se extrai ter este sido efetuado, a favor do ora Requerente em 29-04-1998, e que sobre a mesma recaem duas penhoras, registadas em 2004 e em 2008 (Doc. 3);

 

d) Certificação, pela Conservatória do Registo Comercial de ..., de que é sócio da empresa B…-, sobre que recaiu penhora registada em 2004, o adquirente da viatura em causa, identificado na declaração que constitui o documento 3 (Doc. 4);

 

e) Citação do Requerente, em 2005, de penhora do veículo em causa em execução movida por C…, S.A., contra a sociedade referida na alínea anterior; (Doc, 5).

 

f) Cópia de documento não identificado quanto à sua origem relativo ao cancelamento de seguro do veículo de que seria tomador, de 19-11-1998 a 26-02-2009 a empresa D…, Ld.ª; (Doc.6).

 

Da elisão da presunção

 

35. As presunções de incidência tributária podem ser ilididas através do procedimento contraditório próprio previsto no artigo 64.º do CPPT ou, em alternativa, pela via de reclamação graciosa ou de impugnação judicial dos atos tributários que nelas se baseiem.

 

36. No presente caso, a Requerente não utilizou aquele procedimento específico, pelo que o presente pedido de decisão arbitral é meio próprio para ilidir a presunção de incidência subjetiva do IUC que suporta as liquidações tributárias cuja anulação constitui objeto do pedido, pois que se trata de matéria que se situa no âmbito da competência material deste tribunal arbitral (arts. 2.º e 4.º do RJAT).

 

37. Figurando a Requerente no Registo Automóvel como proprietária do veículo identificado no pedido no período de tributação a que as questionada liquidação respeita e alegando-se que o veículo em causa, na data da exigibilidade do imposto, havia passado já para a propriedade de terceiro, por contrato de compra e venda, resta avaliar-se a prova apresentada, no sentido de se determinar se é a mesma bastante para ilidir a presunção estabelecida no n.º 1 do artigo 3.º do mesmo Código, na redação vigente à data do facto tributário a que se reporta a liquidação impugnada.

 

38. Para elisão da referida presunção, derivada da inscrição do registo automóvel, o Requerente oferece os documentos acima elencados, identificados como documentos 1 a 6, que, para todos os efeitos legais, a Requerida veio impugnar, nos seguintes termos:

 

“116º. Em primeiro lugar, a circunstância de alegadamente o Requerente ter solicitado a anulação da apólice de seguro não é, só por si, sinónimo de venda do veículo em causa.

117.º. Por palavras mais simples, a venda de um veículo automóvel não é demonstrável pelo mero pedido de uma anulação de apólice de seguro automóvel.

118.º.Em segundo lugar, o Requerente alega ter vendido a viatura em causa a E… em meados de setembro de 1997, o que está em directa contradição com o Documento 2 junto à p.i.

119.º. Com efeito, a declaração corporizada em Documento 2 junto à p.i. diz respeito a uma relação jurídica existente entre o “F…– Comércio Automóvel” e E… e não uma relação jurídica existente entre o Requerente e E… .”

120.º. Por outro lado, a declaração corporizada no Documento 2 junto à p.i. respeita a uma suposta venda realizada em 1998-11-30 e não a uma venda alegadamente realizada em meados de setembro de 1997.

121.º. Em terceiro lugar, o Requerente alega ter vendido a viatura em causa a E… em meados de 1997, o que está em direta contradição com o Documento 3 junto à p.i..

122.º Com efeito, a informação registral corporizada no Documento 3 junto à p.i. e dotada de fé pública (e que foi transmitida à Requerida – Cfr. Fls ... do PROCESSO ADMINISTRATIVO) refere clara e inequivocamente que o Requerente registou a ser favor a propriedade da viatura em causa em 1998-04.-29”

...

39. Conclui a Requerida que “... as incongruências e contradições entre os factos alegados e os documentos juntos à p.i. são de tal ordem que se levantam sérias dúvidas sobre a sua veracidade...” pelo que “...em consequência directa daquilo que se acaba de expor forçoso é concluir que os documentos juntos à p.i. estão longe de constituir prova suficiente para abalar a (suposta) presunção legal estabelecida no artigo 3.º do CIUC.”

 

40. Com efeito, em face das insuficiências e contradições assinaladas não pode deixar de se reconhecer razão à Requerida, concluindo o Tribunal que os documentos apresentados pelo Requerente não constituem prova suscetível de ilidir a presunção contida no artigo 3.º do Código do IUC, na redação vigente à data do facto tributário a que se reporta a liquidação impugnada.

 

IV. Decisão

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

a)      Julgar improcedente a exceção dilatória invocada pela Requerida (AT);

 

b) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, no que concerne à ilegalidade da liquidação de IUC, e juros compensatórios, relativa ao veículo com a matrícula …-…-… e ao período de 2015.

 

 

 

Valor do processo: € 392,43

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 306,00, a cargo do Requerente.

 

 

 

Lisboa, 4 de outubro de 2016,

 

O árbitro, Álvaro Caneira.

 

 

 

 

 



[i]  A título meramente exemplificativo, cfr. Procs.14/2013-T, 26/2013-T, 27/2013-T, 73/2013-T, 170/2013-T, 217/2013--T, 256/2013-T, 289/2013-T, 294/2013-T, 21/2014-T, 42/2014-T, 43/2014-T, 50/2014-T, 52/2014-T, 67/2014-T6, 68/2014-T, 77/2014-T, 108/2014-T, 115/2014-T, 117/2014-T, 118/2014-T, 120/2014-T, 121/2014-T, 128/2014-T, 140/2014-T, 141/2014-T, 152/2014-T, 154/2014-T,  173/2014-T, 174/2014-T, 175/2014-T, 182/2014-T, 191/2014-T, 214/2014-T, 219/2014-T, 221/2014-T, 222/2014-T, 227/2014-T, 228/2014-T, 229/2014-T, 230/2014-T,  233/2014-T, 246/2014-T, 247/2014-T, 250/2014-T. 262/2014-T, 302/2014-T, 333/2014-T,  414/2014-T, 646/2014-T, todos disponíveis em www.caad.org.pt.